Esp6-GnarusUFAM-o Trabalhista Disputas Políticas e o Golpe

Page 1

GNARUS-UFAM - 46

Artigo

O TRABALHISTA: DISPUTAS POLÍTICAS E O GOLPE CIVIL-MILITAR NO AMAZONAS (1960-1964) Por Jandira Magalhães Ribeiro

RESUMO: Este estudo tem por tema principal o uso da fonte primária, o Jornal O Trabalhista. Desde sua fundação, em 1960, o periódico se notabilizou como um dos mais importantes jornais do estado do Amazonas, participando de forma efetiva da vida político-partidária do estado até agosto de 1964, quando por ordem do então governador Arthur Cezar Ferreira Reis, foi obrigado a encerrar suas atividades, mesmo destino do jornal A Gazeta, também de propriedade da empresa Difusão S/A. Assim, este projeto tem por objetivo analisar as disputas político-partidárias no estado do Amazonas, a partir do periódico O Trabalhista. Pretende-se analisar as desavenças políticas entre Plínio Coelho e Gilberto Mestrinho, a repercussão do golpe civil-militar e da deposição de Plínio Ramos Coelho, bem como compreender os motivos de seu fechamento pela ditadura, essa analise consiste tanto na fonte primária quanto no embasamento bibliográfico que teremos através de textos como o dos autores Boris Fausto, Carlos Fico e Marcos Napolitano que trazem temas voltado ao regime, além de autores locais que vão fundamentar o contexto local analisado no periódico. Palavras Chaves: Plínio Coelho, ditadura militar, golpe, O Trabalhista.

Introdução

E

ste estudo tem como objetivo apresentar a análise do periódico O Trabalhista no seu período de circulação, que foi de 1960 a 1964. Desde sua fundação, em 1960, ele se notabilizou como um dos mais importantes jornais do estado do Amazonas, participando de forma efetiva da vida político-partidária do estado até agosto de 1964, quando por ordem do então governador Arthur Cezar Ferreira Reis, foi obrigado a encerrar suas atividades, mesmo destino do jornal A Gazeta, também de propriedade da empresa Difusão S/A. Gnarus Revista de História - UFAM - FEVEREIRO - 2020

O periódico era editado pelo líder trabalhista Plínio Ramos Coelho, governador eleito do Amazonas em duas ocasiões (1954 e 1962). No entanto, a fundação do periódico coincide com um momento de ruptura entre as principais lideranças petebistas – Plínio Coelho e Gilberto Mestrinho – e vai se tornar importante porta-voz das posições políticas do então ex-governador. Assim, temos por objetivo analisar as disputas político-partidárias no estado do Amazonas, a partir do periódico O Trabalhista. Pretende-se analisar as desavenças políticas entre Plínio Coelho e Gilberto Mestrinho, a


GNARUS- UFAM - 47 repercussão do golpe civil-militar e da deposição de Plínio Ramos Coelho, bem como compreender os motivos de seu fechamento pela ditadura. Ao ser analisado, discutido e compreendido todo o contexto político vivido pela sociedade amazonense nesse período, entendemos a relação estreita entre o periódico e as personalidades políticas do Amazonas na época, já que um de seus editores chefes era Plínio Ramos Coelho, este foi governador do estado duas vezes: a primeira em 1955, participando do fim do governo Vargas com seu trágico suicídio; e depois foi Governador em 1963, porém deposto em 1964 com o golpe militar. Coelho era filiado ao PTB, partido esse que apoiou o governo Vargas e em 60 a eleição de Henrique Lott (candidato a presidente) e João Goulart (candidato a vice-presidente), entretanto Plínio vai contra o partido e apoia o movimento Jan-Jan (que elegeu Jânio Quadros - Presidente – e João Goulart Vice-presidente). Para demonstrar essa parte da História do Amazonas, nosso estudo seguiu os seguintes passos: a) entender o contexto político que o País e o Estado do Amazonas se encontravam, depois foi feito o processo de conhecimento do periódico O Trabalhista, no qual foram executadas a catalogação. No segundo momento, através da digitalização das fontes que estão sob posse do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, conferir no arquivo as edições dos anos de 1960 a 1964. Ali, existem alguns periódicos que já estão deteriorados por conta de diversos fatores como o tempo, como foram armazenados, e como foram manuseados por outros pesquisadores. Toda essa análise de como o jornal se comporta no seu período de circulação será trabalhada de forma que mostrará o que se era

publicado, quem era os financiadores do jornal, quais propagandas eram mantidas neles e qual era o público que este tentava atingir com seus artigos, sendo dividido em dois períodos importantes que marca uma ruptura no Jornal, isto é, o que seria o período Antes do Golpe de 64, e o período pós 1º de abril de 1964, com a instauração do Golpe Civil Militar.

2. Para uma leitura da História, a partir de periódicos Ao fazermos uma pesquisa que tenha como fonte primária um periódico, devemos entender primeiramente de qual forma devemos analisá-lo para que possamos de maneira simples alcançar os objetivos nesse processo. Para começarmos a fundamentação da pesquisa através dele, precisamos apreender que os jornais não são produzidos para se tornarem fontes históricas. Segundo Jesus, R.M., Anjos, H.T., Costa, M.R., Rodrigues, P.M.M (2015) “esse é um potencial adquirido posteriormente”. Visando esse contexto podemos perceber que um periódico pode ser usado como fonte para a construção da História da Imprensa, mas também para a outras áreas da história como a política que é o caso deste estudo. Tendo como objetivo uma análise das disputas políticas no estado do Amazonas até o fechamento do periódico O Trabalhista, podemos que um veículo de comunicação também é um lugar de memória, como defende Maduell (2015) ao falar de jornais impressos. Segundo Tania Regina (2018), em História dos, nos e por meio dos periódicos, esta nos esclarece que os jornais deram um novo folego para a pesquisas no Brasil a partir de 1970, principalmente no meio acadêmico devido à eclosão dos movimentos operários. Através disso, pode ser notado a consolidação de

Gnarus Revista de História - UFAM - FEVEREIRO - 2020


GNARUS-UFAM - 48 uma relação de estreitamento entre a diversificação temática e a escolha de periódicos como fontes, estas estão carregadas de significados e intencionalidades. Consoante ao pensamento de Tania Regina (2018), Rafael Saraiva em O jornal impresso como fonte de pesquisa: delineamento metodológicos (2015) nos previne sobre os riscos que o historiador corre ao realizar de modo precipitado e superficial uma análise em relação ao conteúdo produzido. Assim, o pesquisador deve estar consciente quanto aos interesses e às ideias que são defendidas pelo periódico, dessa forma se torna fundamental conhecer e reconhecer o posicionamento da instituição, principalmente em relação às medidas do governo e ao público receptor, afinal os fatos que são descritos nem sempre podem ser tidos como fieis da realidade, com isso: O que está escrito nele nem sempre é um relato fidedigno, por ter por trás de sua reportagem, muitas vezes, a defesa de um posicionamento político, de um poder econômico, de uma causa social, de um alcance a um público alvo etc., advindos das pressões de governantes, grupos financeiros, anunciantes, leitores, grupos políticos e sociais, muitas vezes de modo dissimulado, disfarçado1.

No artigo A ditadura militar e a censura no jornal impresso (O Estado de SãoPaulo) da autora Amanda Rodrigues (2014), é apresentado um contexto de produção de narrativas (impressas e televisivas) que beneficiaram consideravelmente a ascensão e manutenção do poderio militar no Brasil, principalmente através da utilização de propaganda. Com isto, teremos jornais importantes, como O Correio, promovendo artigos que pediam a saída do presidente João Gulart, enquanto no Jornal da Tarde poderá ser visto receitas de bolo como forma de preencher lacunas deixa1 REGINA, 2015, p. 6

Gnarus Revista de História - UFAM - FEVEREIRO - 2020

das por matérias que foram censuradas. Nesse contexto histórico e político é importante expor que mesmo que a “grande” imprensa esteja relacionada de maneira direta à derrubada de Jango do poder, existiam periódicos que estavam constantemente fazendo publicações contra o governo golpista, elas não eram controladas pelos militares, se calasse à censura. Isto foi a arma fundamental para combater as críticas.

3. O contexto político amazonense e a relação com periódico O Trabalhista (1960-1964) O periódico O Trabalhista passou a circular na cidade de Manaus, capital do estado do Amazonas, entre 1960 a 1964. A sede do jornal nos anos de 1960 e 1962 ficava localizado na Avenida Getúlio Vargas, nº 891, Centro. Naquele período de 60 a 62, o jornal tinha a seguinte tabela de preços: “assinatura para o país, anual – Cr$ 1.000,00 e semestral – Cr$ 600,00, para a entrega à domicílio, em Manaus, a assinatura custava anual – Cr$ 1.500,00 e semestral Cr$ 800,00 e o preço do exemplar era de Cr$ 10,00”2. A partir de 1963 a 1964, o periódico muda de endereço e sua sede passa a ser na Rua Saldanha Marinho, nº 465/437, Centro, e tinha as seguintes tabelas de preços “assinatura anual Cr$ 5.000,00, semestral Cr$ 3.000, número avulso Cr$ 50,00 e número atrasado Cr$ 60,00”3. A periodicidade do jornal era diária, entretanto não se tem todas as edições no arquivo do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), a estrutura do jornal nos primeiros anos era bem confusa, entretanto, todos os jornais na época eram assim no decorrer do tempo. O jornal era voltado para um público 2 O Trabalhista, Manaus, 9 jul. 1962 3 O Trabalhista, Manaus, 1 ago. 1964


GNARUS- UFAM - 49 mais elitizado e para os trabalhadores letrados, falava constante e exclusivamente de política até meados dos anos de 1963. Diante deste cenário, na esteira do golpe civil-militar que em 1964 derrubou o presidente João Melchior Goulart e inaugurou um período de 21 anos de profunda ruptura da ordem constitucional e do estado de direito democrático, houve início de uma intensa perseguição política aos setores mais progressistas da sociedade. Direitos políticos foram perseguidos, mandatos cassados, jornais censurados e ocupados. A tortura e a repressão se tornaram a tônica, mesmo que possamos encontrar importantes focos de resistência ao regime. O Congresso Nacional sofreu uma operação limpeza e alguns partidos – como o PTB – se tornaram alvo preferencial dessa perseguição. Nos estados, essa limpeza política seguiu uma trajetória semelhante à ocorrida no âmbito federal. Governadores foram depostos4, deputados e vereadores tiveram seus mandatos cassados, o funcionalismo público sofreu profundas represálias. Neste contexto, no Amazonas existia um cenário político importante, Plínio Ramos Coelho foi governador do Estado entre 31/01/1955 a 30/01/1959, logo após veio Gilberto Mestrinho que governou entre 31/01/1959 a 30/01/1963. Nesse período, houve uma estremecida na relação entre Plínio e Gilberto, pois na eleição de 1958, Mestrinho foi eleito e não havia sido uma eleição com apoio unânime do partido PTB, pois a legenda apoiou a candidatura de Mestrinho, enquanto Plinio apoiou a candidatura de Vivaldo Lima. 4 Em 09 de outubro de 1964, o Correio da Manhã publicou reportagem de uma série intitulada “Visita ao réu sem crime” que tinha como manchete: “Seixas Dória ainda não sabe por que foi preso. Na reportagem, o governador deposto afirmava: “Mas afinal, por que fui e continuo preso? Seria então a minha permanência na prisão decorrência da minha firme e intransigente posição em favor das reformas? Estava eu comprometido por acaso com qualquer movimento subversivo? Evidentemente, não.”

A despeito da disputa em torno da sucessão de Plínio e da preferência deste pelo nome de Vivaldo Lima, na campanha eleitoral de Mestrinho percebe-se claramente a opção por enfatizar a continuidade da “obra de Plínio, o carinho de Plínio para com a gentinha”. Torna-se interessante observar que o PTB assumira a alcunha de “partido gentinha”, utilizada para depreciá-lo. Para D’Araújo, a prática governista associada a uma crescente atuação na área sindical rendeu ao partido “certa plasticidade, permitindo identificá-lo como um ‘partido dos pobres no poder’”5.

Em 1962, houve eleições para governador do Estado e o eleito foi Plínio Coelho. Nesse novo processo surgira novamente a aliança entre Mestrinho e Coelho, intermediada por Arthur Virgílio Filho para que Plínio fosse eleito ao cargo de governador. Ao ser eleito pela segunda vez governador do estado do Amazonas, ele assumiu o estado em uma situação financeira bastante precária, tanto que Mestrinho já lamentava as dificuldades econômicas que o estado atravessava em 1962, no ano da eleição. Assim, Plínio toma diversas atitudes que deixaram os opositores bastante insatisfeitos, como reintegração de posse de bens materiais que pertenciam ao governo e estavam sob posse de pessoas comuns e utilizavam como bens particulares, como carros, motores e telefones, além da exoneração de centenas de servidores públicos. Com efeito, o governo apostou no estímulo da industrialização no estado e isso fez com que fossem criadas três empresas estatais que pudessem direcionar os investimentos privados para os setores de desenvolvimento econômico regional. Porém, essa iniciativa gerou um grande desgaste a Coelho por conta das classes tradicionais e conservadoras da elite amazonense. 5 QUEIRÓS, 2016. p.56

Gnarus Revista de História - UFAM - FEVEREIRO - 2020


GNARUS-UFAM - 50 Voltando a ser eleito novamente a governador em 1962, Plínio assumiu o cargo em 31 de janeiro de 1963, entretanto, devido ao seu desgaste político - tanto no período da sua primeira eleição - quanto depois do apoio ao movimento Jan-Jan, em 1960, na eleição presidencial; isto é, em virtude de ter ido contra seu partido, o PTB, que apoiava Henrique Lott e Jânio Quadros para presidente e vice, respectivamente. Coelho governou até ser deposto de seu cargo após o golpe de 64. Ele tentou de inúmeras formas se manter no poder para não ser deposto, assim como fazer declarações que se contradiziam de forma gritante, como declarar que “a revolução fez ressurgir um Brasil mais autêntico e liberto da pequena minoria que queria implantar um regime comuno-social-castrista”6. Sendo que no dia primeiro de abril, fez um discurso de defesa ao presidente deposto João Goulart nas rádios da Guanabara. Essa mudança de posicionamento pode ter sido uma forma bem indiscreta de manter seu cargo de governador do estado, pois ele tomou diversas inciativas que visavam agradar ao governo golpista, levando o secretariado do governo, chefes, subchefes e diretores a pedirem exoneração para os novos “funcionários públicos”, para que assim se encaixassem nas exigências da “revolução” (digo golpe). No Amazonas, o governador Plínio Ramos Coelho (PTB) teve seu mandato cassado em 14 de junho e seus direitos políticos suspensos por dez anos. Sua deposição ocorreu durante seu discurso na cerimônia de abertura do VIII Festival Folclórico do Amazonas, no estádio General Osório (Jornal do Commercio, 03/06/1964). O governador deixou o es6 Fala de Plinio em seu discurso ao reassumir a chefia do governo amazonense após sua viagem, retirado do seguinte artigo: QUEIRÓS. C.A.B. O Trabalhismo de Plínio Ramos Coelho e o Golpe de 1964 no Amazonas. p 62. Revista Mundos do Trabalho, vol. 8, nº 15, 2016.

Gnarus Revista de História - UFAM - FEVEREIRO - 2020

tádio General João Osório acompanhado pelo General Jose Alípio de Carvalho, comandante do 27º Batalhão de Caçadores. À noite, Plínio Coelho transmitiu seu cargo para o Presidente da Assembleia Legislativa do Amazonas, Anfremon Monteiro. Com a deposição do líder trabalhista, Arthur César Ferreira Reis, que havia sido Superintendente do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (1953-1955) e Diretor do INPA (1956-1958), tomou posse no dia 27 de junho, em cerimônia realizada no prédio do Instituto de Educação do Amazonas, onde na ocasião funcionava a Assembleia Legislativa. Antes disso, no dia 10 de abril de 1964, foi divulgada a primeira lista dos 102 nomes que tiveram seus direitos políticos cassados. Dos 40 deputados federais, quase metade (19) pertencia ao PTB, incluindo Gilberto Mestrinho, ex-governador do Amazonas, mas eleito deputado federal por Roraima. O PTB se tornou o principal alvo do regime e pretendia se consolidar através do silenciamento/eliminação da oposição e o parlamento foi mutilado!7 Na mesma ocasião da prisão de Plínio Coelho e da interdição da Assembleia Legislativa, Arthur Reis ordenou o fechamento dos jornais O Trabalhista e A Gazeta, ambos pertencentes ao grupo Difusão, sendo seus redatores enquadrados na Lei de Segurança Nacional. O então ex-governador do estado era editor chefe do Jornal O Trabalhista que fora fechado em 1964, ele utilizava o jornal como 7 A Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça, subcomissão da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, propôs à Casa a realização de sessão solene para a devolução simbólica dos mandatos de deputados federais arbitrariamente cassados pela ditadura implantada em nosso país em 1964. À proposta inicial, bem acolhida pela Mesa Diretora, logo se somou a ideia da presente publicação, destinada a apresentar à população os parlamentares cujos mandatos foram cassados e as circunstâncias em que a representação política na Câmara dos Deputados foi autoritariamente atingida por medidas de exceção. (AZEVEDO, 2012)


GNARUS- UFAM - 51 um local para expor sua opinião política, jogar indiretas a seus adversários, assim como criticar outros governos anteriores, como também realizar críticas ao posterior ao seu primeiro mandato. O periódico também era utilizado para publicar alianças e desavenças entre a figura pública e política de Plinio Ramos Coelho. Após o golpe civil-militar de 1964 e a deposição do governador Plínio Coelho, os periódicos O Trabalhista e A Gazeta são fechados pelo governador Arthur Cezar Ferreira Reis. O procurador do estado, Leandro Tocantins, declarou que o fechamento dos dois jornais “foi um imperativo das conclusões do inquérito policial-militar que enquadrou os seus diretores e redatores incursos na Lei de Segurança Nacional”. O presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Amazonas, Miranda Braga, que era secretário dos jornais interditados, foi enquadrado na LSN e se encontrava foragido da justiça. Tal atitude levou a Associação Amazonense de Imprensa, sob a presidência de Aristophano Anthony, a redigir um ofício endereçado ao governador, apelando para que os dois jornais que se encontravam ocupados pelas forças da Polícia Militar fossem autorizados a voltar a circular normalmente8. Entretanto, o senador Desiré Guarani atribuiu ao fechamento dos periódicos à publicação de um ofício do Tribunal de Contas da União, indicando nomes de pessoas que teriam deixado de prestar contas de verbas recebidas da SPVEA quando Arthur Reis era superintendente, o que caracterizaria uma pequena vingança pessoal9. O parlamentar solicitou ao Ministro do Interior, Cordeiro de Farias, que se fizesse uma averiguação da gestão de Arthur Cezar Ferreira Reis na SPVEA, o que 8 Jornal do Commercio, 13/08/1964 9 Estado de São Paulo, 10/09/1964; Correio da Manhã, 11/09/1964

levou o então governador do Amazonas a enviar um telegrama, solicitando que se fizesse uma devassa em sua administração; tudo isto a fim de que “sua gestão fique a coberto de qualquer dúvida”10. O periódico pertencia a empresa Difusão S/A, não se sabe ao certo quem são os donos da empresa, se pertence ao Plínio Ramos Coelho ou de sua família, ou se ele apenas é o editor chefe do jornal. Segundo Figueiredo Plinio Coelho, não era só o editor como também o proprietário do Jornal. Enquanto os jornais no Amazonas não davam mais uma palavra sobre Mestrinho, no tocante a Plínio, que continuava a editar os diários de sua propriedade, O Trabalhista e A Gazeta, a inclemência não tinha limites11.

Porém, são muitas as discordâncias em relação à propriedade do periódico, o que nos limita apenas a saber que os donos do mesmo era a Difusão S/A. Partindo desse contexto, podemos identificar que o jornal de 1960 a 1961 era financiado pelas seguintes propagandas: “A Pernambucana e Fábrica Baré”.12 Propagandas essas que vinham sempre nos rodapés, e são encontradas nas páginas 2 e 3 dos periódicos. Nelas, existiam outras publicações de divulgação de serviço em menor escala no corpo do jornal, porém elas se diversificavam, pois não eram as mesmas empresas ou clínicas odontológicas que estavam em todas as edições, como a propaganda das lojas “A Pernambucana” e a “Fábrica Baré”. Por ser patrocinado apenas por essas duas empresas, o periódico foi um jornal extremamente político e não noticiava o que podemos chamar de notícias comuns de acontecimentos do dia a dia da sociedade amazonense, existiam outras propagandas, mas não eram fixas como essas duas empresas. 10 Correio da Manhã, 10/08/1964 11 FIGUEIREDO, 2013, p.136 12 O Trabalhista, Manaus, 1 mar. 1962

Gnarus Revista de História - UFAM - FEVEREIRO - 2020


GNARUS-UFAM - 52 Na edição de 1º de setembro de 1962, o periódico vem com uma característica a mais, não só noticia o que vem acontecendo na política amazonense, enaltecendo o Plinio Ramos Coelho que nesse momento é candidato a governador do estado, como também faz campanha eleitoral para Coelho e seu aliados, como pode ser observado em: “Para suplente do candidato a senador Arthur Virgílio Filho nossa indicação é: Desiré Guarani e Silva”.13 O que é interessante de se mostrar nessa análise é que em 1961 o periódico demonstra a sua grande insatisfação com o atual governo que no caso é o de Gilberto Mestrinho, onde se encontra severas críticas sobre a administração do “pupilo” de Coelho, o que comprova o rompimento entre Coelho e Mestrinho por conta das estratégias políticas adotadas pelo PTB e as adotadas por Plínio, além de que este último estava concorrendo à prefeitura de Manaus nesse período. Maternidade Balbina Motivo para roubalheira e demagogia Não precisa ser profeta para adivinhar o pensamento e os de um governo como do senhor Gilberto Mestrinho, cuja exaltação não decorre de uma obra administrativa que tenha conquistado o coração do povo e sim as facilidades com que ele abre os cofres do tesouro estadual do Amazonas para propaganda publicitária de sua administração. Quem tem oportunidade de pelo Brasil afora conhece a vontade e a sede de alguns picaretas da imprensa em vir ao Amazonas, em dar a sua bicada no já fabuloso e lendário “novo Amazonas” do mui ilustre governador Mestrinho.14 Aqui para nós os volantes dos desesperados O desespero dos governistas mais e mais vem se acentuando neste quase fim de campanha. E já passaram agora da simples

ameaça para a provocação direta. Esperam com isso, certamente que de nossa parte haja uma reação para então poderem justificar os atos de violência que têm caracterizado esse governicho em todos os momentos. Exemplo dessa atitude vergonhosa e antidemocrática, é o que vem acontecendo com os volantes do governador, pagos pelos cofres públicos, cujos encarregados não só passam dizendo impropérios e infâmias rua afora, como também para os veículos em frente a residências de correligionários do líder Plinio Coelho proferindo desaforos e imprecações.15

Já em 64 começa a se publicar outras matérias no O Trabalhista, como procissões que aconteceram na cidade sobre a rainha do carnaval16. Nisto, o jornal passa a ter muitas propagandas, gerando uma receita maior e fazendo com que ele tenha uma circulação maior na cidade. Nesse contexto, o periódico O Trabalhista, no dia 13 de junho de 1964, um dia antes da cassação oficial de Coelho, funciona normalmente publicando sobre as listas que sairão no dia seguinte a respeito das cassações dos políticos, e entre eles estava Plinio Ramos Coelho, o governador do Amazonas, como o trecho a seguir esclarece: Plinio Coelho, em agosto do ano passado, em telegrama dirigido ao então presidente João Goulart, pedia o fechamento do COT, PUA, e outras entidades esputas que tomavam conta da Nação. Colocou-se o governador como pioneiro de uma nova era, já implantada no Amazonas.17

Em 26 de junho de 1964 sai uma pequena nota no periódico, a manchete é imensa e na primeira página do jornal: “Agora é a vez de Jango contar o que foi a revolução”18, mas o texto era essa pequena nota que dizia que o ex-presidente viajaria para a Europa para falar seu ponto de vista sobre a “revolução” 15 O Trabalhista, Manaus, 12 nov. 1961 16 O Trabalhista, Manaus, 13 fev. 1964

13 O Trabalhista, Manaus, 1 set. 1962

17 O Trabalhista, Manaus, 13 jun. 1964

14 O Trabalhista, Manaus, 12 nov. 1961

18 O Trabalhista, Manaus, 26 jun. 1964

Gnarus Revista de História - UFAM - FEVEREIRO - 2020


GNARUS- UFAM - 53 de abril. Em 27 de junho sai outra reportagem falando sobre a chegada de Arthur Reis, onde dizia que “o mundo oficial amazonense compareceu, ontem, ao aeroporto de Ponta Pelada para receber o novo governador do Estado”19. Assim, fica registrado oficialmente a saída de Coelho do governo e o reconhecimento pelo jornal que foi conhecido em Manaus como de propriedade dele, assume um novo governador indicado pelos militares. Entretanto, como já dito antes, Arthur Reis e Plínio Coelho eram desafetos e Reis manda fechar os Jornais O Trabalhista e A Gazeta no dia 10 de agosto de 196420.

Considerações finais Este estudo trouxe uma nova perspectiva sobre o pouco do conhecimento que se tem sobre o golpe civil-militar no Amazonas, pois muitas pessoas que viveram no período afirmam que a ditadura não chegou aqui, mas com esses dados e as análises do jornal podemos confirmar que sim, houve ditadura no Amazonas. Uma ditadura que resultou em exílios, tortura, prisões e censura, esta última podemos conferir com o fechamento dos jornais O Trabalhista e A Gazeta. Jornais que representavam as duas maiores lideranças, o PTB que eram Plinio Ramos Coelho, eleito governador do estado duas vezes e deposto do seu segundo mandato; e Gilberto Mestrinho, que até o Golpe de 64 havia sido eleito governador uma vez. Além do contexto voltado para o golpe de 64, foi possível entender como se formaram as relações de poder no estado, relações essas que se mantem até hoje com os “novos/

velhos políticos” que vêm sendo ingressados por esses mesmos nomes citados na citação de Queirós. Com essa pesquisa e muitas outras que estão surgindo através do incentivo do Laboratório de Estudos sobre Trabalho e Ditadura – LETRAD, da Universidade Federal do Amazonas – UFAM, começaremos a pensar de forma mais crítica e procurar fontes, mesmo com as dificuldades encontradas no caminho por conta do acesso do pesquisador ao arquivo. Pesquisas com essa temática podem responder as seguintes indagações: existiu ditadura, tortura, um DOPS, onde os presos políticos eram interrogados e torturados, houve censura, fechamento de meios de comunicação e imprensa, morte, exilio no Amazonas, como em outros estados? O periódico O Trabalhista, mesmo circulando pouco tempo, cerca de 4 a 5 anos até seu fechamento, foi muito importante na construção da sociedade amazonense, principalmente no foco político, onde de 60 a 63 foi dedicado exclusivamente a isso, e em 64 começa a se adequar aos parâmetros da ditadura, mas sempre trouxe uma ou outra notícia chocante no período do golpe, acreditando que esse também seja um dos motivos do fechamento, fora o seu desafeto com o Arthur César Ferreira Reis, governador indicado pelo governo militar para assumir no lugar de Coelho.

Jandira Magalhães Ribeiro é Graduanda do curso de Licenciatura em História pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM.

19 O Trabalhista, Manaus, 27 jun. 1964 20 FIGUEIREDO, 2013, p.138.

Gnarus Revista de História - UFAM - FEVEREIRO - 2020


GNARUS-UFAM - 54 Referências AQUINO, Maria Aparecida de. Censura, imprensa, Estado autoritário (1968-1978). Bauru: Educ, 1999. AZEVEDO, D.B. 2012. Parlamento mutilado: deputados federais cassados pela ditadura de 1964. Brasília, Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 236 p. DUARTE, Durango Martins. A Imprensa Amazonense: chantagem, politicagem e lama/ Durango Martins Duarte. 1ª ed. Manaus: DDC Comunicações LTDA-EPP, 2015. 264 p.; il. FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930. São Paulo: Brasiliense, 1987. FAUSTO, Boris; FAUSTO, Sergio. história do Brasil. São Paulo: Edusp, 1994. FICO, Carlos. História do Brasil contemporâneo / Carlos Fico. – 1. Ed., 1ª reimpressão. – São Paulo: Contexto, 2016. 160 p.

meio dos periódicos. Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, p. 111-153, 2005. MADUELL, Itala. O jornal como lugar de memória: reflexões sobre a memória social na prática jornalística. Revista Brasileira de História da Mídia (RBHM). Piauí, v. 04, n. 1, pp. 31-39, 2015. NAPOLITANO, Marcos. 1964: História do Regime Militar Brasileiro / Marcos Napolitano. – 1. Ed., 4ª reimpressão. – São Paulo: Contexto, 2017. NASCIMENTO, Amanda Caroliny Alves et al. A ditadura militar e a censura no jornal impresso (O Estado de São Paulo). ENCONTRO NACIONAL DE HISTÓRIA DA MÍDIA, v. 9, 2013. QUEIRÓS, César Augusto Bubolz. O Trabalhismo de Plínio Ramos Coelho e o Golpe de 1964 no Amazonas. Revista Mundo dos Trabalhos, vol.8, nº15, janeiro-junho de 2016, p.49-65.

FICO, Carlos. Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.24, n. 47, pp. 29-60, 2004.

RODRIGUES, Rafael Saraiva; DE CASTRO, David Lopes; DOS REIS JÚNIOR, João Andrade. Characterization of the Potiguar rift structure based on Euler deconvolution. Brazilian Journal of Geophysics, v. 32, n. 1, p. 109-121, 2014.

FIGUEIREDO, Paulo; RAMOS, Antônio Ausier. O golpe militar no Amazonas: crônicas e relatos. Cultura, Edições Governo do Estado, 2013.

SILVA, José Lopes da. Amazonas: Do Extrativismo à Industrialização. Manaus: Editora Valer, 2011

FREITAS, Marcos Cezar de (Org.). Historiografia Brasileira em Perspectiva. São Paulo: Contexto/USF, 1980. GASPARI, Elio. A Ditadura Encurralada. 4 Vols. São Paulo, Cia. das Letras. JESUS, R.M.; ANJOS, H.T.; COSTA, M.R.; RODRIGUES, P.M.M. Os jornalistas e seus escritos enquanto fonte histórica: um estudo analítico com repórteres do jornal piauiense O DIA. Anais do 10º Encontro Nacional de História da Mídia, Rio Grande do Sul, 2015. LUCA, Tânia Regina. História dos, nos e por Gnarus Revista de História - UFAM - FEVEREIRO - 2020

UGARTE, Auxiliomar Silva (org.). Trajetórias políticas na Amazônia Republicana. – Organizado por Auxiliomar Silva Ugarte; César Augusto Bubolz Queirós – Manaus: Editora Valer, 2019.

Fontes Primárias Correio da Manhã, Rio de Janeiro Estado de S. Paulo, São Paulo Jornal do Commercio, Manaus O Trabalhista, Manaus


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.