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Artigo

FUTEBOL E HISTÓRIA: O TÍTULO INTERCONTINENTAL DO CLUB DE REGATAS VASCO DA GAMA Por Adílio Jorge Marques e Fernando Gralha RESUMO: No presente artigo busca-se traçar breve panorama da relação do futebol com a História Social das Ideias, contextos estes associados ao Club de Regatas Vasco da Gama e sua historicidade. Perpassamos por temas como o que se reconhece por título Intercontinental, História vista de baixo, e memória. . Palavras Chaves: Vasco da Gama, Futebol, História Social das Ideias, Intercontinental.

Introdução

e que contou com apenas duas edições nos anos anteriores.

O

Club de Regatas Vasco da Gama sagrou-se campeão da disputa internacional, que vamos aqui relatar, de forma invicta, com seis vitórias e um único empate, além de ter o artilheiro da competição, Pinga, com seis gols. Ademais, foi o Clube que mais arrecadou nas bilheterias, comprovando, mais uma vez, a enorme força da torcida vascaína.

Os três torneios de futebol encaixam-se como Torneios Intercontinentais da época, o que impõe que o Vasco da Gama também se reconheça como tal. Assim procedendo, o Campeão Intercontinental invicto de 1953 valoriza-se publicamente pela conquista de um torneio que merece elevada dimensão no mundo futebolístico.

Todavia, o Torneio Internacional representa algo maior, muito mais do que uma simples conquista do Vasco. Ele foi organizado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBD) em 1953 como substituição a anterior Copa Rio,

Acompanhar de perto o entendimento de nossos documentos históricos e conquistas é algo que interessa a todos os torcedores e dirigentes do Vasco da Gama, sobretudo aqueles que trabalham com a rica história da nossa instituição, história plena de desafios,

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Time da Final contra o São Paulo: Bellini, Ernani, Mirim, Ely, Danilo e Jorge, Maneca, Ademir, Ipojucan, Pinga e Dejayr (Foto do acervo do Centro de Memória do Vasco da Gama) combates, resistências e exemplos basilares para a sociedade carioca e nacional. Nesse contexto, cabe aqui uma breve explanação científica/acadêmica para uma melhor compreensão da importância histórica dos fatos. Recentemente, as relações existentes entre História e Futebol ganharam novos impulsos com o fortalecimento da História do Esporte e a História Social das Ideias. Isto também contribuiu para este trabalho. Entendemos, nesta pesquisa, que a História Social das Ideias ganha espaço notório, dentro da Historiografia moderna, com a terceira geração da Escola dos Annales, como Jacques Le Goff, Edward P. Thompson, dentre outros. Thompson, por sinal, fez parte de uma

linha de pensamento que nos agradou para evidenciar a palavra Intercontinental como válida para o Torneio de 1953 que ora apresentamos. O historiador inglês fez parte de uma proposta conhecida de certa forma como a História Vista de Baixo, ou seja, uma forma de discutir os fatos passados a partir da visão das pessoas comuns, ou mesmo menos favorecidas das sociedades, sempre com a finalidade de evidenciar a riqueza das relações sociais. E o que é mais a cara do Vasco do que a sua história, a mais bonita do esporte brasileiro, feita por negros, pobres, e operários? Lembremos da conhecida Resposta Histórica de abril de 1924, o documento maior após a Ata de Fundação do Clube. Some-se a isso, nada menos do que a construção de São

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GNARUS - 113 Januário, em tempo recorde, inaugurado em abril de 1927, então o maior da América do Sul.

o termo Intercontinental para o torneio em foco.

A revisão da importância histórica de tais eventos esportivos engrandece não apenas o CR Vasco da Gama, mas a própria nação brasileira, evidenciando os vários momentos nos quais estivemos trazendo inovações e avanços ao desporto mundial. Rever e repensar fatos ou acontecimentos faz parte da vida humana, e acontece frequentemente na historicidade de pessoas e instituições. A história fornece aos seus heróis desportivos aspectos que antes não foram considerados, ou eram desconhecidos da maioria, transformando-se em ação positiva e pertinente. Não fosse assim, a história não seria passível de mudanças e se tornaria totalmente previsível como uma equação das ciências exatas.

A FIFA só admitiu por um tempo como Mundiais os torneios organizados por ela do ano 2000 em diante, com a representação de clubes de vários continentes, e não apenas das Américas e da Europa, como acontecia tradicionalmente. Algum tempo depois, ela acabaria por reconhecer como os certames disputados entre 1960 e 1999, mesmo aqueles patrocinados diretamente por empresas privadas diversas.1 Entretanto, a Organização

Apenas como mais um exemplo, hoje em dia é comum rediscutir o papel histórico da questão dos negros e índios na formação da nação brasileira. E aqui evocamos novamente a História Social das Ideias para a produção desta obra, pois mostrou-se interessante na capacidade de enriquecer os detalhes do passado com os quais o Torneio de 1953 e a história da Vasco se misturavam em um país ainda em construção identitária no pós II Grande Guerra. Por essa visão que escolhemos, podemos fazer uso de fontes das mais diversas, considerando não apenas documentos oficiais, como a revista da organização do Torneio Internacional da CBD, mas todo tipo de registro social, como os vários jornais disponíveis e documentos do Clube. Preferimos, assim, e logo de início, utilizar

máxima do futebol mundial não invalidou, de forma alguma, os certames organizados por seus afiliados. Neste caso, enquadramse a Copa Rio de 1951 e 1952 e o Torneio Internacional de 1953, dentre alguns outros disputados entre 1951 e 1960. Perguntamos, assim: Por que admitir significância somente nos torneios que a FIFA organizou recentemente? Ou mesmo apenas naqueles aceitos hoje, já que a história mostrou que as validações mudam com as décadas? Percebemos a variabilidade histórica, a multiculturalidade envolvida em tais torneios ao longo do tempo. Os campeonatos intercontinentais disputados ao longo da década de 50 já denotavam, após o sucesso da Copa do Mundo realizada no Brasil, enquanto certame mundial pós II Grande Guerra Mundial, uma tentativa de se perceber a real globalização do futebol por meio dos clubes e não apenas das seleções nacionais. A América do Sul já havia dado o exemplo em 1948, quando organizou, antes dos europeus, um Torneio Internacional, hoje reconhecido como o 1º Campeonato Sul1 Exemplo de montadoras de automóveis.

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GNARUS - 114 americano de Clubes, também tendo no Club de Regatas Vasco da Gama o seu legítimo vencedor. Aliás, com essa extraordinária conquista, o Vasco tornou-se o primeiro clube brasileiro a vencer uma disputa fora de nossas fronteiras. Verificamos, assim, que ocorreu entre os sul-americanos um movimento inovador de sucesso, que depois tomou o formato de Copa Libertadores da América e, na Europa, a atual Liga dos Campeões. Estas são linhas que denotam um movimento futebolístico muito anterior ao atual momento, ao contrário do que muito se possa imaginar. Destacamos, ainda em relação à FIFA, que ela organiza atualmente um torneio nos mesmos moldes das disputas organizadas pela CBD nos anos 50, o que mostra a necessidade, positiva, do reconhecimento histórico das atitudes de futebol vascaíno naqueles anos. Podemos perceber que campeonatos/ torneios internacionais disputados na referida década de 50, ainda tomando como exemplo o Sul-americano de 1948, tinham importância diferenciada, real destaque, ainda mais quando um clube brasileiro vencia uma disputa contra clubes estrangeiros, independente de qual fosse a taça em jogo. Talvez, isso tudo seja parte daquela mesma afirmação de nação que se evidenciava, por meio do esporte bretão. Dentre as características para essa consolidação de nação, a ginga brasileira se destacava. Da mesma forma que os Campeonatos Brasileiros anteriores a 1971 – apenas para continuar na esfera dos exemplos – foram revistos, considerados como válidos e computados ao total de certames nacionais

já ganhos pelos clubes, acreditamos que torneios internacionais organizados por entidades máximas de seus países podem ser, também, considerados como válidos e computados como Intercontinentais, como no caso do Torneio Internacional de 1953, ocorrido no Brasil. A própria revista da CBD para a competição a descreve como Revista Oficial do Torneio Internacional Taça Rivadávia Corrêa Meyer, Futebol Mundial, Brasil, junho de 1953. Destaque-se o termo Futebol Mundial. Na publicação, encontramos o Regulamento Oficial do certame, a descrição da Diretoria da CBD, a tabela dos jogos, as Comissões para o Torneio, o Regulamento completo, a foto da Taça, o histórico de todos os clubes participantes, e, ao fim, uma História Relâmpago do Futebol Brasileiro. Desta forma, fica evidente o caráter oficial da organização promovida pela CBD, tal qual havia ocorrido nas edições anteriores, de 1951 e 1952. Além do mais, a permissão dada pela entidade máxima do futebol mundial, FIFA, empresta total legitimidade à competição. Apenas a partir da temporada 1955/1956, a UEFA passou a organizar as competições europeias de clubes e a definir o campeão europeu de clubes com a criação da Copa dos Campeões da Europa, sempre com autorização da FIFA para que a UEFA assumisse esse papel na Europa.2 Um exemplo de que o Velho Continente e o mundo do futebol ainda buscavam 2 Vários periódicos da época tratam as competições (Copas Rio e Torneio Internacional) como a mesma competição, como p/ ex: Jornal do Brasil, Última Hora, Mundo Esportivo, O Estado de S. Paulo, o escocês Glasgow Herald, os espanhois ABC e El Mundo Deportivo, e a agência francesa France Presse.

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GNARUS - 115 um formato para torneios continentais ou intercontinentais é o caso do Milan, da Itália. O clube italiano optou pela Copa Latina, disputada no mesmo período, pois ela já tinha o peso na Europa de uma pré-Copa dos Campeões da Europa. Por uma questão de igualdade de direitos das confederações filiadas à FIFA, a partir de 1960 as duas entidades, UEFA e Conmebol, passaram a organizar as competições intercontinentais europeias e sul-americanas. No período anterior a 1960, a responsabilidade pela organização dos torneios intercontinentais de clubes recaía sobre as entidades nacionais, clubes de futebol e até de empresários. A FIFA permitia que entidades nacionais organizassem eventos entre clubes com o status de confrontos intercontinentais. O fato de a entidade máxima do futebol mundial não ter organizado diretamente tais certames não os descaracteriza como intercontinentais, segundo dirigentes da FIFA, em declarações dadas nos últimos anos para os casos de Palmeiras, Santos, Fluminense, dentre outros que já cogitaram (oficialmente, ou não, perante a FIFA) títulos que hoje chamamos de Mundiais. Destacamos que, para nós, integrantes do Centro de Memória do CR Vasco da Gama, os campeonatos/torneios após a Copa Rio de 1951 e até o referido ano de 1960, são todos, por base, torneios Intercontinentais, aí definidas as disputas ocorridas entre clubes de continentes diferentes, obviamente. Importante ressaltar que esse passou a ser o modelo do Mundial de Clubes do século XXI. Assim como os torneios que a FIFA diz

reconhecer como organizados diretamente por ela, nós também chamamos de Mundiais de Clubes. Mas, qual a diferença entre Mundial e Intercontinental? Na teoria, vemos diferença apenas no que a FIFA estabeleceu como norma interna para a sua própria classificação, já que ela mesma havia concedido autorização para as entidades nacionais nos anos 50 realizarem os seus próprios torneios com espectro internacional, dando a eles as devidas qualidades. De acordo com os regulamentos da FIFA, o que se chama de competição oficial são aquelas organizadas sob os auspícios da FIFA, das Confederações ou Federações associadas.3 E qual a diferença na prática? Nenhuma! Todos são vencedores de disputas de mesma finalidade e mesmas características gerais, especialmente nos anos 50, em que havia essa concessão da FIFA. Além disso, não existia um torneio único, em comum acordo entre Conmebol e UEFA, para uma única disputa que apontasse um só Campeão Mundial, como passou a ocorrer a partir de 1960 e após manifestação da FIFA, posterior ao Campeonato Mundial de Clubes de 2004. A questão da construção de uma identidade em relação a este título de 1953 é algo que, por fim, salientamos como sendo de grande importância para o universo vascaíno. Manter viva a memória, e construirmos a nossa identidade de campeões intercontinentais, é algo que compete não somente a alguma direção específica do CR 3 Conforme o Regulations on the Status and Transfer of Players 2016, p. 5.

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GNARUS - 116 O Torneio O Torneio Internacional de 1953 foi organizado com a participação dos campeões carioca e paulista de 1952 (Vasco da Gama e Corinthians), o português (Sporting), o campeão paraguaio do mesmo ano (Olímpia), e o escocês Hibernian. Houve o caso do campeão uruguaio Nacional de Montevidéu. Este, apesar de ter aceito o convite, foi proibido pela Associação Uruguaia de Futebol de disputar o badalado Torneio. Uma espécie de conselho arbitral dos clubes do Uruguai determinou, por 7 votos a 3, o impedimento time uruguaio.

2º jogo da semifinal do Octogonal Vasco e Corinthians/RJ. O Vasco venceu a partida por 3x1. Vê-se Sabará no ataque perturbando a defesa adversária. (Foto do acervo do Centro de Memória do Vasco da Gama)

Vasco da Gama, mas a todos os vascaínos e vascaínas espalhados pelo planeta, contados aos milhões. Tanto no plano individual quanto no coletivo, a memória permite que cada geração estabeleça vínculos com as anteriores. Indivíduos, e sociedades, procuram preservar o passado como um guia que serve de orientação para enfrentar as incertezas do presente e do futuro. Nesse contexto, estamos também consolidando a memória do campeonato de 1953, afirmando para todos que o Club de Regatas Vasco da Gama é legítimo Campeão Intercontinental de 1953.

Devido a “desistência” do time uruguaio, e a falta de tempo hábil de um novo convite para um clube internacional, Flamengo e Fluminense requereram à CBD a vaga. A CBD incumbiu a decisão de escolha à Federação carioca, que elegeu o tricolor carioca em função deste ter obtido melhor posição no Torneio Rio-São Paulo recém-encerrado. Acrescido a estes ainda participaram o Botafogo (2º Carioca melhor colocado no mesmo Rio-São Paulo), e o São Paulo (2º Paulista melhor colocado na mesma disputa de referência). De tal modo, ficaram assim definidos os participantes. Os clubes foram distribuídos em dois grupos. No Rio de Janeiro, com partidas disputadas no Maracanã, ficaram Vasco e Botafogo, o Hibernian (bicampeão escocês 50-51 e 51-52), e Fluminense (em substituição ao Nacional do Uruguai). O grupo de São Paulo foi formado por Corinthians e São Paulo, Sporting (tricampeão português 50-51, 51-52, 52-53 – e que se tornaria tetracampeão na temporada 53-54), e o Olímpia (na época,

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GNARUS - 117 líder do campeonato paraguaio. A campanha Em um torneio cheio de emoções, o Vasco sempre foi mais time. Com muita luta e, principalmente talento e estratégia, o Vasco mereceu o título. Ernani e Osvaldo com grandes defesas; Belini, símbolo de força e entusiasmo; Mirim, mesmo sentindo o tornozelo, fez grande jornada; Eli, sempre um dos melhores em campo, juntamente com Jorge; e o sempre eficiente e elegante Danilo. No ataque, Pinga, Maneca, Ademir, Sabará, Dejair e Ipojucan foram brilhantes. Enfim, o Vasco foi o gigante de sempre e aumentou a coleção de sua sala de troféus. Para todo vascaíno, a festa foi total, e não era para menos. O torneio pôs o Vasco da Gama frente a adversários de padrões técnicos diferentes, exigindo, assim, uma variedade de estratégias. O quadro de São Januário se saiu muito bem, foi campeão invicto e com o artilheiro do torneio, Pinga.

Estava terminado o Torneio Octogonal Rivadávia Corrêa Meyer, Torneio Internacional de Clubes. Coube ao Club de Regatas Vasco da Gama laurear-se no desafio intercontinental com inteira justiça. Vencedor à altura do título, pois pertenceu ao clube vascaíno, em todo o decorrer do Torneio, os feitos de maior expressão, tornando-se o vencedor indiscutível e de todo o mérito. A Copa do Mundo de 1954 impediria uma nova disputa nesses moldes. A provável indecisão da CBD e dos clubes brasileiros de realizar o evento, fosse de dois em dois, ou de quatro em quatro anos, somadas às instabilidades políticas nacionais, deixaram no esquecimento uma quarta edição do Torneio Intercontinental.

Adílio Jorge Marques é historiador e diretor do Centro de Memória do Club de Regatas Vasco da Gama. Fernando Gralha é historiador e colaborador do Centro de Memória do Club de Regatas Vasco da Gama.

O Vasco da Gama se sagrou campeão com um time já na fase final do grande Expresso da Vitória, cuja base foi formada por Ernani, Augusto, Haroldo; Eli, Danilo, Jorge; Sabará, Maneca, Ipojucan, Pinga, Dejair. Técnico: Flávio Costa. Primeira fase: Vasco 3 x 3 Hibernian Vasco 2 x 1 Fluminense Vasco 2 x 1 Botafogo Semifinais: Vasco 4 x 2 Corinthians Vasco 3 x 1 Corinthians Finais: São Paulo 0 x 1 Vasco Vasco 2 x 1 São Paulo

Troféu da Copa Rivadávia conquistado pelo Vasco em 1953. (Foto do acervo do autor) Gnarus Revista de História - VOLUME XI - Nº 11 - OUTUBRO - 2020


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