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Artigo

VESTÍGIOS DE UMA SOCIEDADE: A NECRÓPOLE DE MIRACANGUERA EM ITACOATIARA Por Paulo César Marques Holanda e Cristiano da Silva Paiva

RESUMO: A necrópole de Miracauera (Itacoatiara – AM) está localizada às margens do Rio Paraná da Trindade. Os cablocos que moram na região sempre se mantiveram em uma organização social para a manutenção da memória da cerâmica ali encontrada. Para o desenvolvimento desta pesquisa, realizou-se primeiramente um levantamento de informações bibliográficas que se mostrou desafiante e gerou maior familiaridade com a problemática, em áreas como arqueologia, antropologia da arte, etnologia e órgãos oficiais como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Os demais dados trabalhados foram coletados em trabalho de campo à comunidade próxima da Costa do Miracauera. Conhecer outra cultura, e no caso específico a indígena, possibilitou visualizar aquilo que foi exposto em sala de aula sobre geografia cultural, espaço e cultura material, algo que na vida desses povos é cotidiano, mas para muitos em nossa sociedade se torna utópico. O que poderia possibilitar a nós (ocidentais modernos) um modo específico e outro ponto de vista para pensar nossa sociedade. Os estudos sobre sociedades indígenas têm demonstrado a ineficácia da aplicação de conceitos ou de categorias exteriores a elas. Assumindo esta postura, abrimos as portas para o diálogo entre nossa cultura (do investigador) e a cultura que pretendemos compreender. Palavras Chaves: cerâmica indígena; cultura; etnoarqueologia.

Introdução

A

cerâmica apresenta formas estilísticas e funcionais variadas dentre os povos indígenas brasileiros e representa um universo de produção que inclui diferentes períodos históricos. Seu desenvolvimento ocorre com técnicas diferenciadas de produção e complexidade, desde a coleta de matéria-prima até os polidores feitos de sementes ou pedras. Um ofício totalmente manual e realizado em sua maioria, apenas por mulheres, transmitido de geração em geração. Gnarus Revista de História - UFAM - FEVEREIRO - 2020

A necrópole de Miracauera (Itacoatiara – AM) está localizada às margens do Rio Paraná da Trindade. Os cablocos que moram na região sempre se mantiveram em uma organização social para a manutenção da memória da cerâmica ali encontrada. Por isso, esta pesquisa adentrou no universo cerâmico pelo viés da geografia cultural, antropologia da arte e etnoarqueologia. Entendemos que a arte torna-se plataforma para expressões complexas e profundas no pensar, essa necessidade segundo Geertz (1997), surge em vários outros segmentos da cultura: na religião, na moralidade, na ciência,


GNARUS- UFAM - 79 no comércio, na tecnologia, na política, nas formas de lazer, no direito e até na forma em que organizam sua vida prática e cotidiana. Nesse sentido, o presente trabalho objetiva entender a cerâmica indígena encontrada em Miracauera, e sua importância para os povos que habitam a Amazônia. Em trabalho de campo foi possível verificar a riqueza histórico-cultural, além da diversidade físiconatural. Este proporcionou a oportunidade de vivenciarmos, na prática, as relações entre o espaço da natureza e o espaço construído ao longo do percurso. No ensinar e aprender das ciências humanas é importante trabalhar com o espaço concreto para melhor assimilação do conteúdo trabalhado na disciplina. O “ver, tocar, sentir” o espaço presente mobiliza as sensações e percepções, no processo da construção dos conceitos geográficos. Realizando o estudo do meio, fez-se a leitura do espaço geográfico e a sua dinâmica, proporcionando a articulação entre a teoria e a prática.

Materiais e Métodos Para o desenvolvimento desta pesquisa, realizou-se primeiramente um levantamento de informações bibliográficas que se mostrou desafiante e gerou maior familiaridade com a problemática em áreas como arqueologia, antropologia da arte, etnologia e órgãos oficiais como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Os demais dados trabalhados foram coletados em trabalho de campo na comunidade próxima da Costa do Miracauera. Este teve saída no dia 29 de abril na Praça da Saudade, centro de Manaus e mais 10 paradas ao longo dos dias foram feitas, se dividindo entre os modais terrestres e fluviais. Foi

utilizada câmera fotográfica, caderno de campo como elemento essencial da pesquisa, no qual permitia as anotações ao longo do trajeto. Assim como as observações de especificidades da área da necrópole. Resultado e Discussões A Importância da Memória e Cultura Cerâmica O fazer cerâmico é compreendido pelos registros orais e não é tarefa comum a todas as etnias indígenas, possuindo diferentes formas para cada local, explicitando a riqueza e diversidade cultural presente dentre estes povos. Ribeiro (1987) afirma que só na arte cerâmica a criatividade indígena encontra materiais capazes de conservar-se sob quaisquer condições. Perpetuando este ofício como campo específico da cultura material, onde constatamos uma produção rica em detalhes, exuberante em cores e nas mais diversas formas. Uma das áreas que se dedica a cultura material é a etnoarqueologia, esta oferece diferentes meios para que se possa interpretar o registro arqueológico, referenciando todo o contexto etnográfico, a produção, padrões e utilização da cultura material. Constituindose como fonte valiosa de evidências para levantamentos etnográficos de povos e sua relação intríseca para com seus materiais. Silva (2000) afirma que essa abordagem proporciona estudos sobre os padrões de subsistência e assentamento, produção e utilização da cutlura material. Estas questões são relevantes para estudiosos de todo o continente americano e tornaram-se básicas na arqueologia amazônica. O levantamento bibliográfico acerca desta produção mostrou que há poucos trabalhos referentes à cultura material. De acordo com Lima (1987), é essencial o esforço de reconstituição das culturas, utilizando elementos da cultura Gnarus Revista de História - UFAM - FEVEREIRO - 2020


GNARUS-UFAM - 80 material que por muitos é considerada uma temática pouco nobre. Segundo a autora:

A Cerâmica da Costa do Miracauera – Paraná da Trindade (Itacoatiara/Am)

Em trabalhos mais recentes, vimos assistindo à retomada do interesse pela cultura material, agora não mais calcado nos antigos propósitos evolucionistas e difusionistas dos primórdios da Antropologia, mas sim no reconhecimento do objeto como a materialização do comportamento dos membros de uma determinada sociedade, comprometido com o entendimento das culturas na sua totalidade1.

A formação do Miracauera, localizado no Paraná da Trindade tem origem indígena. Essa terminologia significa, segundo Stradelli (1929, p. 527), “mira = gente, nação, povo; cauera = osso, ossada; Mira-cuéra = mortos; Mira can-uéra = osso de gente; Mira can-uératyua = cemitério, lugar de ossos de gente”. Na etimologia tupy significa “onde tem osso de gente”, no caso um cemitério.

Entendemos que os objetos e tecnologias adquiriram a capacidade de se transmutarem em elementos variados, adequando-se ao cotidiano e ao ritual entre os povos. A etnografia de Barcelos Neto (2004) enfatiza as relações sociais que os índios Wauja, do Alto Xingu, estabelecem com os seres da alteridade e a produção material. O autor explora essas relações entre humanos e nãohumanos (os apapaatai), refletindo sobre a posição que a arte ocupa nesse panorama. Em outras palavras, a cerâmica constitui uma relação entre lugar e espaço, o espaço é o movimento, e espaços possuem suas próprias memórias.

Esta explicação e relação com a terminologia se deve ao fato que, durante o campo foram encontrados fragmentos de cerâmicas (figuras 01 e 02) em um dos terrenos percorridos. Além disto, há no local, a presença de numerosas manchas de solos pretos, de cor cinza escuro, somada com a riqueza de cacos de cerâmica, os quais apontam haver existido ali uma ocupação indígena.

Os objetos deste modo são mediadores entre domínios distintos, aproximando o mundo animado do inanimado, e fortalecendo sua importância como representação artística destes povos. Van Velthem (2003), ao pesquisar os Wayana, observa que a ordem cósmica é considerada como parte da ordem social, onde a estética está ligada ao universo cosmológico, cuja lógica é partilhada pela produtora e pelo grupo receptor. A análise da cosmologia, dos mitos destas sociedades, propõe que ideias já consolidadas na nossa cultura sejam submetidas a análises e a rigorosas críticas. 1 LIMA, 1987, p. 173

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Figura 01 e 02: Vestígios arqueológicos de cerâmicas na Costa do Miracauera. Fonte: PAIVA, C.S.2017.


GNARUS- UFAM - 81 De fato, é uma área que foi ocupada por indígenas, como destacado. Existem relatos de Barbosa Rodrigues em 1982 que atestam e descreve esta região como a necrópole do Mirakanguéra. Como pode se observar nos escritos de Rodrigues: Designam por esse nome, que quer dizer osso de gente que existiu, de mira, gente, kang, osso e kuera, que existiu, o terreno que ha seculos foi um extenso cemiterio de uma grande população que habitou nas proximidades, por dilatados annos. Occupa este cemiterio, verdadeira necropole, um espaço ao longo da costa, de mais de meio kilometro, e pelo interior se estende a grande distancia, fóra o que tem sido arrebatado pelas aguas; facilmente se distinguem seus vestigios a dous metros abaixo da superfície do solo e a seis ou oito acima das aguas, no tempo da vasante. Desde a boca do Arauató até S. José do Amatary, todo o terreno è levado annualmente pelas aguas do rio Amazonas, que o excava, fazendo com que as terras desabem, levando comsigo não só arvores da floresta primitiva, como a matta de nova apparição e os cacaoaes que estão ahi hoje plantados. A’ custa dessas terras vaise alargando o paranã e augmentando-se a ponta da ilha da Benta2.

geométricos, além da decoração plástica que destacava detalhes específicos, tais como seres humanos sentados e com as pernas representadas3.

A principal riqueza arqueológica do Brasil, sem dúvida é a cerâmica indígena. A pesquisa e a divulgação do assunto na Amazônia – sobretudo em nosso Estado – são quase nulas. Inexistem referências sobre os vasos da necrópole indígena de Miracauera – que significa “osso de gente que existiu”. Para Silva (2013) (apud JOBIM, 1948), Miracauera, “na sua mudez álgida, reflete os vestígios da extinta raça dos Aroaqui, e da civilização que ela trouxe, e não a obra de uma civilização estrangeira pré-histórica”. E Silva (2013) também cita que o zoólogo suíço Emílio Goeldi (1859-1917) escreve: “Até hoje uma só voz se levantou, declarando positivamente que os construtores dos aterros sepulcrais de Marajó não são pré-históricos, que foram os Nheengaíbas, um ramo colateral dos Aroaqui. Foi Barbosa Rodrigues que chegou a este resultado pelo estudo comparativo da cerâmica funerária de Miracauera (Serpa), no vale amazônico”.

No museu Nacional da UFRJ é possível encontrar algumas urnas funerárias (figura 02) recuperadas e guardadas em seu acervo. Eles descrevem que: (...) foram recuperados diferentes tipos de urnas funerárias e outros vasilhames relacionados aos rituais fúnebres. Os corpos eram cremados e as cinzas guardadas nessas urnas que tinham bojo, gargalo e tampa. Havia peças mais elaboradas, certamente para pessoas de posição elevada dentro do grupo. A cerâmica do sítio de Micarangüer (posteriormente denominada de fase Guarita) recebia um banho de tabatinga (tipo de argila com material orgânico) e eventualmente uma pintura com motivos 2 RODRIGUES, 1892, p. 2

Figura 03: Urnas funerárias miracanguera com restos humanos cremados. Fonte: Museu Nacional. Disponível em: <http://museunacional.ufrj.br/guiaMN/ Guia/paginas/7/miracanguera.htm>. Acesso em: 15/07/2017 3 Site do Museu nacional, 2018. Disponível em: < http:// www.museunacional.ufrj.br/guiaMN/Guia/paginas/7/ miracanguera.htm>

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GNARUS-UFAM - 82 Barbosa Rodrigues também notou que o sítio arqueológico era voltado para a direção do nascer do Sol (Leste). Ele encontrou muita dificuldade para identificar a tribo responsável por aquelas obras de arte, já que as tribos da região não possuíam cerâmicas tão evoluídas quanto aquelas. Dada a complexidade das cerâmicas, Rodrigues avançou em seus estudos em seu artigo Antiguidades do Amazonas: A necrópole de Mirakangüéra (1892a), avança na descrição das vasilhas, na análise funcional e na interpretação do significado etnográfico. Ele também dividiu as vasilhas em oito classes funcionais: 1) Iukaçauas; 2) Kanguera reru; 3) Kamuci; 4) Kamuci uaçu; 5) Yaraki-çaua; 6) Kanguera-çaua; 7) Dauitibá; 8) Tykuçaua. É possível observar a divisão e a descrição no quadro abaixo em que foi possível adaptar do livro citado no parágrafo anterior.

Tabela 01: Classes funcionais das vasilhas. Fonte: BARBOSA RODRIGUES, 1892. Adaptado por PAIVA, C.S., 2017. Nº. de Nomenclatura Descrição Ref 1ª Iukaçauas ou as que encerravam osurnas ossuar- sadas completas, sem ias terem sido levadas ao fogo e que em baixo relevo representam diferentes partes de uma figura humana com indicação de sexo. 2ª Kanguera reru as que guardavam ou urnas ossu- ossadas queimadas arias e partidas, algumas semelhantes às primeiras e outras sem indicar forma alguma humana e destituída de relevos

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Kamuci ou urnas cinerarias

Kamuci uacu

Yaraki-çaua ou taça das libações

Kanguera-çaua ou taças cinerarias

Dauitibá (ou panellas votivas)

Tykuçaua

as que continham o pó e as cinzas das ossadas. Estas urnas têm a forma de um pote e raras vezes têm indícios de partes do corpo humano o grande pote no qual dissolviam a tinta e misturavam o pó e as cinzas dos ossos com forma de panelas mais ou menos ornadas, algumas com emblemas zoomorfos, em relevo em que se derramava a tinta incinerada. São ornadas com emblemas antropomorfos e zoomorfos em que depositavam os viveres para o morto. Ornadas de desenhos, por gravura ou pintura e de emblemas zoomorphos e alguns antroporaorphos espécie de hydria dos gregos, que servia para derramar a tinta nas kangueraçauas

Após a descrição das vasilhas e urnas, Barbosa Rodrigues procedeu aos desenhos como poder observado nas figuras 03 e 04. Com isto, é possível relacioná-las às descrições da tabela acima o desenho, forma e estrutura. Após o destaque para a Necrópole do Miracauera, é possível destacar os modos de vida da população ribeirinha presente neste terreno. Como se sabe, na Amazônia seus habitantes tentam preservar sua cultura, apesar da desestruturação provocada pelo capital, como ocorreu e ocorre em várias regiões brasileiras.


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Figuras 04 e 05: Cerâmicas da necrópole do Miracauera Fonte: Legado Universal. Disponível em: < http://legadouniversal.com.br/o-povo-perdido-daamazonia/> Acesso em: 15-07-2017. Relação Homem e Cerâmica As grandes questões humanas sobrevivem nas obras, é por meio delas que se conhecem os valores e saberes de outros povos, e é na obra que aparecem as sobrevivências, atemporais e que ressurgem. A relação observada entre homem e matéria não se limita apenas ao reconhecimento de peso, cheiro, gosto, dureza, fragilidade, etc. Esta relação está baseada em simbolismos e subjetividades que residem na capacidade humana de estabelecer associações entre eventos e “coisas”. Sendo simbólicas e alegóricas remetendo-nos à vivência de um povo, e encorajando os homens a tomar posse do seu papel nessa história. Seeger (1980) interpreta a cultura material como parte importante da vida das pessoas. O que elas fazem, decoram e usam são parte integrante de sua cultura. Ignorar essas coisas é um erro tão grande quanto concentrar-se somente nelas. O pesquisador em campo, por sua vez, deve ter preocupação com o detalhamento das cadeias operatórias de produção e descrever sucintamente todas as fases do processo, até seu uso e descarte

final. A argila é marcante por sua utilidade e potencialidade expressiva, possuindo a dualidade de servir as necessidades materiais assim como as espirituais de muitos povos. Segundo Gould4 “não podemos entender a pesquisa etnoarqueológica como formulação de analogias concretas e diretas em relação aos dados etnográficos, pois nem sempre, possuem correlatos arqueológicos ou até mesmo a própria visibilidade arqueológica é precária”. O mesmo defende a ideia de que as interpretações de registros arqueológicos deveriam ser feitas em conjunto com outros modelos interpretativos. Tendo em vista a construção da pesquisa em parceria com campos distintos. Em sua pesquisa dentre os Asuriní, Silva5 “registra que em sua permanência de campo (setembro, outubro e novembro de 1997) contou 223 vasilhas em toda a aldeia. Fazendo a média de distribuição, seria obtido um total de 14 vasilhames por unidade doméstica”. Dado que nos revela a ampla conexão deste material dentre os indivíduos de povos 4 GOULD, 1974, p. 15 5 SILVA, 2000, p. 112

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GNARUS-UFAM - 84 tradicionais, seja por razões de ordem estética ou simbólica. No processo do fazer com a argila, o corpo precisa estar em ação. Não somente o corpo possui relação com a cerâmica, como também o mito. Este surge com o sentido da verdade e é detentor de conceitos morais e filosóficos, além de ser revelação da origem das coisas. Para grande parte das sociedades indígenas da América a cerâmica surge do combate entre as forças do céu e da terra, com que o homem, acaba sendo beneficiado. Lévi-Strauss (1986) ressalta que:

A ideia de que o oleiro ou a oleira, e os produtos da sua indústria, têm um papel de mediadores entre as forças celestes de um lado e as terrestres, aquáticas ou octonianas, por outro, faz parte de uma cosmografia que não é exclusiva da América6.

Observa-se que em praticamente todas as culturas, o ser humano, propiciou em suas relações com a terra diversas formas de trabalhar a argila, seja na construção ou na técnica da modelagem. Um mundo com culturas tão diferentes, mas que possuem semelhança em dar forma à argila, seja com materiais, formas ou funções da cerâmica. A ceramista munida da matéria-prima se vê facilitada no trajeto de exploração do seu imaginário consciente ou inconsciente. Sendo a cerâmica, fruto de uma sincronizada harmonia entre dois corpos distintos e ao mesmo tempo complementares.

Conclusão As contradições, totalidades e as articulações que ocorrem na relação sociedade e materialidade, e o modo como 6 STRAUSS, 1986, p. 107

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essas contradições são contempladas pelo pensamento científico evidenciam uma necessidade de alargar as bases da produção do conhecimento voltadas para essa questão. A relação sociedade e materialidade bem como todo saber e todo conhecimento sobre o mundo e sobre as coisas há muito tempo tem estado condicionado pelos contextos históricos, ecológicos, culturais, geográficos nos quais se produz e reproduz as variações da formação social. É precisamente na contradição entre adesão e recusa da violência presente no momento do contato interétnico, que se encontra o que Oliveira (2015) chama de subversão mitológica da história. Pois o envolvimento com as coisas se transformou, na medida em que o caminho para virar homem branco tornou-se parte do cotidiano desses povos. Conhecer outra cultura, e no caso específico a indígena, possibilitou visualizar aquilo que foi exposto em sala de aula sobre geografia cultural, espaço e cultura material, algo que na vida desses povos é cotidiano, mas para muitos em nossa sociedade se torna utópico. O que poderia possibilitar a nós (ocidentais modernos) um modo específico e outro ponto de vista para pensar nossa sociedade. A Amazônia é (re)conhecida internacionalmente por suas paisagens exuberantes e continentais, nas quais o homem configura como parte indissociável, quase imobilizado no âmago da natureza, como se fosse possível a existência no mundo contemporâneo de uma natureza intocada. Neste processo, a história do homem na Amazônia é marcada por silêncios e ausências que acentuam a sua relativa invisibilidade e velam os traços configurativos da sua identidade. Desse modo, adentrar o universo identitário dos povos amazônicos implica


GNARUS- UFAM - 85 considerar um mundo de ambiguidades, trata-se de percorrer caminhos que se cruzam e se contrapõem, mascaram diferenciações sociais que têm entravado processos de emancipação social e política. Os estudos sobre sociedades indígenas têm demonstrado a ineficácia da aplicação de conceitos ou de categorias exteriores a elas. Assumindo esta postura, abrimos as portas para o diálogo entre nossa cultura (do investigador) e a cultura que pretendemos compreender. Ressalta-se também ser necessário que haja outras discussões sobre esta temática, uma vez que para o avanço da ciência é necessário o surgimento de questionamentos e problematizações. Paulo César Marques Holanda é Mestrando no Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas na Universidade do Estado do Amazonas Cristiano da Silva Paiva é Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Amazonas

Referências BARBOSA RODRIGUES, J. 1892a. Antiguidades do Amazonas. A necrópole de Mirakangüéra. Vellosia. Contribuições do Museu Botânico do Amazonas (Arqueologia e Paleontologia, 1885-1888) 2: 1-40.

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