Esp11-GnarusUFAM-debate acerca das lutas

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Artigo

A QUESTÃO FUNDIÁRIA NO BRASIL E A LUTA PELA TERRA: UMA BREVE DISCUSSÃO HISTORIOGRÁFICA Por Gabriel Cruz Carneiro e Yannara Moreira Gomes RESUMO: Não se pode discutir quaisquer questões referentes aos conflitos sobre a terra sem antes buscar dar voz ao protagonismo do camponês nesses espaços de lutas, e nesse sentido, se faz necessária uma discussão que remonte os vários momentos de conflitos e resistências na história do país na tentativa de tornar claro o quão longínqua se faz a história das disputas de sangue pela terra no Brasil, e nesse sentido, o presente artigo busca construir um panorama geral que percorre do início da colonização do que viria a ser Brasil, até os anos da ditadura, tendo esse limite temporal sido escolhido por conta do período republicano em seu nascimento e com incidência maior no contexto do governo militar, o grande marco temporal da longa duração das sangrentas lutas e das firmes resistências camponesas em relação as disputas de terra, servindo também esse recorte-fim como forma proposta de trazer uma base historiográfica as discussões mais contemporâneas acerca do tema, objetivando fomentar, a partir dos diversos trabalhos evocados, terreno para um debate atual, mas também de séculos, acerca dos conflitos pela terra, menos na tentativa de esgotar as questões a serem discutidas e mais na busca por uma abertura de espaços de diálogo. Partindo desta problemática, reunimos os trabalhos de diversos autores que discutem historicamente a questão fundiária no Brasil, desde o início da colonização portuguesa até os anos de repressão levados a cabo pela Ditadura Civil-Militar, em que nós, a partir destes primorosos trabalhos, buscamos privilegiar as ações de resistência camponesa, como as articulações sindicais, ou ações de guerrilha, presentes já no período republicano, mas também os conflitos e as políticas centralizadoras e elitistas em todo o processo histórico brasileiro. Palavras Chaves: latifúndio, concentração de terras, camponês, trabalhador.

Da Chegada Portuguesa à Ditadura: Uma Breve Discussão

A

questão da terra no Brasil é uma problemática que existe desde antes do território ter essa nomenclatura, começou precisamente com a chegada dos portugueses naquele que seria um “Novo Continente” e não deixou de existir até os dias de hoje, como José Luiz Alcantara Filho e Rosa Maria Oliveira Fontes pontuam em seu artigo chamado “A formação da propriedade e a concentração de terras no Brasil1”, em que “o Brasil está entre 1 ALCÂNTARA FILHO; FONTES, 2009, p. 64

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os países mais desiguais do mundo, [...] por todo o território brasileiro é possível identificar grandes disparidades sociais, dentre elas na distribuição de renda e de terra2. A terra foi e ainda é grande motivo de lutas e de mortes por todo o solo brasileiro e nesse sentido Lucas Guedes Vilas Boas comenta em seu “Considerações sobre a concentração fundiária no Brasil” em que essa [...] concentração de terras reverbera em inúmeros processos, como a migração cam2 FILHO, José Luiz Alcantara; FONTES, Rosa Maria Oliveira. A formação da propriedade e a concentração de terras no Brasil. Revista de História Econômica & Economia Regional Aplicada, [S. l.], 2009, p. 64.


GNARUS- UFAM - 87 po-cidade e a especulação fundiária. A violên-

dividiu todo o território brasileiro per-

cia no campo é uma mazela da sociedade

tencente a Portugal em faixas, que foram

brasileira, uma vez que vários camponeses

entregues para a administração de pessoas

são assassinados todos os anos na luta pela

próximas ao rei ou de membros da nobreza

terra e por melhores condições de vida e tra-

lusitana. Os donatários “possuíam o direito

balho, sobretudo no Norte e Nordeste, as

de nomear autoridades jurídicas ou adminis-

quais apresentam os maiores índices de con-

trativas e de instituir um sistema tributário

centração do país.3

em sua capitania.”6

Os problemas em relação à terra no Brasil são [...] reflexos da construção histórica da formação da propriedade. Essa herança provém da própria dinâmica de funcionamento da colônia e das leis vigentes nesse período, as quais introduziram disparidades

Essas capitanias dividiram o Brasil em 15 extensões de terras que se tornaram propriedades dos fidalgos, tendo como uma herança o sistema de coronelismo implantado posteriormente no Brasil, e constitui o que comentam Rosaly Rocha e José Cabral no artigo “Aspectos históricos da questão agrária no Brasil” em que

na distribuição de terras e, posteriormente, na concepção mercadológica da terra4.

A situação da terra como objeto de lutas e repressão por parte do Estado começou a com chegada do colonizador lusitano, que chegara a um lugar em que não existia a lógica da terra como propriedade, sendo naquele contexto usada como bem público, de uso livre pelos nativos, mas com a chegada portuguesa e do seu estabelecimento naquele território, a Coroa Portuguesa acabou por reivindicar para si o controle daquelas terras, e com o objetivo de controlar a maior área possível de território e impedir invasões estrangeiras, sobretudo inglesas e holandesas, o futuro Brasil acabou por se tornar “[...] palco de uma intensa concentração fundiária, que se principiou com a constituição das capitanias hereditárias”5, e nesse contexto, o então rei Dom João III

a estrutura fundiária brasileira de grande propriedade formou-se a partir daí. Os grandes latifúndios escravistas são resultados desta distribuição desigual de terra iniciada com a colonização brasileira. “[...] O campo brasileiro é resultado deste processo histórico que culminou em um campo desigual.”7

Percebendo os diversos problemas que essa organização de uso da terra criara, como ofensivas indígenas, o alto custo do controle de longas extensões de terra e o baixo retorno financeiro foi instituído o sistema de sesmarias no Brasil, sendo essa uma concessão de terra que o capitão donatário dava a uma pessoa de sua confiança (geralmente da nobreza), para que gerisse e cuidasse da gleba por certo período. O indivíduo que recebia a concessão da sesmaria deveria cumprir determinadas condições,

3 BOAS, Lucas Guedes Vilas. Considerações sobre a concentração fundiária no Brasil. Revista Eletrônica Geoaraguaia, Barra do Garças, 2018, p. 33. 4 FILHO; FONTES, op cit., p. 64. 5 BOAS, op cit., p. 34.

6

Ibidem, p. 34.

7 ROCHA, Rosaly Justiniano de Souza; CABRAL, José Pedro Cabrera. Aspectos Históricos da Questão Agrária no Brasil. Revista Produção Acadêmica. Tocantins, ju. 2016. p. 76

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GNARUS-UFAM - 88 como pagamento do dízimo, o cultivo da terra num prazo máximo de um quinquênio, entre outras. No Brasil, as sesmarias foram utilizadas principalmente para o plantation da cana-de-açúcar, sobretudo no litoral nor-

mas com o declínio da escravidão principalmente pelo fim do tráfico negreiro, e dos passos dados a abolição da escravatura, as relações acabaram por se modificarem para o uso de uma mão-de-obra assalariada.

destino, onde eram construídos os afamados engenhos e havia segregação espacial entre a casa-grande e a senzala8.

A plantation seria um modelo baseado na monocultura, nas grandes extensões de latifúndio e na exportação das espécies cultivadas, [...] essas unidades de produção adotavam modernas técnicas, ou seja, apesar de utilizarem a força de trabalho da mão de

Até esse momento, a questão da terra esteve atrelada ao controle do Estado português, sendo os territórios de posse estatal e cedidos a nobres para o uso e controle, já a partir de 1850, como a Lei de Terras, a terra passara a ser transformada em mercadoria, rompendo com o sistema de sesmarias, o que acabou por privilegiar as elites e oligarquias agrárias já constituídas no país, quando na resolução da Lei

obra escrava, do ponto de vista dos meios de

seus artigos afirmavam que quem já pos-

produção, das técnicas de produção, os euro-

suísse um pedaço de terra, ganharia o doc-

peus adotaram o que havia de mais avança-

umento de sua posse, e que as terras sem

do .

proprietários, doravante a efetivação da

9

Rocha e Cabral comentam sobre as sesmarias dizendo que esse sistema de doação “[...] ocasionou a formação das grandes propriedades com a configuração do sistema do latifúndio brasileiro [...] e não favoreceu a pequena propriedade. E sem a pequena propriedade, o latifúndio constituiu a unidade econômica básica da colônia. ”10 Ou seja, o contexto da concentração de terras e da segregação das classes baixas da sociedade já se construiu no raiar da colonização, em que o controle do Estado em favor da elite nobre (mais tarde elite burguesa) se tornou o modus operandi de toda a história brasileira posterior a chegada dos portugueses. As relações de trabalho usavam dos preceitos étnicos em que o escravo, negro, era tratado como mercadoria e força de trabalho,

lei, pertenciam ao Estado brasileiro. Deste modo, a terra só poderia ser obtida por meio de compra, troca ou por doação estatal, beneficiando os latifundiários11.

Em teoria, com a Lei da Terra, “qualquer cidadão brasileiro poderia se transformar em proprietário privado de terras, [porém] para ocorrer o direito à propriedade era necessário pagar certo valor a coroa.”12. É importante notar o que está atrelado a essa nova forma de organização sobre a terra, agora sendo tratada como mercadoria, e nesse sentido a Lei da Terra era o casamento do capital com a propriedade privada, com uma intenção implícita de evitar que o ex-escravo, agora livre, e o imigrante chegado ao país, adquirissem o acesso à terra, perpetuando então a desigualdade social e fundiária que, de forma amálgama, privilegiara as elites. Falou-se do fim da es-

9 Ibidem, p. 35.

11BOAS, Lucas Guedes Vilas. Considerações sobre a concentração fundiária no Brasil. Revista Eletrônica Geoaraguaia, Barra do Garças, 2018, p. 36.

10 ROCHA; CABRAL, op cit, p. 77.

12 Ibidem, p. 77.

8 Ibidem, p. 35.

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GNARUS- UFAM - 89 cravidão, mas a exploração para o cultivo da terra continua presente, e uma das formas de uso exploratório da força de trabalho desenvolvidas nesse novo contexto era o aviamento, que funcionava com o

do, como Bernardo Fernandes comenta em seu artigo “Brasil: 500 anos de luta pela terra”, em que “a luta pela liberdade desdobrara, igualmente, na luta pela terra.”14 E seguindo o debate de Fernandes, este comenta que

trabalhador – quase sempre impelido a

[...] os ex-senhores de escravos trans-

este trabalho pelas deletérias condições de

formados em senhores da terra passaram

vida em que se encontra – recebe adiantam-

a grilar a terra. E para construírem a trama

ento da Casa Aviadora, que funciona como

que dominaria as terras do Brasil, explor-

uma espécie de intermediário entre o peão

aram os trabalhadores. Estes transformaram

(seringueiro) e o exportador. Como não

florestas em fazendas de café ou de gado,

consegue quitar o empréstimo, permanece

mas foram expropriados, expulsos, sempre

num regime praticamente escravocrata,

sem-terra. Assim, nasceu o posseiro, aquele

tendo que trabalhar até conseguir saldar

que possuindo a terra, não tem o seu domí-

a dívida, algo que muitas vezes não acon-

nio. A posse era fruto do trabalho e o domí-

tece .

nio era resultado do poder15.

13

Esse sistema, que ainda funciona nos dias de hoje, é em si uma espécie de escravidão contemporânea, quando além desse sistema de endividamento (que por si só já se caracteriza como uma prática desumana), era também (e continua sendo) perpetuado por uma violenta coerção e opressão dos trabalhadores. Nesse sentido, pode-se afirmar que a escravidão deu lugar ao cativeiro, quando os funcionários eram submetidos a jornadas de trabalho quase intermináveis, como forma de impedir que os trabalhadores livres deixassem de fornecer força de trabalho constante aos grandes fazendeiros, e como sendo o Brasil até meados do século XX um país majoritariamente agrário, o emprego se encontrava quase que somente no campo. Com declínio da escravidão, aqueles antes escravos eram forçados a regimes de trabalho exaustivos, que agora livre, eram obrigados a vender sua força de trabalho aos senhores de terra dentro desse regime agora capitalista que monopolizava a terra. Os homens eram livres, a terra tornou-se cativa, e nesse senti13 Ibidem, p. 37.

Na República Velha, muitos conflitos sobre a terra aconteceram no Brasil, seria o que Bernardo Fernandes coloca como a “guerra contra os camponeses”, e um desses conflitos que marcaram a história do país fora a Guerra de Canudos (1896 – 1897) cuja memória se faz enormemente presente quando se discute lutas de terras, sendo um dos maiores exemplos de resistência camponesa do Brasil, quando Os camponeses sem-terra acamparam na fazenda Canudos em 1893 e passaram a chamar o lugar de Belo Monte. A organização econômica se realizava por meio do trabalho cooperado, o que foi essencial para a reprodução da comunidade. Todos tinham direito à terra e desenvolviam a produção familiar, “garantindo um fundo comum para uma parcela da população, especialmente os velhos e desvalidos, que não tinham como subsistir dignamente”16. 14 FERNANDES, Bernardo Muçano. Brasil: 500 anos de luta pela terra. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. 2 jun 2014. p. 2. 15 FERNANDES, Bernardo Muçano, jun 2014. p. 2 16 Ibidem, p. 3.

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GNARUS-UFAM - 90 É possível perceber uma organização comunitária funcional nas dinâmicas de vivência em Belo Monte, porém, os “rebeldes” canudos, foram tratados “reacionários”, “fanáticos”, subversivos da República, então para o Estado e para os grupos latifundiários, em que “derrotar Canudos significava mais força política entre militares e civis”17. Sendo Canudos o conflito, ou mais precisamente, o massacre, mais sangrento da história do Brasil. Já no século XX, semelhante a Canudos, teve o Contestado, revolta ocorrida no Paraná e em Santa Catarina entre 1912 e 1916, em que ao serem expulsos de suas terras por conta de uma concessão do Estado daquelas áreas para a construção de uma ferrovia que ligaria São Paulo e Rio Grande do Sul, os camponeses daquela área criaram resistência, sofrendo enorme repressão por parte das forças do Estado e da polícia.

cultura”, como uma “[...] frente do autoritarismo para aumentar a sua área de manobra, representou analogicamente a tentativa de agir sobre a terra onde não se havia estabelecido a grande propriedade tradicional.”19 Atrelada a essa perspectiva temos também a discussão que levanta Matheus Arrais em seu “A Marcha para o Oeste e o Estado Novo: A conquista dos sertões” em que o Estado “estabelecia como meta estratégica para a segurança nacional ume efetivo controle sob povo e território [...] a partir do povoamento para o interior.”20 O que, de forma mais clara, seria a expansão do sistema latifundiário, marcado pela baixa produtividade e pela cada vez mais alargada concentração de terras. Vilas Boas comenta que neste contexto, os principais fatores que contribuíram com a Marcha para o Oeste foram os projetos e incentivos governamen-

Indo ao contexto do Estado Novo, governo de Getúlio Vargas, foi instituída uma política de expansão chamada “Marcha para o Oeste”, com o discurso de que era preciso “integrar para não entregar”, em que o processo fora

tais à migração para os estados do Norte e do Centro-Oeste, com doações de terras e incentivos financeiros; a mudança de desempregados vindos do Nordeste e do Sudeste, que buscavam melhores condições de vida e; a ampliação de terras de agricultores paulistas, que já não encontravam mais espaço

marcado pela migração de trabalhadores para a região Norte e Centro-Oeste do país,

livre em São Paulo para aplicarem seu capital e expandirem suas lavouras21.

como forma de povoá-las e de integrar as regiões nacionais. A época julgava-se fundamental ocupar todo o território e integrá-lo, como forma de dificultar possíveis invasões de exércitos inimigos.18

A funcionalidade da Marcha é claramente uma forma de expansão dos territórios cultiváveis, a partir da necessidade de novas terras, agindo, como Otavio Guilherme Velho (1982, p.59) expõe no livro “Sociedade e Agri-

O governo precisava justificar o projeto da Marcha, e para isso fez uso da ferramenta de ressaltar um espírito nacionalista que tinha por objetivo integrar a pátria e superar o subdesenvolvimento. Em seu trabalho, Matheus Arrais apresenta um fragmento do discurso de Getúlio Vargas em 1938 acerca da Ordem e 19 VELHO, Otavio Guilherme. Sociedade e Agricultura. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

17 Ibidem, p. 3.

20 ARRAIS, Matheus Eurich. A Marcha para o Oeste e o Estado Novo: A conquista dos sertões. 2016. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História) – Universidade de Brasília, 2016. P. 4-5.

18 Ibidem, p. 38.

21 Ibidem, p. 39.

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GNARUS- UFAM - 91 do Progresso em que o presidente diz:

“arrendatários”, “colonos”, “moradores” e “pequenos produtores”23

Um país não é apenas uma aglomeração de indivíduos em território, mas é, principalmente, uma unidade de raça, uma unidade de língua, uma unidade de pensamento. Para se atingir esse ideal supremo, é necessário, por conseguinte, que todos caminhem juntos em uma prodigiosa ascensão [...] para a prosperidade e para a grandeza do Brasil.22

Nesse sentido, o governo procurou mascarar os problemas do campo, criando uma ilusão utópica de somente qualidades no sertão, apagando as heterogeneidades e os problemas no campo.

Clifford Andrew Welch, em: “Movimentos Sociais no campo até o Golpe Militar de 1964: a literatura sobre as lutas e resistências dos trabalhadores rurais do século XX”, acrescenta nessa discussão sobre o aparelhamento dos sindicatos pelo Estado dizendo que [...] Para os estadistas vinculados a Vargas, o sindicato oferecia uma maneira de controlar a classe trabalhadora e algumas facções da oligarquia rural concordavam com a ideia, confiantes de que o sindicato patronal sempre seria mais forte e hábil que os trabalhadores.24

Na realidade, existia uma disparidade enorme na questão fundiária que acabou por provocar conflitos, porque enquanto os proprietários de terras fazem uso delas e retiram seus lucros, os camponeses trabalhadores acabam por se verem no regime de exploração das suas forças de trabalho, por não ter posse das terras em que trabalha, assim sendo, a privação da terra acaba por produzir escassez em sua essência, a partir do momento em que conceder a terra apenas aquelas que por ela pudessem pagar, o que acaba por obrigar aqueles que não podem, a se submeterem a condições de subsistência de trabalho. E em um contexto de eminentes conflitos, um dos dispositivos do governo de tutelar a ação dos camponeses era a legalização dos sindicatos aparelhados pelo Estado, como comenta Marcus Dezemone, em seu artigo Conflitos rurais no Brasil: breve exame do século XX, quando [...] a lei somente permitia sindicatos rurais para a categoria dos “empregados rurais”, o que excluía amplos contingentes não enquadrados nessa definição “técnica”, tais como “posseiros”, “meeiros”, “foreiros”, 22 Ibidem, p. 7.

A formação dos sindicatos no Brasil pode ser entendida como uma luta de uma classe vanguardista revolucionária frente a outra classe elitista reacionário, o que vai de encontro a uma discussão apresentada no livro “História Geral da Civilização Brasileira”, organizado por Boris Fausto, especificamente no capítulo dedicado a questão agrária em que “[...] uma das razões que impediram a constituição de uma consciência camponesa mais reivindicativa foi, no caso brasileiro, a solidez das alianças que se teceram, [...] entre as diferentes frações das elites agrárias e o poder central.”25 No período democrático, de 1946 até 1964, e em consonância com essa problemática da constituição dos sindicatos herdada pelo Estado Novo, os três principais eixos das mobilizações no campo no período “[...] foram o 23 DEZEMONE, Marcus. Conflitos rurais no Brasil: breve discussão do século XX. Revista Cantareira, Rio de Janeiro, nov 2002. p. 4.

24 WELCH, Clifford Andrew. Movimentos Sociais no campo até o Golpe Militar de 1964. Lutas & Resistências, Londrina, p. 60 – 75, set 2006. p. 62. 25 FAUSTO, Boris et al. História Geral do Brasil Republicano: sociedade e política (1930 – 1964). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. p. 155

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GNARUS-UFAM - 92 PCB, as Ligas Camponesas e a Igreja Católica.”26 Para se ter uma

o governo brasileiro investiu maciçamente em pesquisas no setor agrícola, oferecendo inúmeros benefícios e disponibilizando

ideia [...] em 1963, [...] somente no estado

uma verba elevada para tal objetivo. Contu-

de Pernambuco, berço das Ligas Campone-

do, tais investimentos estatais eram efetua-

sas, estes sindicatos de orientação católica

dos em prol do agronegócio, intensificando

respondiam por 200.000 afiliados enquanto

a amálgama existente entre agricultura e in-

que as Ligas possuíam 40.000.

dústria no país.30

27

Parte da justificativa desse “boom” dos sindicatos pode ser atribuída ao governo de João Goulart, “onde a questão da sindicalização rural ganharia um novo tratamento como parte da estratégia de ampliação do apoio político para pressionar o Congresso Nacional na implementação das reformas de base, entre elas a reforma agrária.” 28 E partindo dessa perspectiva, a reforma agrária em si, um dos carros chefes do governo Jango, poderia (e de fato foi) ser tratada pelas elites como um atentado a propriedade privada, um anticapitalismo, por ir contra os interesses elitistas de concentração das terras, funcionando como um dos grandes pilares em que se articulou a derruba de Goulart e o Golpe Civil-Militar, claro, não deixando de lado outras questões que também influenciaram esse processo.

E esse aumento do uso de maquinários na agricultura foi um dos motivos do êxodo rural por parte das elites oligárquicas que preferem o uso das máquinas ao uso de proletários assalariados.

Ao imediato da instauração militar no governo pós-golpe, o Estado

so a terra. Contudo, dificultou o ingresso do

A partir de uma necessidade de suprimir as ações camponesas, o governo do General Costa e Silva lançou o Estatuto da Terra, que prometia uma reforma agrária, mas apenas funcionou como forma de acalmar os levantes populares. Em sua essência [...] a reforma agrária proposta pelo Estatuto não prejudicaria os latifundiários, uma vez que não confiscaria suas terras. O documento permitia a conjugação do uso e ocupação do solo com a manutenção da propriedade capitalista, beneficiando os grandes proprietários rurais e favorecendo seu acesenorme contingente de proletários sem-terra aos meios de produção. De acordo com

[...] efetua uma forte repressão aos mov-

as normas do Estatuto, só haveria desapro-

imentos sociais no campo. [...] Influenciado

priação em situações de graves tensões soci-

pelos EUA, na tentativa de diminuir as tensões

ais.31

sociais no campo e evitar movimentos semelhantes aos de China e Cuba, o governo aprova o Estatuto da Terra, ainda em 1964.

29

Na conjuntura da Ditadura a partir de 1964, 26 Ibidem, p. 5.

Em sua estrutura socioeconômica, o Estatuto acabava por favorecer os latifundiários, como já dito, “favoreceu as grandes propriedades, pois nestas havia-se maiores facilidades de modernização do campo e acesso a crédi-

27 Ibidem, p. 6. 28 Ibidem, p. 6.

30 Ibidem, p. 45.

29 DEZEMONE, 2002, 7

31 Ibidem, p. 49.

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GNARUS- UFAM - 93 to.” 32 Inclusive após o golpe, a resposta do Estado aos movimentos rurais foi a de uma severa política de repressão, criando condições favoráveis para a implementação das políticas necessárias para a afirmação do modelo de desenvolvimento capitalista monopolista, e reprimindo vorazmente ou aparelhando os sindicatos, como comenta Welch33, em que “A Ditadura não perdeu tempo em sua repressão ao movimento sindical dos trabalhadores rurais. Quase 80% dos sindicatos recém-formados tiveram seus registros cancelados”. O que quebra de forma abrupta com as articulações construídas principalmente durante o governo Goulart, em que o governo militar a partir de uma perspectiva corporativista, matinha alguns sindicatos para que estes funcionassem como seu “braço útil” para uma homogeneização do país que viria apoiada na supressão dos movimentos dos trabalhadores.

Gabriel Cruz Carneiro e Yannara Moreira Gomes são Graduandos em Licenciatura em História pela UFAM.

Referências ARRAIS, Matheus Eurich. A Marcha para o Oeste e o Estado Novo: A conquista dos sertões. 2016. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História) – Universidade de Brasília, 2016. Disponível em: http://bdm.unb.br/bitstream/10483/15448/1/2016_MateusEurichArrais_ tcc.pdf Acesso em: 18 maio 2019 BOAS, Lucas Guedes Vilas. Considerações sobre a concentração fundiária no Brasil. Revista EletônicaGeoaraguaia, Barra do Garças, 2018. Disponível em: https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=13&ved=2a-

hUKEwjSudPvv5TiAhWxIrkGHX6yCh4QFjAMegQIBRAC&url=http%3A%2F%2Fperiodicoscientificos. ufmt.br%2Fojs%2Findex.php%2Fgeo%2Farticle%2Fdownload%2F6982%2F4582&usg=AOvVaw3c6pLuW2BEHZJmPoOwQFkh. Acesso em: 10 maio 2019 BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório: textos temáticos/Comissão Nacional da Verdade – Brasília: CNV, 2014. 216p. – (Relatório da Comissão Nacional da Verdade; v, 2) DEZEMONE, Marcus. Conflitos rurais no Brasil: breve discussão do século XX. Revista Cantareira, Rio de Janeiro, nov 2002. Disponível em: http:// www.historia.uff.br/cantareira/edic_passadas/v1/ conflitosrurais.pdf Acesso em: 18 maio 2019 FAUSTO, Boris et al. História Geral do Brasil Republicano: sociedade e politica (1930 – 1964). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. FERNANDES, Bernardo Muçano. Brasil: 500 anos de luta pela terra. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. 2 jun 2014. Disponível em: http://www.incra.gov.br/servicos/publicacoes/outras-publicacoes/file/762-brasil-500anos-de-luta-pela-terra Acesso em: 18 maio 2019 FILHO, José Luiz Alcantara; FONTES, Rosa Maria Oliveira. A formação da propriedade e a concentração de terras no Brasil. Revista de História Economica& Economia Regional Aplicada, [S. l.], 2009. Disponível em: - http://www.ufjf.br/heera/ files/2009/11/ESTRUTURA-FUNDI%C3%81RIA-ze-luispara-pdf.pdf. Acesso em: 10 maio 2019. ROCHA, Rosaly Justiniano de Souza; CABRAL, José Pedro Cabrera. Aspectos Históricos da Questão Agrária no Brasil. Revista Produção Acadêmica. Tocantins, ju. 2016. Disponível em: https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/producaoacademica/article/download/2963/9286/. Acesso em: 18 maio 2019 VELHO, Otavio Guilherme. Sociedade e Agricultura. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. WELCH, Clifford Andrew. Movimentos Sociais no campo até o Golpe Militar de 1964. Lutas & Resistências, Londrina, p. 60 – 75, set 2006. Disponível em: http://www.uel.br/grupo-pesquisa/ gepal/revista1aedicao/lr60-75.pdf Acesso em: 18 maio 2019.

32 FILHO, FONTES, 2009, p. 68 33 WELCH, 2006, p. 62

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