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Artigo
MULHER NEGRA NO BRASIL: UM ESTUDO DO QUARTO DE DESPEJO DE CAROLINA MARIA DE JESUS (1955-1960) Por Rebeca de Oliveira Santana Cerqueira e Carlos Alberto Pereira Silva
RESUMO: Durante a década de cinquenta o Brasil apresentou crescentes taxas de crescimento industrial, econômico e urbano. O objetivo dessa pesquisa é encontrar o lugar social ocupado por mulheres negras nesse novo contexto que surgiu no país. Para isso analisamos a obra Quarto de despejo de autoria de Carolina Maria de Jesus, uma mulher negra, pobre e periférica, que viveu na cidade de São Paulo entre 1947 a 1977. Nessa obra, Carolina relata o seu cotidiano enquanto integrante de uma parcela da população historicamente oprimida, as mulheres negras. Foram realizadas atividades de leitura, fichamento e análise desse livro, com o propósito de promover um estudo de caso, e também de produções teóricas sobre desigualdades, discriminações e exclusão social e de documentos como censos demográficos e pertencentes à legislação federal brasileira, para posterior cotejamento com a obra. Consideramos que as mulheres negras brasileiras viviam uma condição de maior vulnerabilidade social em comparação com os outros segmentos, pois, esse grupo social apresentava menores níveis de escolaridade, emprego e renda. Palavras-chave: Mulheres negras. Desigualdade social. Modernização brasileira.
Introdução
D
urante a década de cinquenta o Brasil
fazer parte do cotidiano dos brasileiros, pelo
experimentou
menos para uma parte dessa população.
um
acelerado
crescimento industrial, econômico e
urbano.
Entretanto, esse crescimento econômico não foi condizente com a realidade da população negra
De acordo os historiadores João Manuel Cardoso
brasileira. Alguns estudos demonstraram que esse
de Mello e Fernando Antônio Novais (1998), os
contingente desfrutou de maneira desigual dos
sistemas públicos de saúde e educação foram
ganhos
expandidos para um número maior de cidades e a
modernização capitalista da sociedade. Citemos as
população urbana desenvolveu novos hábitos de
obras Discriminação e desigualdades raciais no
materiais
e
sociais
auferidos
pela
consumo, eletrodomésticos, alimentos e remédios industrializados e idas a restaurantes passaram a Gnarus Revista de História - VOLUME VIII - Nº 8 - SETEMBRO - 2017
G N A R U S | 104 Brasil, lançada em 1979, e Lugar de negro,1 que veio
pertença a um grupo social2, mesmo que
a público em 1982. A primeira tem como autor o
inconscientemente,
sociólogo argentino Carlos Halsenbalg e a segunda
envolvidos vivenciarem uma realidade semelhante
possui dupla autoria, sendo fruto do trabalho de
em diversos aspectos. Por isso, estudamos parte da
Halsenbalg e da antropóloga brasileira Lélia
trajetória de Carolina, contida em uma de suas
Gonzalez. Ambas as obras procuraram mostrar a
várias obras, para desenvolver esse trabalho.
situação social da população negra brasileira na segunda metade do século XX.
possibilita
aos
sujeitos
Durante as últimas décadas foram elaboradas várias pesquisas nas áreas das ciências humanas e
Pesquisadoras e pesquisadores nas últimas
sociais que colaboraram para as discussões sobre as
décadas seguem demonstrando em suas produções
desigualdades de raça/cor no Brasil. Essas pesquisas
a persistência do racismo no Brasil. A situação
possibilitaram a verificação do grau de eficiência de
apresenta-se ainda mais crítica quando levamos em
programas sociais e ações afirmativas empregados
consideração a situação das mulheres negras.
pelo Estado brasileiro, voltados para o combate e a
Segundo dados inclusos no Dossiê Mulheres negras:
diminuição de problemas sociais. Entretanto, essas
retrato das condições de vida das mulheres negras
análises, em sua maioria, enfocaram como recorte
no Brasil, publicado no ano de 2013, feito por
temporal a sociedade brasileira a partir da
investigadores vinculados ao Instituto de Pesquisa
redemocratização política do país, ocorrida na
Econômica Aplicada (IPEA), esse grupo social
década de 1980, até os dias atuais.
aparece como o mais atingido pela pobreza (SILVA, 2013, p.116) e pela violência física (ROMIO, 2013, pp.133-155).
Sendo assim, estudar a realidade das mulheres negras entre 1955 a 1960 permite um olhar mais específico sobre a situação vivida por esse grupo
Diante disso, o objetivo dessa pesquisa é
em um período marcado por significativas
encontrar o lugar social ocupado por essas
mudanças políticas, econômicas, sociais e culturais
mulheres no Brasil na segunda metade do século
no Brasil. Possibilitando também, uma contribuição
XX, especificamente, entre o segundo quinquênio
a
da década de cinquenta.
permanências que se estabeleceram em nossa
Acreditamos que as mulheres negras enfrentaram uma condição de maior vulnerabilidade social, causada pela pobreza, o baixo nível educacional e o subemprego, derivados do longo período de existência
da
escravidão
negra
compreensão
histórica
das
rupturas
e
sociedade, desde a intensificação, de autoria política, do processo de modernização na década de 50 até o presente momento. O
corpus
documental
dessa
pesquisa
é
enquanto
constituído pelo livro Quarto de despejo: diário de
instituição social e da continuidade do racismo na
uma favelada, escrito por Carolina. Essa obra foi
sociedade brasileira mesmo após a abolição.
publicada no Brasil em 1960, sendo classificada
Consideramos que Carolina Maria de Jesus
como um diário autobiográfico. A autora relata o
integrava parte da população objeto desse estudo,
seu cotidiano enquanto mulher negra, pobre,
mulheres negras moradoras das áreas urbanas. A
coletora de matérias recicláveis e moradora de uma
1
2In:
GONZALEZ, Lélia; HALSENBALG, Carlos. Lugar de negro. Rio de Janeiro: Ed. Marco Zero Limitada, 1982.
GOLDMANN, L. Sociologia do romance. 2ª ed. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 1976, p. 19.
Gnarus Revista de História - VOLUME VIII - Nº 8 - SETEMBRO - 2017
G N A R U S | 105 favela,3 que tinha por nome Canindé, entre os anos de 1955 a 1960. Carolina nasceu em 1914 na zona rural da cidade de Sacramento, no Estado de Minas Gerais. Na condição de migrante passou a viver na grande São Paulo a partir de 1947. A infância em território mineiro foi marcada pela pobreza, fome e discriminação. Carolina retrata esse período em uma outra obra, que foi publicada no Brasil com o nome de Diário de Bitita4. A primeira versão de Quarto de despejo foi lançada em 1960, posteriormente, vieram outras edições. Carolina escreveu essa obra nos cadernos
Figura 1 - Capa de uma edição da obra Quarto de despejo lançada no Brasil em 1963. 5
velhos que achava no lixo enquanto coletava materiais recicláveis para vender. Durante uma
Para compor o quadro teórico dessa pesquisa
visita a Favela do Canindé, em 1960, o jornalista
adotamos as reflexões contidas nos artigos Raça e
Audálio Dantas interessou-se pelos escritos de
gênero no Brasil da socióloga estadunidense Peggy
Carolina e decidiu intermediar a publicação do seu
Lovell e A intersecionalidade na discriminação de
diário. Pouco tempo após o lançamento de Quarto
raça e gênero de autoria da jurista, também
de despejo, Carolina ganhou notoriedade no Brasil
estadunidense, Kimberlé Crenshaw, além, do livro
e no exterior. Seu livro foi traduzido para treze
Discriminação e desigualdades raciais no Brasi, e do
idiomas. Outras obras da autora também foram
texto
publicadas, inclusive, após a sua morte em 1977. A
desnecessários, de autorias, respectivamente, dos
fama repentina de Carolina foi passageira, apesar
também sociólogos, Carlos Halsenbalg e Elimar
de ter experimentado uma certa mobilidade social
Pinheiro do Nascimento. Procuramos dialogar com
nos primeiros anos após a publicação de sua
as considerações e conceitos desses pesquisadores
primeira obra, ela morreu pobre e no ostracismo.
e pesquisadoras com o intuito de atender o
Excluídos
necessários
e
excluídos
interesse inicial da pesquisa. Também, contamos com a presença de documentos feitos por instituições públicas, como é o caso do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), e de componentes da legislação federal. Nessa pesquisa fizemos uso do termo raça/cor,
3
Área de povoamento urbano, formada por moradias populares, onde predominam pessoas socialmente desfavorecidas. Essa comunidade é o resultado de um processo histórico de exclusão social e de um modelo de má distribuição de renda. Em geral carece de saneamento básico. Muitas favelas já contam com urbanização. Existem nesse espaço urbano, assim como nos bairros das periferias, elevadas taxas de pobreza e desemprego [...]. Disponível em:
<http://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=fa vela>. Acesso em: 27 abr 2017. 4 JESUS, Carolina Maria de. Diário de Bitita. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1986. 5 Fonte: Blog Anos dourados, Disponível em: < http://www.anosdourados.blog.br/2010/11/estante-delivros-quarto-de-despejo.html> Acesso em: 28 ago 2016.
Gnarus Revista de História - VOLUME VIII - Nº 8 - SETEMBRO - 2017
G N A R U S | 106 guiando-se pela perspectiva da pedagoga e
criminalidade, a sujeira e a representações
estudiosa das relações étnico-raciais no Brasil,
contrárias aos padrões de beleza da época, sendo
Nilma Lino Gomes (2005, p.45), que diz o seguinte:
assim, o contingente de pessoas negras que
“Ao usarmos o termo raça para falar sobre a complexidade existente nas relações entre negros e brancos no Brasil, não estamos nos referindo, de forma alguma, ao conceito biológico de raças humanas usado em contextos de dominação, como foi o caso do nazismo de Hitler, na Alemanha. [...] Usam-no com uma nova interpretação, que se baseia na dimensão social e política do referido termo. E, ainda, usam-no porque a discriminação racial e o racismo existentes na sociedade brasileira se dão não apenas devido aos aspectos culturais dos representantes de diversos grupos étnico-raciais, mas também devido à relação que se faz na nossa sociedade entre esses e os aspectos físicos observáveis na estética corporal dos pertencentes às mesmas.”
É importante salientar, que ao usarmos os termos negro e/ou negra durante essa pesquisa estamos também em consonância com outra fala de Nilma (2005, p.39): “Negras são denominados aqui as
constituíam a população do país pode ter sido maior do que o apresentado pelo censo demográfico dessa década. Em 2009 (MARCONDES et al., 2013, p. 19), 50% das
mulheres
brasileiras
eram
negras,
em
comparação com 49,3% de brancas. Concordamos que: “Isso não significa que tenha havido uma mudança nas taxas de fecundidade ou de natalidade desses dois subconjuntos populacionais, mas que parece haver uma maior identidade, valorização e reconhecimento da população negra como tal. Ou seja, há uma mudança na forma como as pessoas percebem e declaram sua própria raça ou cor, e isto certamente tem sido influenciado pela inserção cada vez mais intensa na agenda pública – seja via movimentos sociais, seja via ação do Estado – dos temas de raça, etnia, discriminação e desigualdade.” (MARCONDES et al., 2013, p.20).
pessoas classificadas como pretas e pardas nos censos demográficos realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).”
Os anos dourados A historiadora Marly Rodrigues afirma em seu
Segundo levantamentos do Instituto Brasileiro de
livro, A década de 50: Populismo e metas
Geografia e Estatística (2000), na década de 1950,
desenvolvimentistas no Brasil (1994), que o
11,0% da população brasileira se declarou preta e
governo do presidente Juscelino Kubitschek (1956-
outros 26,5% parda, contabilizando um total de
1961) colocou em prática uma política que visava
37,5% de negros. Ressaltamos que existe uma
acelerar o crescimento econômico do país, através
discussão em torno desses dados, pois, a forte
de um incentivo estatal mais enérgico para
presença do racismo na sociedade brasileira da
aumento da industrialização.
época, que nesse período ainda vivia escondido por
A classe política brasileira, na década de
detrás do mito da democracia racial, pode ter
cinquenta, parecia idealizar uma nova realidade
interferido nas respostas dos sujeitos entrevistados
para o Brasil, que pode ser definida pelo seguinte
ao serem questionados de qual grupo de cor
esquema: mais indústrias trariam mais empregos,
(brancos, pretos, pardos, amarelos, esse último
que trariam mais renda e consequentemente
adicionado pelo IBGE em 1940, devido à imigração
melhorias no nível de vida da população.
japonesa) fariam parte, já que, o preconceito racial
Entretanto, essa idealização não se restringia
estabelecia uma série de estereótipos negativos
apenas aos gabinetes políticos, contava com a
direcionados aos negros, relacionando-os à Gnarus Revista de História - VOLUME VIII - Nº 8 - SETEMBRO - 2017
G N A R U S | 107 participação de outros segmentos, como o
presidente, João Goulart, acusado por opositores
empresariado e militares.
de inclinação ao comunismo. (AGGIO, et al.,2002).
O controle da economia pelo Estado nesse
Quando JK assumiu o cargo presidencial trata de
período fica bem representado quando levamos em
fazer alianças com duas importantes forças políticas
conta a criação de organizações que tinham um
da época, seu partido de berço, o Partido Social
objetivo
o
Democrático (PSD) e o Partido Trabalhista
desenvolvimento econômico e alçar o Brasil ao
Brasileiro (PTB), garantindo assim maioria no
status de nação moderna, como era o caso do Banco
congresso, o que assegurou a aprovação de seus
Nacional do desenvolvimento econômico (BNDE).
projetos políticos, além, de ter mantido um diálogo
Apesar da postura intervencionista, o governo de
frequente com a oposição. Essas estratégias
Kubitschek manteve as portas do país abertas ao
políticas
capital estrangeiro, fomentando o velho debate
estabilidade durante seu governo. (AGGIO, et al.,
entre nacionalistas versus entreguistas, que
2002, p. 61).
final
em
comum,
propiciar
outrora, tanto havia movimentado a Era Vargas (1930-1945).
proporcionaram
um
ambiente
de
Outra característica do governo de JK foi o atendimento de algumas reivindicações das forças
Para entender o cenário social brasileiro do
armadas. Era preciso garantir o apoio militar
segundo quinquênio da década de cinquenta é
enquanto se administrava o país com os olhos
necessário ter ciência do estado de convulsão
voltados
política que o país estava vivendo.
Entretanto, não deixaram de acontecer rebeliões
Com o suicídio do então Presidente da República Getúlio Vargas, no ano de 1954, seu vice, Café Filho, assumiu o cargo em seu lugar. Inicia-se então um período de instabilidade política entre o final
para
o
crescimento
econômico.
militares nesse período (AGGIO et al., 2002, p. 61). Citemos os dois episódios ocorridos nas cidades de Jacareacanga (1956) no Estado do Pará, e em Aragarças (1959) localizada em Goiás.
de 1954 até a posse de JK, no início de 1956. Esse
A economia brasileira dessa época vivia uma
período, de pouco mais de um ano, foi marcado por
mescla de investimentos oriundos tanto do capital
algumas sucessões na cadeira presidencial. As
nacional, quanto, do estrangeiro, ainda que essa
conquistas do nacional-desenvolvimentismo da Era
relação não tenha ocorrido de forma tão
Vargas pareciam está sob ameaça, houve tentativa
harmônica, pois, o capital estrangeiro veio a
de privatização da Petrobrás pouco tempo após o
predominar sobre o capital nacional. (AGGIO et al.,
fim do governo getulista (AGGIO et al., 2002, p.60).
2002).
Será que o petróleo já não seria tão nosso?
Para Mello e Novaes (1998), a década de
Após as eleições presidenciais de 1954, que
cinquenta no Brasil foi marcada pelas conquistas
alçaram Kubitschek ao poder, houve disputas no
materiais do capitalismo, como o carro, mas
seio militar. Conflitos entre militares favoráveis a
também,
posse de JK e a parte contrária. A explicação desse
exportações6 e pelas migrações internas com foco
estranhamento seria por causa do então vice do
para capitais e as regiões Sul e Sudeste do país.
6
internos, com o apoio do Estado.
Substituição das exportações pela produção e consumo
pela
política
de
substituição
de
Gnarus Revista de História - VOLUME VIII - Nº 8 - SETEMBRO - 2017
G N A R U S | 108 Durante os Anos dourados7 o país tinha um novo
No ano de 1959, foi criada a Superintendência do
sonho dourado, o American way of life e seus
Desenvolvimento do Nordeste, a SUDENE, com
símbolos: tv, comida industrializada, refrigerante,
proposta
novos hábitos de higiene e beleza, entre outros.
econômico da região, numa tentativa de resolver o
Para a historiadora Anna Cristina Camargo Moraes
problema das disparidades sócio regionais do país.
Figueiredo (1998), a publicidade desenvolveu um
Mello e Novaes chamam atenção para as
papel bastante significativo no processo de
desigualdades entre os territórios do Brasil
modernização brasileiro:
estabelecendo a seguinte comparação:
“Portanto, entre 1954 e 1964, a publicidade espelhava a expectativa da modernização, colocada acima de tudo como ideal, cuja concretização dependia do progresso do país que, por sua vez, realizar-se ia pela passagem de uma etapa do desenvolvimento, sustentada pela economia agrária, para nova etapa caracterizada pelo crescimento industrial e urbano.” (FIGUEIREDO, 1998, p. 34).
A vida corrida e cronometrada das cidades exigiu da indústria farmacêutica o desenvolvimento e a comercialização de novos medicamentos para tratar as chamadas “doenças do progresso” ou “doenças da modernidade”, como o stress.
de
promover
o
desenvolvimento
“[...]O Brasil [...]Combinava dois quadros nosológicos distintos, o próprio aos países ricos e o peculiar a países pobres: de um lado, as “doenças do progresso”, as cardiovasculares, a hipertensão, o câncer e outras doenças crônicodegenerativas, as ùlceras de estômago e as gastrites, o stress etc.; antes de tudo as infecciosas, decorrentes, em boa medida, da má alimentação, como, por exemplo, a diarreia.” (MELLO; NOVAES, 1998, p.574).
As cidades maiores, como São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e demais capitais, viram sua população aumentar substancialmente com a intensificação da industrialização no país durante a década de cinquenta, e, juntamente com isso, a
Para Aggio et al. (2002), de 1930 à 1960 a
desigualdade na distribuição de renda, fator que
população brasileira cresceu consideravelmente, os
estava diretamente ligado ao aumento no número
fatores explicativos para esse fenômeno seriam,
de favelas nesses municípios.
melhorias nas condições de vida (saúde e saneamento) e as migrações, com seus fluxos que saiam das zonas rurais com destino as cidades e do interior dos estados brasileiros em sentido às capitais, além, das migrações inter-regionais, onde milhares de pessoas saíram do Norte e Nordeste do país rumo ao Sul e o Sudeste em busca de novas oportunidades de vida. Essas duas últimas regiões apresentaram as maiores taxas de crescimento populacional
nesse
período.
Esses
lugares
Por outro lado, também cresce o número de brasileiros em instituições de ensino pelo país nos três níveis educacionais, fundamental, médio e superior. Isso se deu em decorrência da expansão do sistema de ensino para um número maior de cidades, que já ocorria desde a década de 1930 e se otimizou nas décadas seguintes. Também, a atividade agrícola passou a conviver com uma presença maior da atividade industrial na
concentravam a maior parte das indústrias.
nova realidade econômica brasileira.
7
life (estilo de vida americano), originado nos Estados Unidos da
O termo Anos Dourados refere-se ao período que sucedeu o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), especificamente, a década de 1950, onde a sociedade brasileira foi invadida de maneira inédita pela produção e pelo consumo em massa, baseados nos valores do American way of
América. In: KORNIS, Mônica A. Sociedade e cultura nos anos 1950. In: O Brasil de JK. Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/artigos/Sociedade /Anos1950>. Acesso em: 28 abr 2017.
Gnarus Revista de História - VOLUME VIII - Nº 8 - SETEMBRO - 2017
G N A R U S | 109 numéricos, os objetivos ou as metas a serem atingidas no fim de 1960.” (BRASIL, 1958, p. 913).
O mais famoso projeto político de JK, segundo Rodrigues (1994), foi o Plano de metas ou Programa de metas. Representado pelo slogan político, “crescer
cinquenta
anos
em
cinco”,
esse
planejamento estratégico foi o elemento mais significativo
da
administração
de
caráter
desenvolvimentista adotada pelo presidente e tinha por finalidade promover a industrialização e a modernização brasileira em um ritmo acelerado. Uma das principais características do plano previa a substituição das exportações pela produção e consumo internos. Nas palavras de Mello e Novais: “O Plano de Metas de Juscelino, [...]objetivava implantar no Brasil os setores industriais mais avançados, como a Indústria elétrica pesada, a química pesada, a nova indústria farmacêutica, a de máquinas e equipamentos mais sofisticados, a automobilística, a indústria naval, ou levar adiante estratégicas, como a do aço, a do petróleo e a da energia elétrica.” (MELLO; NOVAES, 1998, p. 590).
O Plano de metas (BRASIL, 1958, p. 10) contava com financiamento do governo federal, que contribuiria com 39,7% do valor total dos investimentos; dos Estados da federação e de instituições públicas, como o Banco Nacional do Desenvolvimento
Econômico,
que
juntos
custeariam quase 25% dos recursos do plano; e do capital privado, que subsidiaria 35,4% do montante final. A descrição do programa continha 30 objetivos iniciais a serem atingidos, um último foi inserido posteriormente, a criação da cidade de Brasília no Centro-Oeste do Brasil. Entre eles, o aumento da produção de energia elétrica; de trigo e dos armazéns para manter as safras; de aço; cimento;
Em 1958 o Conselho do Desenvolvimento, instituição pública também criada no governo de Kubitschek, lançou um documento no qual detalhava o andamento do programa. Em um dos trechos deixava manifesto que: “A política de desenvolvimento econômico do Presidente Juscelino Kubitschek consubstanciase em seu programa de metas, que abrange projetos políticos a serem executados com recursos públicos e privados. O programa traduz um conjunto dinâmico e progressivo de obras e empreendimentos realizáveis em diversas etapas, algumas das quais deverão ser ultimadas até o fim do atual quinquênio de governo (1961) e outras de conclusão prevista de 5 a 10 anos, como é o caso da meta da energia elétrica, na qual cerca de 40% dos investimentos em curso só serão consumados entre 1961 e 1965. [...]O programa de metas do Presidente Juscelino Kubitschek, elaborado com os estudos e pareceres das maiores autoridades especializadas em cada assunto, constitui-se de uma série de programas setoriais de investimentos, destinados a orientar a execução de obras e a expandir ou implantar indústrias e serviços indispensáveis ao desenvolvimento econômico do País. Foram selecionados trinta setores, julgados prioritários, fixando-se, sempre que possível, em termos
celulose; borracha; entre outras coisas. Segundo o Conselho do Desenvolvimento (1958) o programa foi exitoso em relação à vários de seus objetivos, entre eles, a expansão da produção diária do Complexo Hidrelétrico de Paulo Afonso localizado na Bahia, e de trechos de estradas pelo país. O crescimento econômico alcançado pelo ousado projeto político do Presidente JK não deixou de ter um preço para os trabalhadores. Em momentos com alta da inflação, a repressão às greves trabalhistas foi um mecanismo político de contenção da “desordem” e, de manutenção da coesão social “necessária” para a continuação das ações da política econômica desenvolvimentista do período. (RODRIGUES, 2002). Ainda segundo Marly Rodrigues (2002), o desenvolvimentismo
permite
alterações
na
sociedade, como, dinamização do consumo e certa mobilidade social, mas, sem alteração radical da
Gnarus Revista de História - VOLUME VIII - Nº 8 - SETEMBRO - 2017
G N A R U S | 110 estrutura
econômica
e
social
vigente.
A
viveram no segundo quinquênio da década de
historiadora usa o termo “mudar dentro da ordem”
cinquenta, dentro do novo modelo de sociedade
para explicar esse fenômeno.
que passou a existir, outrora, já discutido nesse
Apesar de ter recebido acusações de ter sido o
capítulo.
responsável pelo endividamento do país nos anos que seguiram sua aplicação, devido aos crescentes gastos com obras públicas; como foi o caso de Brasília, e também, de ter facilitado o processo de desnacionalização das riquezas, o Plano de metas de JK foi considerado exitoso no que diz respeito a criação de um parque industrial maior e mais complexo no Brasil e na consolidação do processo de modernização da sociedade brasileira.
durante todo esse processo. Ao falar sobre a posição da população negra nesse momento histórico, Mello e Novaes (1998, p. 584) afirmam: “Os negros, em sua esmagadora maioria, ficaram confinados ao trabalho subalterno, rotineiro, [...].”
Esse
dado
demonstra
Para a socióloga Peggy Lovell (1995), os negros ainda estão concentrados no estrato econômico mais baixo e mesmo aqueles que apreciam uma certa mobilidade social ainda sofrem preconceito. Entretanto, as mulheres negras encontram-se numa situação ainda mais crítica possuindo rendas menores que o restante da população brasileira.
Entretanto, a desigualdade social esteve presente
mecânico
“A vera não tem sapatos”
as
contradições sociais desse período, já que, o novo modelo de sociedade que surgiu trazia consigo novas oportunidades educacionais e de emprego, conforme já dito anteriormente. Por que isso aconteceu? Quais as razões dessa desigualdade? São interessantes perguntas a serem feitas. Existem uma série de pesquisas que buscam responder as questões descritas acima, algumas elegeram como hipótese central o peso que a escravidão negra, que existiu no Brasil Colonial e Imperial, exerceu nas décadas posteriores à abolição na sociedade. Outras mais recentes apresentaram novos dados para explicar a situação atual da população negra no Brasil. Entretanto, essa pesquisa tem um objetivo mais peculiar se tratando do quesito populacional. Objetivamos analisar o lugar social de um grupo específico, as mulheres negras brasileiras, que
Carolina foi um exemplo dessa realidade, já que, apontou em vários momentos de sua escrita a sua baixa posição na estratificação social, oriunda em grande parte de seu trabalho subalterno e informal que lhe oportunizava uma renda baixa. “[...] Tudo quanto eu encontro no lixo eu cato para vender. ” (CAROLINA, 1963, p. 09). Nesse trecho Carolina narra sobre as dificuldades enquanto coletora de papel, trabalho considerado informal de onde ela tirava o seu sustento e o de sua família. Ainda de acordo Lovell (1995), as mulheres negras tinham menos acesso à instrução formal do que o restante da população do Brasil na segunda metade do século XX. Carolina também fala sobre a sua baixa escolaridade em seu diário: “Tenho apenas dois anos de grupo escolar. ” (CAROLINA, 1960, p. 13). A partir das primeiras décadas do século passado no Brasil as profissões passaram a ser hierarquizadas segundo a lógica capitalista, sendo assim, o grau de escolaridade de um sujeito estava intrinsecamente ligado com o tipo de trabalho que o mesmo iria desenvolver nessa hierarquia. Mello e Novais (1998) afirmam, que nas cidades brasileiras como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Gnarus Revista de História - VOLUME VIII - Nº 8 - SETEMBRO - 2017
G N A R U S | 111 Horizonte, Salvador, Recife, Porto Alegre e Fortaleza,
entre
outras,
o
desenvolvimento
industrial e o crescimento urbano e econômico na década
de
oportunidades
cinquenta de
trouxeram
trabalho
à
novas
população.
Entretanto, para Lovell (1995, p.60): “Com uma educação básica, as mulheres brancas tinham a
Acreditamos que o fato de terem baixa escolaridade relegava as mulheres negras a ocupação de trabalhos subalternos e/ou de caráter informal, como no caso de Carolina que era coletora de papel e de outros materiais recicláveis nas ruas de São Paulo: “Vendi as latas e os metais. Ganhei 31 cruzeiros. […]O meu sonho era andar bem limpinha, […]residir numa casa confortável. […] Já habituei-me andar suja. Já faz oito anos que cato
De acordo Kimberlé Crenshaw (2002), para compreender a realidade das mulheres negras é preciso adotar uma perspectiva intersecional. O conceito de intersecionalidade pode ser entendido pelo entrelaçamento de desigualdades sociais. Esse entrelaçamento pode acontecer entre marcadores sociais diversos8; raça/cor, gênero, classe ou condição física (portadores de necessidades especiais). Por exemplo, as mulheres negras lésbicas não sofrem apenas com o racismo, mas, também com a homofobia. O objetivo da pesquisa intersecional é analisar como a relação entre esses marcadores cria formas de discriminação e afetando
a
vida
de
determinados sujeitos e grupos sociais. Ainda de acordo Crenshaw (2004, p. 8): “A questão é reconhecer que as experiências das mulheres negras não podem ser enquadradas separadamente nas categorias da discriminação 8
os
pressupostos
teóricos
da
intersecionalidade, as mulheres negras podem ser envolvendo discriminação e violência de gênero, mas, também discriminação e preconceito racial. Acrescentamos a essa lista, o preconceito de classe, pois, a maioria dessa população integra as classes subalternas. Ou seja, as mulheres como Carolina vivem o que Crenshaw considera uma interseção de desigualdades, de cor/raça, classe e gênero, devido a isso são triplamente discriminadas dentro da sociedade. As consequências dessa interseção são: pobreza
papel.” (CAROLINA, 1963, p. 16-19).
específicas
Segundo
vítimas ao longo de suas vidas de situações
maior possibilidade de ter tais empregos.”
opressão
racial ou da discriminação de gênero. Ambas as categorias precisam ser ampliadas para que possamos abordar as questões de intersecionalidade que as mulheres negras enfrentam. ”
In: ZAMBONI, Marcio. Marcadores sociais. Disponível em: <http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/dossie/wp-
elevada; menos anos de escolaridade, subemprego; violências (psicológica, física, patrimonial) maior dificuldade de mobilidade social; tripla jornada de atividades (trabalho formal ou informal, atividades envolvendo o ambiente doméstico e o cuidado dos filhos) e salários menores; entre outros fatores. A ausência dos pais dos seus três filhos na criação das crianças gerava dificuldades na vida de Carolina, segundo ela: “[…] Fui catar papel. […] Tenho que levar a minha filha Vera Eunice. Ela está com dois anos. […] Suporto o peso do saco na cabeça e suporto o peso da Vera Eunice nos braços. […] Como é pungente a condição de mulher sozinha sem um homem no lar.” (CAROLINA, 1963, p. 09). Em outro trecho do diário, Carolina segue narrando essa ausência. Nesse caso, sua filha encontrava-se doente: “Eu não posso contar com o pai dela. Ele não conhece a Vera. E nem a Vera conhece ele.
content/uploads/2015/07/ZAMBONI_MarcadoresSociais.pdf >. Acesso em 25 abr 2017.
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G N A R U S | 112 Tudo na minha vida é fantástico. Pai não conhece
Para Crenshaw (2002), a principal consequência
filho, filho não conhece pai. ” (CAROLINA, 1963, p.
causada pela interseção de desigualdades na vida
59).
de mulheres negras é a contração ou anulação de
Em um país com forte presença do machismo nas relações sociais, como era e continua sendo o Brasil, o abandono paterno era uma constante na vida de mulheres e filhos. Para Lovell (1995), boa parte das mulheres negras eram responsáveis por famílias monoparentais. Esse modelo de família é caracterizado quando apenas um dos pais participa da criação de um ou mais filhos.
quaisquer possibilidades de mobilidade social. Como no caso de Carolina, onde a dificuldade em manter uma família sem um emprego formal e uma renda fixa em um país onde as mulheres negras tinham menor instrução formal e em decorrência disso menos oportunidades de emprego, conforme já dito, somava-se com a realidade de uma sociedade machista que propiciava e facilitava a ausência de responsabilidade masculina em vários sentidos, como a manutenção de seus filhos, o que
Ser responsável por uma família monoparental trazia vários entraves à vida de Carolina. Em Quarto de despejo a preocupação em manter os seus três filhos está sempre presente, principalmente, no que se refere à alimentação. “...De manhã eu estou sempre nervosa. Com medo de não arranjar dinheiro para comprar o que comer. Mas hoje é segunda-feira e tem muito papel na rua.”
provocava uma intensificação da jornada de trabalho dessas mulheres: “Todos os dias é a mesma luta. Andar igual um judeu errante atraz de dinheiro. E o dinheiro que se ganha não dá pra nada. […] Catei mais um pouco de papel e recebi 10 cruzeiros. [...] Fui catar papel. (… Ganhei só 25 cruzeiros. […] Passei na fábrica e catei uns tomates. […] Quando cheguei na favela fiz uma salada para os meninos. [...]: Eu sou sosinha. Tenho três filhos.” (CAROLINA, 1963. P. 60-65).
(CAROLINA, 1963, p. 44). As dificuldades persistem em outros trechos da narrativa: “ [...] O José Carlos chegou com uma sacola de biscoitos que catou no lixo. Quando eu vejo eles comendo as coisas do lixo penso: E se tiver veneno? É que as crianças não suporta a fome. […] 31 DE MAIO Sabado – o dia que quase fico louca porque preciso arranjar o que comer para sábado e o domingo. [...] Não ganhei bolacha e fui na feira, catar verduras. […] E a pior coisa para uma mãe é ouvir esta sinfonia: - Mamãe eu quero pão! Mamãe, eu estou com fome. […] Passei o dia chingando os politicos, porque eu tambem quando não tenho nada para dar aos meus filhos fico quase louca. [...]: Estou nervosa com medo da Vera piorar, porque o dinheiro que eu tenho não dá para pagar medico. […] O José Carlos não quer ir na escola porque está fazendo frio e ele não tem sapato. […] O saco estava pesado. Eu devia carregar o papel em duas viagem. Mas carreguei de uma vez porque queria chegar em casa, porque a Vera estava doente e sosinha. […] O leite está sendo despesas extras e está prejudicando a minha minguada bolsa. […] Eu pensava nas roupas por lavar. Na Vera. E se a doença piorar? (CAROLINA, 1963. p. 44-56).
Segundo documento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o Dossiê mulheres negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil (2013), as mulheres negras compõem majoritariamente os números das estatísticas de mulheres vítimas de agressão física no Brasil. De acordo os escritos de Carolina, a realidade de mulheres negras e pobres que viveram na década de cinquenta não era muito diferente da representada pelos dados do dossiê. “[…] Não invejo as mulheres casadas da favela que levam vida de escravas indianas. Não casei e não estou descontente. Os que preferiu me eram soezes e as condições que eles me impunham eram horríveis. ” (CAROLINA, 1963, p. 14)
Gnarus Revista de História - VOLUME VIII - Nº 8 - SETEMBRO - 2017
G N A R U S | 113 Em um outro momento Carolina escreve sobre um dado importante: “[…] Um homem não há de gostar de uma mulher que não pode passar sem ler. E que levanta para escrever. E que deita com lápis e papel debaixo do travesseiro. ” (CAROLINA, 1963. p. 44). Conforme já dito anteriormente, as mulheres negras na segunda metade do século passado tinham menor tempo de escolaridade comparadas ao restante da população. Estaria essa situação relacionada com uma forte presença do machismo no pensamento social da época, que condicionava
conclusão é simples, a infraestrutura econômica deve ser acompanhada de uma infraestrutura educacional e, portanto, social. A meta constitui propriamente um Programa de Educação para o Desenvolvimento. [...] Em matéria de ensino médio, providencia-se o aparelhamento físico das escolas. [...] Construção de novas escolas, e seu equipamento, ampliação das Escolas existentes. [...] Em matéria de ensino superior: aumentar para mil novos alunos por ano a capacidade das escolas de Engenharia. [...] Para esse objetivo, o Govêrno instalará 14 institutos de Pesquisas, Ensino e Desenvolvimento nos principais centros do país, nos setores de química, economia, tecnologia rural, mecânica, eletrotécnica, mineração e metalurgia, mecânica agrícola, matemática, física, genética e geologia.” (BRASIL, 1958, p. 96).
às mulheres que viviam naquela sociedade ao ambiente
doméstico,
repelindo-as
de
frequentarem instituições de ensino? Ou, ao fato de que o grupo social em questão, mulheres negras, ao comporem majoritariamente a parte mais pobre da população necessitarem trabalhar desde a infância para contribuírem na renda mensal de suas famílias, o que acabava por prejudicar a sua frequência a instituições de ensino? Segundo Peggy Lovell (1995), esse último argumento era mais coerente com a realidade das mulheres negras brasileiras na segunda metade do século passado. Para o sociólogo Carlos Halsenbalg (2005), a expansão do sistema educacional de ensino entre as
décadas
de
1950
e
1970
De acordo o documento acima o aumento nos investimentos para o desenvolvimento da educação no país, com ênfase em algumas áreas específicas, possibilitou novas oportunidades de estudo e consequentemente de emprego. Acerca disso, Halsenbalg nos diz o seguinte (2005, p. 193): “Em 1950, os brancos – representando 63,5% da população total – detinham 97% dos diplomas universitários, 94% dos secundários e 84% dos diplomas da escola primárias. No Sudeste e no resto do país, a participação dos não-brancos nos níveis secundário e universitário foi desprezível, não só em 1940, mas também em 1950. Isto sugere que a discriminação educacional, juntamente com a discriminação racial exterior ao sistema educacional, atuou para produzir a exclusão virtual dos não-brancos das escolas secundárias e das universidades.”
beneficiou
consideravelmente toda a população urbana do
O sociólogo afirma que as desigualdades entre
país, entretanto, as desigualdades relacionadas ao
pessoas brancas e negras na sociedade pode ser
acesso à educação formal entre brancos e não
explicada pelo que o autor chama de desvantagem
brancos9 persistiu durante o período. Essa expansão
geracional: “[...]Como resultado da discriminação
fazia parte do trigésimo objetivo do plano de metas
racial do passado, cada nova geração de não-
de JK, que previa:
brancos está em posição de desvantagem porque se
“O plano de metas visa dotar o país de uma infra e superestrutura industrial e modificar sua conjuntura econômica; se não ocorrer interligação; se não ocorrer interligação dêsse plano com os demais fenômenos econômicos, sociais e políticos, o plano tornar-se à falho. A 9
O termo não-branco usado por Carlos Halsenbalg equivale a
origina desproporcionalmente de famílias de baixa posição social. [...]Os filhos de pais não-brancos acumularão menos recursos competitivos que os filhos de pais brancos – incluindo níveis de pessoas negras.
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G N A R U S | 114 habilidade,
educação
e
aspirações
[...].”(HALSENBALG, 2005, p. 208). Ainda
segundo
Halsenbalg
maneira uniforme sobre os gêneros ao estabelecer (2005),
as
desigualdades educacionais entre brancos e nãobrancos na sociedade brasileira também tem como fator explicativo as práticas discriminatórias contra esse segundo grupo, como a estereotipização negativa presente no imaginário social que idealiza as
pessoas
inferiores.
negras Essa
como
intelectualmente
representação
Para Crenshaw (2002), o racismo não atua de
acaba
sendo
internalizada pela estrutura mental do segmento social marginalizado, torna-se assim, um empecilho para o sucesso educacional dessa parte da
situações de discriminação e preconceito. Um exemplo disso, é que o discurso, baseado em estereótipos de gênero, de que as mulheres são frágeis é mais utilizado se tratando de mulheres brancas. No caso de mulheres negras, os estereótipos de cunho sexista são direcionados a ação de hipersexualizá-las (a ideia da mulata com grande apetite sexual) ou desumanizá-las (a representação da mulher negra em filmes, revistas em quadrinhos, desenhos animados e etc), ao invés de “fragilizá-las”10.
população. De acordo o pensamento social da época, pessoas negras não eram vistas como possíveis criadoras de produção letrada. Em uma passagem de Quarto de despejo nos deparamos com uma situação descrita
Elimar Pinheiro do Nascimento, em seu texto Dos excluídos necessários aos excluídos desnecessários, discute acerca dos conceitos de pobreza, exclusão e
desigualdade
social
numa
perspectiva
sociológica.
por Carolina e que envolvia preconceito racial:
Dialogando com o pensamento durkheimiano11,
“...Eu escrevia peças e apresentava aos diretores de
Nascimento (2000) considera que a exclusão social
circos. Eles respondia-me: - É pena você ser preta.”
pode ser definida como a rejeição sofrida por
(CAROLINA, 1963, p. 58).
alguns grupos pelo restante da sociedade, devido a
Carolina também relata ter sido vítima, em frequentes episódios, de ofensas racistas proferidas por alguns moradores da favela onde morava, o termo pejorativo “negra fedida” foi utilizado como insulto. Segundo ela, o motivo das agressões verbais seria por causa desses moradores estarem desgostosos com o fato da catadora apreciar ler e escrever. De acordo Carolina, isso não era um hábito comum entre as pessoas de sua comunidade, já que, boa parte delas, era analfabeta (CAROLINA, 1963).
características ou comportamentos próprios desses segmentos. Assim, toda discriminação, seja de cunho racial, sexual, religiosa ou econômica é também exclusão social. Nesse mesmo texto, o autor apresenta um outro prisma acerca do problema, no qual, grupos sociais que não estão integrados ao mundo do trabalho, como mendigos, moradores de rua, são excluídos por não terem as mínimas condições para viver dignamente, sem acesso
a
direitos
sociais
básicos,
outrora,
“assegurados” desde 1948 pela Declaração Universal dos Direitos Humanos promulgada pela
10
In: CORRÊA, Mariza. Sobre a invenção da mulata. In: Cadernos Pagu. Disponível em: < http://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/arti cle/view/1860>. Acesso em: 24 abr 2017. In: NETO, Marcolino Gomes de Oliveira. Entre o grotesco e o risível: o lugar da mulher negra na história em quadrinhos no
Brasil. In: Geledés Instituto da mulher negra. Disponível em: < http://www.geledes.org.br/entre-o-grotesco-e-o-risivel-olugar-da-mulher-negra-na-historia-em-quadrinhos-nobrasil/#gs.QD8=7_8>. Acesso em: 24 abr 2017. 11 Refere-se nesse caso, aos conceitos teóricos do sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917).
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G N A R U S | 115 Organização das Nações Unidas (ONU), entre eles,
disso, alguns grupos são colocados em situação de
alimentação, moradia, educação, trabalho e etc.
pobreza absoluta, sem as mínimas condições para
Nascimento (2000) apresenta dois conceitos que podem ser utilizados para pensar o lugar social das mulheres negras no Brasil da década de cinquenta: excluídos necessários e excluídos desnecessários. Para determinadas economias é necessário que alguns grupos sociais sofram exclusão, garantindo assim, “um bom funcionamento da sociedade” em questão. Seriam exemplos, os povos originários da América Portuguesa durante sua fase extrativista e os africanos trazidos para o Brasil durante a vigência do sistema escravista. Esses grupos, durante
certos momentos
históricos,
foram
viver dignamente, apresentando chances quase nulas de mobilidade social e “colocando em risco” toda a dinâmica descrita acima, que seria um dos sustentáculos do ideário da sociedade moderna. Esses grupos seriam o que Nascimento denomina excluídos desnecessários. Os Estados modernos, dentro da lógica descrita acima, deveriam garantir as condições mínimas de sobrevivência, na forma de direitos básicos, para suas populações, assegurando o “direito” de todas as pessoas participarem dos processos de mobilidade social ascendente.
indispensáveis para a economia, garantindo através
Se olharmos através desses pressupostos, a
do seu trabalho a produção e manutenção de
situação das mulheres negras pode ser explicada da
riquezas e de privilégios sociais de outros grupos da
seguinte maneira; esse grupo social era composto
sociedade, como os senhores de engenho12.
pelos excluídos desnecessários da sociedade
Entretanto, para isso acontecer, era imprescindível
brasileira, porque, tinham menor instrução formal,
que eles fossem mantidos alijados de desfrutarem
devido a uma falha do Estado brasileiro que não
dos benefícios econômicos, sociais e políticos
proporcionava esse tipo de educação, no caso, um
gerados por sua função. Por isso, seriam, segundo
direito social básico, a toda a sua população. Sendo
Nascimento, excluídos necessários.
assim, esse contingente não tinha as condições
Outrora, para entender o conceito de excluídos desnecessários, é fundamental, seguindo os passos desse autor, entender, ainda que de forma mais geral, as funções que a desigualdade teria na sociedade moderna, uma positiva e outra negativa. De acordo a primeira função, a desigualdade entre as pessoas provoca concorrência em busca de ascensão social, o que, por sua vez, provoca inovação
tecnológica
e
desenvolvimento
econômico de determinada sociedade. Entretanto,
exigidas para competir com os demais segmentos na disputa por oportunidades de mobilidade social, restando assim, os postos de trabalho informais ou subalternos, que tinham menores benefícios sociais e econômicos, e/ou adentrar as estatísticas de pobreza absoluta (mendigos). A situação vivida pelas mulheres negras brasileiras, enquanto agrupamento social, representava um lapso no ideário das chamadas sociedades modernas, como era o caso do Brasil.
quando a desigualdade cresce consideravelmente
Segundo Lovell (1995), o lugar de residência deve
toma um aspecto negativo, porque, em decorrência
ser levado em conta quando estamos em busca da
12
em sua maioria, a burguesia do país no século XX. In: NOVAIS, Fernando Antônio. O Brasil nos quadros do Antigo Sistema Colonial. In: MOTA, Carlos G (ORG). Brasil em Perspectiva. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1971.
O trabalho escravo desenvolvido pelos africanos e seus descendentes no Brasil, entre os séculos XVII e XIX, de caráter não-remunerado, foi essencial para garantir a acumulação primitiva de capital pela antiga elite senhorial que se tornaria,
Gnarus Revista de História - VOLUME VIII - Nº 8 - SETEMBRO - 2017
G N A R U S | 116 posição social de algum grupo populacional, sendo ele, um importante índice demonstrativo do nível de estratificação de uma sociedade. Carolina residia na Favela do Canindé, hoje extinta, na cidade de São Paulo. As péssimas condições de habitação desse local eram pautas frequentes nos relatos da coletora: “[…]...Havia pessoas que nos visitava e dizia: - Credo, para viver num lugar assim só os porcos. Isto aqui é o chiqueiro de São Paulo.” (CAROLINA, 1963, p. 30).
Ou seja, os “quartos de despejos” são os locais de habitação de parte da população urbana excluída das benesses sociais do crescimento econômico e da modernização da sociedade brasileira. Para Carolina, morar nesses lugares era fruto de um problema social, a má distribuição de renda: “[…] Na favela é a minoria quem toma café. [...] Aqui na favela quase todos lutam com dificuldades para viver. [...]Somos obrigados a residir na favela.”
Apesar de o serviço público de saneamento de
(CAROLINA, 1963, p. 30-39). Eram nesses espaços
água e esgoto ter se expandido pelas cidades
onde existia a possibilidade de se construir
acompanhando o ritmo do crescimento urbano
barracões com os materiais que estivessem ao
(MELLO; NOVAIS,1998), as favelas continuaram
alcance, como madeira e papelão, e também onde
marginalizadas. Na narrativa de Carolina, residir em
os aluguéis eram mais baratos.
uma favela no Brasil significava conviver com inúmeras situações desgostosas: “...As oito e meia da noite eu já estava na favela respirando o odor dos excrementos que mescla com o barro podre; […] Tenho a impressão que sou um objeto fora de uso, digno de estar num quarto de despejo. […] E o que está no quarto de despejo ou queima-se ou joga-se no lixo.” (CAROLINA, 1963, p. 33). O termo quarto de despejo, que dá título à obra fonte dessa pesquisa, mostra como Carolina via a favela do Canindé. Ela estabelece uma comparação entre as condições de vida em uma zona habitacional marginalizada e o restante da cidade. “Que realidade amarga! Eu não residia na cidade. Estava na favela. [...] Cheguei na favela: eu não acho jeito de dizer cheguei em casa. Casa é casa. Barracão é barracão. […] O lixo podre exala mau cheiro. Só aos domingos que eu tenho tempo de limpar. [...] Quando eu vou na cidade tenho a impressão que estou no paraizo. Acho sublime ver aquelas mulheres e crianças tão bem vestidas. Tão diferentes da favela.” (CAROLINA, 1963, p 35-76).
Nascimento (2000) considera que a exclusão social possui uma geografia própria. Ele diz que existem lugares estigmatizados, onde, o fato de se ter nascido e/ou viver nesses locais já confere a seus moradores um estigma social relacionado, por exemplo, a delinquência. Como no caso das favelas e zonas periféricas das cidades brasileiras. Em vários momentos de sua escrita Carolina também denuncia o abandono do Estado brasileiro em relação a comunidade onde morava: “De quatro em quatro anos muda-se os políticos e não soluciona a fome […]. Cheguei na favela os meus meninos estavam roendo um pedaço de pão duro. [...] Os politicos só aparece aqui no quarto de despejo, nas epocas eleitorais. [...] ...Ensaboei as roupas. Depois fui acabar de lavar na lagoa. O Serviço de Saude do Estado disse que a agua da lagoa transmite as doenças caramujo. […] Não soluciona a deficiência da água.” (CAROLINA, 1963, p. 36- 71).
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G N A R U S | 117
Figura 2 - Carolina Maria de Jesus na favela do Canindé, onde residia, em São Paulo13. Durante essa análise percebemos a forte presença
demonstrar nitidamente essas dificuldades. O fato
das dificuldades materiais na vida de Carolina. A
de sua filha Vera não ter um calçado ilustra a
renda que obtinha enquanto catadora de
privação material vivida pela família de Carolina.
recicláveis era incompatível com as despejas
Enquanto as classes médias brasileiras desfrutavam
necessárias para manter a si e a seus filhos:
cada
“O dinheiro não deu para comprar carne. [...] Faz duas semanas que eu não lavo roupas por não ter sabão. […] Percebi que é horrível ter só ar dentro do estomago. […] Parece que quando eu nasci o destino marcou-me para passar fome. [...]O medico mandou-me comer oleo mas eu não posso comprar. [...]...Já faz seis meses que eu não pago a agua. 25 cruzeiros por mês. [...]Os preços aumentam igual as ondas do mar. [...]...Está chovendo. Eu não posso ir catar papel. […] Já uso o uniforme dos indigentes. […] Fui no frigorifico, ganhei uns ossos. Já serve. Faço uma sopa. […] Quando eu não tenho nada para comer, invejo os animais.” (CAROLINA, 1963, p. 37- 55).
vez
mais
do
acesso
ao
consumo,
principalmente da moda “Made in USA”, mulheres como Carolina vivenciavam uma outra realidade: “[…] Catei mais um pouco de papel e recebi 10 cruzeiros. Fiquei com 71 cruzeiros. Dei 30 para os sapatos, fiquei com 41. E não ia dar para comprar café, pão, açúcar e arroz e gordura.” (CAROLINA, 1963, p. 60). Ainda sobre a realidade social das mulheres negras brasileiras, Peggy Lovell (1995, p. 45) apoiase no trabalho de várias pesquisadoras para tecer
Um dos trechos lidos no diário acabou sendo escolhido para intitular esse capítulo da pesquisa, “A Vera não tem sapatos”, justamente por
sua consideração: “Estudos têm mostrado que as mulheres afrobrasileiras trabalham jornadas mais longas e ganham ainda menos que as mulheres brancas (Carneiro e Santos 1985). A categoria de
13
Disponível em: http://www.museuafrobrasil.org.br/programacaocultural/exposicoes/temporarias/detalhe?title=%22Carolina+em+N%C3%B3s%22 Acesso em: 28 ago 2016.
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G N A R U S | 118 emprego que é isoladamente a maior para as mulheres afro-brasileiras continua sendo a de empregada doméstica, 90% das quais são negras (Patai 1988). Além de terem empregos de menor status, as mulheres afro-brasileiras têm maior probabilidade de serem chefes únicas de famílias pobres.” (Oliveira, Porcaro e Araújo 1987).
sociedade brasileira viveu a experiência da modernização
capitalista,
com
ascendente
urbanização, acompanhada de outros fenômenos como metropolização e favelização, em seu território, alimentada pelo crescimento industrial, consequência da política desenvolvimentista do
Os números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE),
desigualdades
já
demonstravam
ocupacionais
entre
as
mulheres
brancas e negras na década de 1950. O censo demográfico
(1956,
p.30-31)
dessa
década
apontava a quantia de 2.942 mulheres brancas atuando como empregadoras no ramo de comércio de mercadorias; enquanto que apenas 250 mulheres pretas e pardas ocupavam essa mesma função; também trazia os seguintes números: 6.842 mulheres brancas eram profissionais liberais (médicas, advogadas, farmacêuticas, engenheiras e etc), é importante salientar que para ocupar esses postos de trabalho era necessário possuir grau universitário nas respectivas áreas; outrora, 1,349 foi o total de mulheres negras em tais atividades;
então
Presidente
da
República
Juscelino
Kubitschek. Em decorrência disso o país passou a contar com novas oportunidades nos âmbitos do ensino e do mercado de trabalho. Entretanto, as mulheres negras aparecem como um dos grupos sociais menos
beneficiados
por
essas
mudanças.
Acreditamos que isso pode ser explicado pelo lugar social que elas ocupavam no Brasil, caracterizado pela dificuldade de acesso e continuação nas instituições de ensino e com menos chances de lograrem as novas oportunidades de emprego formal e de participarem dos processos de mobilidade social ascendente que surgiram na época.
36.533 mulheres brancas trabalhavam no setor
As mulheres negras constituíam a maioria das
público, em contrapartida, apenas 3.516 mulheres
empregadas domésticas do país, na segunda
negras eram funcionárias públicas.
metade do século XX. O trabalho doméstico é
Os dados apenas se invertem, nesse censo, quando levado em conta o percentual de mulheres ligadas a atividades domésticas não remuneradas14, onde as brancas somavam um total de 9.297. 296, já as mulheres negras, que possuem uma relação histórica com esse tipo de função, correspondiam a quantia de 5.469,282.
historicamente
ligado
a
subalternidade,
contemporaneamente, um dos mais propensos a situações de desrespeito a direitos trabalhistas e a remunerações menores que o salário mínimo estabelecido por lei. Esse tipo de trabalho só foi regulamentado no Brasil em 2015. A Lei Complementar Nº 150, de 1º de junho de 2015, estabeleceu direitos trabalhistas; como adicional noturno; férias anuais; teto salarial e jornada de
CONCLUSÃO O período abordado por essa pesquisa,1955-
trabalho, já garantidos a outras categorias, para os trabalhadores domésticos.
1960, fez parte de um processo histórico onde a
14 Nesse quesito também foram inclusas pelo IBGE a população
de mulheres que apenas estudavam.
Gnarus Revista de História - VOLUME VIII - Nº 8 - SETEMBRO - 2017
G N A R U S | 119 Em nossa sociedade, a renda de uma pessoa está
Esse lugar continuou sendo definido pela
intimamente ligada com a qualidade de vida que
subalternidade e pela vulnerabilidade social,
ela pode desfrutar. Isso explica a situação de
provocadas, pelos baixos índices de escolaridade;
pobreza vivida por muitas mulheres negras, já que
presença maior no mercado de trabalho informal;
esse grupo social possui rendimentos menores que
componentes majoritárias dos números totais de
o restante da população.
pessoas pobres no país; rendimentos menores que
Esse trabalho também reafirma a ideia de que o processo de modernização brasileiro se deu de forma desigual entre as regiões do país, onde o Sudeste, Sul e Centro-Oeste foram as regiões mais beneficiadas, em detrimento do Norte e Nordeste do país. Apesar de ter proporcionado crescimento econômico para o país, o plano de metas, representante-mor da política de governo de JK, não solucionou o problema das desigualdades sociais, não alterando significativamente o lugar social já ocupado pela maioria das mulheres negras,
o restante da população e pelo preconceito racial. Todas essas considerações demonstram o caráter contraditório da modernização da sociedade brasileira da segunda metade do século XX. Rebeca de Oliveira Santana Cerqueira é Graduanda em História pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Carlos Alberto Pereira Silva é Graduado em História pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Especialista em História do Brasil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Desenvolvimento sustentável pela Universidade de Brasília. Doutor em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Professor titular do Departamento de História da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Campus: Vitória da Conquista
como no caso de Carolina, antes do processo de modernização.
Figura 3 - Carolina em seu barracão na extinta favela do Canindé em São Paulo. Fonte: Arquivo público do Estado de São Paulo/Produção original dos fotógrafos do “Última Hora”15 15
Disponível em: http://brasileiros.com.br/2016/04/negraex-catadora-e-favelada-voce-conhece-escritora-mineira-
lida-em-14-linguas/ Acesso em: 28 ago 2016.
Gnarus Revista de História - VOLUME VIII - Nº 8 - SETEMBRO - 2017
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Gnarus Revista de História - VOLUME VIII - Nº 8 - SETEMBRO - 2017