O OLHAR OPOSITOR EM COURO DE GATO
Por Rafael EirasIntrodução
Em nosso trabalho final do semestre do curso Metodologia e Análise Fílmica (PPGCine, 2022/1), propomos analisar o curta metragem Couro de gato (PEDRO,1960) através de uma perspectiva contemporânea percebida por bel Hooks em sua obra Olhares negros: raça e representação (2019). Quando o olhar do indivíduo negro se apresenta como resistência, tanto do espectador ao se reconhecer no enredo, como o olhar registrado na própria imagem - o que Hooks vai conceituar como um olhar opositor.
No filme de Joaquim Pedro o personagem do ator recém falecido Milton Gonçalves parece trazer para o filme um incômodo. Entendendo o
momento em que o filme foi produzido, pode ser percebido como o começo de uma desalienação do indivíduo, tendo o corpo negro a imagem conceitual do excluído. Mas que reinterpretado atualmente, com novas perspectivas teóricas, pode ser pensado como o olhar que percebe a própria exclusão e impotência. O que era uma questão de classe para a intelectualidade dos anos 1960, hoje pode ser percebido também como uma questão de raça.
Vejamos como a sequência é interpretada por Luciana Corrêa de Araújo, em “Joaquim Pedro: primeiros tempos”:
Em Couro de gato, apesar da aparente via de mão dupla que se estabelece entre o morro e as ruas, com os garotos transitando entre os dois espaços, a tensão entre esses dois universos é sempre reiterada. (...) Quando a perseguição aos garotos termina
onde começa o morro, fica evidente o jogo de forças entre os territórios, rigidamente demarcados. Por estar no seu próprio meio é que o personagem de Milton Gonçalves é capaz de exercer poder, interditando (sem armas, apenas com o olhar e a postura), a subida dos perseguidores. (ARAÚJO, 2013, p. 118).
O curta em questão é um dos cinco filmes que formam o longa de episódios 5 x favela (BORGES et al., 962), projeto idealizado por Carlos Estevam, principal ideólogo do Centros de Cultura Popular (CPC) da UNE, fundado no Rio de Janeiro em março de 1961. No livro A questão da Cultura Popular, lançado em 1962 pela Tempo Brasileiro, Estevam havia formulado os princípios programáticos do grupo - empreender ações culturais com o povo e para o povo. Os diretores escolhidos para dirigir os curtas foram Carlos Diegues (Escola de samba, alegria de viver), Leon Hirszmn (Pedreira de São Diogo), Marcos Farias (Um favelado) e Miguel Borges (Zé da Cachorra).
Neste percurso o filme aqui é entendido como um documento que percebe as características inerentes ao tempo em que é produzido, como também um discurso estético, propondo uma direção investigativa da obra através das propriedades básicas do material fílmico e suas implicações práticas. “Com este tipo de análise encontramos, sobretudo, o modo como o realizador concebe o cinema e como o cinema nos permite pensar e lançar novos olhares sobre o mundo” (Penafria, 2009, p.7). O filme como meio de expressão sem descartar outras intervenções do cineasta, ou outros documentos, mas entendendo que eles não detêm a obra. “Confundir a intenção do autor com o sentido efetivo produzido pelas imagens e sons é cair na ‘falácia internacional” (Xavier, 2007, p.9)
Uma perspectiva revolucionária
Na virada dos anos 1950 para 1960, ocorreu esse intenso debate acerca da ideologia do nacionalismo, onde economia, política e cultura eram articuladas através de uma ideia que “colocava no centro a matriz do neocolonialismo. Entendia-se a relação entre países avançados e subdesenvolvidos em termos da herança colonial assumida e reposta em novas bases técnicas e econômicas” (XAVIER, 2001, p. 25). A construção desta ideia se traduziu na organização de uma tentativa de unidade política de esquerda que articulava uma organização através de segmentos sociais distintos com o objetivo de realizar a revolução anti-imperialista de caráter nacional e democrático.
O CPC, Centro Popular de Cultura, era um braço da UNE, criado para se discutir e produzir arte com um viés popular. Tendo como ponto comum entre seus integrantes a defesa do nacionalpopular,1 cuja representação de temas da classe trabalhadora brasileira, com um forte apelo da cultura popular, “se viam como primordiais para a edificação de uma cultura genuinamente nacional em prol da conscientização das massas, considerada a base da libertação nacional.” (BARBEDO, 2011, p. 4) Sua importância, apesar de ter sido uma breve experiência, interrompida pelo golpe de 1964, é ponto focal na formação
1 A busca do nacional-popular sem influências externas teve início em Mário de Andrade, em seu Ensaio sobre a música brasileira (1928), quando se referia às virtudes “autóctones” e “tradicionalmente nacionais” da música nacional que serviriam de base à pesquisa da expressão artística brasileira. No entanto, contemporaneamente, ao tratar do mesmo tema, José Miguel Wisnik aponta problemas no que se refere à busca do nacional-popular modernista. Destaca que o popular poderia ser admitido na esfera da arte quando, olhado à distância pela lente da estetização “passa a caber no estojo museológico das correntes nacionalistas, mas não quando, rebelde à classificação imediata, ameaça entrar por todas as brechas da vida cultural” (WISNIK, 1982, p. 133).
dessa primeira fase da produção de um cinema brasileiro moderno. Pois foi através dele que se permitiu que vários realizadores filmassem suas primeiras experiências profissionais. Momento em que jovens cineastas brasileiros apresentavam novos sujeitos históricos em um movimento político para a esquerda. 2
O filme de episódios 5 x favela (BORGES et al., 1962) e Cabra marcado para morrer (COUTINHO, 1964-1984), longa-metragem de ficção que teve suas filmagens interrompidas na Zona da Mata pernambucana pelo Golpe de 1964, foram as experiências cinematográficas mais marcantes dos Centros de Cultura Popular da UNE do Rio de Janeiro e de Recife, pois o golpe marca o fim do CPC,3 como também uma nova relação dos cineastas com a sua realidade
Couro de gato havia sido realizado por Joaquim Pedro fora do CPC, por uma equipe independente do GT de Cinema coordenado por Leon Hirszman. O curta, composto de imagens de câmera, música e ruídos, tem apenas uma intervenção de voz over, sobre as primeiras imagens - escolas de samba desfilando na avenida - diz: “Quando o carnaval se aproxima, os tamborins não têm preço. Na impossibilidade de melhor material, os tamborins são feitos com couro de gato.” Estabelecida essa condição, o filme narra a história de um grupo
2 Como percebeu Eric Hobsbawm (1995), nesse período conturbado, o jovem passou a ser um sujeito histórico que produziu uma revolução cultural. Um panorama que não garantia a permanência do capitalismo mundial e suas práticas liberais pelo mundo, em que ideias revolucionárias e políticas incompatíveis com a ideia de livre mercado assombravam o grande capital. Em particular, na América Latina, o exemplo de Cuba e sua revolução socialista era visto com bons olhos por boa parte da esquerda, por ser tudo “romance, heroísmo nas montanhas, ex-líderes estudantis com a desprendida generosidade de sua juventude, um povo exultante, num paraíso turístico tropical pulsando com os ritmos da rumba” (HOBSBAWM, 1995, p. 421-426).
3 O CPC acabou, oficialmente, com o golpe de 1º de abril de 1964. A sede da UNE na Praia do Flamengo foi invadida e incendiada.
de cinco crianças, moradores de duas favelas cariocas, que se reúnem para capturar gatos e vendê-los a um morador que utiliza o couro dos animais para confeccionar tamborins. Na primeira parte do filme as crianças caçam gatos; na segunda, são perseguidas pelos adultos que tentam resgatar os animais. A última sequência mostra que, afeiçoado ao gato angorá que havia capturado no gramado da madame, após receber o dinheiro de sua venda o menino desce o morro enxugando lágrimas.
Nessa sua primeira obra de ficção, Joaquim mostra-se visivelmente influenciado pela estética neorrealista de Rio, 40 graus (SANTOS, 1955), lançado alguns anos antes. Ambos foram filmados em exteriores, com predomínio de atores não profissionais, e mostram a infância no cotidiano da favela - latas d´água na cabeça, miséria e luta pela sobrevivência.
Após os créditos do final do filme aparece uma cartela com os dizeres: “o curta Couro de Gato foi incorporado em 1962 ao longa-metragem 5x favela”. Essa datação ajuda a esclarecer por que essa segunda obra de Joaquim Pedro de Andrade por vezes parece uma espécie de corpo estranho entre seus pares. O tom poético, o profissionalismo da montagem e finalização feitas na França e a refinada fotografia do artista visual e fotógrafo Mário Carneiro contribuem para tornar o curta mais próximo de uma estilística cinemanovista do que da rusticidade estética e narrativa dos outros episódios.
Aqueles jovens cineastas tateavam a sintaxe cinematográfica, aprendiam a se expressar em um meio que ainda estavam longe de dominar. Joaquim estava em um patamar diferente. Àquela altura da juventude, sua trajetória já o havia permitido acumular uma bagagem técnica e artística que o singularizava no ambiente de
sua geração. Ele tinha frequentado os bancos do IDHEC, em Paris e, antes de voltar ao Brasil, foi beneficiado com uma bolsa da Fundação Rockfeller, que lhe permitiu dedicar-se ao aperfeiçoamento técnico em duas instituições de ensino no exterior: a Slade School of Fine Arts, em Londres e, mais importante, um estágio na produtora dos irmãos David e Albert Maysles, em Nova Iorque. Nesse estágio travou contato com as técnicas e os equipamentos do cinema direto, baseados em um par de dispositivos que, depois de demoradas pesquisas financiadas por emissoras de televisão norte-americanas, francesas e canadenses, vinham revolucionando o trabalho dos documentaristas dos dois lados do Atlântico: uma câmera leve e silenciosa acompanhada de gravador de som portátil capaz de recuperar o sincronismo com a imagem filmada.
Antes disso, nos anos em que cursou física na Faculdade Nacional de Filosofia, tendo como mestre Plínio Sussekind Rocha, cinéfilo inveterado e fundador, em 1954, do Grupo de Estudos Cinematográficos, Joaquim havia forjado uma refinada formação no campo da estética e da linguagem do cinema. Plínio, que exerceu notável influência intelectual não só sobre Joaquim, como também seus colegas de FNFi, foi o idealizador e principal dirigente do Chaplin Clube, que publicava regularmente a revista O Fan, onde se debatia o cinema como forma de expressão artística.
Nos seus anos de universidade, Joaquim já manifestou o desejo de partir para a realização, como mostra esse seu depoimento a Saulo Pereira de Mello:
Um dia nós estávamos no restaurante da faculdade – isso eu me lembro muito bem, para você ver que a alma do fazer foi o Joaquim – e ele disse: “Você não acha que a gente deveria fazer? Vamos fazer uns ensaios, vamos filmar. (ARAÚJO, 2013, p.35)
O desejo de partir para a realização precisou esperar alguns anos, até que Joaquim encaminhasse ao Instituto Nacional do Livro o projeto de um curta centrado em episódios da vida cotidiana de dois escritores. A proposta, apresentada com respaldo técnico da Saga Filmes produtora fundada por Marcos Farias e Gerson Tavares, que viria a se ampliar com a participação de Joaquim Pedro e, mais tarde, Leon Hirszman, intitulava-se O mestre de Apipucos e o Poeta do Castelo, focalizando em um único filme dois escritores pernambucano, o sociólogo Gilberto Freyre e o poeta Manuel Bandeira. Após seu lançamento, em novembro de 1959, no auditório do Palácio Capanema, sede do MEC, o documentário foi desmembrado para permitir exibição em separado, inclusive em salas de cinema, como complemento.
Esse breve percursos do início da carreira de Joaquim assinala que ela já estava desenvolvendo uma linguagem particular para seus filmes, coisa que os outros cineastas que compunham o longa 5 vezes favela ainda buscavam, ou seja, seu filme tem uma poética que escapa à ortodoxia do CPC. Diretores como Glauber Rocha e Cacá Diegues vão logo reclamar da impossibilidade de um fazer cinematográfico preso a ditames ideológicos rígidos, com uma visão tática do movimento de cultura popular, pensando-a como instrumento político. Diegues relata que nunca gostou da ideia de “ser ‘intelectual orgânico’, membro disciplinado de um partido ou porta-voz de uma política partidária na cultura.” (DIEGUES 2014, p.118) O que se percebe no curta de Joaquim é a sua independência dos outros filmes e do próprio CPC, mostrando que seu curta já estava além dessas conceituações ceptistas.
O olhar opositor de Milton Gonçalves.
Em Olhares negros, raça e representação (2019) a pensadora feminista negra norte-americana bell hooks trabalha o conceito de “olhar opositor” para caracterizar um olhar crítico de negras e negros subordinados ao supremacismo racial.4 Partindo do pressuposto de que “existe um poder em olhar”, a autora reflete sobre formas de reação ao racismo por meio do olhar, que contribuem para formar uma subjetividade negra altiva: O olhar negro tem sido, e permanece, globalmente, um lugar de resistência para o povo negro colonizado. Subordinados nas relações de poder aprendem pela experiência que existe um olhar crítico, aquele que olha para registrar, aquele que é opositor. Ao olhar corajosamente, declaramos um desafio: “Eu não só vou olhar, eu quero que meu olhar mude a realidade.” (HOOKS, 219, p.184)
mapear o progresso de movimentos políticos pela igualdade racial através das construções de imagens, e assim fizeram. (HOOKS, 2019, p.185)
A originalidade do conceito nos motivou a aplicá-lo na análise de Couro de gato, para qualificar um momento altamente significativo do filme, quando o personagem vivido por Milton Gonçalves interrompe a descida do morro e, a uma certa distância da rua, encara fixa e demoradamente o grupo que ameaçava entrar na favela para resgatar o gato angorá da madame – o policial, o garçom, o motorista e a própria madame.
Hooks apresenta fundamentos atávicos para justificar seu pensamento: “Todas as tentativas de reprimir o direito das pessoas negras de olhar produziram em nós um desejo avassalador de ver, um anseio rebelde `` (HOOKS, 2019, p.183).
A autora produz essa reflexão ao analisar o comportamento de espectadoras negras em salas de cinema ou frente à mídia de massa.
Quando a maioria das pessoas negras nos Estados Unidos teve a primeira oportunidade de assistir a filmes e à televisão, fez isso totalmente consciente de que a mídia de massa era um sistema de conhecimento e poder que reproduzia e mantinha a supremacia branca. Encarar a televisão, ou filmes comerciais, envolver-se com suas imagens, era se envolver com sua negação da representação negra. Foi o olhar opositor negro que reagiu a essas relações de olhar criando o cinema negro independente. Espectadores negros do cinema comercial e da televisão podiam
4 Nos Estados Unidos, cidadãos negros frequentemente são punidos apenas por olhar fixamente para brancos em ou brancas em espaços públicos.
O filme não mostra só os meninos que tentam roubar os gatos fora da favela, como também um deles que se arrisca tentando capturar um gato dentro da sua própria comunidade. Ele não consegue, mas é perseguido pelo personagem de Milton Gonçalves no sentido contrário ao dos outros, descendo o morro. Essa dinâmica é percebida em uma montagem paralela de cortes rápidos e de oposição entre os diversos contextos. Principalmente marcando a movimentação entre os personagens que seguiam do asfalto para o morro (Figura 1), contra a direção de Milton Gonçalves, do morro para o asfalto (Figura 2).
Figura 1: Menino foge. Fonte: Filme Couro de Gato
Todos os meninos se encontram na entrada da favela. Os que fugiam do asfalto sobem e se perdem na comunidade. O que descia o morro passa pelos personagens da madame, do garçom, do policial, do motorista e não é mais visto. (Figura 3)
É neste momento que o personagem de Milton encara o grupo do asfalto. (Figura 4) Diferentemente deles, ele é um negro morador da favela e entende a dinamica de forças ali presente. Esquece, então, o garoto que perseguia e encara os invasores através de um olhar de oposição. (figura 5)
No fim do filme, um dos garotos acaba vendendo o gato que conseguiu roubar. Em uma cena que individualiza a representação das crianças em um único personagem, como se demonstrasse a necessidade de romper com olhar inocente sobre a realidade. Mas a imagem de Milton do alto, imponente, olhando os perseguidores que vinham do asfalto é marcante para os significados revolucionários do período em que a obra é produzida, pois é ele o indivíduo que se desaliena.
Sempre existiu um questionamento por parte da intelectualidade e dos artistas negros feito ao cinema brasileiro, principalmente aos filmes do movimento do Cinema Novo, de que os personagens negros não são representados de forma real e individualizados, mas apenas em “arquétipos e/ou caricaturas: o escravo, o sambista, a mulata boazuda” (RODRIGUES, 2011, p. 21). É uma acusação pertinente, embora o “cinema moderno preferisse em geral personagens desse tipo, esquemáticos e simbólicos, negros ou não” (RODRIGUES, 2011, p. 21), pois eles eram elementos metafóricos, e se apresentavam na trama com ideias a serem representadas, ou melhor, portadores da consciência do autor.
A preocupação com a construção de uma estética genuinamente brasileira cinemanovistas não refletira sobre as problemáticas étnico-raciais do negro no contexto nacionalista da época. De acordo com Orlando Senna (1979) o cinema novo denunciava a exploração de que o negro era vítima sem uma análise racial. Como acontece com o personagem de Milton Gonçalves, seu corpo e seus olhos servem para uma crítica política. Longe de uma perspectiva da representação do negro na sociedade, Joaquim Pedro estava partindo de um ponto de vista de um branco, olhando a realidade a partir de um viés crítico.
Porém existe no olhar de Milton Gonçalves essa perspectiva que Hooks torna potente em sua análise. No negro que se reconhece como excluído, mesmo sendo esse personagem um conceito produzido para dialogar como o período de 1960 e as possíveis mudanças sociais no Brasil daquele momento. O corpo negro traz outras relações silenciadas nesse momento, a perspectiva racial.
Por tanto, em uma análise perpassada pelas perspectivas contemporâneas como as de Bel Hooks, esse corpo negro tem também que ser
ressignificado. Tendo o olhar de Milton Gonçalves neste momento, como em muitos outros de sua carreira, essa potência.
Uma homenagem especial como conclusão.
Gostaríamos que nossa escolha de uma sequência de Couro de Gato em que um ator negro exibe seu olhar afirmativo fosse considerada uma homenagem a Milton Gonçalves, recentemente falecido. Milton foi um dos mais destacados atores brasileiros de teatro, cinema e televisão, tendo sido também dramaturgo e diretor. Foi homenageado em 2003 pelo Festival de Gramado por ter atuado em mais de cem filmes de nosso cinema, ao longo de uma carreira exitosa que teve início em 1957, quando abandonou a profissão de gráfico e ingressou em um clube paulistano de teatro amador.
Sua estreia cinematográfica se deu em 1958, dirigido por Roberto Santos em O grande momento, três anos antes de atuar em Couro de gato. Também trabalhou em Cidade ameaçada (FARIAS, 1958) e muitos outros longas, como Macunaíma (1969) do mesmo Joaquim Pedro de Andrade, antes de protagonizar Rainha diaba (FONTOURA, 1973), que lhe valeu o prêmio de Melhor Ator no Festival de Brasília por sua interpretação de Madame Satã.
Milton participou do Teatro Experimental do Negro e foi autor de A sucata e de outros textos dramáticos. No Teatro de Arena, na década de 1950, trabalhou junto a Gianfrancesco Guarnieri, José Renato, Oduvaldo Viana Filho e Flávio Migliaccio. Na televisão brasileira foi um protagonista negro pioneiro e atuou em mais de 40 novelas, além de minisséries e programas humorísticos.
Nossa singela homenagem soma-se a tantas
outras que Milton Gonçalves recebeu após o falecimento, em 30 de maio de 2022, aos 88 anos. Milton não só viveu uma gloriosa carreira nos palcos como também desempenhou um dos mais importantes papéis na defesa dos atores e atrizes negros e na luta contra o preconceito racial em nosso país Seu olhar surge como o proprio olhar opositor, que através do cinema não se fecha, apesar de sua recente morte.
Silvio Da-Rin é Doutorando PPGCine - UFF.
FIdelys Fraga da Costa é Mestrando PPGCineUFF.
Rafael Garcia Madalen Eiras é Doutorando PPGCine – UFF e colunista da Gnarus Revista de História
Referências
ARAÚJO, Luciana Corrêa de. Joaquim Pedro de Andrade: primeiros tempos. São Paulo: Alameda Editorial, 2013,
BARBEDO. Mariana. A arte de Carlos Diegues no projeto nacional-popular do Cinema Novo (1962-1969) 2016. Disponível em :<https:// tede2.pucsp.br/handle/handle/19022 > Acesso em: 25 de junho de 2018
BARCELLOS, Jalusa. CPC da UNE: uma história de paixão e consciência. Rio de Janeiro, Nova Fronteira. 1994.
DIEGUES, Carlos. Vida de cinema: antes, durante e depois do Cinema Novo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014.
HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
HOOKS, Bell. Olhares negros: raça e representação. Trad. Stephanie Borges. São Paulo: Elefante, 2019.
PENAFRIA, Manuela. (2009). Análise de filmes – conceitos e metodologia(s): VI Congresso SOPCOM, Anais.
RODRIGUES, João Carlos. O negro brasileiro e o cinema. Rio de Janeiro: Pallas, 2011.
SENNA, Orlando. Preto-e-branco ou colorido: o negro e o cinema brasileiro. Revista de Cultura Vozes, v. LXXIII, n. 3, ano 73, p. 211–26, 1979.
WISNIK, José Miguel. Música. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983. Coleção O nacional e o popular na cultura brasileira.
XAVIER, Ismail. Sertão mar. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
XAVIER, Ismail. Cinema brasileiro moderno. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
Filmografia
COUTINHO, Eduardo. (Diretor) (1984) Cabra marcado para morrer[filme]. Mapa.
BORGES, Miguel; DIEGUES, Carlos; HIRSZMN, Leon; FARIAS, Marcos; PEDRO, Joaquim. (Diretores) (1962) 5 x favela [filme em episódios]. CPC.
FARIAS, Roberto (Diretor) (1959) Cidade Ameaçada [filme]. Cinematografia Inconfidência Ltda, Unida Filmes S.A.
FOUNTANA, Antônio Carlos da Fontoura (1973) Rainha diaba [filme]. R. F. Farias; Lanterna Mágica Produções Cinematográficas Ltda.; Ventania Produções; Cinematográficas Ltda.; Lírio.
PEDRO, Joaquim. (Diretor) (1969) Macunaíma [filme]. Difilmes.
PEDRO, Joaquim. (Diretor) (1960) Couro de Gato. [curta-metragem]. Saga Filmes.
SANTOS, Nelson Pereira dos (Diretor) (1955) Rio, 40 graus [filme]. Equipe Moacyr Fenelon.
SANTOS, Roberto (Diretor) (1958) O Grande Momento [filme]. Nelson Pereira dos Santos.