11-Gnarus11-Cinema-África na tela - Edivaldo Rafael de Souza

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Coluna

ÁFRICA NA TELA: O USO EM SALA DE AULA DOS FILMES “O ÚLTIMO REI DA ESCÓCIA” E “HOTEL RUANDA” PARA RETRATAR CONFRONTOS OCORRIDOS NO CONTINENTE AFRICANO NO DECORRER DO SÉCULO XX Por Edivaldo Rafael de Souza

RESUMO: Utilizando-se do debate em torno do uso de filmes em aulas de história, este estudo analisadois longas que retratam episódios ocorridos em Uganda e em Ruanda, ambos países africanos. O filme “O último rei da Escócia” aborda a chegada ao poder e o governo ditatorial do presidente ugandense Idi Amin Dada, principalmente nos anos 1970. “Hotel Ruanda” aborda o genocídio ocorrido na Ruanda, em 1994. Tendo em vista a análise, as obras em foco poderão ser utilizadas para se trabalhar aulas de turmas do terceiro ano do ensino médio. Palavras Chaves: Filmes históricos; cinema e história; o uso de filmes em aulas de história.

Considerações iniciais

P

ara a realização dessa pesquisa, lançou-se mão de dois filmes que são baseados em fatos reais que ocorreram em diferentes países africanos. Deve-se, ainda, levar em

consideração que, apesar de serem filmes que possuem fatos históricos como referências, certa carga ficcional também não deixa de permeá-los, recurso este muito utilizado na sétima arte para dar maior ênfase ao enredo. Além disso, é importante avaliar que em todos os filmes deve-se destacar o recorte temporal

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e o recorte espacial, para que seja possível a obtenção de um conhecimento mais amplo em relação ao trabalho. Sabe-se que a Lei nº 10.639,1 de 9 de janeiro de 2003, traz a obrigatoriedade do ensino sobre o continente africano em todos os níveis de ensino. Dessa forma, o tema dessa pesquisa também atende ao que é solicitado dentro da referida legislação. Uma breve discussão sobre o uso de filmes em aulas de história Existem no Brasil diversos pesquisadores que abordam a temática correlacionada ao uso de filmes em sala de aula. Nesse sentido, evidencia-se que, em uma breve pesquisa, é possível localizar vários artigos, livros, monografia, dissertações e teses sobre o assunto. Dentre essas pesquisas, encontramse aquelas que trabalham de forma ampla e também aquelas que centram em determinado conteúdo, e, dentre eles, estão as aulas de História. Pode-se inferir que os historiadores começaram a adotar os filmes como fonte de pesquisa e ensino “(...) em torno dos anos 60 e 70 do século passado, acompanhando os debates que, entre outros problemas, destacavam a importância da diversificação das fontes a ser utilizadas na pesquisa histórica, especialmente

1 “Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências”. LEI: 10639/2003. Planalto. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm. Acesso em: 2 abr. 2020.

da história contemporânea”.2 Entretanto, é possível ressaltar que a utilização do cinema na perspectiva de “(..) recurso educacional é concomitante à própria história do cinema em si: desde os primeiros anos do século XX membros da nascente indústria fílmica, bem como intelectuais e educadores, percebiam na capacidade narrativa do cinema (...) uma poderosa ferramenta educativa” .3

Diante disso, houve bastante empenho dos profissionais da área para que se utilizasse tal instrumento para auxiliar no processo de ensino-aprendizagem do estudante. Mesmo que no início faltasse equipamentos que permitissem a adoção dessa nova metodologia. Com o passar dos anos, principalmente no início do Século XXI, no Brasil, a chegada do aparelho de vídeo cassete e, posteriormente, do DVD, acabou auxiliando para que os profissionais da educação pudessemutilizar esse mecanismo nas salas de aulas. Concomitantemente a isso, em um trabalho datado do ano de 2001, Sirley Diniz afirma que “[o]s últimos anos têm sido marcados em nosso país e no mundo por mudanças educacionais onde a predominância do uso de novas tecnologias têm se destacado numa sociedade que tem como objetivo a construção do próprio conhecimento pelo aluno”. 4

Percebe-se que o uso dos filmes em sala de aula ainda era visto como uma “nova tecnologia”, talvez naquele período, uma das únicas que se podia utilizar, já que o acesso a computadores com internet ainda era bem limitado nas escolas, e ainda não existia 2 BITTENCOURT, 2008, p. 373. 3 BITTENCOURT, 2008, p. 373. 4 DINIZ, 2001, p.1.

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GNARUS - 120 smartphones, por exemplo. Em relação ao processo de inclusão dos filmes para se trabalhar como recurso pedagógico, o educador “deverá adotar a nova tecnologia como um meio para novos fins, para uma aprendizagem mais dinâmica, mas sabendose que ela não deve ser a questão principal”.5

Para isso, é importante que o professor “[p]rocure inserir o filme dentro do planejamento geral do seu curso, articulando-o com conteúdos e conceitos trabalhados, bem como as habilidades e competências desejadas” . 6

Assim, é interessante que, já no planejamento anual das turmas, haja a citação de referências de filmes que possam vir a ser utilizados durante o ano, sempre pontuando a questão do tempo gasto para que se possa trabalhar a película de maneira adequada. Outro importante fator que deve ser levado em consideração é que “[para que tudo ocorra de maneira tranquila, o professor necessita planejar a escolha do filme e principalmente qual será o propósito em passá-lo, deixando claro para os alunos como acontecerá a atividade” 7.

Dessa forma, o filme terá um propósito no ensino de determinado conteúdo ao estudante, sendo possível realizar aulas expositivas dialogadas, atividades, apresentações de trabalho, debates, dentre outros métodos. Ou seja, é necessário também a abordagem não só do filme de fato, 5 Ibid, 2001, p. 4. 6 NAPOLITANO, 2003, p. 79. 7 CAMPAGNARO; et.al, 2013, p.132.

mas de tudo aquilo que está incorporado à filmagem, como o período e o local em que foi gravado, e qual era o contexto em torno daquela produção. Salienta-se que, na atualidade, com o advento da universalização da internet, é possível acessar diversos conteúdos por meio de streaming,8 para isso, existem diversas plataformas digitais9 que oferecem muitas possibilidades de filmes, séries e documentários. Nesse sentido, é de grande relevância o professor utilizar-se também desses mecanismos como auxilio durante os temas trabalhados. Posto isso, além de filmes e documentários apreciados em sala de aula, o professor poderá também fazer listas de filmes históricos, e realizar indicações para os estudantes. É possível realizar, ainda, a indicação de produções que sirvam não só para obtenção de conhecimento histórico, mas também que auxilie o estudante a se tornar um cidadão mais crítico e responsável em torno de diversas temáticas10 presentes na sociedade contemporânea. Dessa forma, “[o]s temas transversais não devem ser vistos como opositores dos saberes considerados clássicos, mas como necessidades e questões do presente, de 8 Streaming “[é] uma tecnologia que envia informações multimídia, através da transferência de dados, utilizando redes de computadores, especialmente a Internet, e foi criada após a população ter acesso a conexões mais rápidas”. Olhar: Oliveira (2018). 9 No Brasil existem diversas plataformas que oferecem o serviço de streaming, dentre elas, se destacam: Netflix, Amazon Prime, Globo Play, HBO Go, Telecine play, Crackle, dentre outras. 10 “o MEC definiu alguns temas que abordam valores referentes à cidadania: Ética, Saúde, Meio Ambiente, Orientação Sexual, Trabalho e Consumo e Pluralidade Cultural. No entanto, os sistemas de ensino, por serem autônomos, podem incluir outros temas que julgarem de relevância social para sua comunidade”. Ver: Menezes; Santos (2001).

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GNARUS - 121 grande importância, que não podem ser ignorados pelos educadores . Dito isso, 11 ‘[...] determinadas experiências culturais, associadas a uma certa maneira de ver filmes, acabam interagindo na produção de saberes, identidades, crenças e visões de mundo de um grande contingente de atores sociais”.12

Analisando e discutindo os filmes “O último rei da Escócia” e “Hotel Ruanda” O filme “O último rei da Escócia” foi lançado em 2006pela Fox Searchlight, sob a direção do escocês Kevin Macdonald. O longa-metragem conta com grande elenco, exemplos disso são o ator James McAvoy,que interpretou o médico aventureiro Nicholas Garrigan, e o ator Forest Whitaker, que venceu o Oscar e o Globo de Ouro, em 2007, como melhor ator por sua atuação no papel do ditador Idi Amin. Sua duração é de 122 minutos, e está enquadrado na categoria ação/drama. Como já foi ressaltado neste trabalho, para a obtenção de maior entendimento dos filmes abordados, é necessário, primeiramente, realizar uma breve contextualização do cenário em que a obra se passa. Dessa forma, o estudante poderá entender em completude a apreciação do filme como referencial de estudo. O país da Uganda, localizado na África subsaariana, conseguiu a sua independência em 9 de outubro de 1962, antes disso, era uma colônia britânica. Porém, durante o período de luta pela emancipação, dentro do próprio território, foram se consolidando diversas alianças separatistas. Com a eleição de Obote

para presidência do país, não demorou muito para que começasse a haver desavenças em torno da figura presidencial e o líder do exército; assim, quando o presidente começa a retirar “(...) as atribuições institucionais de Amin, o general criou batalhões compostos de soldados da sua região (o distrito do Nilo Ocidental, ao noroeste do país, mas nãose identificando com as culturas Acholi ou Lango), para assegurar seu controle sobre as forças armadas” .13

Depois de muitos anos de disputas pelo poder, em 25 de janeiro de 1971, o General Idi Amin Dada, assume Uganda, através de um golpe militar, sendofortemente apoiado pela elite local e também por outros países. A partir daí, é iniciado, naquele território, um governo ditatorial e fortemente marcado pela perseguição aos opositores. “O último rei da Escócia”, foi um filme “[b]aseado em romance de mesmo nome,14 do escritor Giles Foden; a obra usa a história de um personagem fictício como fio condutor para retratar a Uganda durante a tomada de poder e o começo da ditadura de Idi Amin, que durou do golpe militar de 1971 ao exílio, em 1979” .15

Nesse sentido, o filme expõe de modo histórico como era a governança do dito presidente, bem como conflitos instaurados no país. A exemplo, um fato ocorrido em Uganda e imerso no filme é que a personalidade central, “(...) diante das dificuldades de pagar os soldos às suas tropas, para assegurar sua lealdade, permitia que saqueassem a 13 GUIMARÃES; et. al, 2016, p. 285.

11 NETO, 2010, p. 64.

14 FODEN, Giles. O Último Rei da Escócia. Vila Nova de Famalicão: Editorial Magnólia, 2006.

12 DUARTE, 2002, p. 19.

15 DÁVILA, 2007, s.p.

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GNARUS - 122 população civil e dava maior autonomia aos comandantes regionais”.16

Essa medida tornou o país um caos, pois a população mais pobre estava sempre em constante vigilância, sendo saqueada pelo exército da Uganda. Além disso, houve milhares de mortes, algumas de maneira cruel, para que servissem deexemplo a todos aqueles que quisessem ser contrários ao governo. Nas filmagens, entende-se que, em determinados trechos, o diretor utiliza-se defatos fictícios. Dessa forma, deve-se relatar aos estudantes para que eles saibam que “[l]ogo, nesses filmes existe uma mescla entre personagens fictícios e suas histórias inventadas, inseridos em fatos reais, com personagens que até mesmo existiram e tiveram importância relevante na história africana recente, (..)” .17

Ou seja, há uma mescla entre história e ficção ao longo da trama.

Ademais, identifica-se que [a]pesar de o filme contar a história de Uganda da perspectiva de um europeu, como já foi apontado, não podemos dizer que “O Último Rei da Escócia” não possui seus protagonistas africanos. O filme foi rodado em Uganda e contou com a participação dos ugandenses em papéis menores e figurativos, eles também atuaram como empregados na produção .18

Em outros trechos são demonstrados episódios de grande importância que aconteceram naquele país; como o incidente 16 GUIMARÃES; et. al, 2016, p. 288. 17 SENGER, 2012, p. 535 18 SENGER, 2012, P. 536

de junho de 1976, quando “(...) membros do grupo Frente Popular de Libertação da Palestina — Operações Externas (FPLP-OE) e de células revolucionárias alemãs sequestraram um voo da Air France que decolara de Tel Aviv e foram recebidos por Amin no principal aeroporto internacional de Uganda, Entebbe” . 19

Esses grupos que sequestraram o avião com 258 pessoas em 28 de junho de 1976,20 eram aliados do presidente Idi Amin e levaram o avião para Entebbe, na Uganda. Os sequestradores pretendiam utilizar os reféns para troca de presos políticos ugandenses e palestinos que estavam em outros países. Pontua-se também que a maioria dos passageiros eram de Israel, que possui relações bem conturbadas com a Palestina, inclusive com fortes ataques de ambos os lados. Por fim, depois de intensas negociações, algumas pessoas foram liberadas. Porém, ainda continuavam 105 reféns no aeroporto de Entebbe. Israel, então, planejou e executou uma operação de resgate na madrugada de 4 de julho de 1976; os reféns foram libertados. Nessa operação morreram alguns terroristas, soldados e também três reféns. O presidente Idi Amin viria a sair do poder apenas em 1979, quando tropas da Tanzânia juntamente com grupos de ugandenses contrários ao regime forçaram para que Amin se exilasse, primeiramente na Líbia, posteriormente na Arábia Saudita, local em que viveu até falecer, em 2003.

19 GUIMARÃES; et. al, 2016, p. 289. 20 Em relação a esse episódio, ele é retratado de forma isolada em outro filme. Olhar: 7 dias em Entebbe. Direção: José Padilha. Reino Unido: Diamond films, 2018. 107min.

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GNARUS - 123 pela atriz Sophie Okonedo. De início, faz-se necessário salientar que existem importantes livros e filmes que expõem de forma contundente esse período sangrento envolvendo o pequeno país do continente africano. Dentre essas fontes, destaca-se o livro intituladoGostaríamos de Informá-lo de Que Amanhã Seremos Mortos com Nossas Famílias do jornalista e escritor estadunidense Philip Gourevitch. Por meio de investigações, o autor se debruça sobre esse episódio, utilizando, inclusive, de testemunhos. Em relação a obra e ao filme, pode se entender que,

Imagem 1: Capa do DVD do filme “O último rei da Escócia”. Fonte: Adoro cinema. Disponível em: http:// www.adorocinema.com. Acesso em: 7 abr. 2020.

O filme “Hotel Ruanda” foi lançado em 2004, sob direção do irlandês Terry George. O filme é baseado em fatos reais e retrata um genocídio ocorrido em Ruanda, em 2004, praticado sob o comando de generais da etnia hutu, em oposição à minoria dos tutsis. O ator Don Cheadle interpreta o hutu Paul Rusesabagina, que era, nesse período, gerente do Hôtel dês Milles Colines, localizado na cidade de Kigali.Por isso, ele consegue abrigar no seu local de trabalho cerca de 1.268 pessoas, a maioria da etnia tutsi, que estava sendo perseguida. Dentre essas pessoas, estavam os filhos e a esposa tutsi Tatiana Rusesabagina, que é interpretada no filme

[e]m relação à profundidade com que foram tratadas as histórias de Ruanda, Gourevitch tem a vantagem. Entretanto, o livro que ganha em profundidade, perde em abrangência de público. São 419 páginas de retratos do genocídio que não chegaram à grande parcela da população mundial. Em contrapartida, o cinema tem a seu favor a capacidade de atingir um grande público sem grandes esforços – ainda mais quando falamos de filmes que contam com uma grande campanha publicitária para a divulgação .21

Ruanda está localizada na região da África Oriental, sua emancipação ocorreu em 1962; antes era colônia da Alemanha e posteriormente da Bélgica. O processo de Independência do país ocorreu de forma peculiar em relação a outros paísesafricanos, já que [e]m 28 de janeiro de 1961, o Coronel Logiest e Grégoire Kayibanda, afim de prevenir qualquer intervenção das Nações Unidas na política de Ruanda, organizaram um “golpe legal”. Os 3.125 burgomestres e conselheiros municipais foramconvocados 21 GUZZO; TEIXEIRA, 2010, p. 84.

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GNARUS - 124 para reunião de caráter emergencial em Gitarama, terra natal de Kayibanda,onde a democracia da república soberana de Ruanda foi declarada por aclamação .

Entretanto, apenas

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“em 1º de julho de 1962, Ruanda se tornou independente, com Grégoire Kayibanda empossado Presidente da Primeira República. Alguns exilados demonstraram seu apoio ao novo regime, ao passo que outros decidiram pela via do confronto militar” .23 Após, esse episódio“[n]os anos seguintes, milhares de tutsis foram assassinados em Ruanda e,por volta de 150 mil, fugiram para países vizinhos. No período em que os hutus semantiveram no poder, de tempos em tempos, tutsis no exílio atacavam Ruanda” .24

Contudo, “[o] Presidente de Ruanda era o mwami25 dos hutus, por sua forma degovernar e estilo autoritário. (...)Vale destacar que o padrão deobediência inquestionável por parte dos “súditos” hutus foi variável relevante no genocídio de 1994”.26 Deve-se considerar que, antes da independência, Hutus e Tutsis viviam de forma amigável, juntamente com os Twa, formando os três principais grupos presentes dentro de Ruanda.Após explicar essas relações conflituosas dentro de um próprio país, deve-se levar o estudante a obter consciência histórica a respeito de tal evento, relatando como o imperialismo ocorrido na África e na Ásia27 deixaram marcas profundas na história desses países.

O ponto de partida para a principal perseguição aos hutusse deu 22 REZENDE, 2011, p. 28. 23 Ibid, 2011, p. 28. 24 Ibid, 2011, p. 29. 25 Significa “Rei” para os ruandeses. 26 Ibid, 2011, p. 29. 27 Para esse debate é importante a utilização de outros referenciais que abordam o tema. Olhar: BRUIT, Héctor h. O imperialismo. São Paulo: Atual; Campinas: Editora da Unicamp, 1986.

[a]pós a queda do avião presidencial do general Juvenal Habyarimana, no dia 6 de abril de 1994, grupos paramilitares, com apoio de parte significativa da população, deram início ao genocídio, assassinando entre 500 mil e um milhão de tutsis e de hutus moderados. O genocídio de Ruanda durou pouco mais de cem dias, mas a grande maioria das execuções ocorreram logo no primeiro mês, sendo realizadas principalmente a partir de facões. Durante estes cem dias, mesmo com imagens do extermínio rodando o mundo, a comunidade internacional pouco fez para encerrar o processo .28

A falta de ajuda da comunidade internacional fez com que milhares de pessoas morressem, a maioria de tutsis, que simplesmente foram mortos porque pertenciam a uma outra etnia, mastambém hutus e outras pessoas que eram contrários ao genocídio. Em uma cena presente no filme, pessoas se alimentam de esperança da presença de membros das Nações Unidas no país, porém, elesnão tinham ordens para defender a população que estava sendo perseguida.Ao fim dogenocídio, “(...)o Secretário-Geral das Nações Unidas e oMinistro do Exterior da França classificaram os acontecimentos em Ruanda comogenocídio, a Comissão de Direitos Humanos da ONU (...) “possívelgenocídio” e os Estados Unidos (...) que “atos de genocídio podem ter ocorrido” .29

Um dos importantes aspectos que pode ser explorado no longa-metragem “(...) consiste em chamar a atenção para o genocídio que foi ignorado internacionalmente. Além de retratar o sofrimento dos refugiados do massacre, representado pela história de Paul Rosesabagina, o filme levanta seriamente 28 FONSECA; GERMINARI, 2018, p. 545. 29 REZENDE, 2011, p. 84.

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GNARUS - 125 a questão do descaso mundial diante da matança”. 30

Dessa forma, entende-se que a obra não trata apenas de um fato isolado ocorrido na capital de Ruanda, mas sim de toda uma construção formulada por meio de levantamento de dados e de episódios que ocorreram por todo o país e deixaram milhares de pessoas mortas. O genocídio só teve fim com a chegada da Frente Patriótica de Ruanda (FPR), vinda de Uganda, em 7 julho de 1994, à capital Kigali, quando muitos hutus acabaram fugindo para outros países. Contudo, sabe-se que, ainda na atualidade, o país sofre com essas divisões de povos. Paul Rusesabagina se tornou mundialmente conhecido pelo feito que realizou em sua nação. 30 Ibid, 2010, p. 89.

Imagem 2: Capa do filme “Hotel Ruanda” Fonte: Geledés. Disponível em: https://www. geledes.org.br/o-filme-hotel-ruanda/. Acesso em: 7 abr. 2020.

Considerações finais Por meio dessa breve pesquisa a respeito da utilização de filmes em salas de aula, que teve por finalidade explorar metodologias com recurso audiovisual para o ensino efetivo da história envolvendo episódios ocorridos durante o século XX empaíses africanos vizinhos, foi possível constatar que ambos os longas aqui detalhados podem ser trabalhados de maneira que contribua com a aprendizagem dos estudantes, uma vez que complementam de maneira atrativa e didática outras fontes e recursos utilizados pelo professor. A pesquisa possibilitou, também, reflexões sobre os países em foco, abordando seus processos de independência peculiares que deixaram marcas profundas na história; bem como fomentou a problematização do papel que ocupa toda população na busca por sociedades mais igualitárias e democráticas. Sendo assim, evidencia-se que esse trabalho poderá desencadear, de fato, várias atividades de fixação de conhecimento em relação ao tema em estudo, auxiliando o professor no processo de ensino-aprendizagem e na promoção de consciência histórica junto aos estudantes em relação aos fatos abordados.

Edivaldo Rafael de Souza é graduado em História pelo Centro Universitário de Patos de Minas (UNIPAM), especialista em Metodologia do Ensino de Sociologia pelo Instituto Superior de Educação Ateneu (ISEAT), Pós-graduado em Biblioteconomia pela Faculdade Futura e graduando em Serviço Social pela Universidade Santo Amaro (UNISA). É também professor regente de aulas de História na Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais (SEE-MG).

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