G N A R U S | 114
Artigo
MÚSICA E CONSUMO: A INDUSTRIALIZAÇÃO DA CULTURA. Por: Marília Luana Pinheiro de Paiva Resumo: Este artigo busca discutir as relações sobre música e o mercado industrial. Uma crítica as músicas que são fabricadas pela mesma linha de produção, o famoso “clichê” da contemporaneidade, músicas, letras e melodias repedidas são as músicas da moda, as mais consumidas. Muitas vezes sem nenhuma letra com sentido ou até mesmo arranjo elaborado, são apenas produtos para serem vendidos; mais do mesmo. Nesse sentido procura relacionar a crítica de Theodor W. Adorno sobre a indústria cultural e o padrão que a música assume na sua concepção histórica. Pois a música, atual é vista como mercadoria, seguindo padrões estéticos e fazem sujeitos refém da arte de massa, transformaram em escravos passiveis da música de sucesso. Compreende-se que a música filha do seu tempo de uma sociedade globalizada e capitalista e da industrialização da cultura. Palavras chaves: Indústria cultural, música, história.
A
dorno (1996, p. 65) faz uma critica a indústria
cultural
no
capitulo
O
Fetichismo na Música e a Regressão da
Audição, escrita em 1938, na obra Os pensadores referir-se a decadência do gosto musical, a música desde tempos gregos foi sempre considerada como um “bem supremo”, mas em dias atuais, o que está em voga, e todos seguem para uma tendem a obedecer a moda, assim como em outras instâncias. A ordem é obedecer cegamente a uma moda que se expande comercialmente. Adorno exprime essa obediência da massa nessa passagem:
De resto, já não há campo para escolha; nem sequer se coloca mais o problema, e ninguém exige que os cânones da convenção sejam subjetivamente justificados; a existência do próprio indivíduo, que poderia fundamentar tal gosto, tornou-se tão problemática quanto, no polo oposto, o direito à liberdade de uma escolha, que o indivíduo simplesmente não consegue mais viver empiricamente. Se perguntarmos a alguém se "gosta" de uma música de sucesso lançada no mercado, não conseguiremos furtar-nos à suspeita de que o gostar e o não gostar já não correspondem ao estado real, ainda que a pessoa interrogada se exprima em termos de gostar e não gostar. (ADORNO, 1996, p.66)
G N A R U S | 115 A indústria fonográfica se detinha das músicas
docilidade. Adorno a comparava a música de massa
com intuito comercial, caracterizando um produto
com o cinema mudo, como algo de pano de fundo.
de massa, com exigências padronizadas para
Contesta que alguns ouvintes mesmo ouvindo uma
atender o público de forma geral.
música muitas vezes não dão atenção ao que a
Ao julgar a música como boa ou ruim, o que se pensava era se estava ou não na moda, se era ou não sucesso
e
conforme
Adorno
se perdia a
música traz, e acaba-se por não compreender a própria música que está se ouvindo. (ADORNO, 1996, p.67)
sensibilidade e o valor, a música estava sobre
A nova forma sentimental com destinado ao
moldes de padronização do mercado. Uma vez que
público de massa, o autor trata como uma
o sujeito não conseguia diferenciar a sua opinião da
“degeneração”. E com a variedade de músicas e
opinião pública, da mesma forma não se podia
circulação, acaba-se que o ouvinte não pensa na
decidir com liberdade, pois os padrões musicais
música como um todo, não se posiciona contra, e se
seguiam uma mesma linha de produção, pois tudo
entrega ao prazer momentâneo convertendo-se a
se tornara tão próximo e
um comprador passivo.
igual.
Atingiu todas as camadas
Adorno
lamenta
desvalorização
da sociedade e o rádio
a
contribuiu
na
proporcionar
contemporaneidade da como
entretenimento
música
disseminou
Napolitano (2002, p.
sociedade
eruditos, iam contra a
recusava valores que já havia concebidos nesse campo. Mas ela trazia um novo elemento o entretenimento e prazer. Que na verdadeira analise dele não era totalmente concebida pois a sua crítica se firmava diante da afirmação que tal música acabava por contribuir para uma destruição da linguagem como forma de expressão e desqualificação da comunicação. A música de entretenimento se firmava no gosto daqueles que não tinham sequer exigências e aceitava com
valores
culturais, nas quais a
10) apontava que críticos
Adorno reforça esse aspecto que essa nova música
e
assim como promoveu e
apreciada como outrora.
que desconsiderava as heranças ocidentais, e assim
seu
distração aos ouvintes,
séria qual já não é mais
nova música popular que se consolidava por conta
em
totalitarismo
música clássica a qual ele chama
ao
colocou
a
música comercial como superior a música séria (que seria a música erudita) caminhando para uma liquidação do indivíduo e formando uma nova época musical em que estamos. A música ligeira, como Adorno coloca, a música comercial se consolidou a partir da viabilização de seu consumo, enquanto que a música erudita, consumida grande parte pela camada elitista da sociedade era consumida e comprada conforme o preço do seu conteúdo. A música comercial não possui padrões técnicos, podendo qualquer um exercer a função de ser cantor sem precisar
G N A R U S | 116 dominar os recursos técnicos. Desta forma Adorno
por liquidar a individualidade do sujeito. Se este
(1996, p. 77) argumenta sobre a música de mercado
sujeito aceita pacientemente o produto que lhe é
e seus valores:
dado, não existe gosto algum apenas uma prisão na
O fato de que "valores" sejam consumidos e atraiam os afetos sobre si, sem que suas qualidades específicas sejam sequer compreendidas ou apreendidas pelo consumidor, constitui uma evidência da sua característica de mercadoria.
qual ele nem se dá conta, das suas grades. Não há uma resistência por parte dos consumidores de massa, ou seja a consciência dos ouvintes de massa está na mesma frequência com a música
fetichizada, aquela que o autor descreve como padronizada.
Adorno
aponta
que
a
A música, atual é vista como mercadoria,
contemporaneidade avança para um regresso, não
seguindo padrões estéticos. Marx descreve o
o regresso do ouvinte individual, e nem o regresso
caráter fetichista da mercadoria, no qual a relação
do nível coletivo, o que regrediu e permaneceu em
da troca e do consumo, o produtor como o
um estado infantil foi à audição moderna. Na qual
consumidor se alienam. A mercadoria devolve ao
os ouvintes perdem a liberdade de escolha e se
homem como um espelho, os aspectos sociais do
limitam a um conhecimento consciente da música.
trabalho, aspectos do produto do trabalho, assim
A música ligeira, como a música popular e o jazz,
como propriedades naturais e sociais. A mercadoria
entra nessa concepção de música de massa, na qual
também reflete a relação social dos produtores e o
a audição regressiva está intimamente relacionada
trabalho, ela se compõe na relação de troca e valor
com a propaganda e o anuncio publicitário detém
de uso, uma aparência ilusória que os bens de
o poder de coação. Influenciando e determinando
cultura deve conservar.
gostos musicais. Assim se acerca uma reflexão em
A música se modifica como arte e assume seu caráter de mercadoria na medida que é concebida como bem de consumo, de troca em troca de seu uso, como mercadoria, e mascara o valor de troca como sendo um objeto de prazer, formando um
torno do jazz comercial, caracterizada como música de massa que só pode ser ouvida sem muita atenção, como pano de fundo de uma conversa ou de um baile, assim ela estará exercendo a sua função. (ADORNO, 1997, p.93).
caráter abstrato de troca. O valor de troca assume
A música popular era composta pelo resto da
alguns traços dentre eles o poder de coesão. Um
música erudita em um plano harmônico simplista e
exemplo desse consumismo seria tanto uma mulher
repetitivo. Para os críticos folcloristas como Mário
que vai as compras em um shopping Center, e um
de Andrade no Brasil e Bartok na Hungria, a música
homem que compra um carro do ano e modelo que
popular urbana significava o desaparecimento de
gosta, assim como o cliente da arte de massa de
uma lucidez sociológica, étnica e estética. Alguns
nosso tempo, se transformaram em escravos
críticos à música popular urbana apontavam a
passiveis da música de sucesso.
impossibilidade de estuda-la, e pesquisa-la, pois
A indústria cultural investe na produção
devido a influência de músicas internacionais, a
padronizada dos bens de consumo que produz uma
música urbana era designada como sem identidade
escala de produtos iguais destinados ao todos os cidadãos, seguida de leis de mercado, que acaba
própria. (NAPOLITANO, 2002, p.11)
G N A R U S | 117 Viana aponta que a indústria cultural está
com uma mera intenção comercial de lucro
presente no dia-a-dia da população e exerce forte
contribuindo com a alienação da sociedade. Assim
coerção sobre a sociedade. A indústria cultural
a sua coesão e manipulação é tão intrínseca que
produz aquilo que a sociedade quer aquilo que ela
consumidores já não se dão conta, daquilo que
quer ver e ouvir, a indústria cultural é um produto
estão comprando e que estão nos moldes da
da
indústria. (HORKHEIMER; ADORNO, 1997, p. 57)
sociedade
com
caráter
manipulador
e
conservador. (VIANA, 2004, p.2)
Como Horkheimer & Adorno discorrem sobre a
Para Adorno & Horkheimer representantes da
passagem do telefone ao rádio, no qual o primeiro
Escola de Frankfurt, a indústria cultural ela é uma
permitia que os participantes desempenhassem um
fábrica de ilusões e de consumo superficial, a qual
papel do sujeito, enquanto o rádio transforma
aponta que o lucro é o principal interesse da
todos igualmente em ouvintes, para inserir em um
produção
sistema de programas iguais uns dos outros, das
capitalista,
pois
realizam
a
mercantilização da arte e da cultura, produzindo as
diferentes estações.
chamadas “mercadorias culturais”,
era
Se referindo as grandes
um
músicas de sucesso, e as
sistema de dominação
famosas
ideológica, na qual o
padronizadas, a indústria
indivíduo inserido não se
cultural
dava conta e sentia a
com
necessidade de consumir
as
consumidor e induz o
Como Horkheimer & Adorno (1997, p. 60) discute:
Atualmente, a atrofia da imaginação e da espontaneidade do consumidor cultural não precisa ser reduzida a mecanismos psicológicos. Os próprios produtos (...) paralisam essas capacidades em virtude de sua própria constituição objetiva.
a
ideias
e
as
características próprias
sujeito a sentimentos pensar, mas apenas escolher (VIANA, 2004, p.2)
e
obra, assim sucumbindo
um
coletivos e previsíveis, no qual ele não precisa
eficácia
da performance sobre a
vê no homem um objeto trabalho
desenvolveu
denominação do efeito e
mais. A indústria cultural de
músicas
de
cada
obra
(HORKHEIMER; ADORNO, 1997, p. 59). A sua totalidade abarcou especificidades e caraterísticas próprias, deixando obras medíocres e semelhantes umas das outras, com uma falta de identidade e de originalidade, estando reduzida a um estilo e a um enquadramento obedecendo a uma hierarquia social e estética estabelecida (HORKHEIMER; ADORNO, 1997, p. 62). Horkheimer & Adorno são os grandes críticos da
Indústria cultural é um negócio, como outro qualquer, utilizam uma ideologia para legitimar o lixo que eles mesmos produzem. São mercadorias
interpretação e crítica indústria cultural. Afirmam que
a
indústria
cultural
produz
uma
estandardização e racionalização da produção cultural.
G N A R U S | 118 Assim Walter Benjamin, também representante
composição é sensibilidade e emoção, é romance e
da Escola de Frankfurt apresenta uma concepção
contestação. A música é uma expressão artística e
sobre a percepção coletiva e a sua intercessão no
cultural de um povo, expressada e ritmada com
processo histórico:
nuances e textura, é obra do seu tempo, é cultura
No interior de grandes períodos históricos, a forma de percepção das coletividades humanas se transforma ao mesmo que seu modo de existência. O modo pelo qual se organiza a percepção humana, o meio em que ela se dá, não é apenas condicionado naturalmente, mas também historicamente (BENJAMIN, 1987, p. 169).
transformada em embalo dançante é letra crítica e imponente. Ou apenas é música com a intenção de divertir, ou com a intenção de inquietar o espirito ou a consciência, é libertação da alma, veículo de expressão de sentimentos. Às vezes como pano de fundo, outras vezes como fator principal, a música compões o campo social e
Benjamin ao falar da obra de arte, distingue a arte
emocional. A música é subjetividade e identidade,
convencional e a reprodutível, elabora a partir
sobretudo é expressividade. É a mistura de ritmo,
dessa perspectiva o conceito de “aura”, ou seja
harmonia
apenas na obra de arte original, na singular e
instrumental transmitida ao mundo. Há vários tipos
especifica que se encontra a “aura”. A reprodução,
e estilos de músicas, que vai do samba ao rock, da
a replica levam um grande abalo na tradição, que
ópera a música clássica, com letra ou não, cada qual
segundo Benjamin é uma contrapartida estética dos
expressa suas significações e identidades, a qual
movimentos de massa no século XX. (DUARTE,
está ligada a um tempo e a uma estrutura social.
2003, p. 22).
e
melodia,
é
uma
organização
Há, a música engajada, a música politizada, e
Napolitano (2007, p. 5) aponta que a música é
música para divertir, cada música traz consigo a sua
uma espécie de repertório de memória coletiva.
definição marcada pelo tempo e pela sua cultura,
Filha do seu tempo de uma sociedade globalizada e
esteja ela no quadro social ou de lazer de alguma
capitalista e da industrialização da cultura. A
maneira ela integra a relação social e cultural. Pois
música popular brasileira é um mosaico de culturas,
a música é uma produção de indivíduos que
amplo e complexo que envolve artistas, produtores,
constituem um campo social, no qual estão
audiência e crítica. A música popular brasileira é a
diretamente relacionados.
expressão de tradições populares, o que faz legar uma tradição, entre os anos de 1930 e 1960 o samba, a bossa nova e a mpb foram os gêneros principais que representaram a música popular brasileira. A MPB é formada por vários gêneros e estilos.
Assim como Wisnik (2004, p.15) como Ross (2011, p. 12) concorda que na música há muito subjetividade, e expressões singulares como aponta Vinci de Moraes (1997, p. 211), pois através de suas letras podemos constatar e compreender a identidade de uma geração, que através da música
A música é uma arte, dotada de simbologias,
enxerga um novo caminho para contestação e
timbre, ritmo, melodias. Em sua maioria composta
retratar indignações, assim como insatisfações no
por letras, em grande parte letras que comunicam
plano político e social no país. A música se destacou
que expressam mensagens e significados. Está
ao longo dos anos, mais que uma expressão artística
diretamente ligado com o seu tempo, sua
e cultural, ela se tornou um estilo de viver, ser e
G N A R U S | 119 sentir está em todo lugar como fundo, trilha sonora de nossas vidas modernas. Porém estamos marcados pelo modismo e padrões que nos corrompe e acaba nos escravizando desse processo do capitalismo e da industrialização da cultura que acaba por apenas reproduzir o mais do mesmo e nos fazer refém da arte de massa.
Marília Luana Pinheiro de Paiva é graduada em Licenciatura plena em História pela UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa). Especialista em Metodologia no ensino de Sociologia e Filosofia (FACEL). Mestranda em Ciências Sociais Aplicadas (UEPG) contato e-mail: marilia-lua1@hotmail.com.
Referências ADORNO, Wiesengrund, Theothor. Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1996. BENJAMIN, Walter. Walter Benjamin: obras escolhidas v1, 3ed. São Paulo: Editora 34, 1987. DUARTE, Rodrigo. Teoria Crítica da Indústria Cultural. Belo Horizonte; Editora UFMG, 2003. HORKHEIMER, Max. & ADORNO, Wiesengrund, Theothor. Dialética do Esclarecimento. Fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. MORAES, José Geraldo Vinci de. Metrópole em sinfonia-história, cultura e música popular em São Paulo nos anos 30. Tese apresentada com exigência parcial para a obtenção de Doutor em História. Universidade Estadual de São Paulo, 1997. NAPOLITANO, Marcos. História & Música. História cultural da música popular. Autêntica: Belo Horizonte, 2002. ____________. A síncope das ideias. A questão da tradição na música brasileira popular brasileira. Editora Fundação Perseu Abramo: São Paulo, 2007. ROSS, Alex. Escuta só: do clássico ao pop. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. VIANA, Nildo. Reflexões sobre a Indústria Cultural: Humanidade em foco. Goiânia, v.2, n.3, 2004 WINISK, José Miguel; SQUEFF, Enio. O Nacional e o popular. Na cultura brasileira. São Paulo; Editora Brasiliense, 2004.