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Artigo
DEBATE ACERCA DA LUTA DOS CAMPONESES NO BRASIL A PARTIR DOS RELATÓRIOS DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE: UMA BREVE DISCUSSÃO SOBRE A CNV, A GUERRILHA DO ARAGUAIA E OS POVOS DA FLORESTA Por Gabriel Cruz Carneiro e Yannara Moreira Gomes RESUMO: Neste artigo o que buscamos é o protagonismo do sujeito camponês na luta e resistência no campo, em busca uma quebra com a negação da existência de conflitos pelas forças armadas e a partir disso, o artigo discutirá primeiro a sessão do relatório da Comissão Nacional da Verdade referente os direitos violados dos camponeses e as lutas no campo, expondo as direções e as articulações projetadas nesse conjunto documental, depois iremos abordar de forma a tentar fomentar o debate sobre duas lutas especificas apresentadas nas páginas do relatório, a Guerrilha do Araguaia e os “Povos da Floresta”, fazendo uso dessas duas lutas na expectativa de exemplificar os horrores cometidos aos camponeses no contexto de antes, durante e até posterior a Ditadura e também, especificamente em relação aos Povos da Floresta, de ambientar mais a discussão no contexto da Amazônia, por conta de uma necessidade de ampliação do debate acerca das ações e conseqüências do período de governo militar no Norte do país. Partimos das páginas dos relatórios da CNV na construção deste artigo, fazendo uso de diversos autores que buscaram discutir a questão da terra no Brasil, ou buscaram centrar seus debates nas lutas especificas que escolhemos privilegiar nesta proposta de debate que é este artigo, e assim, a partir das contribuições ímpares destes autores, e dos documentos de importância inestimáveis presentes nos relatórios da comissão, buscamos traçar esse panorama de debate acerca dessa figura de resistência que é o camponês e o cenário de repressão ferrenha do século XX. Palavras-chave: Camponês, Resistência, Ditadura, CNV.
Introdução
A
luta pela terra é algo que se dá antes mesmo do homem branco pisar nas terras recém invadidas que viriam a ser o Brasil, mas mesmo com os milhares de indígenas que aqui viviam os conflitos eram de forma exorbitantemente menor, ligadas às disputas entre comunidades nativas, sendo realmente agravados com a chegada do colonizador, que trazia
consigo a lógica exploratória e de enriquecimento pela terra, e tal questão se fez em valer em larga escala durante o século XX, com as políticas varguistas e com a Ditadura Civil-Militar, além de ser uma conjuntura que chegou a contemporaneidade do século XXI. A Comissão Nacional da Verdade1 é uma Uma leitura das páginas da CNV permite uma reflexão muito mais sensível e crítica acerca dos processos ocorridos principalmente dentro do contexto da Ditadura, em que este material documental pode ser visto como 1
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GNARUS-UFAM - 30 obra que foi erguida através de lutas e sangue, uma junção de documentos que relatam de forma detalhada e mais esclarecedora possível alguns dos acontecimentos que ocorreram no país antes e durante o Golpe de 1964, que resultou na Ditadura Civil-Militar. Dentro da CNV existem eixos temáticos de lutas específicas de cada movimento, neste artigo será tratado da luta pela terra, da luta no campo, da luta dos camponeses, com ênfase em duas lutas especificas. Nessa perspectiva em relação ao contexto da Violação dos Direitos Humanos dos Camponeses, que é o foco aqui, em que “o objetivo deste [...] é identificar e tornar públicos estruturas, locais, instituições, circunstâncias e autorias de violação de direitos humanos no campo brasileiro, entre 1946 e 1988.2” Em apoio ao grupo de trabalho da CNV, fora criada a CCV, Comissão Camponesa da Verdade, em 2012, “constituída por entidade e movimentos sociais ligados ao campo e por uma rede nacional de professores e pesquisadores3”. Durante o governo do General Médici, a ditadura se encontrava nos seus anos de maior repressão aos seus opositores, sendo tal período classificado como os “Anos de Chumbo da Ditadura”, as forças militares de ordem efetuavam prisões e buscavam desarticular movimentos de organizações de resistência e suprimir o que de forma fantasiosa era colocado como o “perigo vermelho”, ou a “ameaça comunista”, enquanto os militantes revolucionários buscavam se articular em suas tentativas de resistências e lutas. A Amazônia, uma das áreas de lutas a serem tratadas mais a frente, enfrentava uma realidade recheada de conflitos e enfrentamentos, sendo conhecidos popularmente como os “povos da floresta”, recebiam esse nome devido à maneira em que buscavam seus sustentos, através de recursos que eram extraídos uma História vista de baixo, no sentido de dar voz a toda uma gama de diferentes sujeitos que existiram nesse momento de extrema repressão política. Brasil. Comissão Nacional da Verdade. Relatório: textos temáticos/Comissão Nacional da Verdade – Brasília: CNV, 2014. p. 93.
da floresta Amazônica e por isso passaram a enfrentar os mais variados conflitos devido as políticas latifundiárias de controle da floresta, para a implantação de projetos que foram iniciados no governo de Getúlio Vargas e perduraram durante o governo militar. Outro ponto de debate e luta na Amazônia a ser retratado neste artigo é a guerrilha e a resistência armada estabelecida na região do Araguaia, seu papel, suas estruturas e conflitos. Compreender as condições que levaram o Partido Comunista do Brasil (PC do B) a dirigir seus militantes a uma região deslocada dos grandes centros urbanos em busca da “libertação nacional” ou do “sonho do socialismo”. Diante de uma monumental escala de intervenção territorial que atinge simultaneamente populações indígenas e camponesas diversas, “estas passam a buscar formas de enfrentamento correspondentes às necessidades de sobrevivência4”. Visto que os povos que ocupavam as terras próximas a esses lugares sofreram um grande impacto com os danos causados, tanto pelo desmatamento quanto pela violência que sofriam pelos militares e dos capangas dos fazendeiros que tinham a conivência das polícias locais para reprimirem os seringueiros que trabalhavam nas regiões e que faziam resistência, o que resultou em diversos casos de mortes e desaparecimentos de seringalistas, como expõe as páginas da CNV. O conjunto de políticas estabelecidas pela ditadura militar no sentido de “integrar” a Amazônia ao “desenvolvimento” do país, mormente àquelas voltadas para implementação de grandes projetos na área de mineração e siderurgia, pecuária extensiva de corte, exploração florestal madeireira e toda implantação de infraestrutura a eles associados, como energia, transporte e comunicação, produziram, em pouco mais de uma década, impactos profundos sobre a vida das populações locais e o meio ambiente em geral.5 PAULA, Elder Andrade. SILVA, Silvio Simione. Movimentos sociais na Amazônia brasileira: vinte anos sem Chico Mendes. Revista Nera, Presidente Prudente, n°13, Julho/Dezembro 2008. p. 107.
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PAULA, Elder Andrade. SILVA, Silvio Simione. Movimentos sociais na Amazônia brasileira: vinte anos sem
GNARUS- UFAM - 31 Em 1975, o SNI entregou ao ministro da Justiça, Armando Falcão, três grandes volumes com informações sobre conflitos de terras no Pará por eles intitulados “Conflitos Relativos à posse da terra no Pará”. Nesses volumes, eram relatados em detalhes questões de terra em praticamente todas as regiões do Estado, em especial àquelas localizadas em áreas de expansão rodoviária no nordeste, sudeste e sul. Com todos esses arquivos liberados é feito uma investigação ao respeito das terras tiradas do povo. Outro ponto de debate e luta a ser retratado neste artigo é a guerrilheira e a resistência armada estabelecida na região do Araguaia, seu papel, suas estruturas e conflitos. Compreender as condições que levaram o Partido Comunista do Brasil (PC do B) a dirigir seus militantes a uma região inóspita e remota em busca da “libertação nacional” ou do “sonho do socialismo”. Comissão Nacional da Verdade: Violação dos Direitos Humanos dos Camponeses A criação da CNV tem por finalidade explícita o que está escrito já em seu primeiro capítulo, em que A criação de uma Comissão Nacional da Verdade, com o objetivo de promover a apuração e o esclarecimento público das graves violações de direitos humanos praticados no Brasil, [...] assegurará o resgate da memória e da verdade sobre as graves violações de direitos humanos ocorridas no período [de 1946 – 1988], [...] contribuindo para o preenchimento das lacunas existentes na história de nosso país em relação a esse período e, ao mesmo tempo, para o fortalecimento dos valores democráticos.6
Em sua essência, a Comissão tem em seu objetivo mais claro dar luz as graves ações do Estado em articulação com as oligarquias latifundiárias, e do Estado Militar Ditatorial instaurado em 1964, na tentativa de valorizar
e relembrar além da memória dos que foram mortos e desaparecidos no período, busca também deixar claro a população sobre a importância das instituições democráticas e da legitima liberdade de expressão. Em 2009, na 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, reuniram-se em Brasília cerca de 1.200 delegados de conferências estaduais, convocados pela Secretaria de Direitos Humanos “[...] para revisar e atualizar o Programa Nacional de Direitos Humanos”7, em que, o então presidente Luis Inácio Lula da Silva assinara a apresentação do programa, ato que deixava clara a necessidade da criação de uma comissão da verdade que pudesse dar conta de “tudo o que passou naquela fase lamentável da nossa vida republicana,”8 buscando que o país nunca mais se encontrasse neste contexto de repressão violenta e que tais atos hediondos nunca mais sejam praticados pelo, ou com a conivência, do Estado. Já em novembro de 2011, a pedido da então ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário Nunes, o decreto de lei n 12.528 foi assinado pela então presidenta da República Dilma Rousseff, sendo a lei instaurada de fato em maio de 2012 em cerimônia no Palácio do Planalto “com a afirmação de que a verdade era merecida pelo Brasil, pelas novas gerações e, sobretudo, por aqueles que perderam parentes e amigos.”9 Em suas funções, Os trabalhos da CNV procuraram responder às reivindicações de perseguidos políticos, preso durante a ditadura, que se arriscaram denunciando a tortura sofrida nas dependências militares. Alinharam-se aos esforços dos familiares na incessante busca de informação a respeito das circunstancias da morte e do desaparecimento de seus entes queridos. Dialogaram com instancias estatais que reconheceram a responsabilidade do Estado brasileiro por graves violações de direitos humanos.10 7
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GNARUS-UFAM - 32 E lavando nessa perspectiva, indo em relação ao contexto da Violação dos Direitos Humanos do Camponeses, que é a carta foco desse artigo – relatório, em que o objetivo deste “[...] é identificar e tornar públicos estruturas, locais, instituições, circunstancias e autorias de violação de direitos humanos no campo brasileiro, entre 1946 e 1988”11 Em apoio ao grupo de trabalho da CNV, fora criada a CCV, Comissão Camponesa da Verdade, em 2012, “constituída por entidade e movimentos sociais ligados ao campo e por uma rede nacional de professores e pesquisadores.”12 Uma coisa a deixar clara é a importância da temática e da abordagem dessa carta, em que [...] Apesar dos processos históricos de luta por direitos e resistência à expropriação, há um esquecimento da história dos camponeses, tanto em relação ao seu protagonismo (na luta contra a ditadura) como nos processos de reparação.13
Antes de falar de conflitos específicos e relatar as mortes, torturas e desaparecimentos decorrentes destes conflitos, a carta busca fazer uma abordagem teórica acerca da luta de terras na história do Brasil, em que “[...] desde a colonização, [fora] orientada pela lei do mais forte.”14 Que se inicia com a chegada portuguesa no Brasil, primeiramente com a concessão de capitanias hereditárias. Compreender essa estrutura de administração que concentra a terra nas mãos das elites desde o início da história luso-brasileira se faz necessário para entender, dentro dos vários contextos posteriores à chegada portuguesa, e desemborcando no período abordado pela CNV (que vai de 1946 até 1988) que a história não é feita de cortes abruptos, sendo muito mais constituída de processos de continuidade dentro de uma lógica de longa duração.
A ditadura, como comenta a carta, tinha no seio do seu projeto uma gritante contradição, se por um lado os governos militares investiram na modernização do país, a partir de grandes obras de infraestrutura e iniciativas de apoio à indústria nacional, por outro lado trabalharam com o objetivo evidente de impedir, com brutalidade quando necessário, a melhoria das relações de trabalho e a democratização das condições da posse da terra.15
E esse processo de privação do acesso à terra, na Ditadura somente veio a se tornar mais descaradamente repressor, no entanto, existe desde quando começou a se aplicar a ela uma lógica de propriedade, em que o Estado sempre agiu como afirmador dessa separação do uso da terra. Outra pontuação importante da carta é em relação ao contexto político presente nos conflitos, sendo, como já dito, a ação repressora do Estado em articulação com os grandes latifundiários, que buscava desapropriar as terras de uso dos posseiros em favor da monopolização do grande agronegócio, em que este Estado Brasileiro esteve quase sempre ao lado dos grandes invasores de terras e dos beneficiários de fraudes cartorais - fossem empresas, fossem famílias tradicionais – contra posseiros que tiravam delas sua sobrevivência.16
Em seguida, a carta se propõe a falar dos conflitos, das expulsões dos posseiros, das repressões do Estado, das mortes e das torturas acontecidas em diversas áreas do país. Sempre seguindo uma estrutura que começa com uma apresentação e discussão sobre o conflito, depois com um subtópico dedicado as vítimas assassinadas, das vítimas sem dados, dos casos de perseguição e tortura acontecidos e das prisões.
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Brasil. Comissão Nacional da Verdade. 2014. p. 93 Brasil. Comissão Nacional da Verdade. 2014. p. 94
GNARUS- UFAM - 33 A Guerrilha do Araguaia Durante o governo do General Médici, a ditadura se encontrava nos seus anos de maior repressão aos seus opositores, sendo tal período classificado como os “Anos de Chumbo da Ditadura”, as forças militares de ordem efetuavam prisões e buscavam desarticular movimentos de organizações de resistência e suprimir o que era colocado como o “perigo vermelho”, ou a “ameaça comunista”, enquanto os militantes revolucionários buscavam se articular em suas tentativas de resistências e lutas. No contexto do Araguaia, seguindo o que seria o estabelecimento de uma guerrilha rural, inspirados pelas resistências vietnamitas e pelas ações de Che Guevera, buscavam nessas manobras uma forma de derrubar o governo militar, e nessa perspectiva, o movimento que em êxito conseguiu estabelecer um estrutura de guerrilha de fato fora, como pontua Jeferson Kappes no seu trabalho intitulado “A Guerrilha do Araguaia: a luta armada no campo e suas consequências”, “[...] o PC do B (Partido Comunista do Brasil), que em meados de 1966-67 deslocou os primeiros militantes até o Araguaia e começou a implantar algumas ações de reconhecimento,”17 que, ao invés de centrar seu foco na guerrilha urbana, juntou recursos para se estabelecer no meio rural.
depois de muita organização e diversas tentativas de argumentações do PC do B, de acordo com Kappes, tornou-se insustentável politicamente o “diálogo”, pois os canais de comunicação estavam todos interditados. Outro fator que agravou a situação, foi o AI-5 (Ato Institucional nº 5)19, um Ato que visava a forte repressão e permitia que diversos direitos fossem feridos, sendo pautados pelo governo ditatorial. Nesse período é certo, que a crescente de desaparecimentos, mortes, torturas e a repressão das mais diversas formas, a Guerrilha do Araguaia foi e é ainda hoje um forte marco na história brasileira, sendo considerada como uma página que ainda hoje é negada pelos militares, onde existem relatos e marcas de vítimas que sobreviveram as mãos dos militares, mas a negativa por parte desses homens, mostra que mesmo os vencidos estejam apontando fatos e que tenham provas de tais momentos de repressão, expõem que o lado dos vencidos só é considerado quando e como convém para uma determinada camada populacional elitizada. A guerrilha armada, não era de interesse inicial dos militantes do PC do B, mas acabou por se tornar a única via de possibilidade com o aumento da repressão por parte do Estado. E ligado a isso, o quadro de extrema violência se fazia presença na região, atrelados de forma íntima a questão da terra, em que os grileiros e latifundiários se valiam das fragilidades da lei de posse e de artifícios ilegais para tomar domínio das terras.
Parte das estratégias do partido estava em buscar apoio das comunidades, tornar o movimento mais popular, trazendo um público que viviam nessas localidades, aos poucos o movimento foi ganhando força e notoriedade. Tal ganho de apoio fez com que o Exército instigasse uma imagem negativa para os camponeses e pessoas que simpatizavam com a causa camponesa, sedo classificados, segundo a CNV como ““bandidos” e “terroristas”. Ainda assim, mais alguns camponeses aderiram à “guerrilha.”18.
Enquanto do outro lado da luta, houve relatos que os guerrilheiros tinham apoio das populações, “que embora, poucos pegassem em armas contra o exército, eles ajudavam de alguma forma os “povos das matas” ou “paulistas”, com suprimentos e informações,”20 que desiludidos com o poder público, abraçavam a causa revolucionária.
O contexto inicial da Guerrilha do Araguaia, não fazia uso de forças de fogo, no entanto, com o acirramento do combate no campo, e
Aos poucos os militantes foram caindo, as diferenças de forças eram enormes, o governo investira de forma massiva na sua busca
KAPPES, Jeferson. A guerrilha do Araguaia: a luta armada no campo e suas consequências históricas. 2017. p. 12.
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Instituído em 1968, no governo do General Costa e Silva, o AI-5 é a maior expressão do autoritarismo e da repressão da Ditadura Militar. 20
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GNARUS-UFAM - 34 por reduzir a nada as ações dos guerrilheiros, e tendo derrotado o movimento, os militares se empreenderam na tentativa de “apagar” os rastros do acontecido, tendo o episódio final da repressão a chacina da Lapa, “onde vários dirigentes comunistas do PC do B foram metralhados sem chance de reação e sem oportunidade de defesa.”21. Hoje, a Guerrilha é pouco retratada de forma profunda para a população brasileira, sendo considerada como um movimento de esquerda que buscava apenas manchar a “Gloriosa Revolução de 1964” ou “Revolução Militar”, negando assim, a forte repressão dos militares as forças camponesas e com isso, resta usar de fontes jornalísticas que são registros midiáticos para pautar uma discussão que já deveria ser amplamente exposta para o povo. Principalmente na conjuntura que o país encontra-se, onde comemorações são visitas pelos 55 anos de Ditadura Civil-Militar, Peixoto afirma que o povo continua abandonado, mesmo que não se exista hoje Ditadura militar, o povo permanece esquecido, o campo permanece negligenciado pelo Governo.
cional (PIN) anunciado em 1970, pelo general Emílio Garrastazu Médici que tinha como finalidade a criação de estradas que ligassem as regiões centrais do Brasil a floresta Amazônica e foi uma tentativa também na redução dos conflitos existentes na região quanto a ocupação das terras. A transamazônica, Cuibá-Santarém, BR 364 foram criadas com base nesses projetos. Diante de uma monumental escala de intervenção territorial que atinge simultaneamente populações indígenas e camponesas diversas, estas passam a buscar formas de enfrentamento correspondentes às necessidades de sobrevivência22. Visto que os povos que ocupavam as terras próximas a esses lugares sofreram um grande impacto com os danos causados, tanto pelo desmatamento quanto pela violência que sofriam pelos militares e dos capangas dos fazendeiros que tinham aval da polícia para reprimirem os seringueiros que trabalhavam na região e que não concordavam com as ações, fazendo com que houvesse a morte de muitos seringueiros.
Os ditos “povos da floresta” recebiam esse nome devido a maneira em que buscavam seus sustentos, através de recursos que eram extraídos da floresta Amazônica e por isso passaram a enfrentar os mais variados conflitos devido a tentativa de derrubada da floresta, para a implantação de projetos que foram iniciados no governo de Getúlio Vargas e perdurou até os militares.
Um dos seringueiros assassinados foi Wilson de Souza Pinheiro, primeiro líder dos povos da floresta, presidindo e organizando por duas vezes o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Basileia. Sob sua liderança em 1976 os seringueiros criaram um plano intitulado de “os empates às derrubadas” onde todos se reuniam com as famílias e encaminhavam-se para a área de desmatamento e colocava-se a frente das seringueiras com o intuito de impedir que as máquinas derrubassem as árvores e também desmontavam os acampamentos dos peões.
Com a criação da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), em 1966, foram desenvolvidos meios para que tivesse um incentivo no desenvolvimento da pecuária nessa região, com isso trazendo mais lucros para os fazendeiros. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) criando em 1969, trabalhava em parceria com a Sudam na fiscalização e liberação do financiamento para o projeto que era feito através do banco do Banco da Amazônia S.A (Basa). Também foi criado o Plano de Integração Na-
No começo dos anos de 1980, tornavam-se mais visíveis as imagens da produção destrutiva resultante da expansão capitalista para a Amazônia. O conjunto de políticas implementadas pela ditadura militar no sentido de “integrar” a Amazônia ao “desenvolvimento” do país, mormente àquelas voltadas para implementação de grandes projetos na área de mineração e siderurgia, pecuária extensiva de corte, exploração florestal madeireira e toda implantação de infraestrutura a eles associados, como energia, transporte e comunicação,
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GNARUS- UFAM - 35 produziu, em pouco mais de uma década, impactos brutais sobre a vida das populações locais e o meio ambiente em geral23. Em 1980, Wilson Pinheiro foi assassinado a mando dos fazendeiros Nilo Sérgio de Oliveira e Narciso, por conta de suas ações de resistência foi morto dentro da sede do Sindicato. Outro seringueiro assassinado e de grande reconhecimento é Francisco Alves Mendes Filho popularmente conhecido como Chico Mendes. Iniciou a luta com atos de desobediência dos seringueiros em relação aos patrões. Segundo Elder Andrade e Silvio Simione, tais atos consistiam em burlar o sistema de vigilância implantado pelos fazendeiros e vender os produtos por um preço melhor. Chico Mendes fez parte da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores Rurais que era presidido por Wilson Pinheiro. Em 1975, foi eleito presidente do Sindicato em Xapuri e acabou intensificando sua luta pela causa dos seringueiros, pela floresta e contra a ditadura. A importância da liderança de Chico Mendes nesse movimento nucleado em Xapuri deve-se, sobretudo, à sua formidável capacidade de fazer as conexões entre o particular e o geral. Nesse processo, tão importante quanto o seu resultado imediato – a crítica ao modelo de modernização pautado na destruição da floresta e a elaboração da proposta de Reservas Extrativistas como alternativa a ele – foi a difícil construção de diálogos entre atores sociais e interlocutores diversos24. Apesar da causa em comum entre os ambientalistas e os seringueiros a proximidade, não ocorreu de maneira tão harmoniosa de início. Chico liderou em 1985, a organização do Primeiro Encontro Nacional dos Seringueiros, que contou com a participação de mais de 100 seringueiros, e serviu para a criação do Conselho Nacional dos Seringueiros como uma entidade representativa. “As lideranças do STR de Xapuri, preocupadas em atender as demandas de sua principal base social, os seringueiros, começam a defender a ideia de que a resolução efetiva dos conflitos passava necessariamente pelo reconhecimento de seus direitos sobre a área total de suas colo23 24
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cações”25. Chico Mendes pregava que os benefícios derivados da manutenção da floresta são maiores do que o valor que se obtém com a sua derrubada, e foi essa a sua matriz ideológica, que o tornou tão reconhecido nacionalmente e internacionalmente, em 1987 ganhou o prêmio Global 500 da ONU. Reconhecimento esse que não agradou a todos, ocasionando a sua morte em 22 de dezembro de 1988, quando fora assassinado pelo fazendeiro Darly Alves da Silva e seu filho Darci Alves Pereira. Conclusão Discutir a história das lutas camponesas no Brasil é de extrema necessidade por se tratar de figuras historicamente marginalizadas dentro da sociedade, esta que se afirma por meio de uma tendência progressista ligada a uma crescente urbanização que distancia e menospreza os que moram afastados dos grandes centros, e além disso, esses povos passam por uma histórica condição de resistência em relação a políticas oligárquicas que concentram as terras e o latifúndio, em direção a uma desmedida política de exploração dessas populações. Nesse sentido, o debate acerca do homem do campo é indispensável por partir de uma demanda histórica de valorização desses povos e uma necessidade contemporânea de protagonizar o campo como espaço de conflitos e de resistência. Referências Brasil. Comissão Nacional da Verdade. Relatório: textos temáticos/Comissão Nacional da Verdade – Brasília: CNV, 2014. 216p. – (Relatório da Comissão Nacional da Verdade; v, 2) EXAME ABRIL. A resistência dos seringueiros: Conheça a história de Chico Mendes. Disponível em: https://exame.abril.com.br/ brasil/a-resistencia-dos-seringueiros-conheca-a-historia-de-chico-mendes/. Acesso em: 23/05/2019. 25
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GNARUS-UFAM - 36 GRZYBOWSKI, Cândido. Caminhos e Descaminhos dos Movimentos Sociais no Campo - 3 edição. Editora Vozes Ltda Petrópolis 1991 KAPPES, Jeferson. A guerrilha do Araguaia: a luta armada no campo e suas consequências históricas. Trabalho de conclusão de curso (Licenciatura em Ciências Sociais) – Universidade Federal de Fronteira do Sul, Chapecó, 2017. Disponível em: https://rd.uffs.edu.br/ handle/prefix/1152 Acesso em: 1º maio 2019 MEMORIAL DO CHICO MENDES. Disponível em: http://www.memorialchicomendes.org/ chico-mendes/ . Acesso em: 23/05/2019 MEMORIAS REVELADAS. Disponível em: http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/images/ pdf/relatorio/Volume%202%20-%20Texto%203. pdf. Acesso em: 10/05/2019 MIGUEZ, José Mário. Reforma Agrária: A farsa no vale do Araguaia – 1897. PAULA, Elder Andrade. SILVA, Silvio Simione. Movimentos sociais na Amazônia brasileira: vinte anos sem Chico Mendes. Revista Nera, Presidente Prudente, n°13, Julho/Dezembro 2008. PEIXOTO, Rodrigo Corrêa Diniz. Memória social da Guerrilha do Araguaia e da guerra que veio depois. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 6, n. 3, p. 479-499, set.-dez. 2011.
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