11-Gnarus11-Artigo-SOBRE A MAÇONARIA NA HIST MOD E O GRAU DE MESTRE

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Artigo

SOBRE A MAÇONARIA NA HISTÓRIA MODERNA E O GRAU DE MESTRE Por Marcus Vinícius Teixeira dos Anjos e Adílio Jorge Marques RESUMO: Neste trabalho os autores se propõem apresentar o caminho histórico da Maçonaria no século XVIII, tomando por base fontes primárias e secundárias que tratam do chamado simbolismo maçônico do 3º grau. Este é conhecido pela chancela de “Grau do Mestre Maçom”. Identificamos que existem palavras específicas, além de um conjunto de símbolos e significados, que denotam o espírito do pensamento moderno. Assim o objetivo central deste estudo está no grau de Mestre e nas suas correlações linguísticas dadas por antigos livros e manuais, disponíveis a qualquer pesquisador do mundo. E por duas razões. A primeira, pela sua natureza, pois ela surge em concomitância com o último grau desenvolvido na Maçonaria dos primeiros graus de seus estudos, o que para os autores evidenciaria a transformação da essência da organização até então conhecida como operativa, ou seja, laboral, afeita às corporações operárias, e assemelhando-se a um grupo de trabalho quase sindical. Isto irá mudar para um caráter chamado de especulativo, a saber, um caráter desassociado do conhecimento de técnicas construtivas reais para cuidar de questões mais filosóficas, movida por transformações sociais de época, mas sem perder as antigas relações de mutualidade entre seus membros. A outra razão é a própria palavra em si e as suas muitas variações, com o próprio estudo das muitas variações dessa palavra, o que leva à possibilidade de novos estudos futuros não apenas nas áreas da História e da Sociologia, mas também da Linguística. Palavras Chaves: Maçonaria. História. Grau de Mestre. Linguística.

Introdução

N

os umbrais de nosso trabalho faz-se necessário pontuar que comumente a Maçonaria é referida como uma sociedade secreta. Contudo, OLIVEIRA (2012, p. 1) afirma que: “[...] a Maçonaria não é uma entidade secreta. A história e a finalidade da Ordem devem ser exaustivamente divulgadas”. Neste diapasão, nenhum detalhe dos rituais atuais será revelado, de modo que as informações aqui divulgadas não são do tipo que ferem os compromissos assumidos por

maçons. As obras consultadas são públicas e de antiguidade comprovada. De início esclarecemos que a expressão “Maçonaria simbólica”, amplamente vulgarizada, apresenta aproximadamente 321 mil resultados na ferramenta de pesquisa Google por ocasião da redação desse artigo, e possui uma definição corrente em diversas fontes sem que tenhamos conseguido identificar a autoria. Em resumo, algo como a Maçonaria simbólica utiliza o sistema de graus para transmitir os seus ensinamentos, e cujo acesso é obtido por meio de uma

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Iniciação para cada grau. Os ensinamentos são transmitidos por meio de representações e símbolos. Desta forma, no presente artigo, sugerimos que o conceito de “Maçonaria simbólica”, e que abrange os três primeiros graus da Ordem - Aprendiz, Companheiro e Mestre - deve ser entendido como a Maçonaria de hermenêutica baseada nos sinais e símbolos. Tendo três estágios considerados iniciáticos, independentes e complementares entre si e alicerçada em três conceitos: iniciação, rito e mistério. Sobre o significado da iniciação, Mircea Eliade nos fornece o mais plural e ainda assim, completo possível, a saber: Compreende-se geralmente por iniciação um conjunto de ritos e de ensinamentos orais que persegue a modificação radical do estatuto religioso e social do sujeito a iniciar. Filosoficamente falando, a iniciação equivale a uma mutação ontológica do regime existencial. Ao fim de suas provas, o neófito goza de outra existência que a anterior à iniciação: torna-se um outro. (ELIADE, 2004).

Sobre o rito, Barzán nos dirá: A palavra deriva do latim ritus, cujo equivalente em grego é thesmós (em dórico tehmós) e cujo significado no plural é: “tradições ancestrais, regras, ritos”... o rito carrega de sacralidade, ou seja, de vitalidade renovada e de energia, o tempo, o espaço e a casualidade empírica. Estas três condições da existência sensível possuem uma disposição que lhe é inerente para a mudança, a dispersão e a dissolução. (BARZAN, 2002, p. 50).

O mesmo Barzán ainda pontuará:

Os mistérios realizam a mesma finalidade em toda a sua extensão: “Imitam a natureza do divino, que rejeita a percepção direta”. Na realidade, permitem ao iniciado experimentar o segredo que se oculta nas formas e mudanças do cosmo. Sob os véus das celebrações mistéricas: ações, utensílios, mitos e discursos sagrados [hierós logos], a primeira coisa que salta à vista é a vida inesgotável da natureza e a sua circulação universal. (BARZÁN, 2002, p. 118).

Definido o ponto de vista esclarecemos que a pesquisa obedeceu ao estudo de quatro grupos de fontes primarias bibliográficas: 1 - Catecismos originários, publicações manuscritas ou impressas (KNOOP,1963) no período de 1370 ou após: 1730: Manuscrito Regius (c. 1370); Manuscrito Cooke (1429); Manuscrito da Grand Lodge nº1 (1583); Manuscrito Edinburgh Register House (1696); Manuscrito Sloane n.3329 (1700); Manuscrito Trinity College (1711); O Exame de um Maçom (Mason’s Examination) - primeira publicação a expor os segredos maçônicos (1723); Manuscrito Graham (1726) e A Maçonaria Dissecada de Samuel Prichard (1730); 2 - Divulgações Inglesas (KNOOP,1963) e Francesas (CARR, 1971), que abrangem os anos de 1738 à 1769: La Reception Mysterieuse, tradução da Maçonaria Dissecada de Samuel Prichard (1738); A Ordem dos FrancosMaçons Traída de Gabriel-Louis Pérau (1744); Catéchisme des Francs-Macons de Leonard Gabanon (Louis Travenol) (1744); A Chancela Rompida ou O Selo Quebrado (Le Sceau Rompu) autoria anônima (1745); La Desolation des Entepreneurs Modernes du Temple du Jerusalem de Leonard Gabanon

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GNARUS - 98 (Louis Travenol) (1747); L’Anti-maçon, autoria anônima (1748); Le Nouveau Catéchisme des Francs-Macons de Leonard Gabanon (Louis Travenol) (1749); Maçom sem Mascaras de Thomas Wilson - mestre da Swan Tavern Lodge - (1751); Master key to free-masonry, autoria anônima (1760); Três Batidas Distintas (Three Distinct Knocks), autoria anônima (1760) e Jachin and Boaz, an Authentic Key to the Door of Free-masonry both Ancients and Moderns, autoria anônima (1762). 3 - Catecismos intermediários, em sua maioria textos impressos com o ritual dos 3 graus simbólicos iniciais, todos do séc. XVIII: Les trois premiers grd. uniform de la mac. De Nerad Herono (Honoré Renard), (1778); Recueil des trois premier grades de la maconnerie, autoria anônima (1788) e Brown’s Masonic Master Key through the Three Degrees by way of polyglot de John Brown, impresso em cifra (1798); 4 - Grandes Rituais Antigos (tornados públicos): Os Rituais do Rito Escocês Retificado escrito por Jean Baptiste Willermoz e aceito pelo Convento de Wilhelmsbad, e que foram publicados como Rituel du grau d’apprenti, de Compagnon, et de maitre francmacon pour le regime de la maconnerie rectifié redigé en Convent general de l’Ordre em Aout 5782 (1782) (tornados públicos pelo Grande Oriente de Genebra- Suiça); Os Rituais do Rito Adonhiramita sob o título de Recueil Precieux de la Maconnerie Adonhiramite de Louis Guillemain de St. Victor (1785); Os Rituais do Rito Moderno ou Rito Francês, que elaborados por uma comissão, foram aceitos pelo Grande Oriente de França em 1786, copiados e enviados a todas as lojas do Grande Oriente, sob forma impressa sob o

título “Le Regulateur du Macon” de Rottiers de Montaleau (1801); Os Rituais do Rito Escocês Antigo e Aceito, criados na França, por volta de 1804, possivelmente por JeanPierre Monguer de Fondeviolles (in Pierre Noël, “Les Grades Bleus du REAA; Genèse et développement”, Acta Macionica, vol. 12 (2002), pp. 25-118) provavelmente para a Loja “La Triple Unité,” como uma mistura dos rituais tradicionais franceses e ingleses, nos moldes do que fora publicado em “Three Distinct Knocks” de 1760; Tuiller de Rite Ecossais Ancien et Accepté et Rite Moderne de Auguste de Grasse-Tilly (1813); Manual Maçônico – O telhamento de todos os ritos de Claude André Vuillaume (1830) e Trolhamento dos 33 graus, (1876). Assim, a nossa proposta é, sem tentar esgotar todas as possibilidades relacionadas, observar o cenário histórico e analisar as fontes e diferenças do 3º Grau da Ordem Maçônica, por meio das variantes da palavra usada no grau de Mestre maçom. Aqui investigada como uma hierós logos, uma “palavra sagrada”, uma forma de retórica religiosa presente nos Mistérios Dionisíacos e Pitagóricos (BENCHEVA, 2014), no qual, em linguagem simbólica, estariam contidos os fundamentos de uma doutrina (BERNABÉ, 2012). Palavra que nos leva a uma leitura radical da historicidade maçônica, no sentido de recuperar o seu valor etimológico originário e contextualizar o surgimento do grau de Mestre maçom, como ele se apresenta hodiernamente, em especial na França e na Inglaterra, quando a própria Maçonaria moderna se constituía na Europa.

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GNARUS - 99 BREVE HISTÓRICO MAÇÔNICO Não podemos perder de vista que a Maçonaria nasce operária, ou operativa (BOUCHER, 2012), e se conecta à figura dos pedreiros medievais. Butler e Ritchie (2006) mencionam que este pedreiro era conhecido como mason, em inglês, e maçon, em francês, sendo em português maçom. Sempre a significar aquele que trabalha com a pedra. Jacq (1980) menciona que os grupos de maçons formavam uma forte confraria por toda a Europa, sendo eles especialistas na construção das catedrais medievais em estilo gótico e altamente versados em conhecimentos esotéricos. Karg e Young (2008), no mesmo sentido, sustentam que estas agremiações de pedreiros, além de possuírem o conhecimento em geometria, também conheciam profundamente aspectos de simbolismo místico e esotérico, sendo que tal conhecimento era amplamente difundido na ornamentação de monumentos, sobretudo, em catedrais. Ainda que não seja possível atestar com rigor científico de que estes pedreiros tinham conhecimentos esotéricos (RODRIGUES, 2014). O Manuscrito Cooke e os Estatutos de Schaw mencionam guildas de pedreiros nas quais, para se tornar um membro, era necessário demonstrar conhecimentos em Geometria, além de passarem por uma iniciação (FERRÉ, 2000). Grande parte dos pedreiros e arquitetos medievais eram pessoas simples, geralmente iletrados, mas que tinham um profundo conhecimento matemático, transmitido, segundo Stavish (2011), por outros pedreiros. Isto por meio de um ato de segredo-sagrado, como se a arte da Geometria fosse uma espécie de “arte divina”

que deveria ser transmitidas somente para sujeitos capacitados para compreendê-la. Pennick (1980) discorre sobre essa associação entre o conceito de geometria e o místico, explicando que a Geometria fora considerada como sagrada por permitir a mensuração dos elementos da natureza, ou seja, dos elementos da própria criação divina. Musquera (2010), Fulcanelli (2007) e Guerillot (1995) sustentam a tese de que essas guildas formaram uma verdadeira sociedade iniciática, e que para se tornar um indivíduo versado na arte de Geometria, seria necessário passar por um processo de iniciação ritualística que marcava, simbolicamente, a entrada em uma nova vida. O iniciado que recebia o título de Aprendiz jurava manter segredo sobre tudo o que aprenderia, jamais revelandoos para aqueles que não fossem pedreiros iniciados, porém, iniciava-se ali uma relação de mutualidade. Sobre esta destacamos: 5. Se um mestre ou companheiro ficar doente, ou um companheiro que pertence à fraternidade e tenha vivido com retidão na Maçonaria, for afligido com doença prolongada e necessidade de alimento e dinheiro, então o mestre encarregado da caixa lhe prestará socorro e assistência da caixa, se ele de outra forma puder, até que ele se recupere de sua doença, e deve depois jurar e prometer restituir o mesmo à caixa. Mas, se ele morrer da tal doença, então tanto deve ser tomado daquilo que ele deixar na sua morte, seja roupas ou outros artigos, como restituição do que foi emprestado a ele, se tanto ali existir.1

Arola (1986), eminente professor da Universidade de Barcelona, acredita que a oralidade que caracterizava a transmissão dos 1 As Constituições dos Maçons de Estrasburgo – 1459. Em http://www.freemasons-freemasonry.com/strasb.html, acesso em 6 de junho de 2020.

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GNARUS - 100 segredos do Oficio propiciou o acesso à própria interioridade, a uma reflexão existencial, que acabava por ser compartilhada nos canteiros de obra. E neste ambiente haveria, hipoteticamente, um ambiente propício para o início da transição ou substituição para a fraternidade maçônica moderna, chamada depois de especulativa, não operativa ou filosófica. Rebold e Fletcher (1867) e Ferré (2000) mostram que, desde o século XIII, com o Estatuto de Bolonha de 1248, já havia membros especulativos, ou não operativos, na Maçonaria operária da Europa. E que o Manuscrito Régio, o mais antigo texto maçônico reconhecido, originário da GrãBretanha, faz referência explícita aos “Quatro Mártires Coroados“,2 que estão inequivocamente relacionados com a história dos Steinmetz (talhadores de pedra) sob o Sacro Império Romano Germânico, sendo esta uma tradição maçônica que não teve origem na Inglaterra. Estes mesmos autores admitem, ainda, que na Europa continental, 2 A Lenda dos Quatuor Coronati, conforme o Manuscrito Arundel, (do qual transcrevemos as partes mais importantes): os Quatuor eram originalmente quatro artesãos de nomes Cláudio, Castório, Sinfrônio e Nicostráto, “miríficus in arte quadrataria”, literalmente “a arte da quadratura da pedra” ou a “arte de enquadrar pedras”. Eles são chamados distintamente por “artífices”, embora como a lenda nos mostra, inicialmente o grupo era formado pelos já nomeados artífices, no entanto a estes se juntam quatro milites e ao final mais um artífice de nome Simplício. Ao todo somam 9 sendo todos cristãos em segredo; Dá-se que Diocleciano ordenou que uma imagem de Esculapius fosse feita por eles e Sinfrônio, que parece ser o líder e porta-voz do grupo operário, recusa-se, em nome deles e com seu consentimento, a fazer a imagem. Eles são trazidos diante de Lampadius, o tribuno, que, após consultar Diocleciano, ordena que eles sejam despidos e açoitados com um látego chamado escorpião, “scorpionibus mactari” e, em seguida, colocados em caixões de chumbo “loluli plumbei” e lançados no Tibre. O manuscrito Arundel data do século XII, e encontra-se no Museu Britânico. Sua referência adequada é Ar: MSS, 91, f 2186. Existe uma outra cópia da lenda no Museu Britânico, MSS. Harleian, 2802, f 99. Existe também uma pequena nota dos Quatuor Coronati no MS Regius., 8, c, 7 f 165, do século XIV.

desde 1563, tanto na Carta de Colônia, como nos Decretos e Artigos da Grande Loja de Estrasburgo, ambos na Alemanha, bem como na Inglaterra, por meio do Manuscrito Sloane (1700), se depreende um sistema iniciático trigradal3 (Aprendiz-Companheiro-Mestre) dissociado da Ars Muratoria.4 A contrário sensu, na Inglaterra, a primeira menção ao terceiro grau (lembremos que é o objeto central deste estudo) se dá em 12 de abril de 1725, nas atas da Philo-Musicae et Architetura Societas, uma sociedade de músicos londrinos, enquanto na maçonaria regular seria mencionado em 1727, nas atas da Loja Swan and Rummer (GUILHERME, 2012). Neste caso, o que caracterizaria um sistema iniciático digradal5 (Aprendiz-Companheiro) consubstanciado na primeira edição das “Constituições dos Franco-Maçons” de 1723 (ANDERSON, 2001). Elas que também apontam o ano de 1717, ano da fundação da Primeira Grande Loja da Inglaterra, como marco da ascensão em definitivo da Maçonaria especulativa sobre a operativa.

A HERMENÊUTICA SIMBÓLICA DO 3º GRAU A par e independente de tais discussões históricas, estaria o terceiro grau da Maçonaria fundado no tripé proposto: iniciação, rito e mistério? O cotejo das fontes primárias bibliográficas permite-nos afirmar que, no que concerne a iniciação e ao rito, o Grau de Mestre sempre 3 Quando de 3 graus. 4 Arte dos Pedreiros. 5 Quando de 2 graus.

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GNARUS - 101 foi eminentemente iniciático. E ainda que tenha sido fartamente reelaborado no correr do século XIX, sempre foi estruturado como rito, como um ritmo básico que permite que o tempo saia de sua linearidade e assuma uma forma espiralada de manifestação, onde cada volta encontra-se num patamar superior de significados (BARZAN, 2002). Mas, quanto ao mistério, não nos é possível afirmar de forma tão categórica, pois mito e discurso sagrado, sob o véu das celebrações, apresentaram matizes diversas (MACKEY, 2008, vol. II, p. 62). A primeira referência a uma história tradicional do Ofício dos Pedreiros associada ao 3º grau aparece nos Manuscritos Regius e Cooke: “E durante a construção do templo na época de Salomão, diz-se na Bíblia, no terceiro livro dos Reis, capítulo cinco, que Salomão tinha oitenta mil maçons trabalhando. E o filho do rei de Tiro era o Mestre de Obras.” (MS Cooke, 1420). A menção específica do nome deste mestre de obras aparece apenas no Manuscrito da Grand Lodge nº1 (1583). Na narrativa histórica que o contém, encontramos, com efeito, a seguinte passagem: E depois da morte do Rei Davi, Salomão que era filho do rei Davi, completou o Templo que seu pai havia começado. E ele mandou procurar pedreiros em várias regiões, e os reuniu, de modo que tinha 80 mil trabalhadores, que trabalhavam a pedra e eram chamados Pedreiros, e ele escolheu três mil entre eles que foram designados para serem os Mestres e comandantes de suas obras. Além disso, havia um rei de outro reino que se chamava Iram e que amava muito o rei Salomão e que lhe enviou madeira de construção para suas obras. E ele tinha um filho chamado Anyone (qualquer

um) que era mestre em Geometria, chefe de todos os pedreiros, e mestre de gravuras e esculturas e de todos os outros processos de construção utilizados para o Templo. E isso está registrado na Bíblia, no terceiro capítulo do quarto livro de Reis.” (MS da Grand Lodge nº1, 1583)

Um documento, no entanto, contrasta com o apresentado até agora. Trata-se de um manuscrito datado de 24 de outubro de 1726, o Manuscrito Graham, que foi apresentado e estudado pela primeira vez pelo pesquisador britânico H. Poole, em 1937. A contribuição deste texto para a busca de fontes do mito do Grau de mestre nos parece fundamental. O documento se mostra como um catecismo, sendo composto por perguntas e respostas que serão encontradas, quase literalmente, no “The Whole Institution of Masonry (1724) e no “The Whole Institutions of Free-Masons Opened” (1725). Dachez (2002) afirma que estas semelhanças são importantes de serem ressaltadas, porque elas indicam que o Manuscrito Graham não seja apenas um texto isolado e atípico, mas que ele se insere incontestavelmente em uma corrente de instruções maçônicas reconhecidas e divulgadas na Inglaterra, nesta época. Ao final do catecismo propriamente dito, surgem três narrativas míticas, sendo a primeira: (...) pela tradição e também por referência às Escrituras, Sem, Cam e Jafé foram visitar o túmulo de seu pai Noé para tentar descobrir ali algo sobre ele e que os guiasse até o poderoso segredo detido por este famoso pregador. Estes três homens já tinham concordado

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GNARUS - 102 que, se eles não descobrissem o verdadeiro segredo em si, a primeira coisa que descobrissem assumiria para eles o lugar do segredo. Eles não duvidavam, mas acreditavam muito firmemente que Deus poderia e iria revelar sua vontade, pela graça de sua fé, de sua oração e de sua submissão, de modo que aquilo que eles iriam descobrir se revelaria também útil para eles como se eles tivessem recebido o segredo desde o início, de Deus em pessoa, direto da própria fonte. Eles chegaram ao túmulo e nada encontraram, exceto o cadáver quase totalmente decomposto. Eles seguraram um dedo que se soltou, e assim de junta em junta, até o pulso e o cotovelo. Então, eles levantaram o cadáver e o apoiaram contra si pé contra pé, joelho contra joelho, peito contra peito, rosto contra rosto e mão nas costas, e exclamaram: “ Ajuda-nos, oh Pai”. Como se tivessem dito, “Oh Pai no céu nos ajude agora, porque nosso pai terreno não o pode fazer. Eles descansaram, a seguir, o cadáver, não sabendo o que fazer. “Um deles disse: “Existe a medula nesses ossos” [Marrow in this bone]; o segundo disse:” Mas é um osso seco “, e o terceiro disse: “Ele fede”. Eles concordaram então em dar a isso um nome que ainda é conhecido da Maçonaria de nossos dias. (MS GRAHAM,1726)

A segunda narrativa é exposta sem conexão aparente com a anterior: Durante o reinado do Rei Alboin nasceu Bezalel, que foi chamado assim por Deus antes mesmo de ser concebido. E este santo sabia por inspiração que os títulos secretos e os atributos essenciais de Deus eram protetores, e ele construiu com base neles, para que nenhum espírito mal e destrutivo se atrevesse a derrubar a obra de suas mãos. Também suas obras se tornaram tão famosas, que os dois irmãos mais novos do rei Alboin, já nomeado, quiseram ser instruídos por ele sobre sua nobre maneira de construir.

Ele aceitou com a condição de que eles não revelassem, sem que qualquer que estivesse com eles pudesse compor uma tripla voz. Então eles juraram e ele lhes ensinou as partes teóricas e práticas da construção, e eles trabalharam. (…) Assim, Bezalel, sentindo se aproximar a morte, desejou ser enterrado no Vale de Josafá, e um epitáfio foi gravado segundo seus méritos. Isto foi realizado por estes dois príncipes, e foi registrado da seguinte forma: “Aqui reside a flor da arte construtiva, superior a muitos outros, companheiro de um rei, e irmão de dois príncipes. Aqui jaz o coração que soube guardar todos os segredos, a língua que nunca os revelou. (MS GRAHAM,1726)

Sem qualquer transição, novamente, a última narrativa se dá: Aqui está tudo que se relaciona com o reinado do rei Salomão, (filho de Davi), que começou a construir a Casa do Senhor: (...) lemos no Primeiro Livro dos Reis, capítulo VII, versículo 13, que Salomão mandou buscar Hiram em Tiro. Este era o filho de uma viúva da tribo de Naftali, e seu pai era um Tiriano que trabalhava em bronze. Hiram era cheio de sabedoria e habilidade para executar todos os tipos de obras em bronze. Ele foi até o Rei Salomão e dedicou a ele toda a sua obra. (...) Assim, segundo esta passagem da Escritura, devemos reconhecer que esse filho de uma viúva, chamado Hiram, tinha recebido uma inspiração divina, assim como e sábio Rei Salomão ou ainda o santo Bezalel. No entanto, a Tradição relata que, durante esta construção, teria havido disputas entre trabalhadores e os pedreiros sobre salários. E para apaziguar todo mundo e chegar a um acordo, o rei sábio teria dito ‘que cada um de vocês seja satisfeito, porque todos vocês vão ser pagos da mesma forma.’ Mas ele deu os pedreiros um sinal que os trabalhadores não tinham conhecimento. E aquele que podia fazer esse sinal onde os salários eram pagos, recebia como pedreiro; e os trabalhadores que não o conheciam, eram pagos como anteriormente. (...) Assim, o trabalho evoluiu e progrediu e ele não poderia dar errado, já que eles trabalhavam para um mestre tão

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GNARUS - 103 bom, e tinha o homem mais sábio como supervisor. (...) Para ter a prova disso, leia o 6º e 7º [capítulos] do primeiro Livro dos Reis; você encontrará ali o maravilhoso trabalho de Hiram durante a construção da Casa do Senhor. Quando tudo acabou, os segredos da construção foram colocada em boa ordem, como eles são agora e serão até o fim do mundo (...).(MS GRAHAM,1726)

fosse encontrado morto, a primeira palavra pronunciada passaria a ser a nova palavra do Mestre, substituindo assim a antiga. Três pesquisadores encontram-lhe o cadáver e refundam o mistério, com uma nova “palavra sagrada”. Hiram morre como “construtor” e renasce como “arquétipo” (BOUCHER, 2012).

Na narrativa da história da Maçonaria contida na primeira edição das “Constituições dos Franco-Maçons”, de 1723, James Anderson não faz qualquer menção à Lenda do 3º Grau, o que ocorrerá na segunda edição, datada de 1738, a saber:

Ainda que apresentado em forma resumida, o mito de Hiram deixa transparecer seus pontos de contato com o mito egípcio de Osíris, cujos mistérios eram representados no Lago de Sais, sendo a origem a remontar ao século XV AEC. Ou com o mito fenício de Adônis, filho de Cíniras, rei de Ciro, amante favorito de

Isso [o templo] foi finalizado no curto espaço de tempo de sete anos e seis meses, para o assombro de todos; quando a cumeeira foi celebrada pela fraternidade com grande alegria. Mas a alegria foi logo interrompida pela morte repentina de seu grande querido mestre, Hiram Abif, o qual foi dignamente enterrado na Loja próxima ao templo, de acordo com o costume antigo (ANDERSON, 2001).

Coube a Samuel Prichard, in Maçonaria Dissecada (1730), propor a primeira versão conhecida e coerente da lenda, que deveria, a partir daí, constituir o cerne deste grau. E torna-se evidente a natureza compósita da personagem Hiram Abif (DACHEZ, 2002). No mito, Hiram é um mestre-artífice que é morto por três companheiros desejosos de adquirir a palavra do grau de Mestre, chave do conhecimento e do trabalho dessa categoria. Frustrando o intento, Hiram leva para o túmulo a “palavra sagrada”, que se perde para sempre. Salomão, por ter Hiram desaparecido, enviou vários homens em busca de seu Mestre. Suspeitando do que poderia ter acontecido, o Rei decidiu que, se Hiram

Vênus. Nos três temos os mesmos mitemas recorrentes: a morte por forças tenebrosas e a ressurreição como forma de vencer morte. Além de atenderem à ritualística dos pequenos e grandes mistérios, aonde o conhecimento completo das verdades tratadas na iniciação era finalmente comunicada num tempo mítico/sagrado, percorrendo-se um caminho característico: do afanismo (do grego; “destruição”, “morte”), desaparecimento ou morte (simbólica) do iniciado; o pasto (“cama”, “caixão” ou “túmulo”); à eurese (“descoberta,”, “invenção”), o encontro do cadáver; e a autópsia, comunicação de todos os segredos e conhecimento integral, que tornavam o outrora profano em um epopta, (“testemunha ocular”), pois agora nada mais lhe era desconhecido (MACKEY, 2008, vol. I). Assim, a Lenda de Hiram é o resultado de uma ação consciente e calculada, cuja intenção era, através da reestruturação de grau de Mestre, levar à reelaboração da instituição maçônica como a conhecemos. Isso feito pelos próprios maçons e por meio de uma palavra originariamente perdida e

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GNARUS - 104 outra palavra substituta encontrada (DACHEZ, 2002).

ESTUDO DAS ANTIGAS PALAVRAS DO MESTRE MAÇOM ENQUANTO ENTENDIMENTO HISTÓRICO DAS ANTIGAS FONTES PÚBLICAS As principais ocorrências históricas, em ordem cronológica, para a palavra do 3º Grau, segundo as fontes anteriormente mencionadas, são:

Manuscrito Sloane n.3329 Manuscrito Trinity College, Dublin – Irlanda O Exame de um Maçom (Mason’s Examination) - primeira publicação a expor os segredos maçônicos A Maçonaria Dissecada de Samuel Prichard A Recepção Misteriosa de Samuel Prichard A Chancela Rompida ou O Selo Quebrado (Le Sceau Rompu) A Ordem dos Francos-Maçons Traída de Gabriel-Louis Pérau L’Anti-maçon Maçom sem Mascaras de Thomas Wilson (mestre da Swan Tavern Lodge) Master key to free-masonry Três Batidas Distintas (Three Distinct Knocks) Jachin and Boaz, an Authentic Key to the Door of Free-masonry both Ancients and Moderns

1700

MAHABYN

1711

MATCHPIN

1723

MAUGHBIN

1730

MACHBENAH

1738

MACHBENAH

1745

MACBENAC

1745 1748 1751

MAC-BENAC, MACHENAC, MAK-BENAK MAKBENARK MACBENAC

1760

MACKBENAK

1760

MAHHABONE, (Podre até os ossos) MAHHABONE, MAC BENACK

1762

Rituel de maitre francmacon pour le regime de la maconnerie rectifié de J.B. Willermoz Recueil Précieux de la Maçonnerie Adonhiramite de Louis Guillemain Saint-Victor Le Régulateur du Maçon de Roettiers de Montaleau Manual Maçônico – O telhamento de todos os ritos de Claude André Vuillaume

1782

MAK-BENAH

1787

MAKBÉNACH

1801

MAK-BENAH

1830

MOABON e MAK-BENAH, (Aedificantis putrido, Filius putrificationis)

Tuiller de Rite Ecossais Ancien et Accepté et Rite Moderne de Auguste de Grasse-Tilly

1813

MOABON, e MAKBENAK

Trolhamento dos 33 graus

1876

MA HABONEH

À partir das informações históricodocumentais, foi possível identificar a existência de três famílias linguísticas da palavra do 3º Grau. A família Mahabyn com os seus derivados (Matchpin e Maughbin), testemunho do antigo sistema trigradal praticado na Europa Continental. A família Machbenah e seu corolário abreviado “MB”, com os seus derivados (Mak-Benak, Makbenark, Macbenac, Mackbenak, Macbenack, Makbenah), usadas pelos maçons da 1ª Grande Loja da Inglaterra de 1717.6 A família Mahhabone e seus derivados 6 No dia de São João, 24 de junho de 1717, três lojas maçônicas londrinas e uma loja de Westminster realizaram um jantar conjunto na cervejaria Goose and Gridiron, no St. Paul’s Churchyard, constituíram uma Grande Loja e a nominaram como a Grande Loja de Londres e Westminster e elegeram Anthony Sayer para Grão-Mestre. (COIL, 1961).

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GNARUS - 105 (Mahaboneh, Moabon, Mohabon), a partir da criação da Grande Loja dos Antigos.7

Makbenä ou Makbenâ ou Makhbena(h)

A contrario sensu, Michel Saint Gall em sua obra “Dictionnaire du Rite Ecossais Ancien et Accepté. Hébraïsmes et autres termes d’origine française, étrangère ou inconnue” (2001), desejou ver nessas três famílias de palavras, a par de sua grafia e pronúncia distintas, deformações de uma mesma palavra, com um mesmo e único significado.

Transcrita exatamente da mesma maneira “Machbenah” na obra de Prichard e nos textos da Bíblia de Genebra, na edição inglesa de 1560, e na Bíblia de King James de 1611, sendo ambas as edições inúmeras vezes reeditadas e amplamente utilizadas na primeira metade do século XVIII. Não há que se falar em coincidência:

(Bíblia de Genebra (1560). 1 Cron, 2:49)

Uma explicação possível para deslindar esse segredo é manter os olhos atentos ao presente sem menosprezar as lições do passado, e buscar a análise semântica de cada uma destas três famílias. 1) A família “Machbenah” Essa palavra é registrada pela primeira vez em 1730 na obra “A Maçonaria Dissecada” de Samuel Prichard, reconhecida por historiadores da Maçonaria como uma publicação de referência, cujo impacto foi enorme, devido à exatidão de suas revelações, inclusive das palavras dos Graus Simbólicos.

O “Machbenah” citado em Crônicas é o nome de uma cidade na Judéia, fundada por Sheva, do clã de Caleb (BROWN-DRIVER­ BRIGGS 1962, p. 460). A raiz desta palavra cujo significado é duvidoso, mas que pode ser comparado ao verbo kavan, e que em hebraico moderno significa “envolver, abraçar, enlaçar” (JASTROW, 1903, p. 608609)

Contrariamente ao que muitos têm escrito e repetido, (ECHED 1998) o vocábulo Machbenah realmente existe e possui uma ocorrência bíblica correspondente:

O texto de Prichard diz com razão: “E M. B. vos libertará”, sendo M. B. explicado na margem como “Machbenah”. O significado desta frase pode se tornar mais claro se, do verbo “enlaçar”, extrair-se o correspondente substantivo derivado “laço” que dentre outros possui o sentido figurado de compromisso.

7 Em 17 de julho de 1751, representantes de cinco lojas maçônicas reuniram-se na Taverna de Turk’s Head, na Greek Street, em Soho, Londres, e formaram “A Grande Loja da Inglaterra de acordo com as Antigas Instituições”, uma Grande Loja rival a 1ª GL de 1717. Achavam que praticavam uma forma mais antiga e, portanto, mais pura da Maçonaria, e chamaram sua Grande Loja de “Grande Loja dos Antigos”. E aqueles que eram afiliados à 1ª Grande Loja, chamaram pelo epíteto pejorativo de “Modernos”. Esses dois nomes não oficiais acabaram se afirmando. (CYRIL, 1981)

Ao preceder esta raiz com o pronome, muitas vezes reduzido à sua primeira consoante em palavras compostas (BROWNDRIVER-BRIGGS 1962, p. 552) e tomado em seu sentido de pronome demonstrativo (SANDER-TRENEL 1859, p 340), na verdade

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GNARUS - 106 construímos uma palavra cujo significado geral é “aquilo que envolve”, reforçando-se a noção de “vínculo”.

makkä

”makkah” = golpe

bonë

“boneh” = construtor

Neste ponto podemos nos perguntar: Os pedreiros teriam o reconhecimento de um “laço fraterno” (GESENIUS 1857, p. 471), ou mutualidade entre si, com a consciencientização de um compromisso entre todos os iniciados no Ofício? Seria este o sentido identificado pelos “Modernos” quando escolheram “Machbenah”? Talvez sim, nos arriscamos a responder. As lendas transmutam a palavra, da mesma forma que pretende transmutar o homem, e ser Mestre na corporação indica o significado de dominar a si mesmo.

makî

”makhi” = desgraça

Ainda, na obra “Thesaurus da Lingua Hebraica”, H.W.F. Gesenius afirma que “Machbenah”, tambem significa “encoberto”, bem próximo ao significado “envolver”. E não se deve negligenciar que “encoberto” poderia ser uma alusão à verdadeira palavra de Mestre, palavra que perdida ou escondida foi encoberta pela palavra substituta. No entanto, Prichard dá uma explicação para “Machbenah”: “The builder is smitten”, isto é, “o construtor está ferido” ou “o construtor foi golpeado”. Para que assim fosse, a palavra hebraica “Machbenah” não seria usada em seu sentido vernacular, mas pela agregação de radicais hebraicos soltos. E há fundamento para tal compreensão visto que nas tabelas da edição de 1580 da Bíblia de Genebra consta a seguinte nota: “Machbana, machbena: Pauvreté, l’assassinat du constructeur”, e que vertido ao português seria “Desgraça, o Construtor foi golpeado” (LEGOUAS, 1999):

Após alguns anos, em 1801, quando veio a lume o “O Regulador do Maçom” de Roettiers de Montaleau, as mesmas raízes hebraicas seriam tomadas sob outra perspectiva: maq benah

“maq” = podridão “benah” = filho

Ou seja, o Filho da Podridão. Ou: maq

“maq” = podridão

bonë

“boneh” = construtor

Podridão do Construtor. Etimologicamente vemos, em resumo, que “MacBenac” se apresenta como “compromisso”, “encoberto”, “o Construtor foi golpeado”, “Filho da Podridão” e “A Podridão do Construtor”. E que não há, em nenhuma língua, nenhuma classe de palavra que se possa dar equivalência ou definição especial que permita associar “MacBenac” com a expressão “a carne deixa os ossos” conforme é traduzida no Recueil Précieux de la Maçonnerie Adonhiramite de Louis Guillemain Saint-Victor (1787). 2) A família “Mahhabone” A primeira referência etimológica a se considerar é a associação com a personagem bíblica Moab, sendo “Moabon” o seu

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GNARUS - 107 diminutivo (VUILLAUME, 1830; GRASSE-TILLY, 2004; ECHED, 1998 e SAINT-GALL, 2001).

uma pessoa, não podendo, portanto, ser traduzido como “quem”.

mô’av Moab (Gen. 19:37, dentre outras 181 ocorrências).

HÁ = o, a, os, as, este ou isso. Podem ser tanto um artigo definido, às vezes chamando demonstrativo, ou um advérbio interrogativo que introduz questionamento. A escolha entre estas três hipóteses é complicada.

Moab era filho de Lot, nascido do incesto deste com sua filha mais velha. O significado de seu nome é “Saído do Pai”. Além da semelhança fonética não há nenhuma relação direta com a Maçonaria. “Mahhabone” é citada pela primeira vez em 1760 no livro “Três Batidas Distintas”, obra de autor desconhecido. Esta publicação é para o ritual adotado pelos “Antigos” o que “A Maçonaria Dissecada” é para o dos “Modernos” devido à sua precisão. Partindo-se do mesmo pressuposto de que a palavra está correctamente transcrita, já que todo o ritual exposto foi considerado correto à sua época, o procedimento aqui adotado foi o mesmo: buscar as raízes hebraicas desta família da Palavra, tendo em vista a própria ilustração de “Três Batidas Distintas”.

BONE = arquiteto, construtor. A palavra “arquiteto”, ou melhor, “construtor”, posto que o conceito moderno para arquiteto está ausente do vocabulário hebraico, aparece no texto da Bíblia apenas no plural: bonê

= construtores 1 Reis, 5:18.

bonîm = construtores 2 Reis, 12:11, etc. (total de 8 ocorrências). É possível deduzir a existência de uma forma singular, em comparação com textos Talmúdicos (Shabbath, 102b):

(Extraído do Talmud, Shabbath 102b) bonë Logo, por desconstrução semântica: MAH

= que, o quê.

Um pronome interrogativo pode ser traduzido como “que”, “o quê”. Eventualmente como “porquê”. Este pronome sempre qualifica uma coisa e nunca

= construtor.

hab-bônë = (JASTROW, 1903)

Aquele que construiu.

Assim, há três possíveis traduções que não alteram o sentido real e radical da expressão: mä hab-bonë

Mah haboneh, “Quem é o

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GNARUS - 108 Arquiteto?” (GUÉRILLOT, 1995 e SAINT-GALL 2001) mä hab-bônë Mah haboneh, “O que? Este é o Arquiteto!” (GUÉRILLOT, 1995) mî hab-bônë Mi haboneh, “Quem foi o Arquiteto?” (ECHED, 1998) Ao contrário da família anterior, “Moabom” não apresenta multi-significados. Aqui faremos uma observação à parte. Existe, ainda, a versão MABON ou MABIN para essa mesma palavra do 3º grau, pouco usada e que aparece em rituais paramaçônicos na Inglaterra, por exemplo, local muito marcado por suas origens pré-cristãs. O nome Mabon veio provavelmente de uma divindade celta, também conhecida como Angus, deus do amor. Mabon é conhecida como a época do Equinócio de Outono ou Festival da 2ª Colheita, sendo um dia sagrado no paganismo europeu (HANEGRAAFF, 1996). Celebrado no dia do equinócio de outono, aproximadamente no dia 21 de março no hemisfério sul, ou 21 de setembro no hemisfério norte. 8 Assim, há a possibilidade desta palavra antiga ter sido incorporada em processos espirituais mais modernos, como no caso da Maçonaria europeia. Inclusive pelo fato das vogais originalmente não serem consideradas para um vocábulo em hebraico (língua que aparece algumas vezes em rituais maçônicos antigos, como nas fontes anteriormente citadas). Em hebraico Mabon, ou mesmo Mabin, 8 As datas dos equinócios podem apresentar uma variação de até 3 dias astronômicos de acordo com o ano.

sem as vogais, aparece como MABN. Sendo que podemos, então, separar suas chaves de interpretação como: MA (mãe) AB (pai) BN (filho) Isso apresenta-nos as palavras hebraicas para Mãe, Pai e Filho, respectivamente. Cada uma das três partes tem relação as 3 letrasmãe do mesmo antigo alfabeto (CROWLEY, 1991). 3) A família “Mahabyn” A mais antiga referência relativa à Palavra do Grau de Mestre, em uso desde antes de 1700, “Mahabyn”, “Matchpin” e “Maughbin” são equivocamente interpretadas como uma deformação fonética de “Mahabon”. Tais palavras, conforme o Manuscrito Sloane (1700) e “O Exame de um Maçom” (1723), eram transmitidas oralmente de enquanto se faziam movimentos ritualísticos próprios. A referência bíblica imediata é “Mahab´im”, que aparece no Livro de Isaias 32:2, e no 1º Capítulo de Samuel 23:23, e que significa escondido. Temos um ponto de concordância com a família “Machbenah”. No entanto, se for aplicado o mesmo processo de decomposição dos radicais hebraicos, a palavra Maha-byn, pode ser construida pela combinação dos seguintes vocábulos: maq podridão ou moha = essência, âmago

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GNARUS - 109 ben

filho

ou bînä

= compreensão

Sendo possíveis as combinações: “Filho da Podridão”, “Filho da Essência”, “Compreensão da Essência” e “Compreenssão da Podridão”. Diante de tais raízes hebraicas, e devido à sua anterioridade histórica, torna-se evidente que esta família é o protótipo das duas famílias anteriormente analizadas e não uma derivação espúria. Há, entrementes, algumas proposições necessárias e importantes. A palavra do grau de Mestre, na Antiguidade, tomando por base o seu desenvolvimento histórico e a sua tradição de oralidade, não comunicava nada além do seu próprio propósito. De “Mahabyn” (escondido) para “Machbenah” (encoberto), há uma evolução fonética natural, uma integridade vernacular surpreendente e um alinhamento lógico inconteste.

CONCLUSÕES Percebemos, após este estudo, que a ideia criada no século XVIII para as novas corporações de Ofício era a de um compromisso, ou um laço, entre aqueles que participavam de forma natural das organizações maçônicas criadas na Europa. Como em um tipo de sindicato, as Lojas maçônicas buscavam um tipo de união de ideias entre os seus membros. As relações de mutualidade que a Maçonaria apresenta são antigas, enfatizadas por lendas e passagens que marquem significativamente os membros e a própria sociedade da época, como por exemplo, vemos nos Estatutos de los Canteros de Bolonia: XVIII Que os oficiais estejam obrigados a

assistir os associados enfermos e a lhes dar conselho: Estatuímos e ordenamos que se um de nossos associados estiver enfermo que os oficiais tenham o dever de visitá-los se se inteirarem disso, e de lhes dar conselho e audiência. E se falecer e não tiver como ser enterrado, que a sociedade o faça enterrar honrosamente às suas expensas. E que o maceiro possa gastar até a soma de 10 soldos bolonheses e não mais. 9

E isto teve efeito nas várias participações de maçons nos movimentos revolucionários, em especial do Século das Luzes e até os nossos dias. Tanto na fase operativa quanto na chamada fase especulativa/filosófica, fazse crer que há entre todos os maçons um vínculo indelével, fruto de um juramento e de uma consagração. Em algum momento da História maçônica a lenda sobre uma determinada palavra se tornou conexa com a conhecida Lenda de Hiram do Grau de Mestre Maçom, talvez com o intuito de fortalecimento do vínculo de irmandade. As traduções de uso corrente nos livros consultados parecem ter diminuído o sentido semântico e histórico dessas palavras. A “carne se despreender dos ossos” é mais um apelo teratológico, mais uma reprovação pela monstruosidade do assassinato de um justo, do que a comunicação de um fato, de uma verdade, seja esta exotérica, esotérica ou histórica. Consequência da reelaboração, desenvolvimento e sistematização da mesma Lenda de Hiram ao longo dos séculos XIX e XX para atingir a narrativa que é conhecida e que caracteriza a Maçonaria moderna.

9 ESTATUTOS de los Canteros de Bolonia. Statuta et Ordinamenta Societatis Magistrorum Tapia et Lignamiis 1248. Asturias: EntreAcacias S.L., 2ª ed, 2015.

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GNARUS - 110 Algo perceptível neste estudo foi que o mito de Hiram exerceu sobre a Palavra Sagrada (Hierós Logos) originária uma força atrativa tamanha que esta passou a mera condição de acessorar e convalidar a Lenda do 3º Grau, perdendo o vigor original e abrindo mão de sua tradição secular. O grau de Mestre se impõs gradualmente e a instituição maçônica se reconcebeu, distanciando-se em parte de seu berço. O Hierós Logos originário e a origem operária que buscamos trazer à lume ao explicitar suas relações etimológicas parece que são todos “levados para o túmulo” junto com Hiram. A Filosofia fez nascer uma maçonaria mais aristocrática, à altura do Século das Luzes. No entanto, como acontece tantas vezes, mais do que um título ou apenas parte da história social da Europa do século XVIII, a criação transcende seu criador e começa a viver a sua própria vida, incontrolável e imprevisível. O mistério se cumpre, induzindo à perfeição da vida, e o Hierós Logos ainda que perdido de seu significado, a cada iniciação prossegue transmutando o homem, trazendo-o à perfeição (τελονµενοι e τετελεσµενοι ) (CHRISTIE apud Mackey, vol I, p. 71).

Marcus Vinícius Teixeira dos Anjos é Bacharel em Ciências Jurídicas e Econômicas pela UFRJ, discente de História pela UNIRIO e Maçonólogo. Adílio Jorge Marques Prof. Adjunto da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri e Membro da Academia Brasileira de Filosofia.

REFERÊNCIAS: ANDERSON, James. As Constituições de Anderson - Texto Original. Curitiba: Juruá Editora, 2001. AROLA, R. O Simbolismo do Templo: o espelho da contemplação. A Intersecção entre Céu e a Terra. Rio de Janeiro: Objetiva, 1986. As Constituições dos Maçons de Estrasburgo – 1459. Em http://www.freemasonsfreemasonry.com/strasb.html, acesso em 6 de junho de 2020. BARZAN, Francisco García. Aspectos Incomuns do Sagrado. São Paulo: Paulus, 2002.

Por fim, percebemos que o Mestre escondido, encoberto pela “podridão”, assim como Hiram, desce aos subterrâneos pela morte, manipula seus metais, funde-se e refunde-se, numa imagem catamórfica , para emergir após a decomposição, menatzchim , Mestre de si mesmo, osso somente.

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