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Resenha

UM CONVITE A LEITURA DE “A FORMAÇÃO DAS

ALMAS: O IMAGINÁRIO DA REPÚBLICA NO BRASIL”

Por Fernando Gralha

CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

P

odemos começar dizendo que José Murilo

um estudo da prática política desta mesma elite. No

de Carvalho, professor titular da cadeira de

livro seguinte “Os Bestializados – O Rio de Janeiro e

história da URFJ, e um dos mais respeitados

a república que não foi”, agrega à preocupação

estudiosos do processo da Proclamação da

com a construção do estado, o problema da

República brasileira, ao produzir o livro aqui

construção da nação, onde é discutida a atitude da

resenhado, compôs uma obra que envolve um vasto

população diante do poder, temática esta que tem

saber histórico e teórico, estilo claro e criatividade

continuidade na obra aqui resenhada, onde o autor

intelectual, onde o autor proporciona ao leitor uma

faz uma reflexão sobre a tentativa do novo governo

estimulante interpretação do período, que tem por

de recriar o imaginário nacional e da reação

objetivo

popular a essa tentativa.

principal

discutir

o

“porquê”,

e

fundamentalmente, “como” foi a disputa entre as elites na tentativa de submeter ao processo imaginário do país a justificação e legitimação racional da estrutura do novo regime republicano.

“A formação das almas: o imaginário da república no Brasil” apesar do título, não nos fala apenas sobre um, ou "o" imaginário da República, mas sim sobre o embate dinâmico para a construção de

A obra tem ligação com outras obras de José

imaginários e seus respectivos símbolos. Esse

Murilo de Carvalho cujo tema são a construção da

sentido, aliás, é essencial no desenvolvimento do

identidade nacional, em “A construção da ordem e

texto, que procura mostrar sempre as mediações e

Teatro de Sombras” 1 , o autor faz uma análise da

os conflitos existentes na criação e consolidação

constituição e composição da elite política

dos principais símbolos republicanos.

imperial, suas metamorfoses durante o período e

1

Livro já resenhado aqui na Gnarus número 3.


G N A R U S | 239 A obra, é composta por uma mistura de ensaios já

tratar do imaginário do "fato", ou seja, da

publicados ao lado de artigos inéditos, e mesmo

proclamação da República propriamente dita, José

assim apresenta extrema coerência interna,

Murilo analisa a construção de um mito de origem

conseguindo explorar muito bem o objeto

da República brasileira na figura de Tiradentes,

proposto.

resgatado como uma espécie de "Cristo cívico",

O livro é um excelente exemplo da renovação da historiografia tradicional ao se utilizar de diversos elementos formadores deste imaginário nacional, do trabalho interdisciplinar e do uso de fontes ainda

hoje

pouco

utilizadas,

como

telas,

símbolo de um herói criado sob medida para conquistar corações e mentes, além de elencar e refletir sobre as apropriações feitas por diferentes (e até mesmo divergentes) grupos sociais. A fase seguinte, mostrada na obra, tratam dos

monumentos, caricaturas,

esforços de elaboração de

charges, literatura, música

uma simbologia voltada

etc, ou seja, elementos

mais diretamente para a

ligados

produção

própria República, que

cultural. Talvez seja este o

fosse capaz de estabelecer

grande mérito da obra, a

uma

análise

República e Brasil, Estado

políticos

à

dos

conflitos

através

dos

ligação

entre

e Nação; isto implicou na

elementos simbólicos no

“importação”

papel de legitimadores de

"Marianne"

um

republicano francês, que

regime,

de

um

modelo

determinado status quo,

em

de

adquiriu a figura da musa

uma

determinada

organização social.

de

capítulo

um estudo minucioso dos políticos

República e o consequente impasse simbólico (advindo das lutas pela criação de um imaginário social entre as diferentes correntes políticofilosóficas) demonstrado no cenário da passagem do Império para a república e tendo como personagens, liberais, jacobinos e positivistas. Após

José

transformação

o positivismo, examinando tanto o processo de por

faz uma análise das diversas proclamações da

seguinte

então, a produção e\ou

filosóficos que nortearam

adaptação ocorrida neste processo. Em sequência,

Comte,

Murilo passa a discutir

e

em prática estes modelos no Brasil, como a

Auguste

ocasiões

Clotilde de Vaux. No

José Murilo de início faz modelos

várias

de

dos

símbolos formais do hino nacional e da bandeira, indispensáveis em qualquer Estado, que acabaram representando muito mais a imagem do Brasil enquanto nação do que da República enquanto Estado. Findando a obra, o autor retoma as questões anteriores, dando primazia a aplicação e influência dos modelos filosóficos de Comte no Brasil,

promovendo

uma

reflexão

sobre

a

construção de um imaginário da República capaz consolidar o Brasil enquanto Nação.


G N A R U S | 240 No

processo

de

construção

histórica

da

popular. Desta forma, o imaginário de República

República, o mais relevante não é a proclamação

criado e difundido pelos positivistas não teve

em si, mas sua construção, mediada politicamente

penetração popular, não apenas pela inexistência

enquanto memória, processo este demonstrado

de uma comunidade de sentido, como defende o

num percurso de criações simbólicas do fato, do

autor, mas, também, porque para a classe popular a

mito, da coisa em si e dos símbolos oficiais, nos

República em si pouco representou, uma vez que

quais as correntes políticos-filosóficos confrontam-

não foram agentes ativos do processo.

se em todos os momentos da construção do imaginário e dos símbolos da República do Brasil. Desta forma, o passado tangível perde espaço em relação às suas representações.

Por fim, os méritos da análise do Profº J.M. Carvalho se guardam, a nosso ver, em dois pontos: Primeiro, em estudar, através de uma nova ótica, uma realidade já bastante estudada, contribuindo

José Murilo de Carvalho deixa claro que todo o

assim, para a rediscussão de certas “verdades”

processo relativo à proclamação e consolidação da

sobre o período. Segundo, faz isso combinando

República foi idealizado pelas elites participantes

vasto instrumental teórico com erudição histórica.

do Estado, seja como dirigentes, seja como

É este último ponto que, unidas ao brilhantismo e à

opositores. A participação popular, quando ocorre,

profundidade já conhecidas de suas interpretações,

exerce

ou

torna os livros de José Murilo de Carvalho, algo bem

legitimadora do interesse de algum grupo. A

mais do que um relato de “como” as coisas

elaboração, os embates pela consolidação e o

aconteceram e, uma referência imprescindível para

próprio alcance do imaginário republicano, ficaram

a compreensão das complexas relações entre

limitados a seus idealizadores e participantes. O

Estado e Sociedade no Brasil.

apenas

uma

função

decorativa

resultado desejado, que deveria ser obtido com o imaginário republicano, capaz de fazer a junção entre Nação e Estado, não ocorreu, graças ao

Fernando Gralha é Editor da Gnarus Revista de História e Professor das Faculdades Integradas Simonsen, UCAM e UNIRIO.

distanciamento deste último para com a realidade

Specimen da cédula de 2 mil-réis da 11ª estampa do Tesouro Nacional – Brasil (1918-1950) impressa pela American Bank Note Company de Nova York - ABNCo


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