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Artigo
A IMPORTÂNCIA DA MÚSICA COMO FORÇA DOUTRINÁRIA E RECURSO PEDAGÓGICO NA REFORMA DE MARTINHO LUTERO Por Martha Sousa
“A música é um exercício de metafísica inconsciente, no qual o espírito não sabe o que estar a fazer é filosofia”. Arthur Schopenhauer
N
o século XVI surge o período que a história
categoriza
O conceito essencial da Reforma é a certeza de
como
que o ser humano não pode e nem tem necessidade
Renascimento. Ele fundamenta-se no
de ser salvo. Antes, a salvação é dada em Cristo
princípio de resgatar a arte, a cultura e as
“unicamente pela graça” e aceita “somente pela
civilizações clássicas. O homem, nesse período,
fé”. Nessa perspectiva, segundo os estudos de
passa a ser o centro das atenções e tenta encontrar
Lutero, dá-se origem a uma nova percepção da
explicações lógicas, racionais para os fatos, porém
igreja, do sacerdócio, dos sacramentos, da
a figura Divina ainda se faz presente.
espiritualidade, da devoção, da conduta moral
Há uma ruptura do pensamento ideológico da
(ética), do mundo, integrando-se à economia,
igreja medieval e instala-se uma grande crise na
educação e a política. Uma ideia que já vinha sendo
igreja católica. Essa crise provoca novas formas de
construída há algum tempo. Os principais
pensar o Cristianismo. Há também uma mudança na
precursores desse pensamento, que surgem a partir
sociedade. Configuram-se novas classes sociais e
do século XII, são o padre e teólogo inglês John
estas se aproveitam dessas igrejas emergentes para
Wyclif e o padre Jan Huss da região da Boêmia,
se separarem do Vaticano e de sua esfera de
atual República Tcheca, entre outros. Ambos foram
influência. Nesse contexto surge Martinho Lutero e
queimados pela igreja católica por heresia.
a reforma protestante.
A música é um meio inerente às mudanças na história da humanidade. A música como arte, é Gnarus Revista de História - VOLUME IX - Nº 9 - SETEMBRO - 2018
G N A R U S | 69 também uma ferramenta que participa das transformações sociais de uma determinada época ou um momento histórico. É interessante mostrar o papel fundamental e renovador da música na reforma de Martinho Lutero e na concepção de mundo. A música na formação de Martinho Lutero Lutero nasceu em novembro de 1483 em Eisleben, Alemanha. Seu pai, Hans Luther, foi um minerador, casado com uma camponesa, porém, desde a infância manteve contato com a música. “Cresceu cercado de música, provavelmente cantando os hinos1 dos mineiros” (Dreher, 2.000). Entre os anos de 1488 e 1497, frequentou a escola municipal de Mansfield onde aprendeu os princípios do latim, o canto e as expressões Martinho Lutero
rudimentares da fé cristã. Ali também fez parte do
de ser considerado um excelente tenor (voz aguda
coral infantil que acompanhava as missas. Em 1501, Lutero ingressou na universidade de
masculina). Ele conhecia os escritos de Agostinho e
Erfurt, onde fez o bacharelado e o mestrado. Lá
sua posição em relação à música (livro 10 das
cursou disciplinas curriculares como as ciências do
confissões), além de outros tratados musicais que
antigo
música.
viriam a influenciá-lo. “A música era um meio para
Posteriormente, Lutero foi citado por um de seus
conduzir os homens às maravilhas do Ser Absoluto”
colegas como o músico e o filósofo erudito de seu
palavras
tempo. Recebeu o título de Magister Artium
poderosamente não só o pensamento católico, mas
(Mestre da arte) em 1505. Neste mesmo ano,
também a Reforma Protestante.
Quadrivium:
astronomia
e
Agostinho
que
influenciaram
Ainda no mosteiro, Lutero teve acesso a
Martinho Lutero ingressava no Monastério dos Agostinianos Mendicantes de Erfurt.
de
ensinamentos quanto a práticas litúrgicas, como
A ordem Agostiniana via o conhecimento musical
parte dos estudos que desenvolvia, além de
com seriedade. Lutero participava das atividades
participar do coral. Aprendeu também o Canto
musicais do mosteiro e aprendeu a tocar por conta
Gregoriano,2 conhecido ainda pelo nome de canto
própria o alaúde entre outros instrumentos, além
chão e era erudito no tema.
1
2
Entre os antigos, poema em honra dos deuses e dos heróis. Cântico, poema de invocação ou adoração que se canta nas igrejas. Composição musical acompanhada de versos em louvor de algum herói, rei, partido, acontecimento ou nação: hino da Independência. [Figurado] Coro, canto; louvor. Os hinos são conhecidos desde os primórdios da história e constituem uma das mais antigas formas assumidas pela poesia.
Também chamado de cantochão, é um gênero de música vocal monofônica, monódica, não acompanhada, ou acompanhada apenas pela repetição da voz principal com o “organum”, com o ritmo livre e não medido, utilizada pelo ritual da liturgia.
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G N A R U S | 70 Lutero procurava inteirar-se de toda produção musical de seu tempo independente de sua origem ou função. Ele ouvia, por exemplo, as canções populares
que
nasciam
das
expressões
e
manifestações do povo da época e que eram por ele apreciadas. Interessado em se dedicar à música de sua época, fez referência a diferentes compositores
“Os pregadores também devem exortar as pessoas a enviarem seus filhos à escola, para se criarem pessoas aptas para ensinar na igreja e gerir outros negócios. [...] Pois quem pretende ensinar a outros, precisa dispor de muita experiência e preparo especial. Para adquiri-los, precisa-se estudar por longos anos, desde a mocidade. [...] e não é possível que pessoas pouco instruídas possam ensinar e instruir outras de modo claro e correto”. (Lutero)
Igreja x sociedade
em seus escritos e cartas. Ao apreciar a música
Lutero também entendia que não deveria haver
contemporânea, lamentava que a música secular
diferença entre clérigos e leigos. Este olhar o
tivesse cantos e poemas tão bonitos e a música
motivou a repensar a percepção da música e seu
sacra fosse, em sua maioria, podre e fria, segundo
lugar na liturgia e de quem poderia fazer uso dela
sua avaliação.
no rito. A intenção era fazer um esforço para um
Ele adquiriu conhecimento técnico suficiente
comportamento que possibilitasse a sociedade a
para compor e ainda tecer críticas a composições
ter um relacionamento mais estreito com a igreja
quanto à letra e melodia. Com essa experiência e
no sentido de ser mais participativo, inclusive nas
com suas concepções teológicas, começou a criar
solenidades litúrgicas.
um projeto de música e o definiu como um ideal para a Reforma. A música era uma consequência do que Lutero entendia ser a prática do Cristianismo. Isso o levou a rever as ações empreendidas a cada esfera de atuação do indivíduo como um ser não apenas religioso, mas também secular. Lutero dizia que o regime secular, entendido aí como o que não pertencia a igreja, era uma maravilhosa ordem
“Inventou-se que o papa, os bispos, os sacerdotes e os monges sejam chamados de estamento espiritual; príncipes, senhores, artesãos e agricultores de estamento secular. Isso é uma invenção e fraude muito refinada. Mas que ninguém se intimide por causa disso, e pela seguinte razão: todos os cristãos são verdadeiramente de estamento espiritual, não há qualquer diferença entre eles a não ser exclusivamente por força do ofício, conforme Paulo em 1 Cor. 12:12: Todos somos um corpo, porém cada membro tem uma função, com a qual serve aos outros”. (Lutero)
divina, uma dádiva de Deus instituída e estabelecida por Ele e por Ele preservada. Ou seja,
Lutero e a música na igreja
o religioso e o secular, no seu entendimento,
Lutero aprofundou seus estudos teológicos nas
caminhavam juntos. Lutero tinha o objetivo de
fontes primárias do Cristianismo e aprendeu as
incentivar as famílias alemãs a mandarem seus
línguas originais bíblicas como o grego e o
filhos para a escola, inclusive as meninas. Uma ideia
hebraico. Era a tendência da época defendida pelo
que, para o início do século XVI era considerada um
Humanismo de retorno às fontes do passado. O
tanto ousada: incluir plebeus e nobres, meninos e
entendimento dos relatos bíblicos o intrigavam e o
meninas.
faziam conceber o quão distantes as tradições da
Embora a música já estivesse presente nos currículos escolares desde o início da Era Medieval,
Igreja de sua época estavam das prescrições bíblicas.
esse ensino era restrito às camadas mais abastadas
A valorização do ser humano, o fez notar, por
da sociedade, que apresentavam condições de
exemplo, relatos bíblicos em que todo o povo
arcar com a educação de seus filhos.
israelita entoava cânticos ao seu Deus. O povo
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Martinho Lutero em família, de G. A. Spangenberg (1886)
memorizava, nesses cânticos, a história e enaltecia a Deus sem qualquer intermediação. Os Salmos apresentavam cantos de romagem, ou narrativos e funcionaram como uma importante fonte de conhecimento para que ele chegasse a essa conclusão. O estudo dos textos sagrados, principalmente do Antigo
Testamento,
mostrava
as
diferentes
manifestações musicais da história do povo hebreu. Estes relatos, como o do Salmo 150, tratavam de momentos em que os cânticos eram entoados por
4-louvem-no com tamborins e danças, louvemno com instrumentos de cordas e com flautas, 5-louvem-no com címbalos sonoros, louvem-no com címbalos ressonantes. 6-Tudo o que tem vida louve o Senhor! Aleluia”! Bíblia Sagrada “No meu entender, nenhum cristão ignora que o canto de hinos sacros seja bom e agradável a Deus, uma vez que todo mundo tem não apenas o exemplo dos profetas e reis do Antigo Testamento (que louvaram a Deus cantando e tocando, com versos e toda espécie de música e corda), mas este costume, particularmente no tocante aos Salmos, é conhecido da cristandade desde o começo”. (Lutero)
toda a sociedade judaica, com fins de adoração e
Lutero acreditava que o homem apoderava-se dos
geralmente com a função de contar fatos históricos
recursos que o Ser Divino criou. Ele então fazia uso
vivenciados por aquela nação.
de seu conhecimento de música para compor. As
Salmos 150 “1 - Aleluia! Louvem a Deus no seu santuário, louvem-no em seu magnífico firmamento. 2-Louvem-no pelos seus feitos poderosos, louvem-no segundo a imensidão de sua grandeza! 3-Louvem-no ao som de trombeta, louvem-no com a lira e a harpa,
canções concebidas por ele eram utilizadas como um meio de adoração a Deus e servia aos seus propósitos de divulgar a nova doutrina. Dessa forma, tornou o canto mais acessível a todo cidadão
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G N A R U S | 72 que desejasse adorar a Deus com a voz, ao compor
abraçar as doutrinas da reforma. A sociedade
na língua alemã, sua língua nativa.
medieval era impedida de participar das missas de
O povo cantaria durante a liturgia e ainda ouviria
forma ativa. Limitava-se a ouvir canções que não
canções a duas ou mais vozes como parte da
podiam compreender, já que o canto gregoriano,
adoração na missa reformada, além de ser ensinado
executado em latim, era a música oficial instituída
nas doutrinas luteranas por meio da prática. Além
da Igreja Medieval.
disso, teve o cuidado de utilizar diferentes fontes e
O modelo adotado por Lutero para a construção
estilos, melodias populares e adaptadas com textos
dos hinos protestantes conquistou a simpatia dos
bíblicos de conteúdo religioso como também
fiéis e favoreceu a divulgação da música luterana, já
traduziu cantos gregorianos. Ele criou e difundiu o
que as pessoas começaram a cantar em outros
canto em língua coloquial como as celebrações do
contextos, não somente o religioso.
povo.
Essas mudanças provocaram transformações em
Havia também um propósito estético, apoiado
diversas esferas, pois Lutero entendia que não era
por práticas de ordem sociológica e psicológica, de
possível servir e prestar honra a Deus apenas
fazer com que os fiéis participassem dos atos
durante o ritual litúrgico. Ou seja, todos os aspectos
litúrgicos. Além das mudanças na música da
da
liturgia, a fim de que o povo compreendesse a
consequentemente, uma vez que Cristo pregava o
doutrina que seguia e ainda fizesse parte dela,
amor ao próximo. As relações interpessoais,
Lutero entendia ser importante o conhecimento da
trabalhistas, educacionais, culturais seriam guiadas
Bíblia para uma sociedade mais justa e menos
por motivação mais nobres. O conhecimento das
individualista.
Escrituras no que tange a conduta deveria causar
Num texto escrito em 1520, Lutero falou que na
sociedade
deveriam
ser
alterados,
mudança de comportamento.
celebração da missa não é somente o sacerdote que
A missa em alemão incentivava o ensino, dando à
oferece, mas a fé de cada indivíduo. Para ele todos
educação um papel de grande relevância. A
são igualmente sacerdotes espirituais diante de
educação para Lutero era uma ordem de Deus. O
Deus.
povo deveria ser letrado a fim de que tivesse
Lutero popularizou a música litúrgica, sem perder
capacidade de ler e interpretar as Escrituras e assim
a qualidade, e dispôs texto e melodia de maneira
relacionar-se de forma mais íntima com o objeto de
que se ajustassem a fim de que um fosse a exata
sua adoração.
expressão do outro. “[...] são as notas que dão vida
Essa compreensão permearia a concepção a
ao texto. Por isso, era-lhe impensável publicar sem
respeito do papel da música como uma importante
notas”. (Dreher)
ferramenta de formação, já que sua presença nos
A igreja de Lutero não rejeitou a música sacra
currículos escolares, desde a educação básica, é
europeia, mas abalou os alicerces culturais da Igreja
defendida em seus escritos. A música como
Católica ao divulgar uma música sacra em
potencial didático, um ambiente a ser explorado
vernáculo, utilizada para pensar na interação
como área de conhecimento.
popular. Talvez isso tenha sido um dos motivos
Martinho Lutero, então, repensa os modelos
pelos quais em pouco tempo o povo passou a
musicais da época. Porém não é uma mudança
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G N A R U S | 73 radical, pois se preocupa em preservar algumas
alemães de Wittenberg já estavam, de certa forma,
práticas do culto. Lutero apreciava a beleza artística
a par de suas doutrinas, pois já lhes fora oferecida a
da música oficial eclesiástica, porém, na prática,
oportunidade de aprender e cantar algumas
sentia que para o restante do povo, aquela música
composições criadas e adaptadas por Lutero.
lhe chegava incompreensível e inacessível. Então,
Lutero compôs músicas cristãs e a ele são
mesmo receoso por romper com essa estrutura já
atribuídos 37 hinos, entre eles está “Ein feste Burg
calcada há tantos anos na tradição eclesiástica
ist unser Gott” – em português, Castelo Forte, que
medieval, sabia que uma mudança seria necessária.
até hoje está presente em hinários e é cantado nas
“No meu entender, nenhum cristão ignora que o canto de hinos sacros seja bom e agradável a Deus (...). O próprio S. Paulo o institui em 1 Coríntios 14:26 e ordena aos colossenses que cantem com vontade ao Senhor hinos sacros e salmos, para que desta maneira a Palavra de Deus e a doutrina cristã sejam propagadas e exercitadas das mais diversas maneiras. (Lutero, 2000, vol. 7, p. 480)
igrejas. Compôs hinos baseados em Salmos,
Keith (1960) comenta que por quase mil anos, desde o tempo de Ambrósio, no século IV, o leigo não teve oportunidade de participar dos cultos da igreja. Em parte, pela dificuldade que houve com a língua latina, quando o cristianismo começou a se espalhar por outros países, em parte, pela gradual, mas deliberada separação entre o clero e o laico. O
traduzidos e adaptados, hinos estes que já existiam em latim, além de ampliar corinhos e antífonas3 existentes em língua alemã. Também preparou hinos para dias festivos e hinos didáticos que ensinavam catecismo. A primeira coletânea de hinos foi organizada por Johann Walther, mestre de capela do Eleitorado da Saxônia, com prefácio de Lutero. Posteriormente surgiu outro hinário com hinos da autoria de Lutero, cânticos litúrgicos e melodias para textos de outros autores, além de hinos de líderes religiosos que apareceram nos anos seguintes em reedições dos diversos hinários.
desenvolvimento de uma liturgia elaborada no latim, com a música na mão de um coro de monges ou padres, completou o processo de afastamento completo do leigo, condição necessária para a propagação do mito da infalibilidade papal. Keith diz que com Lutero, chega o tempo em que a Bíblia e o hinário são colocados novamente nas mãos dos crentes, reintegrando o leigo no seu lugar próprio de participação no culto. Lutero foi provavelmente o
pioneiro
no
que
se
refere
ao
canto
congregacional. Com o recurso dos hinos e cânticos, antes mesmo de celebrar sua primeira missa pós-reforma, os
Hino “Castelo Forte” com a assinatura de Lutero
3 Versículo
cantado ou entoado pelo celebrante (padre) que, antes de um salmo ou canto bíblico, é repetido em coro pelos fiéis.
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G N A R U S | 74 Ele fez uso de coros que, em geral, cantavam
Conclusão
circunstâncias do cotidiano, situações estas que em
A música da missa (culto) foi um instrumento de
sua opinião eram relevantes e dignas de se
comunicação doutrina de Lutero. O canto coral
tornarem cantos de adoração em sua liturgia. Ainda
com base em temas folclóricos e em cânticos
que apresentasse característica de um canto de
católicos
louvor a Deus se tornou um método de preservação,
gradativamente sendo inserida na igreja católica.
como já mencionado em seus estudos dos Salmos.
Vale ressaltar que no Concílio de Trento,
Um exemplo disso pode ser visto no hino que Lutero
convocado pelo Papa Paulo III, dentre as diversas
compôs logo após tomar conhecimento da morte
medidas tomadas para combater o protestantismo
de dois monges agostinianos, Heinrich Voes e
passou a aceitar essa música, uma vez que
Johann Von Eschen, do convento de Antuérpia. Eles
inicialmente o concílio proibia a polifonia4 na
foram queimados na praça do mercado de Bruxelas
igreja. Um dos belos exemplos dessa música foi a
em 1/07/1523, por haverem professado os
composição de Alessandro Palestrina, Missa Papae
ensinamentos de Lutero. Esse episódio trouxe
Marcelli, dedicada à Sua Santidade que tem uma
grande tristeza à Lutero, que reagiu ao ocorrido
textura polifônica e um estilo declamatório com
com uma poesia que posteriormente tornou-se um
pouca sobreposição de texto. Essa música foi um
hino.
resgate da participação dos fiéis na igreja.
disseminada
nas
igrejas,
foi
O hino, além de preservar a história dos dois
Poucos foram os compositores desse período que
mártires e ainda apresentar nítidas críticas ao
produziram melodias originais. Podemos citar:
episódio do martírio desses dois monges, perpetua
Lutero (1483-1546), Johann Walther (1496-1570),
e divulga o acontecimento, soando quase como
Ludwig Senfl (1492-1555), entre outros.
uma canção de protesto, que mais tarde viria a estar
Enfim, Martinho deixou um legado, como
presente na voz dos simpatizantes das ideias do
reformador, no universo da música litúrgica. E assim
reformador.
como na música, a educação passa a ser vista não
Um outro exemplo do interesse de Lutero em fazer uso da música de modo didático pode ser o
mais como um privilégio apenas de clérigos, ou alunos de famílias nobres da época.
hino Alegrai-vos caros, Cristãos. Possui um caráter
As traduções de Lutero promoveram um
autobiográfico, já que Lutero expressa sua própria
fenômeno importante para a Alemanha. Pode-se
trajetória religiosa culminando em um novo
dizer que ele praticamente sistematizou a língua
entendimento do evangelho. A melodia advém do
alemã ao traduzir a Bíblia do hebraico e do grego
hino
para o vernáculo.
pascal
popular
intitulado
Alegrai-vos
Mulheres e Homens.
Heine disse: [...] Lutero traduziu a Bíblia para a língua do seu povo, e o fez magistralmente. Ele é reconhecido como um dos maiores mestres da
4
Termo musical para designar várias melodias que se desenvolvem independentemente, mas dentro da mesma tonalidade. As composições polifônicas têm várias partes simultâneas e harmônicas. As partes são independentes, mas de igual importância. Embora a música polifônica seja
primordialmente vocal, o termo também pode aplicar-se a obras instrumentais. Polifonia é uma palavra que vem do grego e que significa de muitas vozes.
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G N A R U S | 75 língua alemã. A “Bíblia de Lutero” é considerada
nobres para os teatros, para salas mais acessíveis às
como um dos maiores tesouros da cultura alemã.
classes ascendentes.
Essa língua escrita ainda é dominante na Alemanha
Em 1546, no dia 18 de fevereiro, aos 62 anos,
e dá unidade literária a esse país política e
Martinho Lutero faleceu. Finalmente, em 1555, o
religiosamente fragmentado.
Imperador reconheceu que havia duas diferentes
A iniciativa de que a comunidade deveria ter
confissões na Alemanha: a Católica e a Luterana.
acesso às bases da fé da nova doutrina aliada às manifestações musicais que passou a incentivar e produzir, causou transformações significativas para a
época
e
ainda
repercutem
Martha Sousa e licenciada em Letras Português /Espanhol pela Universidade de Brasília (UnB) e técnica em educação no Ministério da Educação.
na
contemporaneidade uma vez que as igrejas
Referências:
herdeiras da Reforma ao redor do mundo
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conhecem e adotam pelo menos parte do ideário luterano. Os chamados Corais Luteranos ainda fazem parte de nossos dias e serviram de inspiração para muitos outros músicos e compositores, e foram a base para toda a obra de Johann Sebastian Bach, por exemplo. A relevância estética de sua música sempre despertou interesse por parte de compositores em épocas distintas. Passou das fronteiras de sua terra natal e tornou-se, como os hinos hebraicos, um tesouro universal. Carpeaux (1997) chega a dizer que Lutero foi o grande salvador da arte sacra de sua época, já que movimentos da reforma contemporâneos a ele enfrentaram dilemas em relação ao lugar da música na igreja alicerçada em pressupostos reformados. É possível dizer que Lutero foi o porta-voz da nação germânica, cuja profunda musicalidade é o mais importante elemento em toda história da música moderna. A música de Lutero é cheia de funcionalidades com valor estético e histórico e representava seu pensamento e convicções. É um legado, passados cinco séculos de história. Paralelamente, a música culta, com o avanço da burguesia, começa a sair das igrejas e dos salões
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