17 gnarus5 o tribunal do santo ofício português

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Artigo

O TRIBUNAL DO SANTO OFÍCIO PORTUGUÊS: NOTAS SOBRE SUA CONSOLIDAÇÃO E ATUAÇÃO Por Alex Rogério Silva

Símbolo da Inquisição Portuguesa.

RESUMO: O texto tem por objetivo analisar as principais motivações que incidiram no surgimento do Tribunal do Santo Ofício de Portugal e os principais alvos de sua atuação, tanto em Portugal como em terras brasílicas. Além disso, visa-se discorrer sobre as diversas percepções e sanções que os “desviantes” recebiam por fomentar os desvios de ortodoxia e conduta tão combatidos pela Inquisição. Palavras-chave: Sodomia, Judaísmo, Inquisição, Portugal, Brasil.

Introdução


G N A R U S | 145

A

preocupação

com

os

desvios

da

ortodoxia sempre foi uma constante

Pode-se afirmar que foi na Modernidade que a Inquisição viveu seu período mais intenso:

para a Igreja de Roma. Sua história apresenta

diversos

episódios

“A Inquisição Medieval penetrou em vários países da Europa Ocidental, chegando a alguns países da Europa Oriental, mas foi na época Moderna, nos séculos XVI, XVII e XVIII, que ela atingiu o seu apogeu, estendendo-se inclusive às colônias.2”

de

querelas, disputas, esforços e tentativas no sentido da manutenção de uma unidade, tanto doutrinária quanto organizacional e hierárquica. Desde seus primórdios, a Igreja se encontrou às voltas com diversas dissidências, tendo-as tratado, em uma perspectiva geral, de duas maneiras. Uma

Em Portugal...

destas vias de ação era a perseguição e eliminação

Foi estabelecido o Tribunal do Santo Ofício em

física da divergência, como ficou patente na

1536, com a bula Cum Ad Nihil Magis, só passando

cruzada contra os cátaros no sul da França em

a funcionar, neste reino, definitivamente 11 anos

1209. A outra via de ação era a incorporação das dissidências, quando as ideias divergentes sofriam

depois,

através

da

bula

Mediatio

Cordis,

concedida pelo Papa Clemente

VII.3

um processo de conformação à norma prescrita.

Santo

Espanha,

Um exemplo deste modus faciendi pode ser

direcionada primordialmente para a repressão dos

encontrado no caso da criação da ordem franciscana em 1210, possível graças à adaptação

Ofício,

como

em

A atuação do estava

judeus convertidos ao cristianismo, denominados

cristãos-novos e de seus descendentes.

das ideias de São Francisco. O Tribunal do Santo Ofício medieval foi criado com a finalidade de preservar a unidade dogmática no seio da cristandade, então abalada pela disseminação de movimentos heréticos, dentre os quais se destacavam os cátaros, que professavam uma doutrina de caráter fortemente maniqueísta. Esta primeira Inquisição ou tida como Inquisição Medieval teve seu âmbito de ação restrito à Itália, França, Aragão e a região do que hoje compõe a Alemanha, sendo que o ritmo de sua atividade foi declinando com o passar do tempo, sem, contudo, ter sido em momento algum formalmente extinto, como foi a Inquisição Moderna.1 FALBEL, Nachman. Heresias Medievais. São Paulo, Perspectiva, 1977. BETHENCOURT, Francisco. História das 1

inquisições: Portugal, Espanha e Itália (séculos XV-XIX). São

Paulo: Companhia das Letras, 2000. PROSPERI, Adriano. ‘Inquisizione Medievale’. In: Dizionario Storico dell´Inquisizione. Pisa: Edizioni della Normale, 2010. 2 NOVINSKY, Anita. ‘A inquisição’. São Paulo: Brasiliense, 1982, p. 15. 3 MARCOCCI, Giuseppe & PAIVA, José Pedro. História da Inquisição portuguesa (1536-1821). Lisboa: Esfera dos livros, 2013. MARCOCCI, Giuseppe. I custodi dell’ortodossia: Inquisizione e cheisa nel Portogallo del cinquecento. Roma: Edizione di Storia e Letteratura, 2004.


G N A R U S | 146 Efetivamente,

foram

Boa Esperança: todas as

quatro os Tribunais que

possessões da Ásia e da

compunham

costa

a

Inquisição portuguesa4,

A

especifica. O primeiro o

de

que

referente

províncias

e reino do Algarves, Trás-os-montes e parte

e

e foram recebidos pelo monarca D. Manuel, o

1541, foi instituído o

províncias do “Alentejo

pela

residência em Portugal

da Boa Esperança”. Em

pelas

perseguidos

estabeleceram

de Portugal até o Cabo

responsável

judeus

entraram

domínios e conquistas

Évora,

os

expulsos da Espanha,

Beira, Brasil e todos os

de

tal

Inquisição que foram

da

“Estremadura, parte da

Tribunal

de

1492, no momento em

com uma abrangência às

história

tribunal teve início em

Lisboa,

estabelecido em 1539, jurisdicional

da

África”.5

cada um com jurisdição foi

oriental

Gravura a cobre intitulada "Die Inquisition in Portugall" por Jean David Zunner retirada da obra "Description de L'Univers, Contenant les Differents Systemes de Monde, Les Cartes Generales & Particulieres de la Geographie Ancienne & Moderne." por Alain

da Beira, incluía ainda

O Tribunal de Coimbra tinha sob sua alçada a "Guarda, província do Entre-Douro e Minho, Trásos-Montes e parte da Beira” e terras que pertenciam ao mesmo bispado, foi instituído no mesmo dia que o anterior. Fora do continente europeu, faz parte do arsenal lusitano o Tribunal de Goa, criado em 1560, com “jurisdição sobre todos os domínios portugueses além do Cabo da

Portugal contava com o capital financeiro dos judeus

para

continuação

a do

processo expansionista, e, em função do medo

quaisquer outras terras que pertencessem aos bispados da mesma cidade”.

venturoso.

da perda deste apoio o monarca permitiu a permanência daqueles que concordassem em se batizar na Igreja Católica e adotassem a nova religião. Muitos abraçavam a fé cristã e eram batizados, mas continuavam com a sua devoção religiosa em oculto. Se descobertos, eram mortos, tinham os seus bens confiscados pela Coroa e, constrangidos nos autos de fé: cerimônias públicas onde os culpados eram queimados à vista do povo. O Estado, em função do alto custo da

4

A princípio foram criados em Portugal seis tribunais. Metade deles – Lamego, Tomar e Porto -, entretanto, foram extintos pouco tempo depois da instauração, não deixando muitos registros de suas passagens pela História Portuguesa. BETHENCOURT, Francisco. Op. Cit. p. 23-25.

manutenção da corte em Portugal e nas colônias, SIQUEIRA, Sônia. A Inquisição Portuguesa e a Sociedade Colonial. São Paulo: Ática, 1978, p. 160. 5


G N A R U S | 147 dependia de empréstimos e “desde que se

Por Bula, em 1539, o Papa assegurou algumas

encetara o caminho ruinoso dos empréstimos,

garantias aos acusados. No entanto, as orientações

nunca mais se abandonara, e o estado quase que

da Santa Sé não foram respeitadas no país, pois

exclusivamente vivia desse expediente6”. Enquanto

contrariavam os interesses da Coroa, o que levou o

o Estado pobre e endividado carecia de recursos,

Pontífice a suspendê-la novamente em 1544.

os judeus exerciam uma espécie de monopólio

Muitas vezes o rei, por não estar de acordo com as

comercial emprestando dinheiro a juros e

disposições papais, burlava várias delas, inclusive

investindo no comércio. Uma de suas atitudes foi

nomeia, em 1539, como Inquisidor-Geral seu

libertar os judeus que haviam se tornado escravos

próprio irmão, Infante D. Henrique.

até que no final do séc. XV, e outra foi oferecer casamento à princesa D. Maria de Aragão, filha dos reis católicos espanhóis. A aceitação da proposta seria condicionada a uma expulsão judaica em Portugal daqueles que haviam sido condenados pela Inquisição espanhola. D. Manuel aceita as condições e em 1496 publica o édito de expulsão vindo a falecer em 1521 sendo transferido o poder para D João III.

Diante de tal situação e da ameaça do monarca de promover um cisma, o Papa assentiu às exigências do rei, acatando a nomeação do Inquisidor-Geral o Cardeal Infante D. Henrique e concedendo ao rei poderes para interferir nas questões inquisitoriais. Em contraponto, o povo judeu que era contribuinte em Roma, tinha representantes de seus interesses que intercediam e procuravam atravancar os planos de D. João.

Dom João III desejava não apenas a instalação da Inquisição, mas também, o poder de nomear inquisidores e agir sobre ela conforme os

Os alvos do Tribunal do Santo Ofício Neste momento, os alvos principais do renovado

interesses da Coroa. Em dezembro de 1531, o Papa que

Tribunal eram as práticas religiosas das minorias

institucionalizou o Tribunal do Santo Ofício

étnicas convertidas ao cristianismo, sobretudo os

português, porém com a promulgação do

judeus, o que segundo Henry Kamen, refletia de

documento, é também nomeado um Inquisidor

forma pungente a situação de desigualdade

para o reino, entretanto, pouco tempo depois o

proporcionada pelos movimentos de reconquista

Sumo Pontífice a revoga, após descobrir a

na Península.7 O comportamento herético dos

confissão forçada dos judeus. Em 1533, concede a

judeus convertidos, os intitulados cristãos-novos,

primeira bula de perdão aos cristãos-novos

se consumava na prática, às escuras, de sua

portugueses. Após o falecimento de Clemente VII,

religião ancestral.

Clemente

VII

promulgou

a

bula

em 1534, Paulo III assume a Santa Sé e com isso há

Porém, além dos crimes religiosos de heresia,

o restabelecimento, em 1536, da Inquisição em

feitiçaria e blasfêmia, os inquisidores perseguiram

Portugal,

nomeando

três

Inquisidores

e

autorizando o rei a nomear outro.

também alguns desvios sexuais, entre eles a sodomia, a bigamia e a luxuria dos sacerdotes. Os crimes

HERCULANO, Alexandre. História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal. Porto Alegre:

sexuais

eram

combatidos

quando

6

Editora Pradense, 2002, p. 50.

KAMEN, Henry. La Inquisicion española. Trad. Esp. Barcelona, 1999, pp. 23-25. 7


G N A R U S | 148 islâmica. Isto fica evidente no Scriptorium8 de D. Afonso X, o Sábio, na qual, contava com sábios e artistas de diferentes procedências e das três culturas então reinantes na Península Ibérica: a cristã, a judaica e a muçulmana, e também o que afirma Anita Novinsky:

“Durante a Idade Média, a Espanha mostrou-se como um dos países mais tolerantes da Europa em relação aos hereges. Durante esse período, cristãos, muçulmanos e judeus coexistiram num mesmo território de forma pacífica e até mesmo em solidariedade. Por essa razão, até o século XV a Inquisição não obteve quase nenhuma penetração no país 9.”

Com o passar dos anos, os judeus passaram a angariar espaços nos Reinos Ibéricos, e como um Obra mostra cena de expulsão de judeus. Muitos deixaram o país, mas outros optaram por ficar e se converter ao catolicismo. (Xilogravura, Michaly von Zichy, 1880, posteriormente colorizada)

número crescente de judeus se encontravam impedidos de galgarem postos significativos dentro da estrutura político-administrativa dos Reinos, passaram a adotar o cristianismo como fachada a fim de lhes servir de acesso aos já

considerados como atos contra natura, pois escapavam da luxuria usual tolerada ao menos para os leigos, nas relações conjugais. A sodomia ou “pecado nefando” aparece sempre em uma abordagem indignada e caracterizada como ato de um homem com outro e sempre associada à bestialidade, a copula animal ou à imitação do

citados postos. Combater essa heresia passa a ser o principal interesse de Castela e Aragão. Essa situação culmina com a expulsão dos judeus de

nação dos Reinos espanhóis em 1492, ordenado pelo Decreto de Alhambra ou édito de expulsão e com a concessão da bula papal que cria a Inquisição hispânica, cujo principal objetivo é

papel feminino por um dos parceiros. A perseguição aos judeus É difícil precisar quando os judeus chegaram à Península Ibérica. Estes estiveram em tal região durante todo período antigo e medieval, na qual, consolidaram um pacífico convívio com as outras duas culturas presentes na península: a cristã e a

8

Enorme escritório onde [o Rei Sábio] abrigava, sob o seu mecenato, poetas de todo ocidente românico, especialmente da Provença. Mas não só poetas; também desenhistas, miniaturistas, músicos e tradutores várias origens, sem falar dos mestres em todas as artes liberais e também dos sábios de coisas do oriente. Esse conjunto extraordinário de colaboradores do rei Afonso X, formados em três culturas diferentes – a muçulmana, a judaica e a cristã – passou a História com o nome de Escola de tradutores de Toledo.” Fonte: LEÃO, Ângela Vaz. As Cantigas de Santa Maria. Extensão, Belo Horizonte, v.7, n.3. p. 27-42, ago 1997. 9 NOVINSKY, Anita. Op. Cit. São Paulo: Brasiliense, 1982, p. 21.


G N A R U S | 149 combater a heresia judaica, ou seja, investigar

práticas judaicas levou o criptojudaísmo para

cada converso com costado judaico.

dentro das casas, o que possibilitou às mulheres

Essa situação alcança Portugal quando o monarca D. Manuel I assume o trono e pede em casamento D. Maria de Aragão, filha de Isabel e Fernando. Decidido o casamento, vem com este o compromisso aceito por D. Manuel, de expulsar os judeus de seu território. Apesar de aceitar as condições e de escrever um édito de expulsão semelhante para os judeus portugueses, D. Manuel cria meios para que a maior parte desses judeus

serem agentes desse “judaísmo que se tornara possível – criptojudaísmo –, de portas a dentro, realizado no silêncio e discrição do ambiente familiar, tendo o lar, em sua pouca privacidade, como principal espaço de ocorrência”11. O dia a dia de parte dessas mulheres cristãs-novas que judaizavam era dividido entre o seguir as normas sociais impostas às mulheres e muitas vezes liderar seu grupo.

fique no Reino até a data final concedida pelo édito, que seria em outubro de 1497. Chegada a data, os judeus ainda em terra portuguesa têm como única opção a conversão. Nascem assim os cristãos-novos portugueses, também conhecidos como os batizados em pé10. Depois de convertidos, podem esses indivíduos ficar oficialmente sob o poder da Igreja. Como não poderia deixar de ser num processo realizado de maneira forçosa e decretado por lei, muitos dos judeus que foram obrigados a abraçar a doutrina cristã para continuarem presentes e tentarem ser aceitos na sociedade que renegava suas tradições, considerável parcela dos antigos adeptos da religião hebraica buscou, dentro das condições e limites possíveis, manter a herança religiosa, procurando formas de continuar fiel às crenças dos antepassados, mesmo que de forma limitada, improvisada e adaptada às parcas possibilidades então vigentes.

Gravura de 1741 (autor desconhecido) satiriza padres sodomitas num banquete dentro de uma igreja.

Dentro desse contexto, devemos ressaltar o papel feminino. A necessidade do segredo das 10

Assim se designava o judeu convertido, que recebeu o batismo quando adulto, tornando-se por isso cristão-novo, em oposição ao cristão-velho, que recebia o mesmo sacramento sempre ab infantia, nos braços de padrinhos. LIPNER, Elias. Santa inquisição: terror e linguagem. Rio de Janeiro: Editora Documentário, 1977. p. 32.

ASSIS, Ângelo Adriano Faria de. Macabeias da Colônia: Criptojudaísmo feminino na Bahia – séculos XVI e XVII. 2004. Tese (Doutorado em História), Universidade Federal Fluminense, Niterói, p. 12. 11


G N A R U S | 150 O Brasil foi um espaço privilegiado para a

religiosa, e considerado luxuria por afastar a alma

resistência criptojudaica, graças a uma relativa

dos caminhos de Deus. Tais advertências são

harmonia no convívio entre cristãos-velhos e

encontradas em diversas passagens da Bíblia.

novos, além da não existência de um Tribunal na colônia, mas sim de visitações. Prova disso é a maciça presença neoconversa em praticamente todos os espaços da economia. Havia cristãosnovos nos mais diversos meios, chegando muitos deles a ocupar cargos e posições de importância: ouvidores da Vara Eclesiástica, mestres de latim e aritmética, senhores de engenho, religiosos, profissionais vereadores,

letrados, juízes,

médicos,

escrivães,

advogados, meirinhos

e

almoxarifes, o que reflete o alto grau de miscibilidade na colônia se comparada às outras áreas de migração dos cristãos-novos partidos de Portugal,

como

o

Norte

europeu,

as

geograficamente descontínuas ocupações no Oriente e o Levante.12 Também o elevado número de casamentos que uniam cristãos-velhos e neoconversos aponta para uma maior aceitação social destes enlaces e a diluição dos atritos no convívio entre os grupos na região brasílica.

Ao longo da era cristã, a categoria da sodomia recebeu

acompanharam

os cristãos-novos. Eles, assim como os demais grupos na mira do Santo Ofício, como sodomitas, bígamos, blasfemos etc., eram alvos de suspeitas constantes.

significados, os

os

quais

desdobramentos

do

pensamento e da doutrina da Igreja sobre a natureza da Carne e do pecado – especialmente o pecado da luxúria. Ainda que, a ascensão da categoria à posição de pecado carnal mais grave que podia ser cometido por um cristão tenha sido gradual a partir da Baixa Idade Média, sua condição de pecado nefando – o pecado do qual não se deveria ousar dizer o nome – acompanhou de forma estigmatizante os seus praticantes desde os dias de S. Paulo. Os praticantes da sodomia podiam ser homens ou mulheres, uma vez que esse pecado tinha dimensões hetero e homoeróticas, sendo considerado imperfeito quando era o sexo anal entre homem e mulher e perfeito quando entre homens. A sodomia entre mulheres compunha uma dimensão paralela, chamada sodomia feminina.

A perseguição intensa que se iniciou com o estabelecimento do tribunal português assustava

diversos

No

Brasil

e

na

Europa

a

prática

da

homossexualidade, era considerada um enorme pecado e seus praticantes estavam sujeitos a diversas punições, podendo até chegar a ser queimados na fogueira pelo tribunal do Santo Oficio. Porém a vida na Colônia possuía uma realidade oposta à da Metrópole, uma vez que a

Os sodomitas nas malhas do Santo Ofício A

sodomia

é

uma

prática

fortemente

discriminada pela Igreja Católica, a qual se vale das sagradas escrituras para reprimir e orientar seus fiéis seguidores nas condutas da moral

distância entre ambas proporcionava um ambiente favorável a obnubilação de práticas proibidas, onde lá eram rigidamente mais fiscalizadas que aqui, assim como relata Laura de Melo e Souza13, onde a Colônia passa de paraíso a purgatório, SOUZA, Laura de melo e. O Diabo E A Terra De Santa Cruz: Feitiçaria e religiosidade popular no Brasil Colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. 13

NOVINSKY, Anita. Cristãos Novos na Bahia. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972, p. 58. 12


G N A R U S | 151 devido ao fato de os depostos serem enviados à

execuções, segundo Luiz Mott15, a primeira

colônia para pagarem por seus pecados, também o

ocorreu 1613 em São Luis do Maranhão um índio

grande contingente territorial desta Colônia,

Tupinambá, infamado como tibira, foi amarrado na

muitas dessas práticas podiam ser facilmente

boca de um canhão sendo seu corpo estraçalhado

escondidas, a nudez dos índios, bem como a

com o estourar do morteiro, e o segundo em 1678,

liberdade sexual destes e dos negros, acrescidos a

um jovem negro, escravo, foi morto de açoites por

frouxidão dos costumes morais em terras do Novo

ter cometido o pecado de sodomia.

Mundo, sendo estes fatores que facilitaram a propagação e realização para as “nefandices”.

A mesma Igreja se encontrava frente a um dilema, em relação às mulheres nefandas, pois

Antes da primeira visitação do Tribunal do Santo

uma das definições para sodomia feita por

Oficio chegar ao Brasil, quem se encarregava de

Ronaldo Vainfas16 define que a prática como o ato

julgar ou casas de homossexuais na colônia, eram

da penetração anal com derramamento de sémen.

os capitães donatários, como Vainfas expõe:

Se as mulheres não possuem um pênis como

“... Protegidos pela fraqueza da estrutura eclesiástica e pela quase total ausência da Inquisição até o fim do século XVI, a instrução de D. João III a Duarte coelho, em 1534, autorizando-o a condenar e mandar executar, sem apelação nem agravo, os sodomitas de qualquer realidade que lhe viessem às mãos.14”

concretizar o ato da sodomia e ser acusada por tal pratica? Essa é uma discussão tratada por Ligia Bellini17, a qual os clérigos e doutores de igreja intrigavam-se a respeito da sodomia entre mulheres, onde alguns teóricos afirmavam que para a realização de tal prática as mulheres utilizavam-se em certos casos, de instrumentos de

Para os populares, os que mais os incomodava, eram as atitudes desses indivíduos, denominados também por Homoeróticos, por este inverterem

couro, vidro, madeira e outros mais, talvez por esse motivo, no período colonial foram poucos os registros sobre os casos de sodomia feminina.

seus papeis sexuais, uma vez que muitos demonstravam afeto publicamente ou ainda se caracterizavam, assumindo a postura e vestindo-se

Considerações Finais O Tribunal do Santo Ofício foi criado com a

como o ser do sexo escolhido. E mesmo sabendo da rigidez com que a Inquisição condenava e punia os diversos casos que lhes eram denunciados, no Novo Mundo, seu Tribunal era mais maleável a respeito de algumas dessas punições, pois também nos é sabido que na Colônia não houve nenhum caso de morte na fogueira, mas ocorreram mortes de alguns sodomitas, para ser exato, foram duas

finalidade de preservar a unidade dogmática no seio

da

cristandade,

então

abalada

pela

disseminação de movimentos heréticos. Na ocasião, os alvos principais do Tribunal foram as práticas religiosas das minorias étnicas convertidas ao cristianismo, como os judeus, mas não somente, os sodomitas, bígamos, blasfemos, luteranos e MOTT, Luiz. Relações Raciais entre Homossexuais no Brasil Colonial. Revista Brasileira de História, vol., 5, nº 10, 1985. 16 VAINFAS, Ronaldo, Op. Cit, p. 223, 224. 17 BELLINI, Ligia. A Coisa Obscura: Mulher, Sodomia e 15

VAINFAS, Ronaldo. Trópico Dos Pecados: Moral, Sexualidade e Inquisição no Brasil. P: 211. 14

Inquisição no Brasil Colonial. São Paulo, Brasiliense, 1989.


G N A R U S | 152 feiticeiros (em menor número), eram alvos de suspeitas constantes. As perseguições eram intensas, na qual, o Tribunal do Santo Ofício utilizava de todos os meios possíveis para a denúncia dos possíveis hereges e para a captação de provas que o incriminasse. Na metrópole, o controle era mais acirrado, devido à presença dos tribunais, já na colônia brasílica, havia uma harmonia, entretanto, casos de heresia saíram da colônia em direção à metrópole, como visitações aqui ocorreram. Em

suma,

a

Inquisição,

utilizando

de

prerrogativas na qual considerava heréticas, em uma

busca

pela

preservação

da

unidade

dogmática cristã, nada mais fez do que manter jogos de poder, de acordo com as conveniências do momento, na qual, faz menção a seguinte passagem:

“O que emerge de tal situação é que a Inquisição nada mais era que uma arma de classes, usada para impor, em todas as comunidades da Península, a ideologia de uma única classe: aristocracia dos leigos e dos eclesiásticos.18”

Alex Rogério Silva é Mestrando em História e Cultura Social na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP – Campus de Franca). E-mail: alex465@gmail.com

Referências Bibliográficas: ASSIS, Ângelo Adriano Faria de. Macabeias da Colônia: Criptojudaísmo feminino na Bahia – KAMEN, Henry. La Inquisicion española. Trad. Esp. Barcelona, 1999, pp. 10. 18

séculos XVI e XVII. 2004. Tese (Doutorado em História), Universidade Federal Fluminense, Niterói. BELLINI, Ligia. A Coisa Obscura: Mulher, Sodomia e Inquisição no Brasil Colonial. São Paulo, Brasiliense, 1989. BETHENCOURT, Francisco. História das inquisições: Portugal, Espanha e Itália (séculos XV-XIX). São Paulo: Companhia das Letras, 2000. FALBEL, Nachman. Heresias Medievais. São Paulo, Perspectiva, 1977. HERCULANO, Alexandre. História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal. Porto Alegre: Editora Pradense, 2002. KAMEN, Henry. La Inquisicion española. Trad. Esp. Barcelona, 1999. LIPNER, Elias. Santa inquisição: terror e linguagem. Rio de Janeiro: Editora Documentário, 1977. p. 32. MARCOCCI, Giuseppe & PAIVA, José Pedro.

História da Inquisição portuguesa (1536-1821).

Lisboa: Esfera dos livros, 2013. ______. I custodi dell’ortodossia: Inquisizione e cheisa nel Portogallo del cinquecento. Roma: Edizione di Storia e Letteratura, 2004. MOTT, Luiz. Relações Raciais entre Homossexuais no Brasil Colonial. Revista Brasileira de História, vol., 5, nº 10, 1985. NOVINSKY, Anita. Cristãos Novos na Bahia. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972. ______. ‘A inquisição’. São Paulo: Brasiliense, 1982. PROSPERI, Adriano. ‘Inquisizione Medievale’. In: Dizionario Storico dell´Inquisizione. Pisa: Edizioni della Normale, 2010. SOUZA, Laura de Melo e. O Diabo E A Terra De Santa Cruz: Feitiçaria e religiosidade popular no Brasil Colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. VAINFAS, Ronaldo. Trópico Dos Pecados: Moral, Sexualidade e Inquisição no Brasil. São Paulo: Civilização Brasileira, 2010.


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