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Artigo

ENSINO DA HISTÓRIA: TEORIA E PRÁTICAS Por Rennan de Azevedo Ramos

Resumo: O presente artigo tem como proposta elucidar os usos realizados pelo presente sobre a memória e a identidade, bem como entender a relação existente entre essa tríade na pratica de ensino da história, na formação do processo de consciência histórica e suas aplicações no ensino da história local. Palavras-chaves: Memória; Identidade; Ensino de História; História Local; Regimes de Historicidade; Consciência Histórica; História Oral. reflexão sobre a melhor forma de compreender a 1. Regime de Historicidade, Memória e

futuro, relacionando, segundo suas palavras, a

Identidade

V

relação existente entre a tríade passado, presente e

ivemos o consumo do imediato; há uma valorização cada vez mais significativa de datas comemorativas e do patrimônio. O foco está em um

presente contínuo, único, marcado pela “tirania do instante e a estagnação de um presente perpétuo” (HARTOG, 2013, p. 11). O culto ao presente apresentado por Hartog marca uma ruptura com uma visão progressista da história que entende o futuro, com sua ampliação do horizonte de expectativa e seu afastamento do campo de experiência, como a melhor forma do homem lidar e representar seu tempo. O conceito de regime de historicidade proposto pelo autor supracitado aborda justamente uma

“memória (presente do passado), a atenção (presente do presente) e a expectativa (presente do futuro)” (Ibidem, p12. ) com a forma com a qual o homem lida com o tempo e o representa. O próprio termo regime de historicidade é passivo de análise na medida em que falar de “regime de temporalidade em vez de historicidade teria o inconveniente de convocar o padrão de um tempo exterior” (KOSELLECK, 2006, apud HARTOG, 2013) e não aquele construído pela observação do historiador que busca uma naturalização e instrumentalização do tempo. Sendo assim, entendemos que a forma como o homem se relaciona com o tempo apresenta duas fases concluídas: história magistra vitae e história


G N A R U S | 46 moderna. Estaríamos, segundo Hartog, em uma

de linearidade, sendo a “seta” seu símbolo

nova fase, o Presentismo.

característico. A busca pela evolução leva, nesse

A história magistra vitae usa a história como instrumento de legitimidade, buscando no passado, através do exemplo de vida, sua força. Ela entende o passado como uma construção de exemplos a

momento, a uma eclosão de narrativas nacionais, visando à construção de um projeto de futuro da nação e realizando uma releitura do passado através da necessidade do presente.

serem seguidos, a partir de cujos ensinamentos

Já no presentismo, o futuro deixa de ser o símbolo

devemos instruir para o futuro. Para Koselleck “o

máximo das aspirações do progresso e passa a

papel magistral da história era ao mesmo tempo

exercer um sentido escatológico. “A isso deve-se

garantia e sintoma de continuidade que encerrava

ainda acrescentar outra dimensão de nosso

em si, ao mesmo tempo, passado e futuro”

presente: a do futuro percebido não mais como

(KOSELLECK, 2006, p. 43), apresentando seu campo

promessa, mas como ameaça; sob a forma de

de experiência muito próximo de seu horizonte de

catástrofes, de um tempo de catástrofes que nós

expectativa. Seu recorte temporal dataria desde a

mesmos provocamos” (HARTOG, 2013, p. 15). O

antiguidade até o marco da modernidade. Com a

conceito de presente se sobrepõe aos do passado e

eclosão da revolução francesa

do futuro, havendo uma perpetuação do imediato.

Até o século XVIII, o emprego de nossa expressão permanece como indício inquestionável da constância da natureza humana, cujas histórias são instrumentos recorrentes apropriados para comprovar doutrinas morais, teológicas, jurídicas ou políticas. (ibidem, p.43) O regime de história moderna, por outro lado,

A história perde seu status de dona absoluta de “verdades” e “voltou a ser esse túnel na qual o homem entra na escuridão, sem saber aonde suas ações o conduzirão, incerto de seu destino, da segurança ilusória de uma ciência do que ele faz” (ibidem, p. 20).

entende a história como algo passivo de ser

Neste cenário marcado pelo “boom memorial”,

ensinado, em que os “homens conhecem seu

entendemos a memória como um objeto de poder,

presente e são capazes de iluminar o futuro”

que motiva disputas na medida em que, através de

(ibidem, p.45). Diferente do regime anterior, o de

construções do presente, tem o poder de formar e

ponto de vista moderno apresenta uma nova forma

legitimar identidades. A “memória tornou-se, em

de representar o tempo. Há uma nítida distinção

todo caso, o termo mais abrangente: uma categoria

entre passado, presente e futuro promovendo um

meta-histórica.Pretendeu-se fazer memória de

afastamento entre o campo de experiência e o

tudo e, no duelo entre a memória e a história, deu-

horizonte de expectativa, negando a proposta de

se rapidamente vantagem à primeira” (ibidem,

história exemplar do anterior. Não há como pensar

p.25)

a repetição em história, o que não quer dizer que não podemos retirar algo dela para o futuro.

A memória fornece a ligação que o historiador precisa para entender o passado: ela é uma

A maior marca do regime moderno se configura

construção mutavel que atende as necessidades do

pela busca incessante pelo progresso. Sua

presente. No século XIX, com a explosão do espírito

representação do tempo está marcada pela ideia

comemorativo e seus elementos de suporte, como


G N A R U S | 47 criação de medalhas, selos de correios, museus e

que acarreta de fato uma representação seletiva do

bibliotecas, temos o marco inicial do forte apelo

passado, um passado que nunca é aquele do

pelo uso da memória. Nos séculos XX/XXI foi a vez

indivíduo somente, mas de um indivíduo inserido

das guerras mundiais e a popularização da

em um contexto familiar, social, nacional”

fotografia, que se apresentou como uma forma de

(ROUSSO, 2010, p. 94). A memória se constrói,

democratização do instante. Apesar de discordar

dessa forma, como a soma das experiências vividas

de Hartog a respeito da perpetuação do presente,

pelo indivíduo. Para Le Goff, devemos entender a

o historiador Andreas

Huyssen1

concorda que

memória

não

como

uma

propriedade

da

estamos passando por um momento de “boom das

inteligência, mas sim como “a base na qual a qual se

modas retrôs e a comercialização em massa da

inscrevem as concatenações de atos” (LE GOFF,

nostalgia e a obsessiva automusealização através da

1990, p. 123). Esse autor complementa o conceito

câmera de vídeo e de fotografias” (HUYSSEN,

de memória apresentando-a como “um elemento

2000, p. 14), entendendo a memória ligada a uma

essencial do que se costuma chamar identidade,

sociedade de consumo vinculada aos processos de

individual e coletiva” (ibidem, p. 135).

globalização.

Em seu artigo “Não basta a história de

Ao falarmos de memória, faz-se necessário

identidade”, Hobsbawn (1998) nos relata a respeito

elucidar o binômio inseparável que este conceito

de uma conferência internacional sobre os

forma com o esquecimento, sendo ambos os

massacres alemães ocorridos durante a Segunda

conceitos intermediários na análise do tempo e do

Guerra Mundial. A conferência foi realizada na

espaço. Só se faz possível rememorar se possuirmos

província de Erezzo, localizada ao norte da Itália,

a capacidade de esquecer. Huyssen nos lembra

onde 50 anos antes um dos massacres havia

“que a memória e o esquecimento estão

acontecido. A memória sobre o ocorrido, que

indissoluvelmente e mutuamente ligados; que a

outrora estava apenas relegada à lembrança dos

memória

de

sobreviventes, foi posta em cheque por um grupo

esquecimento e que o esquecimento é uma forma

formado não apenas por historiadores, mas

de memória escondida” (HUYSSEN, 2000, p. 18).

também por cientistas sociais de múltiplas

é

apenas

uma

outra

forma

O esquecimento e o silêncio são fortes reveladores dos mecanismos de manipulação da memória coletiva e consequentemente de sua formação no processo das identidades, na medida em que ela colabora para a desconstrução das memórias particulares em detrimento de um todo. A ligação da história com o passado nunca é espontânea: é ligada a uma objetividade, uma visão parcial do passado proveniente da memória. “A memória é uma reconstrução psíquica e intelectual Em oposição ao presentismo, Huyssen entende existir um alongamento do passado através do processo de 1

nacionalidades. Na ocasião pretendia-se inaugurar uma piazza em homenagem aos mortos na tragédia de 1944. Lá se ouvia uma narrativa comemorativa construída pelos habitantes locais sobre o ocorrido, que não só não correspondia à proposta apresentada pela equipe da conferência, como em alguns casos exibia contradições. A pergunta lançada por Hobsbawn foi a seguinte: “Qual a natureza da comunicação entre o historiador que entregou ao prefeito da aldeia a transcrição do construção da memória em detrimento de uma diminuição do presente.


G N A R U S | 48 inquérito sobre o massacre, realizado pelo exército

cede do “momento agora”, do consumo extremado

inglês dias depois de sua ocorrência, e o prefeito

da memória. Tentaremos demostrar como o

que a recebeu” (HOBSBAWN, 1998, p. 283) O

professor em sala de aula se apropria destas

próprio autor a responde: “para um era uma fonte

questões de temporalidades para compreender as

primária de arquivo, para outro, um esforço do

carências de interpretação do passado que levam a

discurso comemorativo da aldeia” (ibidem, p.283).

formação

Hobsbawn deixa claro com esse relato o processo

consequentemente na formação das consciências

de formação da identidade coletiva em torno de

históricas.

uma memória construída pelo presente. Podemos identificar de forma nítida as características de construção da memória coletiva, que faz os habitantes da região criarem laços de identidade com o ocorrido, e dos historiadores, que, distanciados do objeto em análise, apresentaram uma outra versão dos fatos baseados nas fontes. Ainda sobre o presentismo e suas relações com a memória e a identidade, Hartog afirma:

O presente descobre que o solo desmorona sob seus pés [...] três palavras chaves resumiram e fixaram esses deslizamentos de terreno: memória, mas trata-se na verdade de uma memória voluntária, provocada (a da história oral) reconstruída (história que conta sua história), patrimonial ( a defesa, a valorização, a promoção do patrimônio), comemoração. Os três apontam para um outro: Identidade” (HARTOG, 2013, p. 156) Ao relacionar o presentismo com o “boom memorial”, com a valorização do patrimônio e das datas comemorativas, com a história oral e com a construção da identidade, Hartog nos deixa claro que vivemos um momento de grande alargamento do presente e de tensões derivadas da disputa da memória proveniente desse alargamento.

das

narrativas

históricas

e

São muitos os desafios encontrados hoje para aqueles que se dedicam à pratica do ensino da história.

Os

problemas

vão

desde

uma

desvalorização latente do profissional da área, somada às péssimas condições de trabalho, problemas

de

formulação

de

currículos

e

desmotivação do professor. Afinal, o que é ensinar história? Seria o ensino da história uma mera reprodução dos saberes acadêmicos? Uma “função didática de orientação da teoria da história que pode ser exemplificada como o ensino de história nas escolas”? (RÜSEN, 2001, p. 50) Trata-se de um equívoco comum organizar a disciplina história, nas escolas, como uma miniatura da especialidade científica. Dominique Borne “denuncia a ‘a aula magistral’ e preconiza a atividade do aluno, que deve construir, ele próprio, seu saber” (BORNE, 1998, p. 136).Dessa forma, transforma-se o aluno em um agente ativo de sua prática de ensino/aprendizagem, levando-o a uma reflexão sobre o conhecimento. O papel do professor é levantar “problemáticas em lugar de desenvolver uma única narrativa cronológica narrando os fatos históricos”

(ibidem,

p.136).

A

abordagem

cronológica deve ser seletiva, para evitar o 2. O Ensino da História e a formação da Consciência Histórica Ainda sob a égide do conceito supracitado do Presentismo, vamos buscar compreender o papel do ensino da história neste mundo marcado pela

“enciclopedismo”, porém ainda se apresenta como ferramenta fundamental para situar nossos alunos com noções importantes referentes a tempo e espaço. Borne defende uma maior abertura nos programas para “um lugar natural para a história


G N A R U S | 49 nacional, patrimônio comum de um povo” (ibidem,

tempo, deixando em evidência seu potencial

p 136), deixando claro que a melhora do ensino

didático, assumindo no campo de formação um

parte necessariamente de uma mudança curricular

papel puramente de orientação.

que abra um maior espaço para história nacional e a identidade enquanto nação, priorizando uma história da tolerância e da liberdade. Para Borne, deve haver necessariamente uma maior valorização do senso crítico. A identidade não pode ser construída sem o somatório da racionalidade e do inconsciente. Não se pode controlar a identidade sem entender o valor que existe entre o binômio memória e história.

A relação de Jörn Rüsen com a temporalidade se dá de duas maneiras. O tempo natural, sendo aquele que independe da ação do homem para existir, aparece como um obstáculo ao agir, vivendo como uma mudança que não pode ser ignorada se o homem tem a pretensão de buscar suas intenções; e o tempo humano aquele em que as intenções são representadas e formuladas como um processo temporal organizado da vida humana prática. O ato

Um dos pontos importantes do ensino da história

da formação da consciência histórica está

é a tentativa por parte do professor de despertar

intimamente ligado à forma que ele entende e lida

em seu corpo discente um novo olhar para história.

com o agir referente ao tempo. Essa intenção pode

Refiro-me à reconstrução do processo lógico-

ser descrita como transformação intelectual do

dedutivo, no qual “o melhor ponto de partida

tempo

parece ser aquele que, na vida corrente, surge

“naturalmente, a divergência entre tempo como

como

pensamento

intenção e tempo como experiência não deve ser

histórico. Esse ponto de partida instaura-se na

pensado de forma dicotômica” (ibidem, p.59); o

carência humana de orientação do agir e do sofrer

autor mescla essas experiências de consciência no

os efeitos das ações no tempo” (RÜSEN, 2001).

tempo entre a experiência e a intenção onde ambos

Essas carências de orientação no tempo devem ser

se encontram decisivos e correlacionados.

consciência

histórica

ou

dirigidas ao passado, pois é justamente dessa necessidade de interpretação do vivido que surge a matriz disciplinar da ciência da história. No entanto, não se pode ignorar a relevância propedêutica da teoria da história no processo de ensino-aprendizagem, na medida em que “se pensa que a teoria da história é, para a ciência da história, justamente a especialidade que reflete sobre seu enraizamento na vida prática e sua função nela ― a partir da qual a ciência história, por si em sua autocompreensão, se abre para todos os processos que se designam, aqui, pela expressão ‘formação histórica’” (ibidem, p. 50). Isso fica claro quando notamos que a teoria da história serve de ponte entre a história como ciência e a vida prática do seu

natural

em

tempo

humano.

Então

A lembrança é outro fator primordial quanto à formação do processo de consciência histórica. “A lembrança é, para constituição da consciência, por conseguinte, a relação determinante com a experiência do tempo” (ibidem, p.67). Sua narrativa se constitui na interpretação das experiências atuais no tempo, que são, basicamente, as lembranças vividas pelo auditório social que o cerca. Essa interpretação é, segundo Rüsen, transportada para o processo de tornar presente o passado mediante o movimento narrativo. Transportando a experiência da formação da consciência

histórica

para

a

história

local

entendemos, tomando por empréstimo a fala de


G N A R U S | 50 Maria Auxiliadora Schmit, que a “compreensão que

perceber que, apesar de a história oral ser uma

os conteúdos, ressignificado a partir da experiência

ferramenta fundamental, principalmente quando

dos sujeitos na localidade, podem passar a compor

atrelada às práticas sobre a história dos excluídos,

aos currículos e aos materiais didáticos. ” (SCHMIT,

ela ainda aparece como suscitadora de questões,

2007, p. 193) Documentos e lembranças extraídas

sem jamais ter como pretensão apresentar

pela história oral ganham status históricos, fazendo

respostas para essas perguntas.

com que as pessoas comuns se entendam agentes ativos da produção de suas próprias narrativas históricas criando laços de identidade com a história local e a resinificando.

Outro ponto bastante controverso levantado pelos historiadores que lidam com essa pratica metodológica se encontra na sua ligação com a história do tempo presente. “A história do tempo

Não menos interessante é entender a relevância

presente tem de lidar com testemunhas vivas,

de iniciativas como as da micro-história e a do

presentes no momento do desenrolar dos fatos, que

estudo da história local, para nossa prática

podem vigiar ou contestar o historiador” (ibidem,

pedagógica em sala de aula, na medida em que ela

p.XXIV). Há ainda aqueles que refutam sua validade

quebra antigos paradigmas de poder, trazendo,

histórica, alegando que é impossível para o

como apresenta a autora, aquilo que estava

pesquisador que se propõe ao trabalho nesta

guardado em uma memória individual, de âmbito

categoria realizar sua pesquisa, na medida em que

puramente afetivo para uma identificação coletiva,

a ausência de um distanciamento entre o objeto e

passando pelo crivo crítico de nossa matéria.

sua análise não permite um real entendimento dos conceitos sem que estes estejam banhados pela

3.História Oral como ferramenta, estudo de caso de Realengo

realidade, crenças e entendimentos de quem o lê. Porém, o que faz do pesquisador que lida com história antiga alguém que seja capaz de realizar

A história Oral se configura como uma

tais abstrações, se retirando de suas leituras de

metodologia de pesquisa, uma ferramenta que

mundo que garantiriam a ideia de imparcialidade e

abala o modelo tradicional, pautado unicamente

manchariam o processo objetivo da pesquisa?

em fontes documentais, permitindo dar voz a

noções convencionais do que vale a para história”

Na história do tempo presente, o pesquisador é contemporâneo de seu objeto de estudo e divide com ele os que fazem a história, seus autores, as mesmas categorias e referências. Assim a falta de um distanciamento, ao invés de um inconveniente, pode ser um instrumento da realidade a ser estudada” (ibidem, p. XXIV)

(THOMSON, FRISCH, & HAMILTON, 2010, p. 76).

O historiador então passa a exercer um papel

Refiro-me à história oral como uma metodologia,

central e ativo na construção daquela realidade

pois entendo que essa prática “apenas estabelece e

historiográfica com a qual vai trabalhar; divide com

ordena procedimentos de trabalho, funcionando

sua fonte um papel fundamental na construção do

como uma ponte entre a teoria e prática”

processo

(FERREIRA & AMADO, 2010, p. XVI). Podemos

característica meramente investigativa, para se

setores sociais antes esquecidos pelos vieses tradicionais da história. “A história oral, juntamente com outros artefatos, dados e textos culturais, provou-se crucial para superar o processo de

histórico,

deixando

de

lado

sua


G N A R U S | 51 tornar um agente ativo de sua própria produção. A

Foram entrevistados três adolescentes de idades

história oral está para o tempo presente, como uma

entre 15 e 18 anos, alunos e moradores do bairro de

ferramenta

e

Realengo, questionados dentre outras coisas sobre

necessária quanto a arqueologia se apresenta para

sua relação com a história, com o tempo e com a

os historiadores especialistas em história antiga.

história local. Ao mesmo tempo foram convidados a

fundamental,

tão

importante

Ao relacionarmos a história oral com a prática de ensino em história, entendemos que os conceitos de memória e representações se fazem presentes, enquanto construções coletivas, significados e ressignificados.

A

história

necessariamente

com

as

oral

lembranças

joga e

os

esquecimentos evocados ou silenciados pelos sujeitos naquele momento, reportando-se a

enriquecer o trabalho com sua fala cinco professores, que atuam no bairro e têm, em maior ou menor grau, alguma relação com ele. Desses professores,

dois

aceitaram

o

convite

e

disponibilizaram seu tempo, mesmo se tratando do período de suas férias. Aos professores foram levantadas questões referentes a sua prática de ensino e suas relações com o ensino da história local em sala de aula.

acontecimentos passado.

qual se prioriza um caráter qualitativo em

A escolha dos entrevistados não deve ser predominantemente orientada por critérios quantitativos , por uma preocupação com amostragem, e sim a partir da posição do entrevistado no grupo, do significado de sua experiência. Assim, em primeiro lugar, convém selecionar os entrevistados entre aqueles que participaram, viveram, presenciaram ou se inteiraram de ocorrências ou situações ligados ao tema e que possam fornecer depoimentos significativos. (ALBERTI, 2013, p. 40)

detrimento do quantitativo. As entrevistas de

A primeira parte da entrevista com os alunos,

Para a presente pesquisa, foram colhidos depoimentos, a fim de elucidar, através do estudo de caso, os usos da metodologia em questão, para entender e ampliar a experiência do professor no ensino da história. Devido ao pouco tempo de preparo, optamos por um modelo de entrevista pensada através da pesquisa semi-estruturada, na

história oral podem ser dividias em dois tipos. As de

tinha

história de vida, que priorizam relatos do depoente

estabelecida entre eles e a história, portanto foi

com relação a sua trajetória e seus envolvimentos

perguntando qual a importância atribuída por eles

com o passado e as entrevistas temáticas, onde se

a estudar essa matéria e uma rápida explicação do

questiona

e

que eles entendiam como história. Os três alunos

acontecimentos relacionados a um determinado

apresentaram respostas muito semelhantes, todas

tema. As entrevistas de história de vida, podem

pautadas

contar em sua formatação com o número de

configurando

entrevistas temáticas que forem necessárias para

temporalidade deste grupo como uma consciência

englobar toda a trajetória de vida de quem concede

histórica exemplar, onde busca-se estudar o

o depoimento. As entrevistas realizadas para essa

passado para compreender o presente e entender o

pesquisa se enquadram no grupo de entrevistas

futuro. “ Eu acho que conhecendo o passado você

temáticas.

tem uma boa base para solucionar seus problemas

o

entrevistado

sobre

fatos

como

objetivo

na

ideia a

entender

magistra

maneira

de

a

da lidar

relação

história com

a

no futuro . Porque uma boa parte das coisas que vão acontecer pode encontrar no passado uma solução


G N A R U S | 52 prévia que acaba sendo esquecida” (Aluno 1; 2015)2

alegou ser importante essa modalidade de estudo

ou ainda “ A história vai nos mostrar uma série de

dizendo: “Acho importante estudar história local

problemas

na

para estudarmos o meio em que vivemos. Como ele

humanidade no passado que vão nos ensinar a não

é agora e como ele era no passado, como se tornou

cometer os mesmos erros no futuro”. (Aluno 2;

o que é hoje. Só que eu acho que isso não é muito

2015)3.

estudado. Estudar isso seria muito legal, até mesmo

e

erros,

que

aconteceram

Já sobre sua relação com tempo destaco a fala do

para nosso entendimento”. (Aluno 3 ; 2015)6

primeiro entrevistado que diz: “vejo o tempo como

Essa carência apresentada pelo aluno 3 referente

algo muito complexo que foge ao nosso controle e

ao estudo da localidade em sala de aula, motivou a

como algo que temos que aprender o mais rápido

realização

possível utilizar bem. Pois não podemos evitar

importância da história local, também aos

questões naturais como a morte e precisamos usar

professores que passaram pela captura de

nosso tempo para atingir nossos objetivos.” (Aluno

depoimentos. Ambos os professores concordam

1; 20154). O aluno se apropria do tempo proposto

que o estudo da história local é de uma importância

por Rüsen, marcando a transição do tempo natural,

vital na formação da identidade do aluno e no seu

imutável, representado na resposta pela morte com

reconhecer como parte integrante da história.

a necessidade inerente do ser humano de agir em

Porém ao questioná-los sobre quais os mecanismos

prol de seus objetivos.

didáticos usados para ensinar esse tipo de história

Conforme os questionamentos sobre a história local foram surgindo, ficou aparente por parte dos alunos, um desinteresse de conhecer sobre o bairro em que moram, sendo no entender de dois dentre os três questionados a respeito , estudar história local ser algo “trivial” ou “sem muita importância”.

devido a pressão com as questões que envolvem o vestibular.

A gente acaba não tendo muito tempo de trabalhar assuntos fora do currículo. Vou citar o meu caso, eu trabalho um tempo de aula de história na semana. Então fica uma coisa bem complicada de você puxar assuntos de fora do currículo para conseguir trabalhar em sala de aula. (PROFESSOR 1, 2015)7

diferença é algo trivial”. (Aluno 2; 2015) 5. Isso reflete na forma com que eles se identificam com o

histórica. O aluno 3 foi o único entrevistado que Arquivo pessoal do entrevistador ibidem 4 ibidem

a

maneira com a qual se deveria esse tipo de proposta

grandioso. Na minha opinião. Acho que não faz

seus estudos, porém nenhum grau de identificação

quanto

médio, não permite trabalhar, pelo menos na

explicar isso? Eu não acho que seja algo tão

enquanto local de residência ou lugar onde fazem

pergunta,

currículo de história hoje, principalmente no ensino

história local) sim, mas (pensativa) como posso

identidade com a região representam identificação

mesma

em sala eles foram unanimes em alegar, que o

“ Eu acho que tem uma importância (estudar

bairro. Podemos observar que os laços de

da

Cabe então por parte desses profissionais, reinventar suas práticas para adequar a carência sobre a história local com o pouco tempo do currículo, fazendo links entre a história local e a narrativa histórica nacional.

ibidem ibidem 7 ibidem

2

5

3

6


G N A R U S | 53

Volto a afirmar, a importância do quartel de Realengo com os presos militares. Se eles (alunos) entendem essa parte que durante a ditadura militar algumas pessoas foram presas no quartel de Realengo, ele vai começar a assimilar essa questão do processo histórico. Ele vai entender um pouco melhor o local da formação de uma identidade local. Ele já vai ter o conhecimento prévio para um conhecimento mais abrangente que é a questão sobre o conhecimento sobre a ditadura. (PROFESSOR 1; 2015)8

percepções

dos

seus

alunos

através

da

interpretação em busca de uma orientação em prol de uma maior consciência histórica. Jöel Candau (2011), em seu livro Memória e Identidade, trabalha a memória á dividindo em três fases básicas: proto-memória, memória propriamente dita e meta-memória. A protomemória é aquela derivada da memória social, são

Ou ainda relacionar a história local com os

os gestos, as práticas e a linguagem. São todos os

assuntos cobrados no Exame Nacional do Ensino

aspectos da vida em sociedade adquiridos através

Médio:

do habito de forma inconsciente. A memória

Em sala de aula? Sem condições. Diretamente não. Eu acabo tendo que jogar dentro da perspectiva do ENEM. Você acaba fazendo um grande “mix”. Trabalhar o tempo, a história local e o conteúdo propriamente dito. Então trabalho a perspectiva do tempo através do conteúdo. Por exemplo, o imperialismo, dentro do conceito de imperialismo vou trabalhar a relação do homem com o tempo propriamente dito. (PROFESSOR 2, 2015)

propriamente dita, vem de nossas recordações,

Ambas as falas apresentam críticas severas ao

alunos uma resposta que se encontra nestes três

currículo de história, alegando ser ele o maior culpado pela falta do tempo necessário para abordar assuntos como tempo e história local.

lembranças do vivido, aquilo que realmente participamos. E a meta-memória está ligada ao processo de representação, na medida que ela se configura pela forma que nos enxergamos nos processos de memória. Ao serem questionados sobre

as

lembranças

marcantes

entre

os

entrevistados e o bairro, obtivemos de um dos aspectos de memória.

Tem uma notícia marcante, não me envolve mais foi algo que aconteceu em Realengo – a Chacina que ocorreu no Colégio. Isso de fato marcou a gente, todo mundo lembra da repercussão que aquilo teve [...] Eu consigo lembrar do nome do responsável pela chacina, consigo lembrar do nome do colégio e da forma como as pessoas relataram o caso nas entrevistas de televisão [...] No momento da chacina eu estava assistindo uma programação na Tv Globo e ela foi interrompida para que fosse passado as informações do ocorrido. (ALUNO 1, 2015)

No mundo ideal hoje, você trabalha com 4 tempos de história. Você trabalha com dois tempos de história do Brasil e dois tempos de história Geral em 3 anos de Ensino Médio. Que é onde você vai ter mais tempo para trabalhar essas questões mais a fundo tanto os conceitos quanto os conteúdos propriamente ditos. Onde eu trabalho não é assim. Eu tenho dois tempos semanais para abordar todo o período histórico cobrado no ENEM. Da história Antiga á Era Lula no Brasil. Não tenho tempo nenhum para abordar conceitos, muito mal tenho tempo para fazer chamada. (PROFESSOR 2 . 2015)

conhecido a tragédia ocorrida no dia 07 de abril de

Ao professor sobra a responsabilidade de encarar

2011 no bairro de Realengo, zona oeste do Estado

a adversidade com criatividade, as carências com

do Rio de Janeiro. Na ocasião Wellington Menezes

respostas,

de Oliveira, 23 anos, invadiu a Escola Municipal

8

ibidem

buscando

sempre

modificar

as

O massacre de Realengo, foi como ficou


G N A R U S | 54 Tasso da Silveira e com um revolver em punho,

com respeito as questões que envolve a história

assassinou a sangue frio doze alunos com idades

local, trabalhar a memória é o primeiro passa para

entre treze e dezesseis anos se matando ao final.

o entendimento das questões que envolvem as

Mesmo tendo apenas 12 anos de idade na data da

disputas do tempo presente.

chacina, o aluno 1 apresenta o fato como sua lembrança mais marcante com o bairro, em seu relato apresenta dados da memória social, na medida que apresenta fatos do conhecimento

Rennan de Azevedo Ramos é graduado em História pelas Faculdades Integradas Simonsen, Mestrando pela UFRRJ e Professor de História do Colégio Francisco de Assis. rennan.azevedo. ramos@gmail.com

coletivo, colhidos não de suas próprias lembranças mais da cobertura da mídia, das entrevistas, dos relatos dos jornais e revistas. Ao mesmo tempo tem a lembrança do que estava fazendo no momento em que soube do fato “a programação foi interrompida “ e ainda relata como se sentia no momento “uma notícia marcante” ou “não me envolve, mais isso realmente marcou a gente” realizando um processo de identificação e solidarizando com as vítimas. Já o aluno 2 ao ser questionado sobre possuir lembranças com o bairro responde: “sim, porque faz parte do passado da minha família, minha mãe passou a adolescência em Realengo”(ALUNA 2, 2015). Nesse caso entendemos que seus laços de identidade com a região estão marcados pela égide do conceito da pós-memória, aquelas que é marcada

pela

geração

seguinte

de

quem

presenciou a memória propriamente dita, memória de pai para filho. Segundo Sarlo:

Nessa dimensão identitária, a pósmemória cumpre as mesmas funções clássicas da memória: fundar um presente em relação com um passado. A relação com esse passado não é diretamente pessoal, em termos de família e pertencimento, mas se dá através do público e da memória coletiva produzido institucionalmente. (SARLO, 2007) Ela se apropria das lembranças dos pais e retira delas seus laços de identidade com o bairro. É importante a inteiração entre alunos e professores

Referências ALBERTI, V. (2013). Manual de História Oral. Rio de Janeiro: FGV. BORNE, D. (1998). Comunidade de Memória e Rigor Crítico. Em J. D. Jean BOVTIER, Campos e Canteiros da História. Rio de Janeiro: UFRJ. FERREIRA, M. d., & AMADO, J. (2010). Apresentação. Em M. d. FERREIRA, & J. AMADO, Usos e Abusos da História Oral (pp. vii -xxv). Rio de Janeiro: FGV. HARTOG, F. (2013). Regimes de Historicidade: Presentismo e experiências do Tempo. Belo Horizonte: Autêntica. HOBSBAWN, E. (1998). Sobre historia: Não basta a história de identidade. São Paulo: Companhia das Letras. HUYSSEN, A. (2000). Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos e midia. Rio de Janeiro: Aeroplano. KOSELLECK, R. (2006). Futuro do passado. Rio de Janeiro: editora PUC-Rj. LE GOFF, J. (1990). História e Memória. São Paulo: UNICAMP. ROUSSO, H. (2010). A memória não é mais o que era. Em J. A. Marieta de Moraes FERREIRA, Usos e Abusos da História Oral (pp. 94-101). Rio de Janeiro: FGV. RÜSEN, J. (2001). Razão Histórica. Brasilia: UnB. SARLO, B. (2007). Tempo passado: Cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo: Companhia das Letras. SCHMIT, M. A. (2007). O Ensino de História Local e os desafios da formação da consciência histórica. Em A. M. Ana Maria MONTEIRO,

Ensino de História: Sujeitos, saberes e práticas

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