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Artigo
O CARNAVAL CARIOCA DENTRO DA CONCEPÇÃO DA RESISTÊNCIA DO POVO NEGRO (DESDE 1850). Por Carlos Augusto Alves Santana
S
abemos que existe uma vasta historiografia
negro, não poderia ser o centro do processo de
que aborda o tema Carnaval Carioca num
desenvolvimento de qualquer nação, pois era
viés narrativo que fortalece uma concepção
considerado inferior de acordo com a teoria de
oficial, que o carnaval carioca é fruto do processo
Herbert Spencer.3 Outra teoria desenvolvida por
cultural da miscigenação da população Brasileira.1
Charles Darwin4 vai se consolidar na formulação
Procuramos caracterizar o papel central que a
científica segundo a qual, só as espécies mais fortes
cultura negra teve na formação do carnaval
se manteriam, as mais fracas desapareceriam ao
Carioca, desde o período Imperial na capital do
longo do tempo. No Brasil estas teorias tiveram um
Império, dando elementos históricos, que possam
amplo apoio de vários setores da sociedade como:
levar a uma reflexão, a partir da metade do século
Político, Intelectual, Estadista, etc.5.
XIX, quando surgem as teorias do racismo científico criadas na Europa,2 influenciando a elite nacional brasileira daquele período. Estas teorias vindas da Europa caracterizavam cientificamente que o povo
FERREIRA, Felipe. O Livro de Ouro do Carnaval Brasileiro. Rio de janeiro, Ediouro, 2004, Pág. 246 a 279. 2 OLIVEIRA, Lidiany Cristina de. As Teorias raciais e o Negro do Pós - abolição às Primeiras Décadas do Século XX / Campinas, SP: [s.n.], 2005. Orientador: José Luís Sanfelice. Trabalho de 1
Neste mesmo período o carnaval Francês, vai sofrer uma mudança, as brincadeiras que ocorriam na festa de carnaval que tivessem no seu conteúdo elementos primitivos teriam que deixar de ser conclusão de curso (graduação) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação. Pág. 06 a 11. 3 Idem. 4 Idem. 5 Idem.
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praticadas, no intuito de se tornar uma “festa
organizada através do calendário cristão. Como
civilizada”. No Brasil, a elite vai também adotar a
estava a conjuntura na Europa na metade do século
mesma postura, desenvolvendo várias ações no
XIX e qual a sua influência na corte Imperial
campo jurídico para eliminar todas as brincadeiras
Brasileira em relação à festa do carnaval neste
que representassem o atraso da população
mesmo período. Procuraremos desenvolver uma
Brasileira, nelas o principal alvo era o entrudo, pois
reflexão a partir da metade do século XIX, e início
existia a necessidade de passar à Europa que na
do século XX, na capital da República, como o povo
nação brasileira estava sendo gestada uma futura
negro mantinha suas tradições culturais na festa do
nação civilizada.6
carnaval, quando
Utilizaremos do método cientifico desenvolvido por Carlo Ginzburg7, através do seu livro “O Queijo e os Vermes”, que faz uma investigação de Menocchio, um moleiro do século XVI, em uma micro-história para poder compreender a macro história, Também recorreremos ao método da História Comparada a partir da narrativa de José D’Assuncão de Barros8 no seu livro “ Historia Comparada”, quando demonstrarmos a diferença entre o carnaval na Corte Imperial Brasileira e o carnaval Europeu. Vamos caracterizar o carnaval carioca, a partir da metade do século XIX na capital da corte Brasileira, e posterior a capital da República, e na capital do Rio de Janeiro, para
a repressão a algumas
manifestações culturais eram enquadradas no código penal9, como crime. Como a reforma do Prefeito Pereira Passos10, influenciou no carnaval na Capital da República. Quando surgem as escolas de sambas e as transformações ocorridas na era do governo de Getúlio Vargas11 no carnaval carioca. Vamos caracterizar em que momento acontece o chamado carnaval o moderno12. Não deixaremos de abordar em que momento os bicheiros de jogo de bicho13 começam a dirigir as escolas de samba Carioca, qual foram os fatores que levaram eles a tomar esta iniciativa. Vamos terminar o artigo fazendo uma reflexão como esta a festa de carnaval Carioca na atualidade.
podermos refletir através da festa do carnaval como
Segundo Felipe Ferreira existem várias versões
o povo negro conseguiu manter algumas tradições
sobre a origem da festa do carnaval, só a partir dos
culturais.
primeiros séculos da era cristã que se tem as
Começaremos abordando o surgimento da festa de carnaval em que região do mundo tinha este tipo de festa, quando deixa de ser pagã e se torna 6
FERREIRA, Felipe. Inventando Carnavais. O Surgimento do Carnaval Carioca no Século XIX e Outras Questões Carnavalescas. Rio de Janeiro, UFRJ, 2005. Pág. 55- 76. 7 GINBURG, Carlo. O Queijo e os Vermes: O cotidiano e as Ideias de um Moleiro Perseguido pela Inquisição; Tradução: Maria Betânia Amoroso; tradução dos poemas José Paulo Paes; Revisão Técnica: Hilário Franco Junior. São Paulo, Companhia das Letras, 2006. 8 BARROS, José D'Assunção. História Comparada. Petrópolis: Vozes, 2014. 9 ARAÚJO, Hiram (Coord.) in Memoria do Carnaval. Rio de Janeiro, Oficina do Livro, 1991. Pág. 29-30. 10 MOURA, Roberto. Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro. 2° Edição, Rio de Janeiro, Prefeitura da Cidade do Rio
primeiras informações como era esta festa e quais os territórios que criaram esta festividade14. Na festa que passou a ser chamada de carnaval as de Janeiro Secretaria Municipal de Cultura Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural Divisão de Editoração cientifica. Pág. 45 a 61. 11 SOIHET, Raquel. A Subversão Pelo Riso: Estudo sobre o Carnaval da Belle Époque ao Tempo de Vargas. / Rachel Soihet 2° Edição Revisada e Ampliada. Uberlândia, EDUFU, 2008. Pág. 55 a 208. 12 ARAÚJO, Hiram (Coord.) in Memoria do Carnaval. Rio de Janeiro, Oficina do Livro, 1991. Pág. 183 a 194 13 FERREIRA, Felipe. O Livro de Ouro do Carnaval Brasileiro. Rio de janeiro: Ediouro, 2004. Pág. 16 a 20. 14 Idem
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pessoas tinham o hábito de usar máscara para se
por 40 dias de jejum, porém foi no “Sínodo de
fantasiar,
algumas
Benevento”, convocado pelo Papa Urbano II em
características coletivas no comportamento da
1091, para definir o início em que os cristãos
população que brincava no carnaval como:
começariam a praticar a purificação da alma no
bebedeira; comilança; farra; banzé; confusão; todo
processo de jejuar durante 40 dias, este período
este comportamento era exagerado15. Este tipo de
ficou conhecido como Quaresma, sabendo que
festa de acordo com Hiram Araujo vai surgir na
neste dias os cristãos tem que abrir mão dos
antiguidade no Egito; Mesopotâmia, no território
prazeres
Grego-Roma. “Assim no período compreendido
brincadeiras, relações sexuais, bebedeiras e
entre 16 e 18 de dezembro, quando o retorno do sol
comilanças. Foi determinado pela Igreja no final do
permitia a volta aos trabalhos nos campos,
“Sínodo Benevento”, que o primeiro dia da
comemoravam-se as Saturnais, homenageando a
Quaresma, começaria a contar a partir da quarta
memória do deus Saturno.16” . Existia também na
feira de cinzas e terminando no domingo de Páscoa,
além
desta,
existiam
antiguidade homenagem vários
materiais
e
carnais
como
festas,
totalizando os 40 a
Deuses,
dias
da
Quaresma,18
na
como a Deusa Isis
Europa,
e o touro Ápis. A
período que ficou
igreja
nos
estabelecido para
primeiros anos de
espiritualização
cristianismo classifica
dos esta
neste
cristãos,
temperatura
a é
forma de festa
muito
baixa
como uma prática
provocando
demoníaca,
frio intenso, por
um
“Paganismo”, estas brincadeiras que surgiram nas
causa deste clima a população Europeia, criou um
festas de carnaval são fruto de uma iniciativa
hábito de comer “Uma boa maminha assada, um
popular, contrapondo a cultura oficial17. Há muita
lombinho na brasa, um torresminho crocante,” este
dificuldade quando se tenta definir a origem do
costume permanece até hoje. Mas nos dias que
carnaval na historiografia moderna. A igreja no
antecediam o início da Quaresma, a população
século VII, através do papa Gregório I, determinava
fazia tudo em excesso nas festividades para os
que todos cristãos, em um determinado período do
Italianos estes dias que antecedem a Quaresma
ano deveria se voltar totalmente para à vida
eram chamados de “Carnevale” ou “Carnavale”,
espiritual, aberto mão da vida cotidiana fazendo o
“Deus da Carne”, esta é uma das definições da
mesmo sacrifício que Jesus Cristo, se submetendo
15
ARAÚJO, Hiram (Coord.) in Memoria do Carnaval. Rio de Janeiro: Oficina do Livro, 1991. Pág. 19 a 20 16 Idem.
FERREIRA, Felipe. O Livro de Ouro do Carnaval Brasileiro. Rio de janeiro: Ediouro, 2004. Pág. 25 a 39. 18 Idem. 17
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origem da palavra Carnaval, segundo Hiram
que achassem agrupamento de mais de quatro
Araujo19
escravos (Título 6,Parágrafo 12)”.
Para podermos refletir sobre o carnaval na Capital
Segundo Martha Abreu,21 o “Código de Postura”
da Corte, no início do século XIX, é importante
vai mexer com todas as festas populares, atingindo
realizar
as
em cheio as festas tradicionais promovidas pelo
transformações que o carnaval Parisiense estava
povo negro. Para o professor e escritor Flávio dos
passando no período, por que o país francês, depois
Santos Gomes, esta década de 30 do século XIX é o
da sua Revolução no final do século XVIII, passa a
período em que ocorreram os grandes levantes de
ser o centro das formulações de desenvolvimento
escravos na Capital do Império22, sendo um dos
econômico e cultural para uma boa parte do
fatores do endurecimento da lei do “Código de
mundo, esta nova concepção desenvolvimentista
Postura”. A elite Brasileira que quer se tornar
de sociedade a partir da França vai impor que a
Francesa em todos os aspectos, não poderia ter um
população modifique o comportamento nos dias de
carnaval
comemoração dos festivais em especial o carnaval
caracterizadas por um comportamento primitivo da
em Paris, não podendo se utilizar de brincadeiras
população como a brincadeira do entrudo23, e vai
que representassem o atraso, como as brincadeiras
desencadear um processo de estimular outras novas
que tinham características “bárbaras”, por que um
formas de brincadeiras nas festas do carnaval,24 este
país que pretende prosperar intelectualmente,
procedimento seria seguido nas outras Capitais da
politicamente, economicamente, culturalmente, a
Corte Imperial, pois já havia uma lei que orientava
primeira coisa a fazer é preparar a população para
como deveria ser a postura das pessoas no dia-dia
se tornar “Civilizada20”, está prática fica nítida na
na sociedade Brasileira. Neste momento vão surgir
base central do “Racismo Científico”, que vai
os primeiros bailes de máscaras, que já eram uma
influenciar a elite da corte Imperial Brasileira em
prática que ocorria no carnaval Parisiense, que
vários setores da sociedade, sendo até criado um
passou ao longo dos anos a fazer parte do nosso
“código de Postura”, em 1930 e em 1938 este
carnaval. Outra iniciativa é a criação dos clubes
mesmo sofrerá uma revisão para aumentar a carga
Carnavalescos, as “Sociedades”, em 1854 na Capital
de punição para aqueles que não cumprissem as leis
do Império estas sociedades vão ser o marco
do código, como por exemplo: ” Proibir a existência
transformador do carnaval de rua a partir do seu
das casas conhecida por Zuncu e Batuques, (Título
primeiro desfile após a sua fundação.
uma
abordagem
sobre
quais
04, no Parágrafo 7); Multa em trinta Réis aos donos das tavernas ou qualquer outra casa pública, em
em
que
as
brincadeiras
eram
O romancista José de Alencar, pública uma crônica no jornal “Correio Mercantil”, em 1855, relatando a festa de carnaval na Capital da Corte do
19
ARAÚJO, Hiram (Coord.) in Memoria do Carnaval. Rio de Janeiro: Oficina do Livro: 1991. Pág. 29 a 38. 20 FERREIRA, Felipe. O Livro de Ouro do Carnaval Brasileiro. Rio de janeiro: Ediouro, 2004. Pág. 104 a 126. 21 ABREU, Martha O Império do Divino – Festas Regionais e Culturas Populares no Rio de Janeiro 1830 a 1900. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: São Paulo: FAPESP, 1999. Pág. 195 a 224.
22
Idem. FERREIRA, Felipe. O Livro de Ouro do Carnaval Brasileiro. Rio de janeiro: Ediouro, 2004. Pág. 104 a 126. 24 MORAIS, Eneida. 1904 – 1971. História do Carnaval Carioca Revista e Atualizada, por Haroldo Costa: Rio de Janeiro: Record: 1987. Pág. 29 a 38. 23
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Império, criticando a brincadeira de se jogar limão-
Viva a bebedeira.
de-cheiro em pessoas (Entrudo), mas vai fazer um
Nos dias de carnaval26!... Dando continuidade de resistência de cunho
elogio à criação dos clubes Carnavalescos: ”Muitas coisas se preparam este ano para
os três dias de carnaval. Uma sociedade criada o ano passado e que conta já perto de oitenta sócios, todas as pessoas de boa companhia, deve fazer no domingo a sua grande promenade pelas ruas da cidade”25.
“Na tarde de segunda – feira, em vez do passeio pelas ruas da cidade, os máscaras se reunião no Passeio Público e aí passarão a tarde como se passa uma tarde de carnaval em Itália, distribuindo flores, confete e intrigando os conhecidos e amigos.”
popular no carnaval na Capital da Corte do Império, há um fator que vai ampliar esta rebeldia, é a chegada de negros forros que vem na maioria da província da Bahia, atrás de melhores condições de vida, com eles trazem as suas festas que eram praticadas nos seus lugares de moradia, muitas destas festas guardavam a tradição de algumas regiões do continente Africano, trazida pelos escravos para Brasil. Quem vai narrar com muita propriedade a vinda dos negros oriundos Bahia
Segundo Eneida Morais, a sociedade “Congresso
para a Capital da Corte é Roberto Moura, vai
das Sumidades Carnavalescas” foi um marco na
procurar afirmar que estes negros que vieram da
transformação do carnaval a partir do período, até
Bahia vão se utilizar das festas religiosas para inserir
o Imperador D. Pedro II e sua família, foram ao
as suas tradições culturais, eles vão participar
desfile para prestigiar o grande acontecimento que
ativamente das procissões de comemoração em
iria transformar por muito anos o carnaval na
homenagem ao dia de santos como São Sebastião,
Capital da Corte. Mas o povo pobre que na metade
nossa Senhora da Conceição, Santo Antônio,
século XIX, em sua maioria era de negros libertos ou
Santana, Divino Espírito santo, etc. “Mas para
escravos e uma parcela de portugueses, vai cair na
Moura, os negros Baiano se utilizam também da
brincadeira do Zé Pereira, uma brincadeira que é
festa natalina para fazer as suas manifestações
originaria de Portugal, trazido pelo povo pobre,
culturais como: ”cheganças, bailes, pastoris,
que nos dias de carnaval saíam as ruas tocando
bumba-meu boi e cucumbis. Porém uma tradição
zabumba e tambores, sem necessidade de fantasias,
que veio da Bahia e que era celebrado no dia 6 de
era só entrar na brincadeira da forma que estivesse
janeiro de cada ano, o dia de Reis, ficou mantida
no momento, e esta brincadeira no dia de carnaval
desde da metade do século XIX até algumas
passa por todo segundo período do Império, e esta
décadas do século XX, na Capital da República, os
até hoje, no chamado bloco de sujo.
negros ao participarem desta festividade, se
25
“Viva o Zé Pereira
mascaravam vestindo uma fantasia e uma pessoa
Viva o Zé Pereira.
levava um estandarte que continha o enredo que
Viva o Zé Pereira.
seria homenageado, a passeata era acompanhada
Que a ninguém faz mal!...
de uma orquestra composta por “violão, violas,
Viva a bebedeira.
ganzás, pratos, castanholas e as vezes flautas”.
Idem. Pág. 44 a 77.
26
ARAÚJO, Hiram (Coord.) in Memoria do Carnaval. Rio de Janeiro: Oficina do Livro: 1991. Pág. 95 a 96.
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Segundo Hiram Araújo, havia uma pessoa junto às
Social28, na busca de criar um padrão de sociedade,
tias Baianas que terá um papel importante na
como ponto de partida na civilização das pessoas
criação de vários Ranchos carnavalescos, é o
para conseguir se constituir em um país com
Pernambucano Hilário Jovino Ferreira, que levará
perspectiva de se desenvolver em todos os aspectos
pela primeira vez um Rancho para desfilar nos dias
da sociedade, a elite Brasileira continuava a copiar
de carnaval na Capital da corte. Hiram Araújo, vai
as ideias Francesas. Segundo Carlos Medeiro, o
se utilizar no livro em que ele é o organizador “
primeiro governo Republicano, vai se caracterizar
Memória
definição
pelo total incentivo de estimular a vinda de
desenvolvida por Muniz Sodré, “Os ranchos
imigrantes Europeus para o país, fortalecendo a
aproveitaram a festa europeia do carnaval para
mesma atitude do governo Imperial29. Com a
apropriar dos cordões a tática de penetração
estação da estrada de ferro da Penha, o povo negro
coletiva (espacial, temporária) no território urbano
vai ocupar por muitos anos uma festa religiosa
e afirmar através da música e dança um aspecto de
Portuguesa, à festa da Penha, que se tornou um
identidade cultura negra.”27
local de resistência das tradições da cultura
do
Carnaval”
de
uma
O início do regime Republicano Brasileiro, vai dar continuidade
às
teorias
raciais
como
a
Evolucionista, Racismo social e o Darwinismo
popular, com predominância maior das tradições do povo negro que vieram da Bahia, ou de outra região do Nordeste do país, neste período final do século XIX e início do XX, segundo Roberto Moura,
27
Idem. Paginas 167 a 174. Cristina de. As Teorias raciais e o Negro do Pós - abolição às Primeiras Décadas do Século XX / Campinas, SP: [s.n.], 2005. Orientador: José Luís Sanfelice. Trabalho de 28 OLIVEIRA, Lidiany
conclusão de curso (graduação) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação. Pág. 12 a 17. 29 MEDEIROS, Carlos Alberto, Na Lei e na Raça, Legislação e Relação Raciais – Brasil e Estados Unidos. Rio de Janeiro: DP&A: 2004. Pág. 43 a 57.
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“as mulheres baianas (Tias Baianas, como exemplo
Central, a elite enganou-se, quase todas as
Tia Ciata); têm um papel fundamental na
manifestações
organização da festa,” Mais uma vez são essas
presente no carnaval da Avenida Central, mas o
mulheres o esteio do grupo, criando as condições
carnaval popular vai se concentrar na Praça da
para a festa, os homens chegando à tarde com seus
República, especialmente, na Praça XIV, onde o
instrumentos de percussão, pandeiro e tamborins a
carnaval era em tudo diferente do carnaval da
que se juntam pratos e colheres na roda do samba.”
Avenida. Para lá afluíam os cordões com seus
A festa da Penha, é um dos fatores que iram
componentes vestidos de cores berrantes, as caras
influenciar no carnaval da Capital República, pois
cobertas de zarcão, os capacetes pomposos
era lá que alguns músicos e compositores
repletos de plumas, tocando os mais variados
apresentavam as suas composições para o próximo
instrumentos, desde os primitivos, reco- reco, viola,
carnaval, como Donga, Caninha, Pixinguinha30.
pinho, e até a flauta de 13 chaves e a requinta.
Mais nem tudo era alegria, pois exista uma
Ainda ás duas horas da manhã de Terça-feira, podia
repressão policial contra algumas manifestações
se ver nas calçadas da ampla praça um cordão desse
culturais ligadas ao povo negro, por exemplo: A
gênero cansado, estrompado e rouco, as violas de
capoeira e o batuque. O início do Século XX, com a
cordas bambas, as gaitas fanhosas32. Nos anos 20,
reforma urbana do Prefeito Pereira Passos, que
logo no início vai ocorrer a semana da Arte
ficou conhecida como “Belle Époque”, o carnaval
Moderna, quando foi discutido uma nova
na Cidade do Rio de Janeiro, também vai sofrer
concepção da criação de uma Nação Brasileira, que
algumas transformações, logo após a inauguração
incorporasse os três elementos que fundaram a
da Avenida Central (atual Avenida Rio Branco), o
sociedade Brasileira, o negro, índio e o branco,
carnaval carioca passa a ser na Avenida Central,
quem desenvolve este tema é o professor Antonio
antes o carnaval era festejado na Rua do Ouvidor,
Sérgio Alfredo Guimarães. Segundo Rachel Soihet,
era nesta rua que passavam os Cordões, os
os anos 20 serão o de reconhecimento da cultura
Cucumbis Africanos, Zé- Pereiras e os desfile das
negra, ”O samba acabou predominando e
grandes Sociedades31. O Carnaval elegante teria se
marcando sua presença nos cordões e blocos
retirado
sociedades
carnavalesco”, um dos fatores que ajudam a tornar
carnavalescas e para alguns teatros, abandonando
a música de Samba e seu ritmo popular foi a criação
as ruas. A reforma urbana de Pereira Passos estava
das rádios e o surgimento dos discos, que se tornam
dentro do projeto de tornar o carnaval uma festa
grande veículo de comunicação. No final dos anos
civilizada, a elite achava que com a inauguração da
20, um grupo de jovens filhos de maioria de filhos
Avenida Central, algumas manifestações culturais
de negros que vieram da Bahia, para Rio de Janeiro,
que participavam do carnaval promovido na Rua do
a partir do meio do século XIX, vai criar um dos
Ouvidor, não iriam se deslocar para a Avenida
maiores símbolo do carnaval as Escolas de Samba,
30
31
para
os
salões
das
MOURA, Roberto. Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro. 2° Edição, Rio de Janeiro, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro Secretaria Municipal de Cultura Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural Divisão de Editoração cientifica. Pág. 108 a 115.
populares,
passaram
a
estar
SOIHET, Raquel. A Subversão Pelo Riso: Estudo sobre o Carnaval da Belle Époque ao Tempo de Vargas. / Rachel Soihet 2° Edição Revisada e Ampliada. Uberlândia, EDUFU, 2008. Pág. 59 a 77. 32 Idem. Pagina 69.
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que serão o ponto máximo da cultura popular nos
que começou no final do anos 50, com a vinda de
anos 30, segundo Hiram Araújo, existem várias
setores da classe média para fazer parte da
versões de como surge o nome Escola de Samba, a
estrutura da Escola de Samba33. Mas é Hiram de
primeira Escola de Samba, que foi criada é a “Deixa
Araújo, que caracteriza o momento fundamental
Eu
no bairro do Estácio, depois a
desta transformação, ”Nelson de Andrade, que
Mangueira, Portela, Salgueiro, Vizinha Faladeira e
havia assumido a presidência da escola de samba,
Império Serrano, em Madureira no morro
da
em fins da década de 50, convida os artistas
Serrinha. Os anos 30 vão ser caracterizados como o
plásticos Dirceu e Maria Louise Nery, para fazem o
período
sociedade
carnaval Debret, em 1959, e consegue o segundo
Brasileira, fazendo com que as ideias formuladas na
lugar. O jurado Fernando Pamplona fica encantado
Semana da Arte Moderna, sejam postas em prática,
com a apresentação da escola, Nelson, então, o
e as manifestações culturais populares, como o
convida para desenvolver um trabalho artístico na
Samba e as Escola de Samba,
passam a ser
escola. Fernando organiza a equipe com Arlindo
utilizados como veículo de integração para uma
Rodrigues, Nilton Sá, Dirceu e Marie Louise Nery e
“consciência nacionalista”, como elemento de
inicia uma verdadeira revolução na temática e no
unificação
segundo
tratamento plástico- visual34.” Esta transformação
Guimarães surge a partir de 1937, no governo
no campo estético Artístico, obriga a escolas, se
Getúlio Vargas, mas dá-se o fortalecimento da
adequar a uma nova realidade que eles não
teoria da Democracia Racial, em alguns momentos
estavam preparados financeiramente, pois as
e setores da sociedade esta concepção é invocada
estruturas do desfile da escola de samba eram fruto
até hoje.
de contribuições obtidas através do popular “livro
Falar”,
das
da
transformações
futura
nação,
na
que
Voltando ao carnaval Carioca, as Escolas de Samba na década de 30, vão trabalhar na procura de sua identidade, procurando diferenciar dos Cordões e dos Ranchos, mas segundo Felipe Ferreira, o carnaval Carioca nos anos 40, será o modelo a ser seguido nas outras Capitais do país, tendo o desfile das Escolas de Samba, como o elemento principal do festejo nos dias de carnaval, nos anos 50 está consolidado toda a chamada ”espinha dorsal” na construção do desfile de uma Escola de Samba, que são: enredo, samba -deenredo, alegorias e fantasia, os anos 50, de acordo com Cavalcante, será também a formação da maior transformação dos desfiles das Escolas de Samba, CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. Carnaval Carioca: Dos Bastidores ao Desfile. 3° Edição Revista e 33
Ampliada; Rio de Janeiro: UFRJ: 2006. Pág. 39 a 43.
de ouro”, passado no comércio, e com ajuda de empresários locais e também dos bicheiros, além da participação de seus integrantes que em sua maioria eram pobres. Segundo Cavalcanti, na sua narrativa no seu livro “Carnaval carioca dos bastidores ao desfile”, ele vai dedicar um capítulo do livro sobre o jogo de bicho, que passa a ser a mola propulsora da nova engrenagem das escolas de samba, vai utilizar seu trabalho de pesquisa sobre a Mocidade Independente de Padre Miguel, caracterizado na entrada do bicheiro Castor de Andrade na agremiação, que não é diferente das outras escolas, ela nos leva a refletir o que interessava para o bicheiro, “A vitória e a boa
34
Idem. Pág. 45 a 53.
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colocação da escola correspondiam a outra vitória”:
de carnaval. Sabemos que o carnaval Carioca está
significava o reconhecimento do valor social
inserido dentro da indústria do entretenimento do
positivo do jogo do bicho na vida do Rio de
turismo
Janeiro35. Para a comunidade era a satisfação de ver
econômica, como deixa claro Cavalcante. Porém
sua escola campeã ou podendo desfilar em iguais
não podemos deixar de lembrar que o símbolo
condições com as demais escolas consideradas
central da festa carnavalesca no Rio de Janeiro é o
grandes (as quais, quase todas elas têm o jogo de
ritmo e as músicas do Samba e a alegria do povo
bicho, por trás).
Carioca, que é fruto da cultura do povo negro. Por
O bicheiro, dono da banca do bairro ou da região, costuma ser o patrono da escola de samba. No ano de 1984, ano de inauguração a passarela do samba e de criação da liga de Liga Independente da Escola de Samba (Liesa), que passa a controlar quase todo o festejo do carnaval na Marquês de Sapucaí, três
numa
visão
predominantemente
isso, onde houver um batuque de carnaval Carioca haverá uma resistência do povo negro. Esperamos ter conseguido estimular as pessoas que leram o artigo acima, a refletir em que outros setores da sociedade Brasileira o povo negro resistiu com as suas tradições culturais.
bicheiros vão ser as pessoas que iriam controlar a Liesa, Castor de Andrade, Capitão Guimarães e Anísio Abraão David. De acordo com Cavalcante,
“existia um interesse de criar uma entidade que pudesse dar todo respaldo jurídico para controlar o desfile das escolas de samba, economicamente e politicamente”. A liga fundou a sua própria gravadora, fez um contrato com RCA, e logo de começo venderam-se cerca de um milhão e duzentas mil cópias no ano36, esta nova forma de organizar o desfile das escolas de samba do carnaval Carioca, vai influenciar internamente nas escolas de samba, fazendo que o interesse econômico sobressaia em detrimento do aspecto cultural da festa carnavalesca. Em nossas considerações finais, gostaríamos de deixar uma reflexão, o carnaval Carioca não esta
Carlos Augusto Alves Santana é graduado em História pelas Faculdades Integradas Simonsen e atualmente Pós Graduando em História da África na mesma instituição.
Bibliografia ARAÚJO, Hiram, coord, Antônio de Pádua Vieira (Luiz Antônio); Carlos César Ribeiro, José Luís Azevedo, Ivan Cavalcanti Proença- Memória do Carnaval- Rio de Janeiro: Oficina do Livro,1991. ABREU, Martha, O Império do Divino: Festas
Religiosas e Cultura Popular no Rio de Janeiro, 1830-1900- Nova Fronteira; São Paulo:
Fapsp,1999. BARROS, José D’Assunção, História ComparadaPetrópolis, RJ: Vozes, 2014. CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro, Carnaval Carioca dos Bastidores ao Desfile: 3º. Edição. Ver. Ampliada.- Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006. DINIZ, Alan, Alexandre Medeiros, Fábio Fabato: As
Três Irmãs: Como um Trio de Penetras “ Arrombaram a Festa”. 1º Edição: Rio de Janeiro:
reduzido ao desfile das escolas de samba, a cada ano que passa inúmeros blocos são criados em todas as regiões da Capital do Rio de Janeiro, com um caráter bem popular, fazendo com que centenas de famílias vão às ruas brincar os três dias 35
Idem.
Nova Terra. 2012. DINIZ, ANDRÉ. Almanaque do Samba: a História do Samba, o que Ouvir, o que Ler, onde Curtir. 3º edição. Revisada – Rio de Janeiro: Zahar, 2012 FERREIRA, Felipe, Inventando Carnavais: O
surgimento do Carnaval Carioca no Século XIX e
36
Idem.
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outras Questões Carnavalescas, Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005 FERREIRA, Felipe, O Livro de Ouro do Carnaval Brasileiro: Rio de Janeiro: Edioouro,2004 GINZBURG, Carlo, O Queijo e o Vermes: o
Cotidiano e as Ideias de um Moleiro Perseguido pela Inquisição: tradução- Maria Betânia
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