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Coluna:
HISTÓRIA ORAL, METODOLOGIA E O CMRP Por Leonardo Tavares Santa Rosa
A
metodologia de História Oral surgiu
Neste caso a entrevista ou o método de
como uma forma de valorização das
História Oral busca essa síntese e sentido a todo o
memórias e recordações, recolhendo
momento, sendo essa presente não só na trajetória
informações através de entrevistas de indivíduos e
de vida do entrevistado, mas no conjunto geral de
grupos que vivenciaram fatos ou que são
todo o passado em questão. Todo o relato ganha e
“guardiões” de memórias ou histórias passadas de
forma um sentido, constrói um caminho na medida
gerações em gerações. Narrar e ouvir uma história
em que vai sendo narrado juntando-se a outros,
ou uma experiência de vida faz do indivíduo parte
tendo o historiador como organizador desses
da formação e da conjuntura do passado, Philippe
fragmentos soltos na busca do sentido e da
Lejeune salientando a questão da autobiografia
coerência desses relatos. O indivíduo, o agente
com relação do indivíduo na própria estrutura do
histórico, sempre busca algo com um objeto,
texto afirma: “Não se pode assumir sua vida, sem
lembrança,
de certa forma, fixar-lhe um sentido nem engloba-
fragmento para construir o início de seu caminho
la sem fazer sua síntese; explicar quem éramos sem
(sua narrativa), isso acontece em todos os métodos
dizer quem somos” 1.
históricos, tendo na história oral um diferenciador,
momento
ou
qualquer
outro
a “construção de uma história viva” por cada ALBERTI, V. A vocação totalizante da história oral e o exemplo da formação do acervo de entrevistas do CPDOC. In: INTERNATIONAL ORAL HISTORY CONFERENCE CPDOC/FGV/FIOCRUZ, 1998. p.509-515 1
indivíduo que utiliza esse método para reviver a partir de um objeto ou mesmo de uma lembrança
G N A R U S | 117 a visão de um passado no presente, tornando o tempo
passado
rico
e
vivo,
com
Minayo em “O desafio do conhecimento” narra
suas
outro fator decorrente no método da história oral,
características, aromas e formas, reconstruindo os
o conjunto de quantidade de narrações e seus
vestígios do tal caminho com suas emoções,
receptivas qualificações: “o conjunto de dados
detalhes, opiniões e até sua respectiva “verdade”.
quantitativos e qualitativos não se opõem. Ao
Todas essas características são essenciais para a
contrário, se complementam, pois a realidade
narração do indivíduo por dar alma a história
abrangida por eles interage dinamicamente,
contada, não esquecendo de levar em conta que
excluindo qualquer dicotomia”3.
não existe o fechado em nenhuma área ou
Sendo assim a quantidade de depoimentos ou
metodologia da História, não sendo diferente na
dados orais somam na formação do trabalho por
história oral, por tudo fazer parte de um
sua dinâmica e vivacidade. Cada depoimento é
conhecimento na busca da essência e do “porquê”
único porém incompleto, a junção de cada
das atitudes expressas pelo indivíduo durante seu
depoimento é essencial para dar ao método mais
relato. O papel do historiador surge nesse
“ligamento” às novas histórias que irão aparecer.
momento como de um administrador que analisa e
Nem toda entrevista pode ser considerada
organiza minuciosamente a história contada, não
como história oral, pois a mesma necessita para se
se deixando
construir um “caminho” e um método para sua
narrativas
submergir ou influenciar por particulares
e
respectivas
formação e validação, sendo esses, por exemplo,
subjetividades, contudo não se deixando de fora
por registro de depoimentos em dispositivos
por completo da narração como um simples
digitais com imagem e som. Na visão de Philippe
ouvinte. Alberti define história oral como:
Joutard: “... desde o início dividiram a história oral,
[...] um método de pesquisa (histórica, antropológica, sociológica, etc.) que privilegia a realização de entrevistas com pessoas que participam de, ou testemunharam acontecimentos, conjunturas, visões de mundo como forma de se aproximar do objeto de estudo [...] Trata-se de estudar acontecimentos históricos, instituições, grupos sociais, categorias profissionais, movimentos, etc., à luz de depoimentos de pessoas que deles participaram ou os testemunharam2.
uma próxima das ciências políticas voltada para as
O autor define essa metodologia como um
determinar quem é elite e quem não é, e assim
meio de aproximação do objeto estudado, dando
sendo, quem merece ser ouvido e registrado e
voz aos “esquecidos” ou “atropelados” pelo tempo,
quem merece ser calado e esquecido.
elites e os notáveis, outra interessada nas populações “sem história” situada na fronteira da antropologia.”4 Percebendo
então
uma
metodologia
democrática por dar voz aos “grandes” e “pequenos” da história, mostrando que todos merece ser ouvidos, porém ao mesmo tempo mostrando uma separação e preconceito por
conectando inúmeras visões de classes, raças e/ou
O começo dos registros orais teve como
religiões grupos antes calados ou impedidos de
primórdio o gravador criado nos anos de 1950 nos
tornarem seus patrimônios imateriais parte do caminho histórico. ALBERTI, V. História oral: a experiência do CPDOC. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1990. 2
MINAYO, M. C. de S. O desafio do conhecimento. Pesquisa Qualitativa em Saúde. HUCITEC ABRASCO. São Paulo: 1993. 4 JOUTARD, Philippe. História oral: balanço da metodologia e da produção nos últimos 25 anos. In: FERREIRA, M. M.; AMADO, J. (Org.). Usos e abusos da história oral. Rio de 3
Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996.
G N A R U S | 118 Estados Unidos, na Europa e no México,
por apresentar detalhes e cargas emotivas muitas
expandindo-se chegando a ter muitos adeptos
vezes não presentes em uma fria folha de papel.
como
Comprovamos isso:
historiadores,
sociólogos,
pedagogos,
“Por História Oral se entende o trabalho de pesquisa que utiliza fontes orais em diferentes modalidades, independentemente da área de conhecimento na qual essa metodologia é utilizada.”6
teóricos da literatura, antropólogos e outros. No Brasil a metodologia foi introduzida na década de 1970 com a criação do programa de História Oral do CPDOC, tendo sua expansão a partir dos anos de 1990. Em 1994 foi criada a associação brasileira
Dentro dessas técnicas existem as práticas que
de história oral que juntava membros de todas as
apresentam quatro modalidades de ação, onde
regiões do país em reuniões regionais e nacionais.
cada uma exerce um papel.
Em 1996 foi criada a associação internacional de
O estilo arquivo: onde os que participam (os
história oral. Em todos esses encontros há
documentalistas) criam e organizam documentos,
publicações de livros, revistas e boletins sobre o
sendo e estando esses transcritos. O estilo do
tema que corroboram o que foi dito até aqui.
difusor populista: são os que criam acervos e meios
A história oral pode ser dividida em duas
de preservar a memória, porém não tentado
formas se tratando de relatos: Existindo uma
avançar
tradição oral, a qual representa de forma de
reducionista: onde usam o método como um
transmissões de gerações a história do pioneiro da
complemento para outros métodos. O estilo do
família, ou da época que o mesmo viveu. Essa
analista completo: onde esses usam e aprovam a
mediação é importante por fazer os descendentes
história oral como método, ficando mais próximo
serem e permanecerem ligados ao passado dos
aos seres que mesmo que não participaram da
seus, entendo e valorizando sua história e a
história contada ou não foram ouvidos receberam
tornando viva e contínua. O problema dessa
informações do tempo me questão.
seus
conhecimentos.
O
estilo
primeira divisão é a monopolização presente em
Os que entendem a história oral como técnica
apenas um determinado grupo, onde não é
se focam nos meios de captura do depoimento,
difundida e às vezes esquecidas pela falta de
nos tipos de som, gravação, organização, sendo
descendentes. A segunda parte da divisão é a
assim o método se torna um procedimento técnico
reminiscência pessoal onde quem conta é o
de conservação do passado. Meihy avalia a história
mesmo que participou da história, dessa forma os
oral como um conjunto de procedimentos que
detalhes são mais ricos, presentes como em um
percorrem do planejamento até a captura e
documento
como
arquivamento de depoimentos, não escapando do
problema neste caso a supervalorização ou
termo “método” por apresentar dentro do
primário,
autopromoção do
apresentando
indivíduo.5
caminho práticas, técnicas, e demais aspectos
A história oral é mais um método da história
importantes para o objetivo final, que nesse caso
geral que possui dentro de si práticas de capturar
(da história oral) preserva a memória de
por meios/relatos orais depoimentos para a
indivíduos/grupos para o registro do passado na
“reconstrução” de um passado mais “rico” e “vivo”
visão desses “baús vivos”. 6
PRINS, Gwyn. In: Burke, Peter. A escrita da História: Novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992. 5
Estatuto da Associação Brasileira de História Oral, fundada em 1994, Art.1º, par.1º; In: Revista de História Oral, nº1, 1998:14
G N A R U S | 119 Porém muitos historiadores ainda defendem a
A memória e a imaginação possuem o mesmo
ideia da história oral como teoria esquecendo que
radical, mantendo certa ligação ao inventar ou
a partir dos relatos podem se existir análises e
lembrar. Le Goff nos recorda que os gregos antigos
estudos filosóficos, deixando de ser apenas uma
fizeram da Memória uma deusa (Mnemosine), mãe
técnica de gravações de depoimentos. “[...] Ela é
de nove musas inspiradoras das chamadas artes
fruto do cruzamento da tecnologia do século XX
liberais, ente elas a história (Clio). Percebe-se
com a eterna curiosidade do ser humano.”7
assim que a história é filha da memória e irmã das
Para outros a história oral é como todas as
musas guardiãs de outras artes.
metodologias que apenas estabelece e ordena os procedimentos
do
projeto,
sendo
Já para Peter Burke a memória é uma
assim,
reconstrução do passado, sendo uma construção
entrevistam, e possibilitam meios para pesquisas,
feita “agora” pelas vivencias do “ontem”. Pode-se
analisam e fazem uma transição de depoimentos,
definir também a memória como um discurso de
organizando assim o “caminho” a ser preenchido.
algo guardado, lembranças e esquecimentos, que
Percorrendo e mantendo junto em parceria meios
num processo de construção revivem a história. A
práticos e técnicos e efetuando os meios para se
memória torna a homem mais vivo e o proporciona
chegar ao que não seria o fim, mas o contínuo
autoconhecimento podendo fazer internamente
“caminho” a história oral de se estabelecer como
estudos de fatos ocorridos no passado e ocorridos
método.
no seu presente, o tornado mais sábio e preparado
Nesse método há uma maior percepção do
para o mundo. Conforme Henry Rousso, “seu
tempo e espaço, da cor e do cheiro de
atributo mais imediato é garantir a continuidade
determinados tempos. O indivíduo “coloca luz”
do tempo e permitir resistir à alteridade, ao
sobre o que está descrevendo e narrando, por
‘tempo que muda’, as rupturas que são o destino
lembrar do que vestia, comia e como se sentia ou
de toda vida humana; em suma, ela constitui – eis
queria, mesmo que não fale por palavras o olhar e
uma banalidade – um elemento essencial da
ouvidos atentos de uma historiador capturam tais
identidade, da percepção de si e dos outros”8.
vestígios “soltos” formando textos com histórias e
Sendo a memória um dos, se não o, meio mais
detalhes que nem mesmo buscava.
importante para a pesquisa da história oral. “A
Alguns “apoios da memória” podem ser usados
memória, onde cresce a história, que por sua vez a
para que a entrevista não saia do caminho e para
alimenta, procura salvar o passado para servir o
auxiliar o indivíduo no caso de esquecimento.
presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma
Esses apoios podem ser fotografias, objetos e
que a memória coletiva sirva para libertação e não
outros mecanismos para ajudar o indivíduo a
para a servidão dos homens”9.
recordar do fato passado. Nessa dinâmica o passo se torna presente e as memórias adormecidas ressurgem havendo uma conversa entre tempo de histórias passadas ou vividas. ROUSSO, Henry. A memória não é mais o que era. In: AMADO, Janaína &FERREIRA, Marieta. (Coords.). Usos e abusos de história oral. Rio de Janeiro: FGV,1996, p. 93-101. 9 LE GOFF, Jacques. “Memória”. In: História e Memória. 8 7
FERREIRA, Marieta de M.; AMADO, Janaina; (org). “Apresentação” In: Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: ed. Fundação Getúlio Vargas, 1996.
Campinas: Ed. UNICAMP, 1994.
G N A R U S | 120 Como já foi citado neste trabalho a História Oral busca trazer a experiência de vida de pessoas e seus grupos, uma história viva, que por meio de depoimentos registrar o passado com todas as características próprias da subjetividade, emoções, esquecimentos, rupturas etc. Isso mostra que a história oral não busca uma “verdade” ou mesmo confrontar depoimentos em busca de mentiras, o fato
mais
importante neste
método
é
a
identificação de aspectos que permitam a observação de fatos/detalhes do mundo na visão desses indivíduos apagados, esquecidos ou mesmo sem importância para a história, assim, torna inúmeros
indivíduos
ocultos
ou
mesmo
indeterminados, em seres geradores de “luzes” e de história, proporcionando visibilidade por meios
donos ou pertencentes do “verdadeiro” relato,
de seus relatos. Adotando essa postura a história
cada indivíduo tem e deve ter seu valor e sua
oral mostra sua democracia e sua importância nas
importância no conjunto continuo da produção
aberturas de discussões e debates importantes
histórica.
para a construção do patrimônio.
Para
A história oral respeita as diferenças e até
muitos
historiadores
tradicionais
a
memória ainda não é válida com um recurso de
prefere indivíduos de classes, raças, gêneros e etc.,
fonte
diferentes
de
influenciada e até esquecida, certamente como
informações e visões de mundo. Além disso a
disse Le Goff, “A memória é uma construção
pessoa ou grupo entrevistado deve se considerado
psíquica e intelectual que acarreta de trato uma
como parte da qualificação do objeto de
representação seletiva do passado, que nunca é
investigação, sendo assim o historiador deve
somente aquela do indivíduo, mas de um indivíduo
considerar de cada pessoa os seus meios de vida,
inserido num contexto familiar, social nacional”10.
para
expandir
seu
“leque”
histórica,
por
poder
ser
distorcida,
sua história, e etc., a pessoa deve entrar no
Consequentemente mesmo o entrevistado ao
processo de pesquisa, mostrando aí a história oral
se autocelebrar, fantasiar, criar trajetórias e fatos
em uma “conversa” com outras disciplinas e suas
inexistentes, acaba com isso, revelando as
práticas
intenções dos feitos, suas crenças, mentalidades,
de
investigação,
por
exemplo,
a
antropologia.
imaginário
e
pensamentos
referentes
às
Portanto o indivíduo e sua memória se tornam
experiências vividas, tornando o “problema” a
parte essencial da metodologia, onde jovens e
solução do método. Essa solução acontece pela
idosos, pobres e ricos, homens e mulheres e
compreensão e pelas perspectivas “inverdades” do
qualquer outra condição, classe e etc., se tornam “heróis” de suas próprias histórias não podendo ser (esses indivíduos) supervalorizados como únicos
LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Ed. Unicamp, 2003. 10
G N A R U S | 121 indivíduo, onde se tornam meios para entendê-lo dentro dos acontecimentos de sua época.
ser um sagaz observador dos acontecimentos,
Sempre que o indivíduo narra sua história ele trás
subjetividades
trazendo
assim
O papel do historiador nesse caminho oral é de
o
deixando o entrevistado falar, sempre tentando
que
leva-lo ao “caminho” da pesquisa proposta caso o
acreditava, seus anseios, sonhos e etc., porém para
mesmo se desvie. O historiador dentro da
Paul Thompson nenhuma fonte está longe ou fora
metodologia nunca deve influenciar ou manipular
de alcance dessa subjetividade, mesmo sendo ela
a entrevista, deve sim procurar dialogar com o
escrita, oral ou visual, todas podem apresentar
mundo ao seu redor, em busca da recuperação das
aspectos escassos, modificados e/ou induzidos.
informações, mesmo que essa não possa ser
Thompson afirma que a metodologia oral além dos
recuperada por completo. Ao analisar e unir as
percalços pode trazer algo maior do que está
narrações o historiador nunca deve fechar ou
evidente, “a evidência oral pode conseguir algo
determinar um assunto por finalizado (isso em
mais penetrante e mais fundamental para a
todas as áreas e métodos da história) por
história. [...] transformando os objetos de estudo
apresentar outras fontes ou “vozes”, outros
em sujeitos”.11 Dessa forma tornando a história
caminhos a serem percorridos, podendo assim
algo vivo e empolgante, transformando essa
acrescentar ao trabalho em questão.
subjetividade relatada muitas vezes percebida, em
Um outro fator presente na história oral é que
um diferencial do método, por percorrer além das
nunca se sabe onde determinada entrevista vai
histórias do grupo ou indivíduo o todo no passado
chegar e o que vai acontecer, mesmo que haja um
contado de uma forma dinâmica, tornado o objeto
planejamento (sendo esse mais que necessário
de estudo em sujeito “vivo” e pronto para ser
para o método) para um caminho a ser seguido,
minuciosamente analisado.
improvisos acontecem e o historiador deve saber aproveitar esses momentos para transformar esses
THOMPSON, P. A Voz do Passado: Historia Oral. Tradução de: Lólio Lourenço de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. 11
percalços em “pontes” para outras perguntas não
G N A R U S | 122 presentes no planejamento, sempre seguindo
oralidade busca preservar seus relatos do presente
dentro da dinâmica do trabalho.
para o futuro, para formar assim seu passado.
Alguns
pesquisadores
acreditam
que
os
documentos escritos são “mais confiáveis” ou os
Neste trecho percebe-se a importância que a história oral tem e traz: “[...] a história oral pode dar grande contribuição para o resgate da memória nacional, mostrando-se um método bastante promissor para a realização de pesquisa em diferentes áreas. É preciso preservar a memória física e espacial, como também descobrir e valorizar a memória do homem. A memória de um pode ser a memória de muitos, possibilitando a evidência dos fatos coletivos”13
únicos meios de conhecer ou pesquisar sobre o passado, desacreditando assim nas fontes ou relatos orais. Edward Hallet Carr crítica esse “fetichismo” dos documentos, ao referir: “...nenhum documento pode nos dizer mais do que aquilo que o autor pensava – o que ele pensava que havia acontecido, queria que os outros pensassem que ele pensava, ou mesmo apenas o que ele próprio pensava pensar. Nada disso significa alguma coisa, até que o historiador trabalhe sobre esse material e decifre-o.” 12
Nota-se que todos os documentos escritos não passaram antes de transmissões orais, entrando em confronto com historiadores que desdenham este do método oral. Como nenhum livro ou “vestígios” são totalmente confiáveis às narrativas presentes no método oral também devem ser estudadas e apresentadas com cuidado, deixando “largo” o caminho para interpretações e definições dos que a estudam. Outro problema presente neste método seria que a fonte oral somente refere-se às pesquisas sobre temas atuais, por depender de pessoas e suas memórias. Porém essas críticas somente se tornam reais quando o trabalho executado não se constitui de organização e preparo. Muitos “centros de memórias” preservam fitas, gravações e arquivos em geral de testemunhos dos indivíduos e grupos onde possibilitarão a historiadores e outros pesquisadores no futuro distante a pesquisa e estudos de tempos passados e não do seu
Observasse-se
aqui
uma
valorização
do
indivíduo e do grupo na preservação de suas memórias e como fontes históricas, onde não se é totalmente e unicamente essencial ao estudar ou conhecer o passado os textos escritos. Neste método a possibilidade do indivíduo geralmente excluído da história oficial de serem ouvidos e registrados deixando para futuros fins sua visão de mundo se tornando grandes e notáveis. Esses grupos de indivíduos marginalizados, excluídos e calados do contexto da história geral, antes mulheres, negros, escravos, índios..., hoje pobres, idosos..., se tornam “atores” principais desse método contemporâneo, erguendo uma nova expectativa e observação da história. Como exemplo positivo dessa nova perspectiva e visão da história são os relatos orais de escravos libertos ou/e
seus
descendentes
no
documentário
“Memórias do Cativeiro” produzido pelo LABHOI, nele são apresentados relatos na visão desses exescravos, nos quilombos, nas casas dos senhores, nos seus trabalhos e rotinas, dando assim voz a esse grupo antes “mudo”.
próprio presente. Assim como no início de quase todos os métodos históricos o estudo através da
BURKE, Peter. História como memória social. In: Variedades de história cultural. CARR. Edward H. Que é história? Paz e Terra: 1982. 12
THOMPSON, P. A Voz do Passado: Historia Oral. Tradução de: Lólio Lourenço de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. 13
G N A R U S | 123 Segundo Pollak, “Ao privilegiar a análise dos
excluídos, dos marginalizados e das minorias, a história oral ressaltou a importância de memórias subterrâneas que, como parte integrante das culturas minoritárias e dominadas, se opõe à "Memória oficial", no caso a memória nacional.14 Contudo como qualquer documento, os relatos e fragmentos históricos da história oral merecem uma minuciosa análise, critica e interpretação para que esse recurso possa ser usado de formar útil,
auxílio do filosofo Wilhelm Dilthey (1833-1911)
desse modo um historiador deve saber dividir o
uns dos principais responsáveis, no final do século
que é importante para seu trabalho/projeto e o
XIX, pelo surgimento das ciências humanas onde
que não é (pelo menos para o momento em
teve diretamente a importância do estudo do
questão). De acordo com Alberti,
passado.
“[...] a história oral apenas pode ser empregada em pesquisas sobre temas contemporâneos, ocorridos em um passado não muito remoto, isto é, que a memória dos seres humanos alcance, para que se possa entrevistar pessoas que dele participaram, seja como atores, seja como testemunhas. É claro que, com o passar do tempo, as entrevistas assim produzidas poderão servir de fontes de consulta para pesquisas sobre temas não contemporâneos”.15
A hermenêutica segundo Dilthey é um recurso essencial da história oral para compreensão do “eu no tu”, portanto para compreender o homem e sua historicidade, tendo sua “visão, alma e coração” para entender o passado relatado em questão, consequentemente se colocar no lugar do outro e entendendo suas necessidades, atitudes, modos de
Desta forma o autor, relata o “problema” do
vida, sonhos e etc., sem um julgamento, e com isso
método em se restringir em temas atuais já
por tomar posse de seu passado. Já o indivíduo
discutidos acima e exalta a importância da
como valor também caminha junto com a
memória do indivíduo que é essencial para a
compreensão hermenêutica, Dilthey coloca o
construção e andamento da história oral. Sendo
indivíduo como um importante armazenador de
essa memória também parte da análise da
memórias vivas ou de fragmentos “soltos” imóveis
pesquisa do historiador, cada detalhe do relato e
esperando para serem agrupadas, entendidas e
das lembranças do indivíduo devem ser analisados
interpretadas, dessa maneira um indivíduo apenas
e estudados como parte do conjunto. Posto isso
não podendo ser supervalorizado com um
como atributos a memória e o indivíduo formam e
autônomo “dono do passado” ou dono da
dão vivacidade ao passado sem forma e sem “cor”.
“verdade” a percepção e demais relatos de
Alberti explica também a relação de dois paradigmas que podem explicar a fascínio que a
inúmeros indivíduos é essencial para o ligamento dessas histórias “individualizadas”.
história oral pode exercer: A hermenêutica e a
Um método da história “democrático” por
ideia do indivíduo enquanto valor. Isso com o
escutar a todas as classes ou grupos e não só uma camada apenas, formadora assim de uma
POLLAK, Michel. Memória, esquecimento, silêncio. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, Vértice, 1989. 15 ALBERTI, V. História oral: a experiência do CPDOC. Rio de 14
Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1990.
vitalidade
inquestionável,
com
importantes
atribuições para pesquisas de história do tempo
G N A R U S | 124
Cena do Documentário “Memórias do Cativeiro” produzido pelo LABHOI-UFF
presente e de formação das histórias e relatos para
manter viva as memórias destes gurpos. Pessoas
o futuro, construindo assim seu passado.
interessadas em
dar continuidade a esses
Entre os “centros de memória” que preservam e
verdadeiros “HDs vivos” se doam nesse trabalho de
trabalham para a contínua história dos esquecidos
dar voz a esses moradores muitas vezes esquecidos
e excluídos do contexto da história geral um em
pela história geral.
particular que será destacado aqui foi criado a fim
Nassar cita: “[...] Recuperar, organizar, dar a
de preservar e deixar “pegadas” na história da
conhecer a memória da empresa não é juntar em
formação do estado do Rio de Janeiro, sendo esse
álbuns velhos fotografias amareladas, papéis
“O Centro de Memória de Realengo e Padre
envelhecidos. É usá-la a favor do futuro da
Miguel”. Foi criado a partir de um “sonho” da
organização e seus objetivos presentes. É tratar de
professora
e
um de seus maiores patrimônios. Depois com a
professora na região, em resgatar e preservar a
memória na cabeça, é preciso contar as
memória do “seu” lugar e destacar a importância
histórias”.16 (2004, p. 21)
Martha
Nogueira,
moradora
dessas regiões na ligação da história e formação
O acervo na área das entrevistas - História Oral
população, econômica, cultural e demais fatores
- é o ponto de partida para demais produções
para o estado e por que não, para o Brasil.
como elaborações e analise de textos, edição de
Nesse
acervo
(em
construção)
são
depoimentos, produção de DVDs, livros de fotos
apresentados caminhos desses bairros; caminhos
sobre temas tratados nas entrevistas etc. Os
esses que lhe trazem até os dias de atuais,
depoimentos serão abertos á consulta e ficarão à
formando uma linha continua histórica pronta para ser preenchida por história de outros bairros vizinhos a fim de chegar ao objetivo final que é de
NASSAR, P. Sem memória, o futuro fica suspenso. IN: _________ (Org.) Memória de empresa: história e comunicação de mãos dadas, a construir o futuro das organizações. São Paulo: Aberje, 2004. p. 15-22. 16
G N A R U S | 125 disposição dos que buscam mais informações
comuns, muitas vezes ignorados da história, grupos
sobre os bairros, na forma de textos e vídeos.
esses desprezados até mesmo hoje em nossos dias
Outro
acervo
atuais, mas que tem grande valor para esse
proporciona é em abrir oportunidades dos
método. Em exemplo, podemos citar os idosos um
cidadãos e moradores desses bairros darem e
grupo com história e memórias guardadas muitas
mostrarem sua visão da história, de tornarem vivas
vezes esperando alguém para ouvir, na verdade
as memórias e vivencia do começo até os dias
uma forma de troca por “ajudarmos” esse grupo a
atuais se colocando com atores principais de suas
ter mais confiança e valor na sociedade e eles nos
histórias.
“ajudando” oferecendo suas ricas memórias.
fator
importante
que
este
Essas entrevistas individuais servirão
como uma forma de “quebra cabeça” a ser
A noção e olhar de cada grupo, classe, gerações
montado para contar pela voz dos próprios, o
são formas de comparar e entender o mundo e sua
surgimento, evolução e demais detalhes só
história de vários ângulos e posições. Desse modo,
conhecidos por esses “guardiões da memória”. Por
uma metodologia que contribui até na formação
isso o mais apropriado será buscar da infância a
do cidadão, por proporcionar ao mesmo tempo
vida do entrevistado, no caso, levantando temas
uma reflexão de sua vida a partir de suas
específicos como o porquê de mora nos bairros
lembranças. Todo homem em um ponto da vida
e/ou porque da permanência e/ou como veio
deve rever sua história e analisar suas ações para
morar e demais perguntas para a dinâmica da
ver onde errou e quem sabe recomeçar
narração e do percurso do caminho da história
completando seus “espaços vagos” e analisando
local.
ações do passado no presente. Quando o homem
Esse método vem somar aos demais fatores
se auto crítica ou auto estuda, se conhece, se
presentes no projeto permitindo o arquivamento e
tornando mais forte, por encarar o que estava
divulgação dos testemunhos vivos dos agentes
adormecido.
construtores da história para estudiosos e curiosos.
Portanto uma metodologia, formadora do
Deste jeito exaltando o patrimônio cultural local e
“caminho” da memória dos indivíduos esquecidos
tornando a sua história visível e acessível a todos e
ou “mutilados” pela história geral, que dá voz e
principalmente ao futuro.
importância aos indivíduos os valorizado junto a
Após este estudo sobre a história oral,
seu grupos.
avaliamos uma história construída em torno de pessoas, onde revive e dá vida à histórias guardadas na memória, alargando assim seu campo de ação dessas histórias já conhecidas porém de uma forma geral. Uma história que dá força aos menos favorecidos, às classes e pessoas
Leonardo Tavares Santa Rosa é graduando do curso de Licenciatura em História das Faculdades Integradas Simonsen e Pesquisador CMRP – Centro de Memória de Realengo e Padre Miguel.