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Artigo
UMA VIAGEM AO NILO: A RELIGIÃO NO ANTIGO EGITO DO REINO NOVO (c. 1550-1070 a.C) Por Danielle Guedes dos Santos
Resumo: O presente artigo nasceu do Trabalho de Conclusão de Curso, ainda com a necessidade constante de promover o estudo da Civilização Egípcia Antiga. O mesmo destina-se a compreender as questões que envolvem as crenças religiosas do povo egípcio, a sua rica mitologia, sua concepção de mundo, sua cultura que perpetuava a vida no além túmulo, a expressividade de sua arte e suas construções, como forma de herança do legado de caráter religioso e a representatividade do poder do Faraó, bem como entender as mudanças no aspecto religioso estabelecida no cenário do Reino Novo (c. 1550 – 1070 a.C) como forma de analisar o cotidiano cultural e social desenvolvido no reinado do Faraó Akhenaton (c. 1353 a 1335 a.C). Palavras-Chave: Egito Antigo – Religião – Reino Novo – Akhenaton.
Introdução O presente artigo busca abordar o conhecimento do passado como fonte de cultura, evidenciando a importância da religião para a civilização da Alta Antiguidade. Tentaremos ao longo dessa análise apresentar os principais aspectos que integram o sistema de culto, as práticas e as crenças presentes na sociedade egípcia antiga, enfatizando as mudanças ocorridas no ciclo religioso, tendo como plano de fundo o Egito no período do Reino Novo (c. 1550 – 1070 a.C), bem como os desdobramentos do projeto de ruptura religiosa promovido na
dinastia do Faraó Akhenaton (XVIII dinastia, século XIV a.C), acarretando reflexos desse processo na vida cotidiana do povo egípcio deste período. “A religião impregnava todos os atos da vida cotidiana dos egípcios. Na família, na sociedade, na política, na guerra, nos trabalhos, as crenças estavam presentes e inspiravam as normas de agir. Heródoto já observará com exatidão que os egípcios eram os mais escrupulosamente religiosos de todos os homens. Compreende-se, por isso, que, através de sua longa história, o povo
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A
forte
presença
e do seu espírito fazia-se necessário para entender a jornada que nunca teria fim.
da
A criação do mundo pode
religião cultuava em seu
ser analisada de diferentes
panteão uma multiplicidade
formas. Um ponto comum nas
de deuses, que ora tomava forma animais esses gerando
humana,
ora
ou
combinavam
dois
elementos, o
organização do mundo. Os contos serviam para construir a ideia de isolar o caos e
que
historicamente conhecemos como
narrativas dos mitos é a
de
antropomorfização
Estátua colossal de Akhenaten de seu Templo Aten em Karnak .
(CARDOSO, 2012, p.98). Uma religião ligada à visão cíclica, nascida no contato com a natureza, onde o Rio Deus – o Rio Nilo – estimava forte adoração. Simbolismo. Uma rica mitologia expressa na maneira como os egípcios percebiam o mundo à sua volta. O culto ao Sol – ao Deus Rá – simbolizava as etapas agrícolas da morte e o renascimento das colheitas. Um ciclo corrente que prolongava a vida no “além”. São concepções que buscam estabelecer um equilíbrio cósmico, uma ordem no plano terreno e mítico que é refletido nos campos da vida cotidiana, muito presente em sua arte para reforçar o culto e contar sua história a partir de seus próprios olhos, nos possibilitando compreender suas crenças, seus ritos e seus costumes.
manter estruturada a luz que conduz a ordem no universo, cabendo ao monarca ser o
mediador que afasta o caos, confere prosperidade aos homens e harmoniza o panteão dos deuses. Dentre alguns mitos famosos, o mito de Heliópolis (GRALHA, 2002, p.44) dá conta de perceber como o pensamento egípcio era elaborado. Rá, o Deus nascido do nada e soberano do mundo antigo, o condutor de tudo que vive esse que se tornou o seu próprio criador, emergiu do Deus primordial Atum. Shu que é o ar e Tefnut personificando o úmido, geraram Geb, a terra e Nut, o céu. Nasceram os casais Osíris e Ísis, Seth e Néftis. O mito representa a natureza, o mundo pré-estabelecido que encontra em Rá, o sol que se levanta e as cheias que fertilizam a terra, uma resposta para sanar as aflições dos egípcios e superar seus problemas. A manutenção do culto concentrava-se sob os
Os Aspectos Religiosos dos Antigos Egípcios
olhos do Faraó, que em um primeiro momento se
Para os egípcios a vida não tinha uma divisão.
intitulou o “Hórus vivo” (CARDOSO, 2012, p.58), o
Tudo era interligado para construir a certeza de um
“senhor das duas Terras”, filho do Deus Sol, que
caminho contínuo. A vida terrenal era conectada à
administraria o Egito e se colocaria sobre as demais
vida após a morte. A preparação da sua consciência
divindades. Aos sacerdotes 2, ficaram encarregados
1
participando dos ritos, atingindo grande percentual de sacerdotisas no Reino Novo no culto ao Deus Amon. O poder do culto era do monarca, mas com a liberdade de aconselhamento ao Faraó, o corpo sacerdotal acabava por influenciar nas decisões políticas que conduziam o Antigo
GIORDANI, 2012, p.128. A profissão de sacerdote foi crescente no Egito. A direção religiosa, cada vez mais, era monopolizada, passando de forma hereditária. Os templos e as terras em seu entorno, foram paulatinamente ficando nas mãos do Clero egípcio. As mulheres garantiram seu lugar na hierarquia religiosa, 2
G N A R U S | 40 de prestar os cuidados aos deuses, promover os
A mumificação era uma exclusividade do Faraó e
ritos de toda manhã – elevação ao sol, lavar as
de seus entes mais próximos. O embalsamamento
imagens, purificar, retirar dos templos, entregar as
consistia em envolver o corpo com faixas de linho,
oferendas, entoar os hinos de adoração. Deveriam
acompanhadas de resina. As vísceras eram retiradas
zelar pelo bem estar dos deuses, orientar o Faraó
e acomodas em vasos Canópicos5 . O uso do natrão6
para com suas obrigações no culto, perpetuando o
no corpo do morto aumentou a preservação
fortalecimento do Egito aos pés do “filho do Deus”.
enquanto, mais uma vez, a resina dava conta de
A participação do egípcio comum era controlada,
harmonizar a aparência do falecido, possibilitando
limitando-se apenas em grandes festividades.
pintar e decorar as feições do morto (SANTOS,
Segundo
os
2012, UFF). A concepção egípcia é de ressurreição
vestígios do culto dos féis em produções escritas,
(renascimento no mesmo corpo). A mumificação é
como as estelas. A entrada do povo nos templos era
o que eterniza, conservando o corpo físico para que
quase impossível. A grande massa de fiéis devia
na próxima vida, o falecido possa renascer e
contentar-se mesmo com as procissões, as capelas,
ascender na morada dos deuses – após passar pelo
as necrópoles e as estátuas divinas existentes nos
julgamento de Osíris. A memória justificada na
lares”.3
religião é deixada para a posteridade, para que o
Giordani,
“podemos
encontrar
Muitos eram os rituais e “fórmulas mágicas” (CARDOSO, 2003, p.90) que envolviam os mistérios da religião no Egito Faraônico. A perpetuidade da alma, a guarda da memória do morto, as fórmulas e orientações presentes no Livro dos Mortos, a mumificação, foram o alto grau mítico dos egípcios. Os rituais funerários buscavam o desenvolvimento mais apropriado de técnicas para preservar o corpo que renasceria em uma nova vida. O processo artificial foi o que acondicionou o corpo para a longa viagem. Segundo Moacir Elias Santos, foi no
indivíduo seja lembrado como era ou como gostaria de ser. No Reino Novo (c. 1550 – 1070 a.C) a mumificação atingiu seu auge, as dinastias que por esse período se estabeleceram não pouparam gastos, tampouco, esforços para o luxo. É no desenrolar dessa época que as práticas de mumificação se aprimoram com a introdução do método de retirada do cérebro pelas narinas. É também o momento marcado pela ampliação do culto funerário para todos que podiam pagar pelo mesmo.
momento em que os egípcios passaram a utilizar os
Notamos nos ritos a forte presença do uso dos
ataudes – caixões ou sarcófagos – para o
“servos fúnebres” como as pequenas estátuas
sepultamento que o processo natural se perdeu,
denominadas Shabti ou Ushabti – aquele que
pois os corpos eram retirados do seu meio natural
responde quando solicitado, ordenado – para
favorável
da
mumificação.4
Perdendo
essa
realizar as tarefas que o morto eventualmente fosse
propriedade, fez-se necessário aplicar métodos
convocado a fazer. Segundo Ciro Flamarion, os
para a conservação.
textos dos Sarcófagos e das Pirâmides contêm encantamentos,7 onde sua função era proteger e
Egito. Retirado do livro: “História da Antiguidade Oriental”, de Mario Curtis Giordani, Rio:Vozes, 2012. 3 GIORDANI, 2012, p. 138. 4 SANTOS, Moacir Elias. Caminho para a Eternidade. UFF, 2012. 5 Idem.
6
Mistura natural que contem Carboneto, Bicarboneto, Sulfato e Cloreto de sódio. SANTOS, Moacir Elias. Caminho para a Eternidade. UFF, 2012. 7 Os Shabtis eram produzidos em pedra, madeira e bronze, ou Faiança azul ou verde. Os pequenos trabalhadores eram
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substituição quase absoluta dos mitos, rituais da
nova no além túmulo (CARDOSO,2003, p.90). As
tradicional religião do Egito Antigo.
estatuetas tinham constantemente ferramentas nas mãos, designadas a servir o Deus Osíris nos campos ou canais. Eram itens relacionados para auxiliar na preparação da vida no outro mundo. Nas tumbas do Reino Novo, dependendo do nível de importância
Akhenaton não demonstrou a mesma paciência dos faraós que vieram antes dele. O anseio radical, expresso na forma como inseriu uma nova Religião, acarretou
nos
planos
políticos,
administrativos, sociais e culturais.
social atribuído ao morto, chegaram a ser
“Pode-se afirmar, sem cometer exageros que essas lendas transformaram os deuses egípcios em seres vivos com traços bem pessoais. Foram elas também, que fizeram com que se tivesse simpatia por um deus e aversão por outro. “11
colocados cerca de 700 miniaturas, enfatizando o Trabalho Compulsório no “além”.8
A Reforma Religiosa de Akhenaton
mudanças
Uma fase conturbada pela elevação a um Deus dinástico e a permanência – mesmo que discreta
O Egito do Reino Novo presenciou mudanças
por alguns – do culto a deuses locais. Os conflitos
antes jamais vistas em outras dinastias. A teocracia
militares traçados no Reino Novo eram justificados
faraônica9, como forma de governo em que a
na crença mítica, lançando o poder ao monarca –
autoridade emanada dos deuses ou do Deus, é
através do deus dinástico – em seu caráter divino,
exercida por seu representante na terra, na
sendo o escolhido para ser um instrumento do Deus
promoção do Estado, atingindo seu ápice ao elevar
na vitória terrena para os feitos divinos,
um único Deus como criador e soberano de tudo.
fomentando as disputas no controle das políticas do
Segundo Julio Gralha, alguns monarcas como o
Egito. A “reorganização” religiosa de Akhenaton,
Faraó Akhenaton, estabeleceram o culto a si em
com proporções ousadas, precisava se firmar aos
vida, destacando sua natureza dual (divina e
olhos de sua vontade e adoração para que as
humana) e estabelecendo uma relação mais
demais camadas sociais percebam a intensidade, a
estreita com o seu pai, o Deus dinástico
importância do estabelecimento do seu culto. A
(GRALHA,2002,p.19,20). O Reino Novo é marcado
religião do faraó era vaga, “uma forma religiosa que
por uma “disputa” no pilar divino. Duas divindades
não podia ser traduzida por mitos de qualquer tipo”
se destacaram nesse episódio, dominando o
(GRALHA,2002, p.53). O culto popular ao Deus
cenário religioso a partir da vontade de seus
Aton deveria passar pela aprovação e para o Faraó,
regentes. Amon-Rá, ao “solariza-se” tem seu culto
já que o mesmo era a representação viva do Deus
nacionalizado; Aton10 reinou no panteão divino do
na terra, devendo ser a única forma e ponte de
período Amarniano na reforma religiosa promovida
conexão com a divindade.
no desejo do Faraó Akhenaton com eliminação e
colocados nas tumbas, com um exemplar do Livro dos Mortos (um manual de orientações para o morto), para que o individuo pudesse invocar seus trabalhos. O encantamento que permitia essa execução de serviços está presente no Capítulo VI do Livro dos Mortos. CARDOSO, Ciro Flamarion. Trabalho Compulsório na Antiguidade. São Paulo: Graal, 2003. 8 CARDOSO, Ciro Flamarion. Trabalho Compulsório na Antiguidade. São Paulo: Graal, 3° ed. 2003. 9 GRALHA, 2002, p.19.
10
O Deus representado pelo “Disco Solar”, foi o único soberano em Amarna, com seu culto implantado na dinastia de Amenhotep IV/Akhenaton (c. 1353-1335 a.C), que promoveu uma reforma religiosa, trocou a capital para Akhet-Aton, marcando para sempre a história do Reino Novo. GRALHA, Julio, 2002, p.19. 11 ERMAN, Adolphe. La religion dês égyptiens. Paris: Payot, 1952. Citação retirada de GIORDANI, 2012, p.138.
G N A R U S | 42 A
reforma
religiosa
estabelecida
pareceu
distanciar o povo do culto ao Deus dinástico. O
consequentes mudanças ocorridas no Egito do Reino Novo como veremos a seguir.
movimento iniciado pelo monarca vai perdendo força pela individualidade do culto, pelos poucos – ou quase nenhum – mitos e adoradores. A vontade imposta pelo representante em ser a própria força divina no plano humano, ocasionou a instabilidade e aproximava o caos. Apesar de ser um dos períodos mais bem iluminados por fontes, houve problemas nas documentações. Acreditamos na tentativa de “apagar” a passagem do Faraó Akhenaton por solo egípcio. Amarna – hoje conhecida como Tell-elAmarna – seria deixada de lado nas próximas dinastias. O herege Akhenaton teria seus feitos
contexto,
nos
deparamos
com
a
importância de abordar as fontes primárias analisadas
para
este
artigo,
visando
Segundo o historiador Julio Gralha, a reforma feita por Akhenaton foi estabelecida “passo a passo”. O plano político-religioso foi pensado para desenvolver novas formas de representação, excluindo conceitos do tradicional pensar “míticoreligioso” (GRALHA,2002, p.158). 1.Monoteísmo: O monoteísmo é a crença em um único Deus. Um Deus supremo, capaz de promover
paulatinamente forçados a um esquecimento. Nesse
A reforma religiosa promovida pelo Faraó Akhenaton, no período do Reino Novo, pode ser entendida como um desenvolvimento Monoteísta ou Monolátrico?
uma
compreensão mais ampla da religião existente no Egito do Reino Novo. Elas vão nos permitir elucidar
a vida de tudo que existe no mundo. No plano terreno, seus adoradores são seus filhos, os administradores da sua crença são responsáveis por propagar seu culto e ensinamentos. Não se intitulam como “figura viva” do Deus.
a manifestação do pensar e do agir, no sentido
2.Monolatria: É a ação de adoração ou culto a um
religioso, enriquecendo o estudo das práticas de
Deus divino paralelo a seu representante humano.
culto. Entre as vastas opções de fontes, foram
Configura uma relação dupla de poder, onde o
selecionadas e utilizadas essas abaixo relacionadas.
culto é desenvolvido para fortalecer o caráter
Fontes Primárias retiradas da obra de Julio Gralha: (Apud GRALHA, 2002): 1.Grande Hino a Aton. 2.Estela Votiva: Prece de Neb-Ra a Amon-Ra . 3.Estela de Akhenaton e Nefertiti . 4.Iconografia da Tumba de Ahmose, retratando Akhenaton e Nefertiti como deuses em Amarna. Nesta perspectiva, as fontes primárias utilizadas para esse estudo, tornaram possíveis construir indagações sobre as transformações ocorridas com o reinado do monarca Akhenaton, em uma análise que buscava promover problematização sobre a estrutura do sistema religioso existente e as
representativo da figura humana, que se intitula como o Deus vivo em terra e difunde o culto a si mesmo em vida. Reforçando a legitimidade do Deus primordial em sua face para manter o equilibro de tudo. A partir desses dois entendimentos anteriormente apresentados, debruçados nas análises presentes principalmente nas obras dos historiadores Julio Gralha e Ciro Flamarion, podemos nortear a compreensão, seguindo a corrente historiográfica que busca evidenciar a ótica da religião – o plano político-religioso - “nascida” na dinastia de Akhenaton, se caracterizando como uma forma Monolátrica. A exclusão dos mitos e de quase todo
G N A R U S | 43 panteão divino, o rompimento com a tradicional
A reforma de Akhenaton parece não ter agradado
perspectiva religiosa, bem como a existência de
a todos, lançando luz para indagar que “o que está
duas divindades supremas, auxiliam no debate
em jogo na memória é também o sentido da
acerca
o
identidade individual e do grupo” (POLLAK,1989,
estabelecimento de uma monolatria, convertendo
vol.2, n.3), onde a individualidade do culto feita
no estabelecimento de dois deuses “um celestial e
pelo
outro terrestre. Aton, o único deus do céu,
tradicionalismo da religião egípcia, enfatiza um
manifestação visível da natureza invisível do deus
sentido de “perda de identidade” do grupo – o
Ra-Harakhty, e Akhenaton, a manifestação visível
egípcio comum e em alguns momentos, mesmo que
de Aton na terra que guia os vivos” (GRALHA, 2002,
não tão diretamente visível, o inconformismo do
p.158).
corpo sacerdotal.
do
entendimento
para
afirmar
monarca,
que
rompe
com
todo
o
Essa tentativa de apagar a memória do faraó é
A heresia feita pelo faraó Akhenaton culminou na tentativa de apagar sua memória e sua passagem pelo Egito Antigo? “A memória é assim guardada e solidificada nas pedras: as pirâmides, os vestígios arqueológicos (...)”. 12
Nesse sentido, podemos afirmar pelo viés histórico-arqueológico
que
para os
encontrada
em
algumas
fontes
primárias
(especialmente as abordadas no livro de Julio Gralha). Através dos monumentos pintados, encontramos a demonstração de intimidade da família real (GRALHA,2002,p.150), permitindo revelar o sentimento humano presente no regente
antigos
que se proclamou como Deus no plano terreno.
egípcios era fundamental registrar através da
Segundo Gralha, não se pode afirmar que tanto a
escrita, da pintura ou das construções suas
iconografia quanto a religião do Deus Aton, era
descrições sobre suas vontades a serem realizadas,
estimada, considerada por todos, pois “esta
de suas memórias, seus feitos.
dificuldade reside no fato de que a memória do
Segundo o historiador Julio Gralha, os vestígios do
reinado de Akhenaton foi apagada nos momentos
faraó Akhenaton gravados nos Templos de Karnak
seguintes, provavelmente por uma imposição da
foram destruídos – apagados – algum tempo depois
administração egípcia” (GRALHA,2002,p.150).
do fim de seu reinado, possivelmente, pelas dinastias que o sucederam. Um fato curioso que tende a reforçar a hipótese (em uma pesquisa mais
Considerações Finais
neste
O presente trabalho baseia-se em estudar e
trabalho. Os nomes dos faraós Akhenaton e
compreender os aspectos religiosos e suas
Hatshepsut não foram encontrados na listagem dos
estruturas sobre o período do Reino Novo (c. 1550
reis egípcios (GRALHA,2002, p.130) presentes no
– 1070 a.C) no Antigo Egito. Buscamos ao longo
templo mortuário do faraó Séthi I , nos permitindo
desse objeto de pesquisa, ressaltar a importância de
refletir sobre a exclusão e a ausência do nome de
compreender a História Antiga Egípcia. A escolha
Akhenaton dos registros de outros monarcas.
do período do Reino Novo se debruça em ser o
aprofundada
futuramente)
levantada
período mais bem iluminado por fontes históricas,
12
POLLAK, 1989.
G N A R U S | 44 além de nos proporcionar uma análise mais ampla das transformações ocorridas na religião, onde percebemos uma “interrupção”, uma tentativa de ruptura nos padrões tradicionais religiosos do Egito. São as mudanças ocorridas na religião que causam reflexos na cultura do Egito Faraônico. Nela
Fontes Primárias (Apud GRALHA, 2002): Estela de Akhenaton e Nefertiti. Estela Votiva: Prece de Neb-Ra à Amon-Ra. Grande Hino a Aton Iconografia da Tumba de Ahmose, retratando Akhenaton e Nefertiti como deuses em Amarna.
notamos a imponência das grandes construções, as relações de interesse no jogo de poder, do “afastamento” da sociedade no culto ao Deus Dinástico – permanecendo discreto o culto às divindades mais populares. As guerras travadas no campo “celeste” e terreno, justificadas pelo pilar divino. A crença que se configurou como uma ofensa aos Deuses, sendo remetida no desejo de apagar a passagem do monarca Akhenaton, sobre a história do Reino Novo, fomentando o debate que implica na ação humana de excluir seus feitos, seus registros. Os questionamentos das correntes historiográficas que dividem suas opiniões sobre a forma religiosa que no Reino Novo se estabeleceu, propagando os legados culturais pelo tempo, destacando uma ampla importância no meio acadêmico – principalmente o histórico e o arqueológico – em compreender como a esfera religiosa deste período foi capaz de penetrar as diferentes camadas da pirâmide social e conduzir os caminhos daquela civilização.
Danielle Guedes dos Santos é Pós-Graduanda em História Antiga e Medieval pela UERJ e Graduada em História pelas Faculdades Integradas Simonsen.
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Escritas de Si na Epigrafia (As Estelas Votivas).
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