G N A R U S | 140
Coluna:
A MONTAGEM CINEMATOGRÁFICA NA BUSCA DE UMA “REALIDADE POSSÍVEL” Por Rafael Eiras
A
montagem cinematográfica poderia ser
pela sociedade e não acaba sendo caçado como um
pensada, de uma forma simplificada,
ser estranho, diferente. Pelo contrario, com as
como uma técnica inerente ao processo
técnicas da montagem o que seria um universo
da produção de uma obra fílmica. No entanto esta
impossível, imaginado e fabricado, se torna natural
seria somente um visão superficial, pois mais do que
ao espectador.
uma técnica ela é um elemento essência de construção
de
sentidos
e
conceitos
que
transbordam a simples cadeia da narrativa.
O cinema é um complexo ritual (BERNARDET, 2000) que envolve diversos elementos diferentes. Para o espectador o Cinema é somente a historia
É nesse processo que o autor da obra pode
que vimos na tela, que gostamos ou não, cuja brigas
remendar traços de uma possível verdade e criar
ou lances amorosos nos emocionam ou não. Pois em
seu “monstro”. Como um Frankenstein que é aceito
geral não pensamos nessa complexa maquina
G N A R U S | 141
cinematográfica como uma construção e sim como
Regras criadas como artifícios que mascaram o
um produto acabado, uma unidade coesa e
ponto de vista de quem o produz. (BERNARDET,
inquestionável.
2000) Dizer que o cinema é natural, que coloca a
Na primeira exibição do que anos mais tarde se
realidade na tela, elimina a pessoa que fala, ou
chamaria de cinema (A Chegada do Trem na
produz cinema. Como se o que se vê na tela não
Estação de Ciotat, 1895), feita pelos irmãos
possa ser questionado pois a realidade parece
Lumière, o que se viu foi a imagem parada de um
acontecer naturalmente.
trem chegando em uma estação. O trem não era
Característica que transforma o cinema numa
uma máquina desconhecida, o filme não tinha som
potencial arma ideológica, onde sua produção
nem ruído, a imagem era em preto e branco, porém
estaria vinculado a uma ideologia dominante. Todo
ela acabou por causar espanto e susto em quem
o processo que o filme tem que passar para que a
assistia. Isso se deu pela novidade trazer em si o
obra seja financiada acaba a ligando a um
poder da ilusão, que permitia ver o trem na tela
patrocinador que tem um determinado objetivo,
como verdadeiro.
tanto diretamente de propaganda politica, como
Essa “magia do cinema” se daria por uma suposta
na união soviética, como de propaganda disfarçada
característica da imagem fotográfica de ser
de narrativas simples, como em Hollywood. No
objetiva, dando a impressão que a cena retratada é
entanto, o filme não é uma ferramenta tão precisa
o real e não uma representação deste. E também
como se espera, ele também é fruto de
devido as regras narrativa que a montagem cria.
G N A R U S | 142
interpretações, de culturas, de momentos, e de
que seria desejável de se mostrar, uma contra-
ideais diferentes.
analise da sociedade. (FERRO, 1992).
Muitos dos filmes do cineasta russo Sergei Eisenstein
tentaram
simples
percebe o cinema como uma importante fonte de
propaganda politica se transformando em um
pesquisa historiográfica para se analisar a
discurso
que
sociedade que o produz. Segundo Ferro faltaria
transcendem a simples leitura ideológica, gerando
agora inserir o filme associando ele ao mundo que
outros sentidos a obra. Como também se pode
o produz. “O filme, imagem ou não da realidade,
perceber nos filmes americanos de fervorosa
documento ou ficção, intriga autentica ou pura
propaganda capitalista, momentos de estrema
invenção, é Historia. (FERRO, 1992, p.86).
elaborado
escapar pela
da
Marc Ferro foi o primeiro de uma nova geração a
montagem
critica ao sistema.
Para o autor todo imaginário produzido pelo homem, sua arte, crenças, invenções, são também
As
imagens
cinematográficas,
na
verdade,
Historia. O filme então deve ser analisado não
revelariam o que não se vê, nem se diz na própria
como uma obra de arte, mas sim como um produto
obra. Revelando nas entrelinhas um reflexo do que a
da sociedade em que ele se insere, uma “imagem-
sociedade propõem. Através desta analise, do não
objeto, cujas significados não são somente
visível nas imagens, se pode perceber a ideologia
cinematográficos”.
mascarada pela obra cinematográfica e suas
Direcionando, assim, a historia para um método em
técnicas. A câmera mostraria mais sobre cada um do
que as relações entre os componentes do filme
(FERRO,
1992,
p.87)
G N A R U S | 143
(roteiro, cenário, fotografia, som) como o que não
e Montagem. No entanto a montagem esta
é filme (autor, diretor, publico que assiste a obra,
presente em todos. Na pré-produção ocorre um
critica, regime de governo, forma como foi
estudo do que ira se filmar, do que acontece no
financiado), podendo assim chegar a uma
roteiro, de forma a já se pensa como ele seria
compreensão da realidade em que ela é produzida.
montado. Na hora da filmagem o diretor está
Desta forma, para além de uma ideia de arma
sempre pensando como a cena se encaixa na
ideológica, há na montagem uma forma de
montagem. E na montagem em si, acontece uma
compreender a sociedade que o produziu, e
seleção do que foi filmado e a definição precisa do
entender como ela funciona é também começar a
que será a obra.
ler e interpretar essa sociedade. Principalmente se há
a
possibilidade
de
através
da
É importante perceber que na verdade não há um
obra
controle cem por cento de todo o processo, o que
cinematográfica se buscar entender a realidade
se pensa na pré-produção pode ser inviável na
como um documento historiográfico. Historiadores
filmagem, ou o que se filmou quando chega na
que já se enquadram num modelo de historia pós-
etapa da montagem não funciona como se
moderna tentam entender o cinema como
esperaria. Ou seja, há sempre espaço para
documento através da sua própria estética e forma,
improvisos. Por isso a ideia de montagem tem que
diferente da literatura académica.
ser forte durante todo o processo, pois se tendo
Para um dirtetor que busca trabalhar com uma
uma conceito fechado, uma forma de narrada
ideia de realidade, usando os artifícios de um filme
elaborada, a ideia base do filme se manterá coesa
dramático, ele necessita criar uma montagem que
mesmo com essas adaptações
tente dialogar com sua pretensões, indo além da
Jacques Aumont no seu livro “A estética do filme”
interpretação dos fatos a partir de evidências, e sim
tem um conceito de montagem que tenta abranger
trabalhar com a possibilidade de inventar alguns
toda essa complexidade do processo: “A montagem
desses fatos. “Esse processo de invenção não é,
é o principio que rege a organiza os elementos
como algumas pessoas podem pensar, o ponto
fílmicos visuais e sonoros, ou de agrupamento de
fraco do filme histórico, mas uma importante parte
tais elementos, justapondo-os, encadeando-os, e
de sua força.” (ROSESTONE, 2010, p. 64).
ou, organizando sua duração” (AUMONT, 1995,
E é entendendo a montagem que se pode
p.62)
começar a perceber como o filme pode estar
Desta forma se percebe que há uma limitação ao
criando suas próprias formas de lidar com a
só se pensar no ponto de vista tecnológico, pois a
realidade. Na pratica, ela surge como “uma
verdadeira força do processo esta no conceito que
atividade técnica, organizada como profissão e que
este apresenta, da elaboração da ideia do roteiro
no decorrer de suas décadas de existência
até a exibição do filme. Deve-se então trocar o foco
determinou as coordenadas e estabeleceu aos
que normalmente recai sobre a técnica do processo
poucos certos procedimentos e certos tipos de
para se pensar numa estética da montagem, ou seja,
atividades. (AUMONT, 1995, p.54)
nas formas e conceitos que são elaborados para
Numa produção cinematográfica tradicional suas etapas são divididas em: pré-produção, Filmagem,
narrar uma historia, na tentativa de se criar uma verosimilhança com o mundo real.
G N A R U S | 144
que na montagem são ordenados de uma maneira que possam passar o sentido especifico que o dono da obra pretende.” (AUMONT, 1995, p.39)
Uma ideia muito mais complexa que somente a montagem de um quebra cabeça de imagens. Há, por exemplo, tipos de montagem que não necessariamente necessitam da junção de imagens diferentes. Por exemplo:
A montagem é, por natureza, uma técnica de produção de sentido e emoção. Sua Origem foi um
Um plano famoso de Cidadão Kane (1940), onde, após nos terem mostrado Susan Alexander no palco da opera, a câmera sobe, num longo treveling verdical, até as abóbadas, terminando nos dois maquinistas. Durante esse movimento ascendente, a imagem transforma-se sem cessar, tanto do ponto de vista da perspectiva quanto do ponto de vista da composição do quadro (que se torna cada vez mais abstrato). Embora filmado de uma só vez, esse plano é imediatamente legível como soma de efeitos de montagem sucessivos.” (AUMONT, 1995, p.59)
longo processo de experimentações. No principio o cinema era uma atracão de feira e
até 1915,
os filmes eram bem mais curtos e no fim do século nem contavam historias. Na época eram chamados de “vistas” ou , no Brasil, filmes “naturais” Já em 1896, Lumière formou varias dezenas de fotógrafos cinematográficos. Estes colocavam suas câmeras fixas num determinado lugar e revistavam o que estava a sua
Neste exemplo o diretor filmou de forma a juntar
frente. Também quando tem inicio a ficção, a
diversos planos com a ajuda de um movimento de
câmera fixa vira o registro da cena. Uma cena
câmera para construir uma ideia que ajude a narrar
seguida de outra numa sucessão de quadros
a historia. E para que isso ocorra, o que foi filmado
entrecortados por letreiros que representam
foi pensado antes, de forma a não só criar um
diálogos e davam outras informações que a tosca
sentido importante para a narrativa, como para
linguagem do cinema não consegue fornecer. A
gerar sentidos outros que não só sirvam para narrar,
relação entre a tela e o espectador era a mesma da
mas para demonstrar outras ideias mais expressivas
do teatro. E a montagem era uma processo simples,
como emoções e sensações diversas, até outras que
quase mecânico, de colocar uma imagem depois da
escapariam do controle dos realizadores.
outra,
O que se denomina plano no estagio da filmagem
A
linguagem
cinematográfica
foi
sendo
seria o “quadro” , ou o “campo” que se vê na
desenvolvida principalmente por americanos até
imagem, “designa por tanto, ao mesmo tempo, um
mais ou menos 1915 como herdeira do folhetim do
certo
evento
século XIX. O ponto principais dessa criação são as
(enquadramento) e uma certa duração.”(AUMONT,
estruturas narrativas e a relação com o espaço.
1995, p.39) Na fase da montagem, “torna-se então
Inicialmente o cinema só conseguia dizer: acontece
a verdadeira unidade de montagem, o pedaço de
isto (primeiro quadro), e depois: acontece aquilo
película mínima que, juntando a outra, produz o
(segundo quadro), e assim por diante. Um salto
filme.” (AUMONT, 1995, p.39)
qualitativo é dado quando o cinema deixa de
ponto
de
vista
sobre
o
“Geralmente, é esse o segundo sentido que governa de fato o primeiro. Na maioria das vezes o plano se define entre um pedaço de filme compreendido entre duas mudanças, na linguagem técnica, entre dois cortes na imagem. Há então uma diversidades de tipos e durações de planos, movimentos de camera, tipos de enquadramento, que geram sentidos diversos e
relatar cenas que se sucedem no tempo e consegue dizer “enquanto isso”. Outro fato básico para a evolução da linguagem é o deslocamento da câmera que abandona sua imobilidade e passa a explorar o espaço. A câmera
G N A R U S | 145
não só se desloca no espaço como ela o recorta. Ela filma fragmentos de espaço que podem ser amplos (uma paisagem) ou registro (uma mão). Filmar então pode ser visto como um ato de recortar o espaço, de determinado ângulo, em imagens, com uma finalidade expressiva. Que depois vão ser colocadas uma após as outras, nascendo desta forma o que chamamos atualmente de montagem. Há uma controvérsia, principalmente entre historiadores, da primeira vez em que a montagem mais complexa, a que junta planos diferentes, de tempos diferentes, e durações diferentes, foi realmente utilizada. Os primeiros filmes do cineasta Georges Méliès (1896) já são compostos de muitos planos, porem sempre mantendo a mesma escala, a do ponto de vista do espectador de teatro, como se a montagem fosse somente a colagem linear de diversos quadros sem buscar nela uma produção de sentido. No entanto ele pode ser considerado o inventor do “filme narrativo”. Entre os precursores e inventores de uma
realidade, mantendo uma montagem que desse a
linguagem cinematográfica regida pela montagem
ideia de que ela não existia, que fosse natural. Esta
é o americano E.S. Porter um dos mais citados. Com
montagem é chamada de “Montagem Invisível”, e é
sua
e
espinha dorsal da forma clássica de se narrar no
principalmente, “The Great Train robbey”(1903).
cinema, afinal ela trata de manter a continuidade
Em ambos os filmes há a utilização de diversos
com o real através de certas técnicas de montagem.
planos criando tensões e suspense.
Onde o espectador não se dá conta da
“Vida
de
um
bombeiro”
(1902)
Mas é com o cineasta americano D.W.Griffith,
descontinuidade que é o cinema.
com filmes como “Nascimento de uma nação” (1915) e “Intolerância” (1916) que acontece o fim do cinema primitivo e inicio da maturidade linguística. As formas linguísticas que Grifth e outros vinham intuitivamente pesquisando se organizaram num sistema. Foi instituída uma gramáticas cinematográficas, parecidas com as que se fazem para as línguas. Essas
operações
linguísticas foram usadas de forma a se contar uma historia sem ferir o principio de impressão de
“Concretamente, essa “impressão de continuidade e de homogeneidade” é obtida por um trabalho formal, que caracteriza o período da historia do cinema que muitas vezes chamamos de “cinema clássico” – e cuja figura mais representativa é a noção de racord. O raccord, cuja a existência concreta decorre da experiencia de décadas dos montadores do “cinema clássico”. Seria definido como qualquer mudança de plano apagada em quanto tal, isso é, como qualquer figura de mudança de plano em que há esforço de preservar, de ambos os lados da colagem, elementos de continuidade” (AUMONT, 1995, p.77)
G N A R U S | 146
Estabeleceu-se varias regras para o raccord, como
efeitos. Serie esta uma montagem expressiva
por exemplo: Não cortar de um plano muito aberto
utilizada junto da montagem narrativa ou de forma
para um outro muito fechado. Não cortar de um
radical, quebrando com a ideia de invisibilidade e
plano parado para um em movimento. O plano em
continuidade do corte.
movimento se deve ter a ideia de que o próximo plano dá prosseguimento ao plano anterior. Apresentar o ambiente novo através de planos de reconhecimento para não confundir o espectador. Evitar que a camera ocupe lugares que na vida seria pouco usual.
“A montagem narrativa mais transparente, assim como a montagem expressiva mais abstrata, visa ambas a produzir, a partir do confronto, o choque entre elementos diferentes, este ou aquele tipo de efeito; qualquer que seja a importância, as vezes considerável em certos filmes, do que está em jogo no momento da montagem.” (AUMONT, 1995, p.66)
Fazendo assim o espectador achar que está assistindo a uma organização dos planos naturais e
Nem todos os movimentos cinematográficos
não uma colcha de retalhos de diversas imagens
optaram pela linguagem transparente. A escola
sem conexão a principio. Cabe a montagem criar
soviética,
essa junção e fazer o drama progredir. Disfarçando
fundamentou seu trabalho cinematográfico na
a intervenção do cineasta, da presença do narrador
extrema valorização da montagem. A diferença é
ditando o que se vê.
que a montagem para eles não é a reconstrução do
principalmente
nos
anos
20,
real imediato, mas construção de uma nova “Qualquer que seja o filme, seu objetivo é doar-nos a ilusão de assistir a eventos reais que se desenvolvem diante de nos como na realidade cotidiana. Essa ilusão esconde, porem, uma fraude essencial, pois a realidade existe em um espaço continuo, e a tela apresenta-nos de fato uma sucessão de pequenos fragmentos chamados “planos”, cuja escolha, cuja a ordem e cuja a duração constituem precisamente o que se chama “decupagem” de um filme. Se tentarmos, por um esforço de atenção voluntaria, perceber a ruptura imposta pela camera ao desenrolar continuo do acontecimento representado e compreender bem por que eles nos são naturalmente insensíveis, vemos que os toleramos porque deixam substituir em nos, de alguma modo, a impressão de uma realidade continua e hemogênea” (BAZIN,1972, p.66-67)
Desta forma a principal função da montagem é a narrativa. Seria ela, como já visto, que garantiria o encadeamento das ações dramáticas para que o drama possa ser melhor percebido. Mas há outras funções da montagem que podem desconstruir essa ideia de drama clássico, onde a montagem se apresenta
como
um
elemento
perceptível
produzindo no filme um certo numero de outro
realidade, advinda da recente revolução russa, onde a junção dos planos estavam mais em função da formação de um discurso metafórico do que de uma narrativa. Vsevolod l. Pudovkin desenvolveu uma teoria da montagem que permitisse ao cinema ultrapassar a clássica
montagem
intuitiva
de
Griffith
encontrando um processo que pudesse transmitir ideias através de narrativa. “A teoria baseava-se na percepção griffithiana de que a fragmentação da cena em planos criaria uma força que ultrapassa a característica da cena filmada. (...) Dessa forma, pudovkin defende que o plano é como o “tijolo” da construção fílmica e que o material, ao ser ordenado, pode gerar qualquer resultado desejado. Da mesma forma que um poeta usa as palavras para criar uma percepção da realidade, o diretor de cinema usa os planos como seu material bruto.” (DANCYGER, 2003, p. 15)
Serguei Eisenstein foi o segundo grande nome entre os cineastas russos. Como diretor ele foi talvez o maior. Como escritor teorizou sobre suas
G N A R U S | 147
Dziga Vertov deu outro significado a montagem de Eisenstein. Segundo ele a câmera deveria colocar-se diretamante em contato com o real, voltando-se assim para o documentário, usou material já filmado de arquivo, de forma que seu trabalho era basicamente criado na montagem. Para ele a filmagem deveria ser reprodução do real, a captação do real sem intervenção, mas o resultado final, o filme, não reproduzia realidade imediata
alguma,
cinematográfica
era
que
uma
deveria
construção
reconstruir
o
dinamismo do povo revolucionário de um modo mais profundo que o real imediato poderia oferecer. Fora da URSS, existiam outros movimentos que não se voltavam para a tentativa de reproduzir um cinema
de
verosimilhança.
É
o
caso
do
Expressionismo que vigora na Alemanha nos anos ideias cinematográficas reunindo as lições de
20 e 30. Fortemente influenciado pela literatura e
Griffith com a dialética de Karl Marx. Eisenstein
pelas artes plásticas, este cinema contava histórias,
pensou sobre a montagem como um choque de
mas fantásticas, e as imagens que mostrava tinha
imagens e ideias. O cinema não precisa se limitar a
pouco a ver com a realidade cotidiana que nos
contar histórias, ele pode produzir ideias. Já que a
cerca: os espaços, a arquitetura, os objetos
estrutura da montagem seria a do pensamento. O
lembram sem duvida, ruas, casas, florestas, mas
que vai guiar a imagem não será a historia mas o
totalmente deformados. O que se procurava era
desenvolvimento de um raciocínio.
expressar uma realidade interior: não existe outra
Em um de seus principais filmes, Outubro (1912),
senão aquela que vivemos subjetivamente.
que retrata o inicio do socialismo soviético usando
O expressionismo influenciou o cinema norte
de condensação, simbologia e metáforas, para
americano, pois muitos dos realizadores alemães
encaixar as coisas no seu quadro temporal. Se pode
migraram para os EUA. Mas os traços expressionista
perceber que a estética de montagem do diretor
foram absorvidos pela narrativa americana. Onde as
está voltada muito mais para a construção de um
cenários, e os enquadramentos tortos e etc, foram
discurso, que refletiria a verdade, do que ser o filme
justificados pelo estado do psicológico do
a verdade. A Obra é uma ficção, uma que não pode
personagem. Como o reflexo do espelho de Orson
ser lida literalmente. Seu tema principal nunca é
Welles em “Cidadão Kane” (1940). Ele mostra a
articulado diretamente, mas é colocado em cada
vaidade e o egocentrismo do personagem. Os
imagem, em cada movimento, em cada ângulo de
expressionistas não precisavam justificar ele só
câmera e em cada corte.
diziam : o mundo é assim.
G N A R U S | 148
A Avant-garde francesa dos anos 20 tentou escapar da narrativa. Esse era o aspecto literário
coesão com a realidade ao envolver o espectador nesse universo possível dos filmes.
que o cinema deveria se libertar para se tornar puro. Os filmes deveriam expressar sentimentos e estados de espíritos e não uma historia. O Surrealismo cinematográfico de Luís Buñuel, em Um cão andaluz(1928) e a Idade de Ouro (1930) estava longe da preocupação com um enredo. Suas imagens expressavam pulsões, desejos ainda não racionalizados, e um imenso ódio pela ordem
“A filiação é direta entre a montagem eisenstainiana e a montagem contemporânea que perseque ao mesmo tempo o discurso e a escrita – um discurso escrito. Welles, Bresson, Antonioni, Bergman, Godard, Resnais, se todos foram mesmo, num certo tempo, os herdeiro de Griffith, hoje só pretendem ser, juntamente com os autores disso que se convencionou chamar de “cinema jovem”, e que encontra espalhado um pouco por todo o mundo, os filhos de Eisenstein.” (AMENGUAL, 1973, p.134)
burguesa. É uma realidade que só existe no cinema, a forma do artista expressar, a maneira que ele tem
Violência” do diretor Quentin Tarantino propõe a
de emergir o real dentro de cada um. Também se opõe a esse cinema clássico a escola documentarista britânica, liderada nos anos 30 por pessoas como John Grierson e Alberto de Cavalcanti, mas num sentido completamente diferente dos vanguardistas dos anos 20. O documentário é a nova educação e só terá sentido se for colocado a serviço do povo. Para John Grierson o filme teria a função de integrar o trabalhador ao contesto social que ele fiça a parte. Foram feitos filmes mostrando o trabalho dos pescadores, sobre a riqueza e a pobreza e etc. Desta forma, ao mesmo tempo que nasce os fundamentos de uma narrativa clássica, a desconstrução
dela
também
Um filme como “pulp Fiction – Tempo de
ocorria
paralelamente. Onde a montagem sempre era um elemento forte de manipulação, ora criando uma tentativa de continuidade com o real realidade, ora criando uma extrema expressividade que faz com que o espectador perceba estar sendo manipulado pela própria montagem, criando assim um discurso mais forte que a narrativa. Atualmente com a ideia de um cinema pósmoderno não mais regido pela linealidade de um narrativa clássica, a montagem é quem mantêm a
quebra das rígidas regras de tempo da narração clássica, “elevando a montagem a protagonizar comentários e criticas. A desconstrução narrativa característica da pós-modernidade, revela o lado fascinante da edição, a qual muitas vezes passa imperceptível.” (OLIVEIRA. ?, p.1) “Desconstruir é quebrar com as regras de sequência linear do tempo, é alterar a ordem do tratado metódico das construções. A desconstrução de uma narrativa, como no caso do filme, se dá pelas sequências embaralhadas e da ordem invertida dos quadros. A montagem é a técnica utilizada para contar uma história dentro de um período rígido de tempo que é o filme. Brincar com esta ordem repercute na originalidade do processo de edição, e desconstrói as regras rígidas do cinema.” (OLIVEIRA,2008, p.5)
No entanto o espectador ao ver o filme ainda é levado a entrar neste mundo possível, mesmo que pós-moderno, caracterizado pela velocidade da informação, onde a narrativa se mostrar repleta de conhecimentos vazios e desconexos, relações fragmentadas, e pensamentos embaralhados. Na verdade esse cinema reflete o que a sociedade vivência, onde essa desconstrução não deixa de ser um elemento que optimize a relação do filme com o espctador.
G N A R U S | 149
A obra cinematográfica vai além da constituição dos fatos, ela recria fatos. Filmes históricos, por exemplo, são parte de um campo diferente de discurso histórico, cujo o objetivo não é fornecer verdade literais sobre o passado mas “verdades metafóricas que funcionam, em grande medida como uma espécie de comentário e desafio do discurso histórico tradicional. (ROSESTONE, 2010, p. 23). Neste caso o filme Outubro (1912), do diretor russo Serguei Eisenstein, não deixa de ser uma obra histórica ao inventar fatos, pois através de sua montagem elaborada criar um discurso que dialoga com os acontecimentos de seu tempo. Neste panorama a montagem continua sendo usada para inserir o espectador numa ficção, ou quebrar com essa realidade de forma a se apresentar como tal, da mesma forma como acontecia na inicio de sua formulação. O que mudou foi como a sociedade percebe os filmes e como esses reinterpretam a realidade, que parece cada vez mais estar vinculada com o conceito da relatividade. Afinal mostrar o ponto de vista, que a montagem clássica tentava esconder, não deixa de ser, na atual pós-modernidade, uma forma de representar uma “realidade possível.” Rafael Eiras é formado em Cinema pela Universidade Estácio de Sá e Licenciado em História pela Universidade Cândido Mendes.
Bibliografia AMENGUAL, Barthélemy. Chaves do Cinema. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1973 AUMONT, Jacques. A imagem. São Paulo: Papiros editora. 2005 __________. A Estética do Filme. São Paulo: Papirus.1995 BAZIN, André, Orson Welle. Paris: les Editions du cerf, 1972, pp. 66-67 BERNARDET, Jean-Claude, O que é cinema. São Paulo: Brasiliense, 2000 DANCYGER, Ken. Técnicas de Edição para Cinema e Vídeo. Rio de Janeiro: Campus. 2003
FERRO, M. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. __________. A história vigiada. São Paulo: Martins Fontes, 1989. METZ, Cheistian. A Significação no Cinema. Coleção Debates. São Paulo: Perspectiva. n.54. 1972 MORIN, Edgar. A alma do cinema in: XAVIER, Ismail (Org.).A Experiência do Cinema. Rio de Janeiro: Graal. 1983 pg 143 OLIVEIRA , Fabíola Corrêa da Costa; SAMPAIO, Valzeli. Desconstrução narrativa: a montagem do filme "Pulp Fiction Tempo de Violência” em: http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2008 /resumos/R3-0856-1.pdf Acesso: 01/16/2016 PALLOHINI, Renata. Introdução à dramaturgia. São Paulo: Brasiliense. 1983 ROSENFELD, Antatol. O teatro épico. São Paulo: Perspectiva. 1985 ROSENSTONE, Robert A. A Historia nos filmes/ Os filmes na Historia. Rio de Janeiro; Paz e terra, 2010
Referências Cinematográficas CÃO ANDALUZ, UM. Direção: Luis Buñuel. Produção: França , 1928, 16 minutos. Formato: 35 mm. CHEGADA DO TREM A ESTAÇÃO DE LA CIOTAT, A. Direção: Louis Lumière, Auguste Lumière. Produção: França, 1895, 50 segundos. Formato: 35mm. CIDADÃO KANE. Direção: Orson welles. Produção: USA, 1941, 1h59min. Formato: 35 mm. IDADE DE OURO. Direção: Luis Buñuel. Produção: França , 1930, 1h0min. Formato: 35 mm. OUTUBRO. Direção: : Serguei Eisenstein e Grigory Alexandrov Produção: URSS , 1928, 1h43min. Formato: 35 mm. PULP FICTION – Tempos de ViolênciaI. Direção: Quenti Tarantino. Produção: USA, 1995, 2h29min. Formato: 35 mm. THE GREAT TRAIN ROBBEY. Direção: Edwin S. Porter. Produção: USA, 1903, 10 minutos. Formato: 35 mm. VIDA DE UM BOMBEIRO. Direção: Edwin S. Porter, George S. Produção: USA, 1903, 6 minutos. Formato: 35 mm.