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Artigo
A CULTURA ARMAMENTISTA DA SOCIEDADE ESTADUNIDENSE. Por Giancarlo Monticelli
A
Unidos,
para a vida urbana nos grandes centros industriais,
especificamente à época da colonização,
o que tornou a vida nestes grandes centros
nos traz à luz, o quão difícil e sacrificante
industriais bastante difícil. Para a Coroa inglesa e
sua
da
estas pessoas, a solução para este enorme
colonização da América portuguesa e espanhola,
problema seria a aventura colonizadora para as
onde a Coroa destes países teve presença
novas colônias na América, o novo eldorado.
foi
a
história
dos
ocupação.
Estados
Diferentemente
marcante, a Coroa inglesa terceirizou esta colonização devido a sua situação financeira precária, e por conta deste fato os colonizadores ingleses, por muitas vezes foram abandonados a própria sorte. O panorama da Inglaterra estava abalado pelas guerras internas e externas na Europa da Era Moderna. Com o início da Revolução
Industrial
e
seu
sistema
de
“Enclosures”(cercamentos), empurrava a grande população rural inglesa, que havia perdido suas terras, para as grandes cidades industriais, que, diante deste processo, mostrou o obvio: a total falta de estrutura para receber um enorme contingente de pessoas sem qualquer qualificação
A fome, o clima, os índios e o abandono da ajuda oficial, seriam, pelo menos inicialmente, os grandes obstáculos a esta empreitada. Mas a nova terra era a melhor opção naquele momento e esta chance seria aproveitada e defendida a todo custo, e, a sua defesa, como se diz popularmente, seria “armada até os dentes”, e, como conseqüência desta atitude, inicialmente, a independência da metrópole. Os que para lá foram, foram para ficar, sem dúvida, daí a necessidade e o incentivo de se armar como no comentário do historiador André Maurois no seu livro História dos Estados Unidos:
G N A R U S | 74 “O arrojo dos exploradores franceses era digno de admiração, mas por isso mesmo inquietava as colônias inglesas da costa. Principalmente Nova Iorque, que comunicava diretamente com o Canadá por vias líquidas que poderiam tornar-se rotas de invasão. Os franceses do Canadá desejavam Nova Iorque e Nova Iorque, que não ignorava este desejo, via nele uma causa de perigo permanente” (Maurois, 1946: p. 63).
expediente normal, isto é, era realizado de forma
A defesa do território era o grande mote inicial
ficava a cargo de cada colônia sustentá-los. Esta
e as guerras coloniais iniciadas na Europa por
prática de formação miliciana foi de grande
Londres, rapidamente chegavam à América e
importância
foram bastante perigosas para a soberania dos
estadunidense tem o direito de portar uma arma
territórios colonizados. Este contínuo estado de
de fogo, a formação deste grupo também foi
guerra serviria para a formação permanente de
garantida constitucionalmente. Diz a Constituição
milícias
no artigo I / seção VIII:
armadas
nas
colônias,
formadas
automática, no qual cada cidadão, fazendeiro e homem branco livre, com a capacidade de portar e disparar uma arma de fogo seria parte integrante deste grupo,
pois a presença de soldados
profissionais da Coroa Britânica era raro e custoso, e quando ocorria, era bastante problemático, pois
assim
como
cada
cidadão
basicamente por fazendeiros e exploradores que mesmo
não sendo de forma uniforme e
organizadas, serviriam atender aos interesses de cada colônia especificamente. Estes grupos armados, não oficiais, posteriormente lutariam pela independência e seriam naturalmente usados para conquistar novas terras. Com o tempo e a exaustão da exploração das áreas já colonizadas, notou-se a necessidade de expansão e conquista de
novas
terras
altamente
produtivas
e,
“Regular a convocação da milícia, a fim de garantir a execução das leis da União, reprimir insurreições e repelir invasões; Promover a organização, armamento e treinamento da milícia, bem como a administração das partes desta empregada no serviço dos Estados Unidos, reservando-se aos estados a nomeação dos oficiais e a obrigação do treinamento de acordo com a disciplina prescrita pelo congresso” (Constituição América).
dos
Estados
Unidos
da
sabidamente existentes ao sul, ao norte e,
O início turbulento do relacionamento com os
principalmente a oeste. O uso constante e
autóctones, donos da terra antes da chegada do branco europeu,
fortemente
foi
defendido
armas de fogo
com
as
por grande parte
existentes,
dos colonos era
seja, armas de
uma
fogo. A Guerra
incentivado
de
prática
rotineira,
não
armas ou
de
somente nestes
Independência, a
conflitos, mas no
qual
próprio dia a dia.
colônias lutaram
A
de
destes
formação grupos
armados era um
todas
as
forma
uniforme contra um
inimigo
G N A R U S | 75 comum, os britânicos, com as suas já bastante
lutaram entre si, numa guerra fraticida sem
experimentadas, milícias, defendiam os interesses
precedentes e com milhões de pessoas armadas e
separatistas. Enfim todas as colônias armadas com
treinadas para um conflito por quase 6 (seis) anos
um enorme contingente humano armado e um
,e, a respeito desta guerra os número de pessoas
inimigo comum.
envolvidas até hoje não está esclarecida. Maurois
A consequência deste conflito foi, além da Independência, a homologação de uma carta magna, a qual, a defesa do porte de armas pelos cidadãos foi garantida de forma jurídica e oficial. Guerras e mais guerras, esta foi a temática por bastante tempo, defendendo posses da Coroa Inglesa, mas agora seriam por mais terras e o vizinho ao sul sofreria as consequências do desejo expansionista, encabeçado pelo sentimento de levar “civilização” aos povos, o chamado de “Destino Manifesto”. O México sofreria com 2 (duas) guerras., contra o poderoso, e mal intencionado e muito bem armado vizinho, perdendo inicialmente o território do Texas ,e, finalmente, o Novo México e a Califórnia inteira, dando aos Estados Unidos a abertura coast to coast, isto é, de um oceano (Pacífico) a outro (Atlântico). A esse respeito nos fala Leandro Karnal na sua obra História dos Estados Unidos: das
origens ao século XXI: “Resolvida a “questão do Texas”, o presidente James K. Polk (1845-1849) dedicou-se a uma nova linha de expansão, que se estendia das Montanhas Rochosas até o Pacífico. A próxima conquista seria a Califórnia mexicana, devido ao interesse norteamericano no comércio marítimo da região. Os mexicanos sequer tentaram saídas diplomáticas e os americanos entenderam isso como motivo para mais uma guerra. O fim do conflito, em 1948, os mexicanos assinaram o Tratado de GuadalupeHidalgo, reconhecendo a fronteira do Rio-Grande e cedendo o Novo México e a Califórnia aos Estados Unidos.” (Karnal, 2007: p.128)
diz que:
“Que forças se enfrentavam? O norte tinha cerca de vinte e dois milhões de habitantes; e o sul cinco milhões de brancos e quatro milhões de escravos. Quanto ao número total de soldados em luta, não existe acordo entre historiadores. Os do Sul dizem que a Confederação mobilizou seiscentos mil homens contra dois milhões e quinhentos mil da União” (Maurois, 1946: p. 346) A consequência ao fim do maior conflito ocorrido no território do país foi a fundação, em 1871, da N.R.A. (National Rifle Association) , Associação Nacional do Rifle, criada para defender a segunda emenda constitucional e o direito de uso e porte de armas de fogo por qualquer cidadão. A partir deste artigo poderemos entender que o significado, hoje, da formação da Guarda Nacional daquele país, que foi explicitada no documentário de Michael Moore, Tiros em Columbine, no qual poderemos perceber que como a legislação administrativa destes grupos é regulada pelos estados da federação. Existem estados, como por exemplo, Michigan, que se um cidadão não for portador de uma arma de fogo é considerado um mau cidadão, não capaz de defender a sua pátria já que grande parte da sua população é integrante de uma milícia armada, e , em contrapartida, outros estados, como a Filadélfia, este porte de arma sem um registro controlado, se torna um crime grave. Na realidade o princípio filosófico desta atitude armamentista é: Partindo da
Mas o país se armaria ainda mais para o maior
premissa que o outro é sabedouro que eu tenho
conflito já ocorrido em seu território: a Guerra da
uma arma de fogo, não serei atacado pois também
Secessão, quando muitos de estadunidenses
poderei
responder
à altura.
Dentro
desta
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exemplo abrindo uma conta bancária no Estado de
armas de fogo garantida pela própria constituição,
Michigan ganha – se de prêmio um rifle
direito esse adquirido de forma natural pelo fato
automático.
de uma constante defesa de sua área, guerras ou conquistas de territórios, na enorme expansão para o oeste, na qual o país dobrou seu tamanho. Não é difícil imaginar John Wayne, Kirk Douglas,ou
Gregory
Peck
ou
até
O poeta, pacifista e músico Robert Zimmerman (Bob Dylan) na sua obra “Hurricane” inicia uma de suas canções mais famosas e emblemáticas em plena década de 60 desta forma:
mais
sem mencionar a Guerra do Vietnam com seus
“Pistols shots ring out in the barroom night Enter Patty Valentine from the upper hall She sees the bartender in a pool of blood cries out, “My God, they killed them all!” (“Tiros de pistola ouvidos no bar Patty Valentine entra pelo corredor de cima Ela vê o balconista do bar em uma poça de sangue Grita: “Meu Deus, eles mataram todos eles!”)
Rambos e Braddocks infalíveis e invencíveis
A canção nos fala do contexto de um crime
empunhando poderosas automáticas de 800 tiros
ocorrido naquela década com uma condenação
ou mais por minuto. Não é de se estranhar que um
injusta ligada ao racismo, porém o início da canção
país assim com esta mentalidade crie uma
deixa bastante clara a intimidade da sociedade
constituição toda particular defendida até hoje
estadunidense com as armas de fogo.
recentemente, Clint Eastwood empunhando a clássica Colt 45 nos clássicos filmes de faroeste ufanistas,
aos
quais,
desde
criança,
nos
acostumamos a assistir bombardeados pela TV aberta e o cinema com seus enlatados vips, isto
pela grande maioria das pessoas que lá vivem.
Esta matéria nos demonstra que a consolidação
Na constituição estadunidense estão inseridas
de uma cultura armamentista que perdura até os
22 emendas em formas de artigos, o artigo II nos
dias de hoje e que também se tornou uma das
diz:
grandes características deste povo é fruto de um
“Sendo necessária à segurança de um Estado livre a existência de uma milícia bem organizada, não se impedirá o direito do povo de possuir e portar armas” (Constituição dos Estados Unidos da América).
perfil histórico belicista. A inserção cultural do porte de armas e de uma política armamentista tem toda a significação arraigada no âmago desta cultura, por assim dizer, nesta fase supracitada inicialmente. Dentro desta visão poderemos
Esta emenda constitucional, hoje, nos Estados Unidos, é extremamente debatida dentro da sociedade daquele país pelas suas consequências como os massacres nas escolas, cinemas e lojas de fast food feitos por ex-militares paranoicos (estes habilitados
pelas
próprias
forças
armadas),
milicianos ou até mesmo civis que atiram com extrema habilidade, na população indefesa. Outro ponto a ser abordado é a facilidade de como se adquire uma arma de fogo legalizada, por
observar que a importância histórica de se compreender que o nascimento e o procedimento de um determinado povo, é de enorme influência sobre
este,
incluindo
aí
também,
uma
compreensão sociocultural das atitudes e do “Modus Operandi” de um determinado raciocínio em relação às políticas internas e principalmente externas que os estadunidenses praticam há bastante tempo. Inicialmente no século XIX na América Central e do Sul e após a 1º e 2º Grande Guerra, expandindo – a para o mundo, como se
G N A R U S | 77 fosse a verdade absoluta de uma conduta sua economia e o American Way of Life como um conceito de civilização. Para nós latinos, que estamos em eternas campanhas de desarmamento da população, nos parece bastante estranho esse povo ao norte que adora se matar sem motivos. Porém os brasileiros nada podem criticar, pois vivemos uma guerra civil não declarada e que também não somos exemplo de nada. Giancarlo Monticelli é graduado em História pelas Faculdades Integradas Simonsen e membro do GELHIS.
BIBLIOGRAFIA KARNAL, Leandro (org.). História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2007. MAUROIS, André. Trad. Godofredo Rangel. História dos Estados Unidos. 3. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1946. PADOVER, Saul K. Trad. A. Della Nina. A Constituição Viva dos Estados Unidos. 2. ed. São Paulo: Ibrasa, 1987. Tiros em Columbine (filme). Dir. Michael Moore. 2001, 120 min. son. color. 16mm. United Artists. E.U.A.