Empreendedorismo sustentabilidade e a vida de professor

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EMPREENDEDORISMO , EMPREENDEDORISMO , SUSTENTABILIDADE SUSTENTABILIDADE EMPREENDEDORISMO, SUSTENTABILIDADE E A VIDA DE PROFESSOR: PROSA E POESIA

E A VIDA DE PROFESSOR

E A VIDA DE PROFESSOR PROSA E POESIA PROSA E POESIA

FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

FERNANDO ANTONIO GIMENEZ FERNANDO ANTONIO PRADO PRADO GIMENEZ


O Fernando Gimenez concebeu a ideia e criou a obra. A Sandra Sebastião reuniu as informações e também os profissionais. O Miron Júnior criou o projeto gráfico-visual, pensou na capa e ainda fez a diagramação. A Mariana Batelli Bento fez a revisão de língua. A Rejane Vicente elaborou a ficha catalográfica. Trabalhamos todos juntos e aplicamos toda nossa dedicação na elaboração deste livro.

Dados internacionais de catalogação na publicação Bibliotecária responsável: Mara Rejane Vicente Teixeira Gimenez, Fernando Antonio Prado Empreendedorismo, sustentabilidade a vida de professor : prosa e poesia / Fernando Antonio Prado Gimenez. - Curitiba, PR : Edição do autor, 2015. 144 p. ; 12 x 16 cm. 978-85-915857-1-7 1. Gimenez, Fernando Antonio Prado. 2. Empreendedorismo. 3. Empreendedores – Brasil. 4. Poesia brasileira. I. Título. CDD ( 22ª ed.) 658.421 Todos os direitos reservados ao autor e protegidos pela lei 9.610, de 19/02/1998, Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida sem a prévia autorização do autor.

Edição do autor 1ª edição Curitiba 2015


MÚLTIPLO EU De muitas partes, Tentei me fazer uno. Não tive artes! Para uns, sou um. Para outros, outro sou. Pra você, mais um? (Inspirado em Ferreira Gullar)


Sumário PREFÁCIO.............................................................................................................................................................................................................................6 APRESENTAÇÃO................................................................................................................................................................................................................9

DO EMPREENDEDORISMO Os Cinco Ps do Empreendedorismo...................................................................................................................................................................12 Sobre Desafios e Ganas ou Cabelo e Barba em uma Barbearia Portuguesa.......................................................................16 Breve Análise sobre a Questão do Mérito no Empreendedorismo..............................................................................................19 Esponja Inteligente. Forças que Configuram Organizações Eficazes....................................................................................24 A Pequena Empresa como Espaço Expressivo do Empreendedor...................................................................................................30 Rotunda de Vitor Meireles. O Primeiro Crowdfunding da Indústria Criativa no Brasil....................................................................................................................................................................................................33 Evolução Tecnológica e Empreendedorismo. O Caso da Chegada do Cinematógrafo no Brasil..............................................................................................................................................................................39 Turismo no Alemão. Uma Agência de Turismo no Meio da Favela.............................................................................................43 O Significado de Ser Empresária.....................................................................................................................................................................48 A Ilusão do Empreendedorismo.........................................................................................................................................................................52 O Encontro da Coragem com a Prudência. Um Texto Multimídia sobre Encontros, Empreendedorismo e Gestão.........................................................................................................................................55 Reflexões londrinenses. sobre longevidade..........................................................................................................................................60 A Freira e a Taxista. Entre a Eficiência e a Eficácia.......................................................................................................................65

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DA SUSTENTABILIDADE Sustentabilidade da Sociedade é Preocupação Relevante para as Empresas Mais Admiradas Do Brasil?................................................................................................................................70 Sustentabilidade e A Montanha Mágica de Thomas Mann...........................................................................................................73 Uma Diretriz para a Implantação da Responsabilidade Social Corporativa....................................................................76 (Ins)Pirações. Misturando Godard, Faroeste Caboclo, O Amante Da Rainha e Responsabilidade Social Corporativa....................................................................................................78 Perto da Concha Acústica: O Cachorro-Quente que Virou Pitbull!......................................................................................83 Sustentabilidade: Reflexões sobre Textos Chineses e Trabalho Interno, O Filme.........................................................88

DA VIDA DE PROFESSOR Casa Nova, Foto Velha e Eu Construindo Caminhos..........................................................................................................................96 A Cuidadora de Sócrates.....................................................................................................................................................................................100 Reflexões sobre Ensino, Pesquisa e Extensão........................................................................................................................................104 Carta a Uma Jovem Mestranda.........................................................................................................................................................................107 “Tenda dos Milagres” E “O que Faz um Cientista?” - Esse Pesquisador Se Revela.........................................................111 A Aeromoça, os Óculos e o Professor Desmemoriado..........................................................................................................................117 Que Administração é Essa?................................................................................................................................................................................122 Notas Cariocas ou da Infância......................................................................................................................................................................124 POSFÁCIO..........................................................................................................................................................................................................................127 AGRADECIMENTO...........................................................................................................................................................................................................130

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PREFÁCIO É sempre com satisfação que recebemos o convite de escrever o prefácio e “apresentar” o livro, mas quando o Fernando me convidou, talvez não tivesse pensado suficiente bem na dificuldade que seria colocar em palavras as paletas de cores de diferentes tons que tal figura e seu trabalho possuem. Posterguei o máximo possível a árdua tarefa de enfrentar o caminho, não tortuoso ou de sofrimento, mas para ter a inspiração de colocar em palavras aquilo que os sentimentos aplaudem com a razão. Conheci o Fernando em meados de 1995, estava no meu primeiro ano da faculdade de administração em Londrina na UEL. Lembro até hoje de um incidente com um vidro de porta quebrado e um doutor recémchegado da Inglaterra como chefe do departamento indo para uma sala de aula tentar entender o que acontecia com a turma do primeiro ano. Trote não era um ato digno de universitários. Trote era algo para vândalos. Todavia, por trás daquele recém doutor que encabeçava a hierarquia e a ordem, sabíamos que existia um certo “Che” escondido, um rebelde do mainstream que critica com fórmulas próprias e não com de terceiros. Uma forma criativa e inteligente, efetiva e com olhos bem atentos de ser. O segundo contato que tive com o Fernando foi em 1996 com a oportunidade de realizar uma pesquisa de Iniciação Científica (IC) para dar continuidade à tese defendida por ele na Universidade de Manchester. Desta época lembro-me com boas recordações das acolhedoras reuniões que tivemos na casa do Fernando, da saudosa professora Cleufe e do Eugênio, nosso amigo de todas as horas. O trabalho do quarteto não apenas rendeu publicações de artigos e capítulos de livros, mas também 6

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premiações e distinções de relevância para o panorama nacional. Era a academia já reconhecendo e premiando a qualidade dos trabalhos originais do recém doutor. Cleufe, Eugênio e eu éramos apenas os coadjuvantes de um maestro que fervilhava ideias e perguntas socráticas, que conseguia dar ritmo e melodias aos instrumentos. Naquela mesma época de Londrina lembro de ter conhecido o Paulo Grave e o Ariston Mendes, dois outros estrategistas que ajudariam a fazer coro e a refinar a acuidade e a sensibilidade do Fernando. O Marcelo Crubellate veio a se juntar com o grupo mais adiante. Lembro que a diferença de idade entre o Paulo Grave, o Fernando, o Ariston e eu é de dez anos entre um e outro. Uma escada etária que em algum momento do imaginário de um adolescente esperava que se transformasse em um conjunto de professores e pesquisadores de uma mesma instituição de ensino. Mas a vida vai tendo os seus caprichos, as miopias e ilusões como bem escreveu o poeta Drummond. Só com um firme propósito na vida que não se perde. E aí está o nosso Fernando, sempre com o seu olhar atento, um pouco parecendo de mineiro, apesar da raiz “pé vermelha” do norte paranaense que nos brinda com esta obra digna de elevá-lo como o nosso Bachelard brasileiro, que procura tirar proveito do seu lado diurno racional e noturno, estrelado, emotivo, substantivo. Mas não tirar proveito no sentido negativo, egóico. Pelo contrário; voltado ao social e ao popular como foram os grandes mestres da humanidade. Foi um dos primeiros scholars brasileiros a adotar a escrita por meio de blogs para divulgar suas ideias que a academia não aceitaria em forma de artigos. Escrita clara demais com profundidade demais; bom senso demais com olhar técnico demais; popular demais com exemplos reais demais. Muito demais FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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para uma academia acostumada com muito menos. Para não falar em sua volta para os bancos escolares para entender ainda com mais profundidade sobre a sua paixão que é a sétima arte, o cinema. Imagine a apreensão do professor que teria que dar aula sabendo que, em uma de suas carteiras escolares teria alguém já consagrado em sua área e ex-diretor da Fundação Araucária, a agência Paranaense de fomento à pesquisa. Assim, este pequeno livro no tamanho, mas grande em conteúdo e em reflexões, possibilita apreciarmos este “Fernando” desta estação, pois certamente todo amante do conhecimento jamais para de correr e o Fernando ainda nos brindará com outras misturas e fusions que certamente estranhará quem não o conhece, mas quem conhece este cara boa gente sabe que é uma pessoa simples, que entra na vida das pessoas e a transforma para melhor. Sempre aprendendo e ensinando, como se a sina dele fosse inovar-se sempre revolucionando a si mesmo; ressoando sempre as célebres frases do mestre italiano do Renascimento Michelangelo, “estou apenas aprendendo” e “se pinta com o cérebro, não com as mãos”. E, para finalizar, parafraseando trecho do presente livro “feliz daquele que teve o acaso ao seu favor permitindo conhecer o Fernando, o técnico em revolução”. Boa leitura nesta viagem de autoburilamento e conhecimento, evolução e revolução, ciência e arte, prosa e poesia. Paulo Hayashi Jr.

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APRESENTAÇÃO Nesse livro, em formato de bolso, para que possa lhe acompanhar aonde você quiser levá-lo, juntei textos que foram publicados em meu blog – Empreendedorismo e Estratégia em Empresas de Pequeno Porte (3es2ps. blogspot.com) – entre 2012 e 2014. Este é o terceiro livro em que procuro ampliar o acesso a textos que têm um significado especial em minha jornada. De forma deliberada, dividi o livro em três seções: Do Empreendedorismo; Da Sustentabilidade; e Da Vida de Professor. Em cada parte, apresento textos em que tento fugir do discurso acadêmico, mas preservando a consistência e o rigor na vontade de comunicar ideias e sentimentos. Em alguns deles, a emoção guia a razão. Em outros, ocorre o inverso. Mas, algumas vezes, só a poesia pode dar forma a meu discurso. São vinte e sete escritos sobre empreendedorismo, sustentabilidade e reflexões sobre essa vida de professor que já dura 34 anos. Espero que você curta cada um desses textos. Motivados por momentos distintos de minha vida recente, fluíram de minha mente quase que de forma autônoma. Queriam vir a público! Esse livro é mais uma forma de fazer-lhes a vontade!

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DO EMPREENDEDORISMO


Os Cinco Ps do Empreendedorismo1 Para todos os que me ajudaram a estudar empreendedorismo nos últimos 20 anos.

Passei dois dias e meio na UNICAMP participando de um curso sobre ensino para o empreendedorismo. Conduzido por Shirley Jamieson e Shiba Barakat da Universidade de Cambridge, o curso teve representantes de várias agências de inovação de universidades brasileiras e foi organizado pela INOVA UNICAMP. Foi uma boa oportunidade de aprendizagem sobre a condução de programas de desenvolvimento de empreendedores. A experiência de Cambridge no tema foi o eixo condutor do curso, mas houve relatos das abordagens dos participantes brasileiros também. Em determinado momento, um dos participantes mencionou um modelo que contêm três dimensões que explicam o sucesso no empreendedorismo: paixão, habilidades e mercado. Edmundo Inácio Júnior, meu amigo que reencontrei no curso, disse que essa ideia é mencionada por Tina Seelig no livro What I wish I knew when I was 20. Foi nesse momento que, inspirado por essa ideia, minha atenção focou-se em meu caderno de anotações e minha presença no curso tornou-se apenas um fenômeno físico. Minha mente começou a viajar pelo mundo da imaginação! Pensei: independente de qual seja o sucesso desejado, o que move empreendedores em direção ao sucesso que almejam? 1 Originalmente publicado em 20/11/2013 12

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Comecei a teorizar a partir do modelo citado por Tina Seelig e iniciei minha jornada, à maneira de Mintzberg, para encontrar os 5 Ps do empreendedorismo. O primeiro P já estava no modelo: Paixão. Não sei o que o modelo diz sobre isso, pois não li o livro de Seelig. Para mim, paixão está relacionada com a dedicação que devotamos a algo ou alguém que nos aproxima da felicidade. A paixão por alguém é, quase sempre, mais gratificante, pois pode ser retribuída, mas no empreendedorismo o objeto de desejo é o empreendimento. Sem a paixão, será difícil surgir a apetência para atender as demandas desse objeto do desejo. Que às vezes pode ser um pouco obscuro (um pouco de surrealismo Buñueliano)! Mas a paixão, embora necessária, não é suficiente. Ela precisa ser guiada por um Propósito, o segundo P. Para que essa paixão? Onde posso ou quero chegar com ela? O propósito se refere à motivação para empreender. Qual é o objetivo do empreendedor? Mas não é só isso. Propósito tem a ver também com a razão de existência do empreendimento, o que é oferecido ao mercado se for uma empresa, ou a sociedade, se for outro tipo de organização. Ou seja, tem a ver com o que chamo de posicionamento co-opetitivo no mercado ou sociedade. O terceiro P está parcialmente incluído no modelo citado por Seelig. Quando se fala de mercado, não se pode esquecer que mercados são Pessoas. É evidente a ligação do propósito com pessoas. Para ser bemsucedido, o empreendimento deve ter uma oferta capaz de atrair pessoas. No entanto, essa dimensão extrapola esse sentido de ofertar algo desejado por pessoas. O empreendimento, em geral, necessita de outras pessoas FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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para existir: empregados, sócios, fornecedores, parceiros etc. Para cada tipo de público há interações que precisam ser estabelecidas. Como convencer fornecedores a proverem as necessidades do empreendimento? Como atrair e manter pessoas trabalhando no empreendimento seja como sócios ou empregados? Como envolver pessoas de outros empreendimentos em parcerias? Estas e outras questões conduzem para as Práticas, quarto P que imaginei. Empreender requer um saber fazer que é direcionado por três eixos: imaginar uma nova organização, buscar e articular recursos e tecnologias em um modo de operação e estimular e conduzir pessoas visando atingir objetivos. O quarto P se materializa nas práticas desse saber fazer. Elas podem se manifestar pelo uso de ferramentas de diagnóstico, planejamento e controle ou através de ações que surgem na lida cotidiana com as demandas do funcionamento inicial do empreendimento. Em essência, dizem respeito ao exercício de três papéis empreendedores: criador, organizador e condutor. Papéis pelos quais se manifesta o empreendedorismo individual ou coletivamente. Enfim o quinto P é o Produto. Todo empreendimento se constrói em torno da capacidade de entregar um produto, tangível ou intangível, para a sociedade, de forma mais ampla, ou mercado, de forma mais estreita. É no Produto que surge o resultado de Paixão, Propósito, Pessoas e Práticas. De novo, tangível ou intangível, é o vir a ser do produto que justifica o ato de empreender. É devido à complexidade desse vir a ser que nossa sociedade precisa de empreendedores e empreendimentos. Se fosse trivial, não haveria razão para o empreendedorismo. 14

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Assim, terminou minha jornada em busca dos cinco Ps do empreendedorismo. Cheguei onde minha imaginação pode me levar. Poderia retornar ao curso com nossas colegas inglesas, mas já está na hora de ir embora! Sobre o que foi a parte final do curso? Não me pergunte. Só meu corpo estava lá!

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Sobre Desafios e Ganas ou Cabelo e Barba em uma Barbearia Portuguesa2

Este texto foi escrito em meu celular dentro de um ônibus entre Faro e Lisboa. Poder viajar para fora do Brasil é uma oportunidade de vida ímpar. Depois de sete dias em Portugal, estou a caminho de Lisboa para a viagem de retorno. Um problema no avião em Faro me colocou em um ônibus que segue pela autopista A2 há cerca de quarenta minutos. Sara cochila ao meu lado. Aproveito para refletir sobre essa semana em que reencontrei Fernanda. Há um mês fora do Brasil, passou por momentos desagradáveis quando, logo na primeira semana, teve sua bolsa furtada. Perdeu algum dinheiro, passaporte, cartões de banco e crédito. Estava desanimada quando nos encontramos em Sevilha. Aos poucos, seu semblante foi desanuviando. Passeamos com Sara e Dona Aparecida uma noite e um dia por lá. Depois, no dia seguinte, fomos a Lisboa onde passeamos por dez horas. Hoje, ao deixá-la na rodoviária de Olhão, fiquei feliz ao vê-la pronta para a luta da vida de novo. Cheia de desafios! Com ganas de enfrentá-los! Ao falar com ela no meio da tarde, já estava na Universidade de Sevilha, fazendo seus trabalhos do Mestrado em Comunicação e Cultura. Ver Fernanda pronta para recomeçar me trouxe à lembrança o encontro com Vitálio, técnico em cabelo, como me informou o crachá em seu guarda-pó. Na quarta pela manhã, passeando pelo centro de Olhão, indago por uma barbearia. Um vendedor em uma praça sugere 2 Originalmente publicado em 20/11/2013

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que vá a barbearia do Vitálio. Sigo suas indicações pelas vielas de Olhão e logo a encontro. De imediato, lembrei-me de seu Lauro e sua barbearia. Personagem de minha infância e adolescência com seu pequeno salão onde eu e meus irmãos estivemos incontáveis vezes. Primeiro com nosso pai e, quando maiores, sozinhos. O salão do Vitálio tem apenas uma porta. Duas cadeiras antigas de barbeiro ao fundo, de frente para um espelho. Paredes laterais emolduradas por espelhos na altura dos olhos. Abaixo dos espelhos, cadeiras para os clientes. Fotos, gravuras e pequenos quadros enfeitam as paredes. Ao entrar, havia um par de clientes sendo atendidos e mais dois esperando. Perguntei a um dos barbeiros se poderiam me atender.Diante da resposta positiva pus-me a esperar. Vitálio, cujo nome só descobri quando foi me atender, conversava com um senhor mais idoso. De repente sai-me com uma pergunta ao idoso: — Quero ver se está com o cérebro a funcionar? O que vem primeiro: o Natal ou o Novo Ano? A resposta do idoso foi: — Natal, ora pois. — Errado, disse o Vitálio. O novo ano vem sempre antes do Natal. O Natal vem sempre ao final do ano. Continuou: — Que mês tem vinte e oito dias? — Fevereiro. — Não. Todos os meses têm vinte e oito dias. Nesse momento, o outro barbeiro entrou na conversa: FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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— Em que mês as mulheres mijam menos? No meio da risada de todos, o próprio respondeu: — Fevereiro, pois tem menos dias. Assim, o tempo foi passando e chegou minha vez de ser atendido. Expliquei como queria cabelo e barba. Não precisei falar muito. O barbeiro só me perguntou o número da máquina para aparar a barba. O resto foi como se sempre tivesse me atendido. Perfeito! Fiz algumas perguntas e descobri que Vitálio tem essa profissão desde os dez anos. Aprendeu com seu pai, que foi ensinado pelo pai também, que aprendera o ofício com seu pai. Há algumas gerações o ofício é transmitido de pai para filhos. Mais recentemente, algumas sobrinhas também se tornaram cabeleireiras. Vitálio, no ano que vem, completa sessenta e seis anos. Fundou seu salão há quarenta e um anos. Está pensando em se aposentar. Caso isso ocorra, completará 56 anos de profissão e 42 anos com sua pequena empresa. Fico pensando nos desafios que enfrentou nessa jornada. Com certeza deve ter tido muita gana para enfrentá-los. Tenho certeza que, além do serviço competente, o clima que vivenciei em cerca de uma hora é um dos aspectos que garantiram a permanência do Vitálio no mercado por tanto tempo. Feliz de mim que tive o acaso a meu favor me permitindo conhecer Vitálio, o técnico em cabelo!

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Breve Análise sobre a Questão do Mérito no Empreendedorismo3 Instigado por um texto de Clóvis Gruner sobre a meritocracia4, registrei no Chuva Ácida uma observação com o seguinte teor: Clóvis, esse trecho de comentário que você usou é um tipo de argumento muito presente na literatura de empreendedorismo. De forma simplória, reduzem o ato de empreender a simples questões de apetência e competência, sem nenhuma referência a outros aspectos da desigualdade entre pessoas. Isso me deixa muito angustiado com o nível das discussões acadêmicas sobre o assunto. Obrigado pelo texto. Eu me referia ao seguinte texto que Clóvis usara como ilustração de uma forma de pensar que deixa de levar em consideração a desigualdade de condições entre as pessoas como reflexo de injustiças sociais: Na sociedade de mercado não há essa utopia, há diferenças de classes (como também há nas ditaduras ditas comunistas), porém, quando a sociedade aceita meritocracia e a enxerga com bons olhos, TODOS têm condições de alcançar uma qualidade de vida. A ideia de que a riqueza se resume a um bolo fatiado é estapafúrdia! Riqueza produz mais riqueza, a população não tem de se contentar com aquele pedaço do bolo pois ele se multiplica, basta o cidadão estudar, se qualificar, trabalhar... mas isso 3 Originalmente publicado em 04/03/2014 4 http://www.chuvaacida.info/2014/02/a-meritocracia-e-uma-utopia.html

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poucos querem, então, para muitos, sobra a utopia do comunismo. Clóvis Gruner, em seu texto no Chuva Ácida, nos apresenta brevemente as condições históricas do surgimento da meritocracia. Reproduzo parte de seu texto que, em minha opinião, é central para a discussão das condições para empreender: Diferente do comentário que motivou esse texto, a meritocracia não é uma panaceia a justificar a desigualdade social apelando à competência de alguns poucos enquanto acusa, irresponsavelmente, a indolência da maioria. Ela contém, desde o berço, a possibilidade utópica de que as condições objetivas mínimas de igualdade serão asseguradas para que os indivíduos possam, livremente, exercer seus talentos. Daí o projeto, acalentado pelos iluministas do setecentos, de uma educação universal, entendida como condição primária à aquisição das habilidades necessárias para que se pudesse, efetivamente, falar em uma sociedade baseada no mérito. Nesse mundo virtual que compartilhamos, minha observação fez com que Vinicius Atz, mestrando em Administração na UFPR, me apresentasse, pelo Facebook, uma dúvida, embora afirmasse concordar com o texto de Clóvis: Minha dúvida é como não ligar o conceito de empreendedorismo com o de meritocracia, visto que até na competição entre empresas entra o mérito. Em seguida, sugeriu que esse poderia ser um tema de post neste blog. Minha resposta ao Vinicius foi: Sim, mas a meritocracia tem que se dar a partir de uma igualdade de condições para desenvolver 20

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competências. É uma boa sugestão de tema para o meu blog. Abcs. Aceitando a sugestão do Vinicius, fiquei pensando se haveria evidências desta minha afirmação. As coincidências da vida fizeram com que no dia seguinte chegasse às minhas mãos um exemplar do Relatório Executivo do GEM 2013 – Empreendedorismo no Brasil. Neste documento encontrei alguns dados interessantes que podem ser evidências do efeito da desigualdade social no empreendedorismo brasileiro. Em uma de muitas tabelas, o relatório apresenta as taxas específicas de empreendedorismo inicial conforme algumas variáveis sociodemográficas. Essas taxas indicam o percentual da população brasileira entre 18 e 64 anos envolvidos com a criação ou gestão de um empreendimento inicial, ou seja, empreendimentos que surgiram há mais de três e menos de 42 meses. Para os empreendedores iniciais, a faixa de renda familiar indica que, quanto maior esta for, maior é o percentual de empreendedores neste segmento da população. Isto é, para rendas familiares de menos de três salários mínimos (SMs), a taxa foi de 16,8% da população entre 18 e 64 anos. Na faixa entre três e seis SMs, esta subiu para 18,3%. Entre seis e nove SMs, chega a 22,6%, caindo para 18,8% para rendas familiares acima de nove SMs. Ou seja, há quase que uma relação linear positiva entre faixa de renda da família e envolvimento do indivíduo com a criação de um novo empreendimento. Parece-me que isto pode representar uma relação entre desigualdade social e condições para empreender. Outra relação, em forma de U, aparece quando se analisa o nível de escolaridade dos empreendedores FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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iniciais. Para aqueles cuja escolaridade é menor que o segundo grau completo, a taxa foi de 17,0%. Com escolaridade de segundo grau completo, a taxa subiu para 18,5%. No entanto, para as pessoas com escolaridade maior que segundo grau completo, a taxa caiu para 15,8%. Novamente uma possível relação entre desigualdade, agora medida pelo acesso à educação e condições para empreender. Os estudos do GEM apresentam uma segunda distinção relevante para essa exploração inicial entre meritocracia e empreendedorismo. A motivação para empreender é dividida em duas classes: por oportunidade ou por necessidade. Conforme exposto no próprio texto do relatório, os empreendedores por necessidade são aqueles que iniciam um empreendimento autônomo por não possuírem melhores opções de ocupação, abrindo um negócio a fim de gerar renda para si e suas famílias. Já os empreendedores por oportunidade são os que identificaram uma chance de negócio e decidiram empreender, mesmo possuindo alternativas de emprego e renda. Em geral, empreendimentos motivados por necessidade têm menores chances de sobrevivência do que aqueles motivados por oportunidade. Em outra tabela do relatório apresenta-se a distribuição dos empreendedores iniciais segundo a motivação para empreender e características sociodemográficas. Nessa relação, a meu ver, surgem indicadores que podem revelar a falácia da meritocracia no empreendedorismo como principal aspecto da explicação do sucesso empreendedor. Em primeiro lugar, quanto maior a escolaridade da pessoa, maior é a taxa de motivação por oportunidade. 22

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Em segundo lugar, quanto maior a renda familiar do empreendedor inicial, maior é a taxa de empreendedorismo por oportunidade. A tabela abaixo mostra essas relações: Característica Demográfica Grau de Escolaridade Menor que segundo grau completo Segundo grau completo Maior que segundo grau completo Faixa de Renda Menos de três salários mínimos Três a seis salários mínimos Seis a nove salários mínimos Mais de nove salários mínimos

Motivação para empreender % Oportunidade Necessidade 61,2 77,5 92,1

38,8 22,5 7,9

62,5 81,8 93,8 92,2

37,5 18,2 6,2 7,8

Fonte: Extraído do Relatório Executivo Empreendedorismo no Brasil 2013

Está aí uma oportunidade de pesquisa que merece ser explorada! Vinicius Atz, muito obrigado pela sugestão de post.

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Esponja Inteligente. Forças que Configuram Organizações Eficazes5

Ontem, enquanto ouvia uma pessoa falar sobre as possibilidades de interação que existem hoje na web, em particular sobre a possibilidade de espalhamento de novos processos organizacionais por meio das redes sociais de forma mais restrita, ou na web de forma mais ampla, minha imaginação foi disparada. Comecei a pensar em uma imagem das organizações como esponjas que absorvem aquilo que está ao seu redor, na tentativa de sobrevivência e crescimento. Pensei: será esta uma boa metáfora para o entendimento de como as organizações podem se configurar em formas estáveis em nosso mundo organizacional? Imediatamente, o palestrante perdeu minha atenção, e eu me pus a divagar sobre quais seriam as forças condutoras que levariam a configurações organizacionais estáveis. Obviamente, essa divagação passou a ser inspirada, também, no famoso modelo de configurações estruturais de Mintzberg, que já comentei em outro post nesse blog6. Após minha divagação, devidamente anotada em meu celular que assumiu as funções de antigos blocos de papéis para anotações, fui buscar informações sobre as esponjas. Interessante! Embora simples, elas também se configuram em diversas formas: As esponjas (Filo Porifera) 5 Originalmente publicado em 20/11/2013 6 http://3es2ps.blogspot.com/2012/09/mintzberg-formas-organizacionais-e-o.html

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são animais bentônicos sésseis (fixos no substrato). Possuem uma fisiologia bastante simples na sua construção. Utilizam células flageladas chamadas coanócitos para promover a circulação da água através de um sistema de canais exclusivo do filo, o sistema aquífero, ao redor do qual seu corpo é construído. Esta corrente de água traz partículas orgânicas que são filtradas e digeridas. São geralmente sustentadas por um esqueleto mineral formado por espículas, que são estruturas de sílica ou carbonato de cálcio cujo tamanho pode variar de poucos micrometros a centímetros. Existem, no entanto, diversas variações. Em algumas, este esqueleto pode ser constituído por calcário maciço, naquelas que são chamadas esponjas coralinas. Em outros, conhecidas como esponjas córneas, por fibras de espongina, uma proteína do tipo do colágeno. A definição simples que é geralmente mais aceita para este grupo é: “Animais filtradores e sedentários, que se utilizam de uma única camada de células flageladas para bombear água através de seu corpo” (Bergquist, 1980). Apesar de sua morfologia simples e do seu baixo grau de organização, as esponjas apresentam uma enorme diversidade de formas e cores nas mais diferentes tonalidades. Estão, sem sombra de dúvida, entre os mais belos e admirados invertebrados marinhos, apesar de raramente serem reconhecidas por olhos não treinados. De modo geral, esponjas têm uma ou mais aberturas exalantes circulares (ósculos), e muitas espécies têm sistemas de canais subsuperficiais semelhantes a veias. Muitas espécies são compressíveis, e a superfície é frequentemente híspida (com extremidades das espículas atravessando parcialmente a superfície) ou conulosa (com FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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pequenas elevações cônicas)7. Embora sedentárias, as esponjas são uma metáfora organizacional interessante por sua característica de sistema aberto, em constante interação com seu ambiente, do qual extrai insumos e expele resíduos. Afinal, é isso que as organizações fazem! Então, quais seriam as forças que se manifestam nas organizações que passo a chamar de esponjas inteligentes? Inteligentes, por que, ao contrário das esponjas naturais, são capazes de, por meio de suas partes humanas, fazerem escolhas baseadas em razões que vão além do instinto. A primeira força é o que chamo de interação. As esponjas inteligentes desenvolvem mecanismos ou processos que facilitam sua interface com outras esponjas inteligentes que povoam o mundo organizacional, além de outras entidades e instituições presentes na sociedade. É por meio dessa interação que pode ocorrer a segunda força: absorção. A força da absorção é manifestada na capacidade que as esponjas inteligentes têm de recolher para seu interior, informações, recursos materiais, financeiros e pessoas que passarão a ser aplicados internamente, como parte do esforço de buscar a perenidade no ambiente. Junto com a absorção, atua quase que ao mesmo tempo, uma terceira força denominada seleção. Assim como para as esponjas marinhas, nem tudo que é absorvido do ambiente tem utilidade. Dessa forma, as esponjas inteligentes necessitam exercitar um processo de seleção que avalia a qualidade e a quantidade dos diferentes tipos de recursos que necessitam reter internamente e os que não serão internalizados. Essa 7 http://acd.ufrj.br/labpor/1-Esponjas/Esponjas.htm#Caracteristicas

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força se alia a três outras na continuidade do esforço de sobrevivência das esponjas inteligentes: retenção, transformação e extroversão. A força da retenção está envolvida em assegurar que os recursos necessários estejam presentes no momento em que cada um é necessário às atividades que buscam a sobrevivência da esponja inteligente. Por exemplo, as pessoas extremamente competentes que devem ser estimuladas a ficar trabalhando nessa esponja, resistindo aos apelos de outras esponjas inteligentes. A quinta força, a transformação, é uma componente da metáfora que é usual na literatura administrativa. Ora, qualquer esponja inteligente só tem existência estimulada pelo ambiente, quando performa uma transformação nos recursos absorvidos do ambiente e devolve a ele outros tipos de recursos que tenham valor. A transformação é parte essencial, mas não única, da sobrevivência `esponjal`, visto que ela permite a diferenciação entre as esponjas inteligentes justificando sua permanência no ecossistema organizacional. A sexta força, decorrente da transformação, mas não exclusivamente dela, é a extroversão. Isto é, a capacidade de permitir a remessa de seus produtos/ serviços para fora de suas fronteiras. Esse é um processo controlado pela esponja inteligente. Porém, a extroversão tem também seus traços não controláveis, ou, pelo menos, pouco controláveis. A extroversão de efeitos indesejados no ambiente (poluição, transtornos à comunidade etc), bem como a perda de recursos por ineficiências dos mecanismos e processos ligados à força da transformação, são menos controláveis. Por fim, há também, os não controláveis, que é, por exemplo, a extroversão de talentos FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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para esponjas inteligentes competidoras pelo mesmo tipo de recurso. Além dessas forças, considero que mais quatro têm papel fundamental no modo como as esponjas inteligentes se configuram em formas estáveis no mundo organizacional: estruturação, articulação, reflexão e regulação. A estruturação tem a ver com os mecanismos que serão construídos pelas esponjas inteligentes para permitir que as demais forças possam operar em condições relativamente estáveis. É a criação de procedimentos de fragmentação/aglutinação de tarefas com uso de recursos adequados, em conjunto com a formatação de mecanismos de coordenação que forneçam harmonia aos processos de interação, absorção, seleção, retenção, transformação e extroversão, típicos das esponjas inteligentes. A articulação está associada intimamente à força da estruturação, mas diz respeito a algo que poderia ser chamado de estruturação externa. A permanência das esponjas inteligentes no ambiente depende muito de sua capacidade de relacionamento proveitoso com outros tipos de esponjas inteligentes no mundo organizacional, por exemplo, esponjas fornecedoras de recursos, esponjas que exercem a mesma função no sistema, esponjas que exercem atividades complementares etc. Aqui é claro que estou falando, na linguagem não metafórica, de fornecedores, concorrentes, distribuidores etc. A reflexão é a força relacionada a dois processos inerentes à inteligência da esponja: a capacidade de aprendizagem e a memória do aprendido. As esponjas inteligentes desenvolvem mecanismos e processos que

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permitem que, periodicamente, sua trajetória seja analisada, apontando para acertos e fracassos, que devidamente considerados, passam a fazer parte da memória `esponjal`. Por fim, a força da regulação é a maneira pela qual a esponja inteligente manifesta sua capacidade de ajuste ao ambiente em que vive. A regulação se traduz em esforços que refletirão em cinco formas de sobrevivência: manutenção, expansão, retração, adaptação ou inovação. Isto é, tentar preservar seu modus operandi como está em função da estabilidade do ambiente; buscar o crescimento ou diminuição quando o ambiente esteja propício ou ameaçador, respectivamente; transformar-se de forma adaptativa, gradual, quando o ambiente se transforma lentamente, ou tornar-se muito diferente porque houve mudanças radicais em aspectos centrais do ambiente. É na relação entre a esponja inteligente e seu ambiente que surgem as diferentes oportunidades de manifestação das dez forças sucintamente descritas acima. Se você é administrador de uma esponja inteligente ou está pensando em criar uma, reflita um pouco sobre essas forças. Elas te ajudarão a pensar uma configuração `esponjal` que possa vir a ser mais estável. Boa sorte!

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A Pequena Empresa como Espaço Expressivo do Empreendedor8

Na semana passada, fui assistir a uma palestra da cineasta Lúcia Murat aqui em Curitiba. Antes da palestra foi exibido o making of do filme A memória que me contam, último filme da diretora carioca que será lançado brevemente. A memória que me contam é o sexto longa da carreira de Lúcia Murat que inclui os seguintes filmes: Brava Gente Brasileira, Doces Poderes, Quase dois irmãos, Maré - nossa história de amor e Uma longa viagem. Após a exibição do making of, Lúcia comentou sobre sua carreira e sua ligação com o movimento de resistência ao golpe de 1964. Contou também sobre sua experiência na produção de filmes na condição de empregada de uma grande rede de televisão brasileira. Nesse momento, ela comentou sobre a transição para uma carreira independente em que consegue viver só do cinema. Murat fez uma comparação entre os dois momentos de sua carreira que foi muito precisa e inspiradora. O trabalho na rede de televisão, marcado por uma escala de massa, de produção industrial, era um espaço pouco propício à expressão própria da cineasta. Não havia muita liberdade para a experimentação, para o fazer filme enquanto arte ou poesia. Por outro lado, ao assumir o desafio de viver de sua arte, Lúcia Murat encontrou o espaço para sua expressão como artista, onde pode contar histórias da forma que julga mais adequada. 8 Originalmente publicado em 15/05/2013

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Essa fala, não exatamente com essas palavras, me permitiu refletir sobre um aspecto do empreendedorismo e da gestão da pequena empresa que não se encontra com frequência na literatura. Lúcia Murat é uma cineasta, mas pode ser vista também como uma empreendedora ou gestora de projetos fílmicos. Assim, da mesma forma como ela encontrou na sua independência artística o espaço expressivo, penso que pessoas que se desvinculam de empregos em grandes empresas e buscam criar suas empresas próprias, em geral pequenas, podem sentir algo parecido. Muitas vezes a literatura diz que o ato de empreender surge de um desejo de independência do indivíduo que cria sua própria organização. Ser patrão de si mesmo! Fazer aquilo que gosta! Fazer o que percebe como necessário para uma parte da sociedade ou do mercado! Essa é a motivação inicial em muitos casos. `Deixem-me expressar como me sinto!` parece ser o grito dos potenciais empreendedores. Quando a organização se estabiliza, muitas vezes, percebe-se que é necessário um equilíbrio entre o que o gestor quer fazer e o que o mercado ou a sociedade desejam. É o momento de ajuste, de mudança, de inovação, de transformação, mas continua sendo um espaço expressivo. É da percepção do gestor da pequena empresa sobre seu espaço de atuação empresarial que surge sua interpretação de qual é a situação. A partir dessa interpretação, suas decisões serão tomadas. Surge o momento da expressão do dirigente da pequena empresa: é isso o que eu enxergo e assim que quero participar desse mundo! FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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Eis uma possibilidade de pesquisa em empreendedorismo e gestão de pequenas empresas: o que empreendedores e gestores de pequenas empresas querem expressar para o mercado e a sociedade? Alguém se habilita?

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Rotunda de Vitor Meireles. O Primeiro Crowdfunding da Indústria Criativa no Brasil9

Há poucos anos, a literatura de empreendedorismo vem abordando um fenômeno aparentemente recente: o crowdfunding. Em poucas palavras, um empreendedor que tem uma ideia de negócio ou projeto social, mas não conta com recursos financeiros suficientes para iniciá-lo, busca o apoio de pequenos investidores que darão uma contribuição financeira em troca de alguma recompensa futura. O crowdfunding está sendo chamado de financiamento coletivo ou colaborativo no Brasil. Este tipo de financiamento parece ser ideal para projetos que demandam um investimento financeiro de menor porte. A atividade tornou-se mais popular pelas facilidades de comunicação que o advento da internet propiciou. Um exemplo interessante de espaço para busca de financiamento colaborativo é o site Impulso10 criado pelos idealizadores da Aliança Empreendedora11. A indústria criativa é outro tema que tem atraído a atenção dos pesquisadores e estudiosos do empreendedorismo. Essa temática já é explorada há pelo menos duas décadas, mas recentemente tem atraído um nível mais intenso de atenção da academia. Uma das razões para isso é que as áreas de negócios relacionadas à indústria criativa - atividades onde o conhecimento e a criatividade são ingredientes fundamentais de empreendimentos bem-sucedidos - são responsáveis por 9 Originalmente publicado em 15/05/2013 10 http://www.impulso.org.br/pt/explore 11 http://www.aliancaempreendedora.org.br

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parcelas cada vez maiores da economia de muitos países. Na indústria criativa, penso que um aspecto essencial que se une aos dois anteriores é a colaboração entre inúmeros parceiros. A aplicação da criatividade e do conhecimento em produtos ou serviços úteis à sociedade envolve o trabalho de muitas pessoas criativas. É o caso, por exemplo, da indústria de software, da área de design, e dos projetos nas atividades artísticas e culturais: teatro, cinema, literatura, museus, entre outros. Muitas iniciativas recentes na área de atividades artísticas e culturais têm buscado financiamento por meio do crowdfunding. Tenho refletido sobre a junção desses dois fenômenos e estou iniciando uma investigação, ainda de forma preliminar, sobre como se configuram projetos e empresas culturais. Minha ideia é explorar as dimensões de recursos, estrutura e estratégia que se alinham em configurações bem-sucedidas de empreendimentos culturais. Meu primeiro olhar será sobre as atividades teatrais e de cinema em Curitiba. Essa reflexão inicial tem sido apoiada por leituras aleatórias de textos que encontro sobre o assunto. Esses dias comecei a leitura de um livro de Vicente de Paula Araújo - A Bela Época do Cinema Brasileiro - cuja segunda edição foi publicada pela Editora Perspectiva em 1985, mas foi publicado originalmente em 1973. Nesse livro, o autor apresenta resultados de uma pesquisa histórica situando a origem do cinema no Brasil. Para contar a chegada do cinema ao Brasil, Araújo faz uma descrição muito interessante dos tipos de divertimento a que a população do Rio de Janeiro tinha acesso no século XIX. O cinema surge como um novo divertimento para o povo. 34

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Só mais tarde é que irá adquirir um status de arte. Surgido em 1895, com a criação do cinematógrafo pelos irmãos Lumière, aparelho que tinha melhores capacidades técnicas que seus antecessores, o cinema chegou muito rápido ao Brasil. Vieira nos conta que já em 1896 aconteceram projeções de pequenos filmes usando aparelhos semelhantes ao cinematógrafo. A pesquisa de Vieira aponta o dia 08 de julho de 1896 como a data da primeira exibição de “vistas animadas” no Rio de Janeiro. Essas exibições eram feitas em espaços temporários. A primeira sala de exibição fixa no Rio de Janeiro foi fundada em 15 de julho de 1897 e chamava-se Salão de Novidades de propriedade de Germano Alves e Pascoal Segreto. Já em outubro do mesmo ano, Germano vendeu sua parte a Pascoal e foi para Petrópolis criar uma nova sala fixa chamada Salão Bragança, inaugurada em 11 de outubro de 1897 (p. 93-97). A primeira filmagem feita no Brasil foi obra de Afonso Segreto, irmão de Pascoal, que fora enviado por este à França para comprar equipamentos de filmagem, dando início às filmagens em 19 de junho de 1898. Chegando de navio, ao desembarcar, Afonso Segreto usou os equipamentos para filmar as fortalezas e navios de guerra (p. 108). Mas, antes do cinema, havia vários divertimentos. Vieira aponta as touradas, jogo da bola, cavalhadas, brigas de galo, circo de cavalinhos, concertos musicais, procissões, bailes de máscara, corridas de cavalo, representações teatrais... Enforcamentos também eram uma espécie de divertimento da população! (p. 26) Um divertimento muito diferente eram os panoramas. Segundo Araújo, o panorama é um enorme FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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quadro esférico em que o espectador, colocado no centro, como se estivesse no alto de um morro, vê todo o horizonte (p. 31). Vitor Meireles teve seu primeiro panorama, segundo Araújo, exposto na Exposição Universal de Paris em 1889, retratando um panorama da cidade do Rio de Janeiro (p. 32). Mas, a vida de Vitor Meireles não foi fácil, conforme conta Araújo. Com a implantação do regime republicano e a reforma do ensino artístico ele foi exonerado de seu cargo de professor e passou a fazer exibições públicas de seu panorama para sobreviver. Ocupou um pavilhão no Largo do Paço cedido pela municipalidade em 1891. Nesse espaço fez um segundo panorama retratando a Entrada da Esquadra Legal, inaugurado em 1894. Mas, em 1898, Vitor Meireles teve que desocupar o espaço da prefeitura (p. 32-34). Foi nesse momento de sua vida que resolveu empreender e construir uma rotunda panorâmica, que pretendia inaugurar em maio de 1900, para expor o quadro que estava pintando sobre o descobrimento do Brasil com 115 metros de circunferência. (p. 34) Graças à investigação de Vicente de Paula Araújo para seu livro é que tomo conhecimento da, talvez, primeira iniciativa de crowdfunding da indústria criativa no Brasil. Pois, como relata Araújo, Vitor Meireles não dispunha dos meios para construir sua rotunda panorâmica e divulgou amplamente um plano para isso, exposto à página 35 do livro: O artista nacional Vitor Meireles de Lima, professor aposentado da antiga Academia das Belas Artes do Rio de Janeiro, no empenho de concorrer para a comemoração do 4o. Centenário do Descobrimento do Brasil, em 1900, propôs-se a construir uma rotunda com 36

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dimensão igual à construída em 1890 na Praça Quinze de Novembro, representando panoramicamente a memorável data histórica. Essa rotunda, levantada nos terrenos da chácara do antigo Seminário de São José, com entrada para a Rua de Santa Luiza no. 60, acha-se quase concluída. Estava o artista persuadido de poder levar a cabo o seu tentame, por esforço exclusivo seu e nesse empenho não hesitou em empregar todas as suas economias. Acontece, porém, que, para a conclusão da rotunda, instalação da tela no interior, acessórios de pintura, da plataforma e do terreno natural, é forçoso ainda o dispêndio ou o emprego da soma de 30 contos. Para evitar o fracasso da tentativa e o aniquilamento de tudo quanto já se acha feito, apela o mesmo artista para o auxílio dos seus compatriotas, amigos e propugnadores da comemoração do 4o. Centenário do Descobrimento do Brasil, solicitando a subscrição, por empréstimo da aludida soma de Rs. 30:000$000, para conclusão do referido panorama, devendo ser as quotas da referida subscrição ou empréstimo remidas em trimestres a partir do dia inicial da exposição, com inclusão de juros à razão de 10% ao ano, contados da data do recebimento das mesmas quotas. Os amigos do artista e subscritores do empréstimoauxílio receberão um título creditório das quotas com que se dignarem concorrer, título remível com seus juros pelo modo acima indicado. Para melhor conhecimento da praticabilidade desta ideia, cumpre-me cientificar que o primeiro panorama produziu no primeiro ano, Rs. 91:849$000, e o segundo panorama, logo no primeiro trimestre, Rs. FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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46:000$000. Obsequiosamente serão recebidas as inscrições nos escritórios do Jornal do Comércio, Jornal do Brasil, O País, Gazeta de Notícias, Imprensa, Cidade do Rio, Tribuna e Notícia. Rio de Janeiro, 23 de junho de 1899. (a) Vitor Meireles de Lima. Maravilhoso! Nesse primeiro projeto a apelar pelo crowdfunding pode-se notar a preocupação em expor claramente a ideia, o apelo à responsabilidade social e cultural (comemoração do 4o. Centenário do descobrimento), a demonstração da competência do empreendedor (professor aposentado) e experiência anterior (dois panoramas), a recompensa aos investidores e a viabilidade do projeto. Não é belíssimo?

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Evolução Tecnológica e Empreendedorismo. O Caso da Chegada do Cinematógrafo no Brasil12 É conhecida amplamente a noção de que a evolução tecnológica é fonte de oportunidades para a criação de novas empresas e organizações. Ao longo da história da evolução tecnológica, inúmeros exemplos podem ser citados, desde os mais antigos, tais como a criação da lâmpada elétrica e a invenção da imprensa e, os mais recentes, criação da televisão, dos computadores, telefones celulares, e assim por diante. As oportunidades de negócios que surgem com uma nova tecnologia vão desde sua aplicação em um novo produto na indústria, passando por empresas de comércio que farão vendas a varejo ou atacado e chegando aos serviços com inúmeras atividades complementares, o mais comum delas sendo a prestação de serviços de manutenção e conserto dos equipamentos associados à nova tecnologia. A história da chegada do cinema, por meio dos primeiros cinematógrafos no Brasil é um caso interessante. Vicente de Paula Araújo, em 1973, publicou os resultados de sua pesquisa histórica sobre a chegada do cinema ao Brasil no livro A Bela Época do Cinema Brasileiro. Esta publicação é um documento histórico, altamente valioso, que apresenta em detalhes um período compreendido entre 1896, com as primeiras exibições das chamadas vistas animadas, até dezembro de 1912, com uma indústria cinematográfica brasileira instalada, 12 Originalmente publicado em 02/02/2013

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mas enfrentando dificuldades com a concorrência das empresas norte-americanas e europeias. O livro de Araújo é bem documentado com textos extraídos dos anúncios feitos pelos empresários do cinema no Brasil e sua leitura, embora enfadonha algumas vezes, revela a diversidade de empresas que foram surgindo ao longo dos anos. Na primeira parte do livro – O Cinema chega ao Brasil – o autor relata como diferentes entretenimentos eram buscados pela população até a chegada do cinema, que se tornou muito popular, desbancando a preferência de outros entretenimentos junto à população. Aliás, nessa parte do livro, Araújo conta a experiência de Vitor Meirelles e seus panoramas que abordei no texto anterior. Entretanto, é na segunda e terceira partes do livro que se pode vislumbrar o efeito empreendedor da chegada da tecnologia cinematográfica inicial no Brasil naquele ano de 1896 e a criação de salas fixas de exibição a partir de 1897. A segunda parte do livro – O cinema começa no Brasil – relata a primeira filmagem feita em 1898 e cobre o período até 1906. Na terceira parte – O cinema conquista o Brasil – descobre-se sobre a impressionante produção de filmes no Brasil e o surgimento de muitas empresas cinematográficas. Porém, é 1912 que marca a primeira crise do cinema brasileiro conforme relata Araújo. Ao longo desse período foram criadas empresas dos seguintes tipos: 1896: no dia 9 de julho é feita a primeira apresentação pública de vistas animadas, a jornalistas, na Rua do Ouvidor, 57 no Rio de Janeiro, sendo aberta ao público no dia seguinte; aparelhos ancestrais do cinematógrafo eram usados em feiras livres e parques de diversões para exibição de vistas animadas; período do cinema ambulante. 1897: uso de diversos aparelhos semelhantes ao cinematógrafo para exibição de vistas animadas em salas de teatros; em julho desse ano, aparece a primeira sala fixa de cinema, usando um cinematógrafo dos irmãos Lumière no Teatro Lucinda; no mesmo mês, inauguração do Salão de Novidades, tendo como sócio Pascoal Segreto, cujo irmão faria as primeiras filmagens no Brasil.

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1898: no domingo, 19 de junho, Afonso Segreto realiza as primeiras tomadas de vistas animadas do porto do Rio de Janeiro, usando equipamentos que fora buscar em Paris a pedido de seu irmão Gaetano Segreto. 1899: inauguração do salão Paris no Rio; utilização do animatógrafo dos irmãos Lumière; importação de outros equipamentos cinematográficos de Nova Iorque; realização de filmagens diversas por Afonso Segreto. 1900: Pascoal Segreto, devido ao sucesso de seus empreendimentos, passa a ser chamado pela imprensa e população de Ministro das Diversões; apresentação no salão Paris de 100 vistas novas, quase todas nacionais. 1901: surgimento dos cafés-concerto, casas denominadas chopes, que possuíam cinematógrafos como atração para seus frequentadores. 1902: surge o cinema-falante, aparelho cinematográfico combinado com o fonógrafo (não era ainda a filmagem com som, mas sincronização de sons e imagens com aparelhos distintos). 1903: Osvaldo de Faria, jovem brasileiro, apresenta seu invento que permitia a transformação de correntes elétricas contínuas em alternadas que teria ampla aplicação no cinema. 1904: surge o comércio de vistas a 1$000 o metro; utilização do cinematógrafo e iluminação elétrica na inauguração da Avenida Central no Rio de Janeiro em sete de setembro; 1905: continuidade do sucesso do cinematógrafo-falante; anúncios de engenheiro-eletricista oferecendo serviço de instalação de aparelhos cinematográficos; programas longos no cinema (4.000 metros de películas no Teatro Carlos Gomes em abril desse ano). 1906: começam a ser feitas filmagens sob encomenda, por exemplo, as filmagens mostrando os autores de um crime que abalou a cidade do Rio em outubro: Rocca, Carletto e Pegatto na casa de detenção. 1907: expansão no número de salas de cinema; chegada ao Brasil de representante do industrial francês Charles Pathé; expansão das filmagens brasileiras. 1908: segundo Araújo, início da fase áurea do cinema brasileiro (p. 229); criação de empresa produtora de filmes cantantes (William & Cia); representantes de fábricas europeias e norte-americanas são contratados no Brasil; criação da produtora Photo-Cinematographia Brasileira; produções da Pathé no Rio; grande sucesso de Os estranguladores, produção da Photo-Cinematographia Brasileira sobre crime ocorrido no Rio (mais de 800 exibições). 1909: muitos filmes brasileiros são bem-sucedidos; Joseph Arnaud e Emilio Guimarães embarcam para a Europa para tentar exportar filmes brasileiros. 1910: o teatro sofre com a competição dos cinematógrafos; mais cinemas são inaugurados; a produção nacional - Paz e Amor - chega a 400 exibições; produção nacional crescente. 1911: anúncio de empresa alugando fitas com catálogo de mais de 800 filmagens; Paz e Amor chega à milésima apresentação; surgem as primeiras estrelas do cinema brasileiro; clima de competição entre alugadores e exibidores de fitas; Francisco Serrador firma-se como um grande empresário do cinema em São Paulo.

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1912: surgimento dos jornais de atualidades feitos por Alberto e Paulino Botelho; surgimento do Kinemacolor, com fitas coloridas; a Cia Cinematográfica Brasileira de São Paulo compra dois cinemas no Rio; essa empresa se torna representante exclusiva no Brasil de um grande número de produtores estrangeiros; compra mais cinemas em Niterói, Belo Horizonte e Juiz de Fora; anúncio de empresa que compra, vende e aluga filmes; surge o cinema em casa em anúncio de dezembro de 1912 na revista Fon-Fon; desaparece quase que por completo o filme de enredo nacional, restringindo-se a produção brasileira à realização de cinejornais; domínio dos filmes estrangeiros; surgem publicações especializadas em cinema.

Ao longo desses 17 anos, tem-se um panorama completo do surgimento de uma nova forma de entretenimento no Brasil e de sua repercussão em termos comerciais e industriais. É uma história que já se tornou mais que centenária, mas ilustra bem a conexão entre evolução tecnológica e empreendedorismo, com muitos exemplos de inovação naqueles anos.

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Turismo no Alemão. Uma Agência de Turismo no Meio da Favela13 Para Mariluce e Cleber, empreendedores do turismo.

Sara e eu tivemos a oportunidade de conhecer um empreendimento um pouco diferente. A passeio no Rio de Janeiro, no domingo, 29 de setembro, pela manhã, resolvemos ir conhecer o teleférico do Complexo do Alemão. Uma estrutura impressionante de transporte coletivo que serve aos moradores das nove comunidades do Complexo do Alemão, mas também é usada por turistas que se aventuram a conhecer esta parte menos glamorosa da Cidade Maravilhosa. São cinco estações: a primeira em Bonsucesso e a última chamada Palmeiras. Na última estação o desembarque é obrigatório. No trajeto é possível visualizar a multitude de casas se esparramando pelos vales e encostas dos diferentes morros. A maioria delas inacabadas, em um processo contínuo de construção. No começo de setembro tive a oportunidade de fazer esse trajeto, e chamou a minha atenção a molecada empinando pipas. Um espetáculo colorido e cheio de graça e movimento! Nesse domingo, tempo nublado, não havias pipas no ar! Aos pés da estação Palmeiras, a última, há uma feira de artesanato local e diversas barracas de comidas e bebidas. Em uma das barracas de artesanato, encontramos Cleber vendendo caixas de madeira de diversos tamanhos, ilustrados com pinturas feitas por Mariluce, sua esposa. Há telas pintadas por Mariluce também. 13 Publicado originalmente em 02/10/2013

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Cleber e Mariluce são os proprietários da Turismo no Alemão, uma agência de turismo que tem sua sede na comunidade Nova Brasília. Pessoa de papo agradável usou uma expressão que me deixou intrigado: — Que tal viver uma experiência na favela? Não ficar só no safári teleférico! “Safári teleférico” é como Cleber descreve a visita que turistas fazem, sem descer das estações. Chegam a um determinado ponto e embarcam de volta. No trajeto ficam olhando “os bichinhos” (expressão de Cleber) lá embaixo. Eu já sabia dessa proposta de passeio pela favela organizado por Cleber e esposa. Em outra viagem que fiz ao Rio, tínhamos conversado, mas não foi possível retornar para fazer o passeio. Dessa vez deu certo. Sara e eu dissemos a Cleber que gostaríamos de fazer o passeio. Ele, de imediato, ligou para Mariluce e perguntou se ela poderia nos ciceronear. Outra expressão deles, não são guias de turismo, mas cicerones. Combinamos de começar o passeio por volta das treze horas, assim ao final poderíamos almoçar no Bistrô Estação, que fica em Nova Brasília. Um parceiro da Turismo no Alemão. Era quase meio dia. Como teríamos que esperar pouco mais de uma hora, resolvemos sentar e beber uma cerveja em uma das barracas. Fomos os primeiros. Aos poucos, mais fregueses foram chegando, o dono da barraca instalou caixas de som ao largo da praça, e ficamos bebendo e ouvindo música. Muito forró, samba, pagode e funk. Alguns até ensaiaram uns passos de dança. Nossa experiência estava começando. Um pouco antes, tivemos a oportunidade de conhecer e conversar com dois garotos, pequenos vendedores de água mineral: Cassiano e Ruan. Guris de 44

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prosa fácil também. Um deles veio com uma pegadinha: — Tinha o paçoca e o miçoca. O paçoca morreu. Quem sobrou? Rindo muito, eu disse: — Miçoca, ué? E Ruan fingiu que ia me socar. Espontâneos e carinhosamente cheios de amizade (carentes, será?), Cassiano e Ruan me inspiraram alguns versos que publiquei em meu blog de haicais14 e que reproduzo ao final da terceira parte desse livro. Mariluce chegou pouco depois das treze horas. Contou-nos um pouco da história do Complexo do Alemão. Em seguida, nos levou a passear por ladeiras, vielas e escadarias da Comunidade Nova Brasília. No meio do caminho uma parada para conhecer a laje onde foram filmadas as cenas da novela onde uma morena escultural ficava tomando banho de sol. No caminho, um senhor, já idoso, veio me cumprimentar. Me reconhecera! Porém não se lembrava de onde nos encontráramos no passado. Teria sido em outros carnavais? Passamos também pelo centro comercial da Comunidade na Avenida Nova Brasília onde há um Cinema e um Centro de Inclusão Digital. Muitas lojas de comércio. No entanto há também coisas que faltam nessa comunidade, como Mariluce disse: — Há apenas uma escola que não é suficiente para atender todas as crianças que lá vivem. E nenhum hospital! Mariluce tem uma consciência comunitária muito forte. Participa da associação da comunidade e relatou 14 http://umhaikaiaodia.blogspot.com.br/2013/09/notas-cariocas-ou-da-infancia.html

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algumas experiências com políticos que prometem muito em tempos de eleição, mas depois desaparecem. Pena que, ao final do passeio, descobrimos que o Bistrô Estação não estava aberto naquele domingo. Mas foi uma experiência turística agradável, em que fomos ciceroneados pela simpática Mariluce. Ao final fiquei com uma ponta de dúvida: será que tive mesmo uma experiência na favela, ou foi apenas um “safári mais de perto”? O que me levou a esse passeio? A mera curiosidade do turista? A vontade de conhecer uma realidade menos enfeitada e diferente do meu cotidiano? Saber mais desse mundo desigual em que vivemos? Ainda não tenho a resposta! Ainda bem que Cleber e Mariluce se tornaram empreendedores do turismo no Complexo do Alemão. Sem eles, eu não teria passado esses momentos agradáveis. Vale aqui registrar o slogan e missão deles: “Turismo no Alemão, mais que uma visita, uma experiência”. Missão: O turismo no Complexo do Alemão pode e deve se transformar numa experiência turística autêntica, apesar da imposição de alguns estereótipos, pois existem formas confortáveis e institucionalizadas no turismo que permitem fazer reflexões sobre estereótipos previamente assumidos. Existem formas diferentes de turismo e turistas, porém, o Complexo do Alemão merece e condicionase como um lugar de encontro de identidades e de histórias, pessoais e coletivas, para torná-lo um espaço de proximidade humana e de multiplicidade social e cultural. P.S.: Depois de copiar a missão da Turismo no Alemão, vi como o passeio que Sara e eu fizemos, teve muito pouco 46

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de safári e muito de encontro de identidades e histórias. Cleber e Mariluce, obrigado por tornarem essa experiência possível.

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O Significado de Ser Empresária15 Passei dois dias fazendo o relatório de um projeto de pesquisa sobre mulheres empresárias. Tivemos a participação de quinze mulheres com empresas sediadas em Cascavel, Curitiba, Londrina, Maringá e Ponta Grossa. Esse esforço de pesquisa foi feito por uma equipe que envolveu, além de mim: Jane Mendes Ferreira, Simone Cristina Ramos, Juliana Noschang Costa, Mario Nei Pacagnan e Karla Brunaldi. Nossos objetivos foram, entre outros, revelar a autopercepção como empreendedora ou dirigente empresarial dessas mulheres e o significado que atribuem ao papel de empresária. Ao finalizar essa tarefa, me dei conta que aprendi muito com essas mulheres. É impressionante como conversar com elas sobre o que fazem e por que fazem nos ajuda a compreender que a prática empreendedora e empresarial pode ser tão diversa, complexa e quase impermeável a uma explicação teórica muito abrangente. São tantas as questões envolvidas no fazer empresarial dessas mulheres, que ao me dar conta delas, percebo a grande limitação dos modelos teóricos do campo do empreendedorismo. Ao longo dos últimos anos, me distancio cada vez mais das grandes explicações universais e quero entender as minúcias de cada história empreendedora. Só para ilustrar sobre o que estou falando, deem uma olhada sobre o que significa ser empresária para oito dessas mulheres que nos contaram parte de suas histórias: 15 Originalmente publicado em 13/10/2013

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Olha, é gratificante. É uma sensação boa, e é uma sensação de uma coisa inacabada ainda. Inacabada porque ainda tem bastante coisa a ser feita, a gente ainda tem bastante sonho, bastante projeto, bastante vontade de modificar. Então, é uma sensação bem gratificante. Eu só não diria que eu confirmo que é uma realização inacabada, porque ainda a gente sempre está buscando mais. Mas se você for olhar para trás, a gente vê que a gente pode não ter crescido tanto. Mas você olha, e você vê que você manteve, que você tem, que você fez algumas benfeitorias. Então, isso aí é o que te deixa satisfeita, vamos dizer assim. Acho que ser empresária eu comparo com livre-arbítrio, em todos os sentidos. No sentido de você ter a possibilidade de trabalhar com o que você realmente ama e arcar com as consequências disso. De você ser uma empresária honesta ou de você ser uma empresária desonesta, e também arcar com as consequências de um lado ou de outro. De você ser uma empresária idônea ou não idônea e também arcar. E você ser uma empresária que pode eventualmente... a gente estabeleceu três fases, que é o que a gente quer que a empresa seja, que ela trabalhe na sua estrutura, na sua visão de empresa: cultura, educação e cidadania; são os três planos da empresa. E eu acho que ser empresária me permitiu trabalhar com as coisas que eu mais respeito. Eu não era aquela que falava: “Vou ser empresária, empreender”. Quando eu fazia Administração todo mundo falava: “Vou abrir uma empresa“. Eu falava: “Hum... Não necessariamente!” Eu sou mais pé no chão, assim, acho. Ham... Mas eu ainda sonho em um dia poder ter uma equipe. Assim, debaixo da minha empresa, uma equipe, assim... Não sei se é uma utopia, mas de repente vai, né? Uma equipe engajada, sabe? Aquelas pessoas, assim: “Puxa, eu adoro o que eu faço, eu ganho bem pra fazer, e eu não troco a empresa por nada”. Sabe aquele tipo de sentimento? É essa empresa que eu quero ter! Foi pra essa empresa que eu fiquei todos esses anos. Quando eu tinha minhas funcionárias eu pensava: “Eu quero que elas se sintam bem, eu quero que elas tenham um ambiente de trabalho gostoso, eu quero que elas ganhem bem”. Entendeu? Porque eu não quero ganhar sozinha. Sabe aquele sentimento? E eu, como eu tinha essa ideologia de trabalhar e de todo mundo ganhar pra todo mundo crescer, não dá certo, ou não deu certo. Mas eu ainda sonho com isso! Pra mim, isso é ser um bom empresário. Ser empresária pra mim... Meu Deus do céu! É um redemoinho que chegamos para fazer dessa maneira... O que é ser empresária?... Empresária, nossa! É estar no mercado. Eu acho que eu não sou aquela empresária autoritária, aquela coisa assim, sabe? Eu considero assim... A gente se considera ... muito mais parceiro das indústrias, a gente tem essa civilidade como uma, vamos dizer, uma beneficie, um foco, uma coisa por aí, uma cartilha mesmo. Eu acho que me considero muito mais uma parceira. Me enxergar? Faz pouco tempo! Então é bem assim... Ser empresária é você ter essa afinidade em conseguir identificar quando alguma coisa está sendo feita de maneira errada, ou que você poderia identificar e fazer algo melhor e tentar transformar essa realidade. Essa é a autonomia de você ir lá e falar “isso aqui realmente pode ser feito assim“,“deve ser feito assado“. De você poder tentar fazer diferente, errar, porque logicamente a gente vai levar umas pauladas e vai tentar fazer as coisas de maneira diferente, e ter essa autonomia de não fazer assim, porque agora não deu certo, mas posso fazer de outro jeito. É... Você conseguir transformar vidas também, porque na minha empresa eu pego pessoas que estão ou se formando ou pra se formar e eu movo essas pessoas pra poder fazer a empresa do jeito conciliado que ainda tem muito essa coisa de paixão, de amor.

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Eu amo de paixão desde que eu sou criança, desde os meus 15 anos quando eu comecei a trabalhar firme com meu pai eu sou apaixonada em conversar com gente, em entrar em contato toda hora com pessoas, eu não consigo me imaginar – a gente fala assim “nós temos o dinheiro do dia, do mês e do ano” – aquele dinheiro do mês, não consigo imaginar. Então essa movimentação financeira, esse contato direto com pessoas, isso sempre me encantou. E isso é o que eu vejo num empresário. Eu não sou aquele empresário por trás dos panos, eu sou aquele que está de cara. Para mim ser empresária é uma pessoa que está sempre dentro do ramo dela, mas está sempre buscando novos horizontes, está sempre se atualizando. Eu acho que nós sempre procuramos isso, porque veja, nós estamos fazendo 50 anos de loja esse ano, em Cascavel, e eu acho que a gente ainda está sempre no topo, eu acho que nós estamos sendo empresários dentro do nosso ramo. Por exemplo, na imobiliária nós não acompanhamos tanto esse ritmo, e nem na construtora, porque surgiram novos grandes construtores, e houve os booms aí. Mas na loja nós estamos sempre procurando modificar, agora estamos fazendo essa reforma imensa. Primeiro eu acho que é conduzir todo o processo produtivo..., é o conduzir, é eu estar disposta a desenvolver todas as atividades. Para mim não é só coordenar o processo e delegar funções, é eu planejar, é eu executar o processo, eu estar inteirada de todo esse processo, ter um relacionamento com as pessoas que me dão esse resultado; acho que empresária é uma pessoa aberta à sociedade em que ela vive, acima de tudo. Porque se você for uma pessoa introvertida, isso vai causar um impacto negativo. E na mesma forma na condução dos seus funcionários, eu acho que você tem que ter essa abertura. Então desde a organização, planejamento, condução, administração; pra mim ela é um leque que se abre e que você tem que procurar atender esse grande leque. Ele é às vezes um pouco pesado, não é tão leve como o próprio leque.

Quando me deparei com esses depoimentos, fiquei maravilhado! Seja sincero comigo, faz sentido transformar esses depoimentos em alguma forma de medida? Eu me convenço cada vez mais que não! A busca das regularidades quantitativas nesse campo me diz tão pouco, fica na superfície daquilo que quero entender! É muito melhor eu ir montando um caleidoscópio de fragmentos históricos e cada vez que olhar para eles, conforme eu gire o caleidoscópio, uma nova figura se forma, uma nova compreensão que não substitui as anteriores, mas que se junta a elas nessa compreensão inacabada e continuamente em transformação que minha memória vai armazenando. Muito parecido com o que uma delas disse: É uma sensação boa, e é uma sensação de uma coisa inacabada 50

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ainda. Inacabada porque ainda tem bastante coisa a ser feita, a gente ainda tem bastante sonho, bastante projeto, bastante vontade de modificar. Então, é uma sensação bem gratificante. O que ficou evidente para mim, nesse momento, é que esses significados carregam uma alta carga de subjetividade, mas, ao mesmo tempo, revelam um compartilhamento emotivo em relação aos efeitos que essa escolha de carreira profissional significa para essas mulheres. Vai além da competência administrativa e de negócios e apresenta, no seu âmago, um conjunto de emoções que parecem dar significado à própria vida. É um processo contínuo, inacabado, em construção, onde se pratica o livre arbítrio, novos horizontes são buscados, tentar transformar para melhorar a realidade. É gratificante, é paixão, é redemoinho, é um leque que se abre, é uma realização inacabada... Agradeço a essas mulheres por terem nos contado o que pensam sobre ser empresária.

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A Ilusão do Empreendedorismo16

Há anos o empreendedorismo está na moda! Ao digitar essa palavra em um mecanismo de busca na Internet, em 0,32 segundos, me foram fornecidos mais de quatro milhões de resultados. O que é ser empreendedor, em mais nove centésimos de segundo, 0,41s, fornece 4,83 milhões de resultados. Quase um milhão desses resultados, pouco mais de 20%, são vídeos. Não é preciso muito esforço para encontrar alguma coisa escrita ou falada sobre empreendedorismo no mundo virtual. Dias atrás, fui procurado por um jovem que buscava orientação sobre como incubar uma nova empresa. Recémformado em engenharia, teve uma ideia de um produto que, aparentemente, não existe no mercado. Pensava em se dedicar a esta iniciativa imediatamente, buscando um espaço onde pudesse desenvolver esse novo produto. Durante nossa conversa, percebi que ele não tinha muita clareza sobre como seu produto seria. Imaginava que seria um produto útil para empresas, mas que também poderia servir para as pessoas. O produto, segundo ele, questionado por mim, não envolvia nenhum conhecimento novo em sua área de formação. Era simplesmente a aplicação de algumas fórmulas de domínio público. Era um produto que poderia aferir a qualidade de um insumo básico para muitas de nossas atividades. Mas, quem estaria disposto a comprá-lo efetivamente? Como ele seria utilizado? Quanto custaria para ser produzido? Por que ninguém havia feito tal produto 16 Originalmente publicado em 11/05/2014

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ainda, já que era tão simples? Conforme eu fazia perguntas a esse jovem, percebia nele uma frustração crescente, certa ansiedade, um ar de perplexidade! Aos poucos, ele foi percebendo que empreender não era algo simples. Sugeri que procurasse um ou mais de seus ex-professores e conversasse com eles sobre o assunto. Ele manifestou a preocupação com o segredo da ideia, alguém poderia fazer seu produto antes dele! Lembrei, novamente, de uma das minhas perguntas: há algum segredo ou conhecimento de difícil acesso? Não, foi a resposta dele. Procurei mostrar a ele que ainda não estava no momento de ele incubar uma empresa. Ele tinha que buscar muito mais informações do que sabia até aquele momento. A incubação demandaria compromisso de recursos financeiros que seria custoso para ele arcar. Procurei saber de seus antecedentes: o pai é bancário, a mãe toma conta da casa, ele estava buscando uma alternativa para sua vida, algo diferente de ficar se preparando para concurso. Muitos de seus colegas de curso estão fazendo o mesmo: se preparando para concurso! Tenho quase que 100% de certeza de que este jovem saiu decepcionado de nossa conversa. Meu sentimento foi de irritação com a forma irresponsável com que a opção de empreender é transmitida aos nossos jovens hoje: a ilusão do empreendedorismo! “Torne-se um empreendedor!“ é o estímulo que estamos dando a nossos jovens. “Vejam quantas histórias de sucesso! Você também pode ser um!“ Onde estamos errando? Essa é a pergunta que me surgiu após esse encontro com esse jovem. Nossa sociedade, pelos diferentes meios de comunicação, está FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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levando uma quantidade imensa de jovens a acreditar que serão empreendedores, proprietários de seu próprio negócio. Mas, ao mesmo tempo, não estamos sendo capazes de criar as condições para que eles possam ser bem-sucedidos como empreendedores. Uma ideia na cabeça, sem uma câmara na mão, não faz um filme! Uma ideia na cabeça, sem recursos, não faz uma empresa. Vai chegar o dia em que, com um nível adequado de educação, a partir de acesso igualitário aos recursos necessários, nossos jovens poderão usar seus próprios méritos para ter um diferencial em seus desempenhos? Queria tanto acreditar que, mesmo em um futuro distante, pudéssemos ter uma resposta positiva a essa pergunta. Mas, em nossa sociedade egocêntrica, acho pouco provável que isso venha a ocorrer. O mais provável é que o acesso a recursos que viabilizem sonhos empreendedores continue ainda escasso. Enquanto isso, vamos disseminando esse discurso ilusório, festejando as raras exceções, escondendo os muitos fracassos debaixo do tapete. E, mais desanimador ainda, celebrando o crescente número de microempreendedores individuais, que são apenas registros virtuais de nossa ilusão empreendedora.

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O Encontro da Coragem com a Prudência. Um Texto Multimídia sobre Encontros, Empreendedorismo e Gestão17 Encontros podem ser inspiradores. Nos últimos dias passei por alguns momentos da vida que podem ser reduzidos a encontros que fizeram a mente divagar. Assistindo ao delicioso e belíssimo filme de Christophe Honore, As Bem Amadas, com Chiara Mastroianni e Catherine Deneuve18, uma cena de encontro entre pai e filha me despertou a imaginação. Catherine e Chiara interpretam mãe e filha (Madeleine e Véra) em uma história que dura quase 50 anos. Milos Forman é o pai na fase adulta e Rasha Bukvic na infância e adolescência de Véra. Em uma conversa entre Milos Forman e Chiara, o pai diz algo assim para a filha (não me lembro da frase exata): ­— Você tem coragem e prudência. Duas virtudes centrais para o ser humano. A coragem é ser capaz de tentar fazer algo, mesmo sabendo que poderá não dar certo. Empreender e gerenciar uma empresa ou organização são ações que precisam equilibrar as duas virtudes. Como está na wikipedia (me rendi a ela!), a prudência pode ser encarada como o exercício do julgamento sadio em questões práticas19. Sem usar essas palavras, já falei sobre a tensão entre a mudança e a permanência na gestão de pequenas empresas. A 17 Originalmente publicado em 31/10/2012 18 (vejam trailer em http://www.youtube.com/watch?v=K_I8srnRHVM 19 (http://pt.wikipedia.org/wiki/Prud%C3%AAncia)

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coragem de inovar (mudar) precisa ser balizada pela prudência, assim como é também a prudência que inspira a coragem da permanência do modo como se faz as coisas em qualquer organização. Além de sair do cinema com uma sensação de bem-estar pela fruição de uma sessão cinematográfica inspiradora sobre a vida em geral, fiquei com essa ideia na cabeça: será que já se abordou a questão da coragem no empreendedorismo? Chegando à minha sala, ao final da tarde, antes de ir para as aulas de Fundamentos da Gestão das Organizações, fiz uma rápida busca no Google. Encontrei um post no Blog do Hashimoto, meu companheiro de Associação Nacional de Estudos em Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas - ANEGEPE20. Texto muito bem escrito, inspirador mesmo, um encontro entre pai e filha que me fez lembrar quando ensinei Paloma e Fernanda a andarem de bicicleta nos tempos que moramos no campus da Universidade de Lancaster na Inglaterra. Um emocionante encontro com o passado inspirado pelo Marcos Hashimoto. Mas tive outros encontros recentes nos últimos dias. Voltei a ser aluno após 35 anos vivendo o papel de professor. Decidi fazer um curso de especialização em cinema e tive meu primeiro reencontro com uma tarefa para casa. A professora Denize nos pediu que fizéssemos um breve comentário por escrito sobre um dos filmes que foram exibidos na edição curitibana do Kinoforum – Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo realizada esse ano. Entre os curtas que assisti durante os três dias que durou o festival, decidi escrever sobre o “MorningStroll” 20 www.anegepe.org 21 (http://www.marcoshashimoto.com/apps/blog/show/13774662-seguran-a-ou-risco)

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(Caminhada Matinal), animação concebida e dirigida por Grant Orchard e produzida pelo Studio AKA em 201122. Com sete minutos de duração, o curta retrata 100 anos de permanência e mudança, por meio de três encontros entre um pedestre e uma galinha em Nova Iorque nos anos de 1959, 2009 e 2059. Com estilos de desenho distintos em cada momento, e com uma trilha sonora muito bem escolhida, o curta me fez pensar sobre essa tensão constante entre mudança e permanência. Embora com um caráter de distopia, o curta permite que se reflita sobre as transformações que alteraram profundamente nossa sociedade ao longo dos últimos 50 anos, nem sempre para melhor, apontando para uma perspectiva sombria no futuro. Porém, toda essa reflexão é acompanhada de uma forma de humor leve que completa o trio de qualidades do curta: traços e desenhos muito bem feitos, excelente música e mensagem inspiradora. O terceiro encontro está em um filme que ainda não vi. Paulo Camargo, na Gazeta do Povo de hoje, informa sobre o último filme de Abbas Kiarostami, homenageado na 36a. edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo23. Já estou ansioso, aguardando a chegada desse filme nas salas de cinema de Curitiba. Segundo Camargo: A trama gira em torno de uma trombada amorosa inesperada: uma jovem prostituta (RinTakanashi) conhece um tradutor idoso (Denden), que acabam enxergando, um no outro, um alento, a possibilidade de conseguirem aplacar a solidão na qual estão imersos... Pessoas à deriva se aproximam e encontram um no outro, motivos para 22 (http://br.bing.com/videos/search?q=you+tube+morning+stroll&view=detail&mid =02FC311965C05C008C2602FC311965C05C008C26&first=0&qpvt=you+tube+m orning+stroll) 23 (http://www.gazetadopovo.com.br/cadernog/conteudo.phtml?tl=1&id=1313493&ti t=Kiarostami-conta-a-historia-de-um-amor-no-Japao)

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serem felizes. Ela quer estabilidade, um porto seguro, e ele, a negação da finitude. A negação da finitude! Essa frase me marcou. Parece-me que a gestão é uma tentativa constante de negação da finitude. A organização surge do esforço empreendedor, fertilizada pelo desejo da longevidade, mas muitas vezes, assim como nós, a organização morre. O empreendedor/gestor constantemente tenta adiar esse encontro com a finitude que levará sua criação para o inevitável encontro com Hades, no subterrâneo empreendedor. Para tanto, nessa negação da finitude, se vale da coragem e da prudência, enfrentamento do inevitável e porto seguro, ousadia da mudança e crença na permanência. Um encontro dessa mesma natureza, no mundo da vida real, presenciei anos atrás quando fazia minha caminhada diária pelo Passeio Público em Curitiba. Caminhadas vespertinas, ao som de ruídos diversos emitidos por carros, pessoas e pássaros. Certo dia, caminhando mais lentamente, próximo ao final da caminhada, ouço uma frase de uma prostitua para um senhor idoso, beirando os setenta anos: — Mas por dez reais, você quer mais o que? Uma negociação se aproximava de seu final! Nesse encontro, talvez houvesse ainda a tentativa de negação da finitude por parte do idoso, mas a prostituta com certeza não estava em busca de um porto seguro. Para mim, ela estava, na verdade, tentando preservar um mínimo de dignidade (paradoxal, não?) ao valorizar seu serviço e indicando que, por dez reais, muito não seria feito! Enfim, talvez o que sobre disso tudo, é persistir. A tensão entre mudança e permanência faz parte da vida 58

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humana e a nós cabe apenas lidar com ela. Se possível sendo capaz de, assim como Edith Piaf, não se arrepender de nada, como registrado inesquecivelmente por Cássia Eller!24

24 http://letras.mus.br/cassia-eller/44923/

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Reflexões londrinenses. sobre longevidade25 Quatro dias de férias em Londrina. Cheguei na última quinta-feira e parto, logo mais, às 13:50. Amanhã retorno ao trabalho. Nesse fim de férias, além de uma participação em banca de defesa da dissertação de mestrado do Paulo Paganini, orientado pelo amigo Mário Nei Pacagnan da UEL, visito amigos, vou aos sebos atrás de livros de bolso para minha coleção, passeio pelo centro de Londrina, ainda com o calçadão dilacerado, mas segundo notícia de jornal, em breve poderá ser feita licitação para a instalação de novos quiosques. Em frente ao Correio, ainda há destroços da antiga Banca do seu Pedro e da garapeira que refrescou muitas tardes de calor intenso. Aliás, fez falta nesses dias de verão tórrido! Hospedado em casa de minha mãe, longas conversas (monólogos em que sou o ouvinte, nem sempre atento!) com ela que se aproxima rapidamente dos 88 anos de vida. Serão completados no próximo 22 de março. Longevidade que espero reproduzir. Entre tantas frases e histórias, muitas já contadas em outros momentos, algo novo que me faz gargalhar: — Fernando, você sabe que quase todos os médicos que me diagnosticaram já morreram? Já imaginou se falo isso pro doutor Ramon? Ele fica louco! Entre os passeios, acabo fazendo duas visitas gastronômicas a pequenas empresas longevas também: Pastelaria da Sergipe e Kiberama. A primeira faz a melhor 25 Publicado originalmente em 17/02/2014

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vitamina de abacate, com um pouco de outras frutas, que já tomei nesses meus cinquenta e seis anos, que deve ser também a idade da Pastelaria Sergipe. No Kiberama, em que uma placa informa o ano de criação como sendo 1965, a melhor esfirra de carne, servida quentinha, para clientes sentados em bancos que rodeiam um balcão. Continua a mesma desde meus tempos de adolescente, quando ganhei autonomia para andar sozinho pelas ruas londrinenses. Quem passar por Londrina não pode deixar de conhecer. As duas empresas estão localizadas na mesma quadra, uma à Rua Sergipe e a outra à Rua Mato Grosso. Pouco mais de duzentos metros da Concha Acústica e da Catedral de Londrina. Ah, o pastel da Pastelaria Sergipe é imperdível também! Mas, como optei pela esfirra do Kiberama, tomei só a vitamina. Cuidar um pouco da saúde, não faz mal a ninguém! É claro que não poderia deixar de ir ao cinema nesses quatro dias de férias! Assisti a dois filmes que me fizeram refletir muito: Ninfomaníaca v. 1 de Lars von Trier e A Grande Beleza de Paolo Sorrentino. Lembro do livro de Julio Cabrera, professor de filosofia da UnB, O Cinema Pensa. E com ele, eu penso também. Em A Grande Beleza, um escritor reflete sobre sua vida ao completar 65 anos. No filme de Trier, uma mulher é encontrada caída em um beco por um homem mais velho. Está muito machucada. Depois de ser levada para a casa deste, ela começa a contar sua vida, justificando porque se julga uma pessoa má. De comum, entre os dois filmes, além da beleza imagética de ambos, em estilos completamente diferentes, a presença de um personagem mais velho, nos contando ou ajudando a ouvir estórias. Seligman, interpretado por Stellan Skarsgard, é o FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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idoso que resgata Joe vivida por Charlotte Gainsbourg, no filme de Lars von Trier. Duas cenas dele me despertaram reflexões sobre a longevidade, não das pessoas, mas de pequenas empresas. Em determinado momento, logo no começo da narrativa da vida de Joe, este comenta: — Se você tem asas, por que não voar? Um pouco mais tarde, em uma cena um pouco mais longa, Seligman apresenta sua tipologia de pessoas: as que cortam primeiro as unhas da mão direita e as que cortam primeiro as unhas da mão esquerda. Para ele, essa escolha reflete a intenção de lidar com o mais fácil ou o mais difícil primeiro. (Fiquei pensando no caso dos canhotos, mas isso não importa agora!) Nessas frases vejo consequências ou razões que explicam porque pequenas empresas se tornaram longevas. A longevidade deve estar associada, é uma hipótese minha, à capacidade que os dirigentes de pequenas empresas têm de identificar as asas de seus empreendimentos e fazer pleno uso delas: voar! Por outro lado, muitas vezes a longevidade, pode ser indicador de um caráter permanente na tomada de decisão presente nessas pequenas empresas. Creio que (é outra maneira de dizer hipótese), a longevidade dessas pequenas empresas está ligada ao cortar as unhas da mão esquerda primeiro! Fazer o mais difícil, o fácil é resolvido sem muito esforço. Eu ia escrever “o fácil é resolvido facilmente”, mas alguém iria me acusar de pleonasmo inútil! Assim, usei “sem muito esforço” facilmente, que é a mesma coisa que facilmente! Mas, pelo menos, mantive o estilo e pude brincar com você, leitora ou leitor. No domingo de manhã, mantendo o ritual com Dona Kilda, vou ler os jornais. Coisa que ela faz diariamente, 62

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logo após o café-da-manhã. No Jornal de Londrina, vejo uma reportagem, de Tatiane Salvatico que informa sobre a proposta do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina sobre a volta de quiosques em três pontos do calçadão de Londrina26. Na mesma reportagem, há notícia de uma pequena empresa distribuidora de jornais e revistas que durou vinte e um anos, mas que praticamente se extinguiu quando houve a decisão da prefeitura, na gestão de Barbosa Neto, de retirar bancas e quiosques do calçadão e das ruas londrinenses. Esta história é um pequeno exemplo de que, muitas vezes, não basta usar as asas para voar ou cortar primeiro as unhas da mão esquerda. Há momentos na vida das pequenas empresas que o seu destino é ditado de fora. Assim, vou concluindo essas reflexões londrinenses nesta manhã de segunda, um pouco mais fresca do que os dias da semana passada. Escrevo esse post em uma lan house na rua Piauí próxima ao prédio onde mora Dona Kilda. A Odissey, além de lan house é também um estacionamento: dez vagas para carros e quinze computadores. Converso com um dos proprietários que me informa que estão há dez anos nesse local. Primeiro como estacionamento, a lan house foi incorporada à empresa cinco anos depois. Na pequena empresa é possível ver a estratégia de diversificação. Pergunto por que fizeram isso. A resposta é na linha da asa para voar! Perceberam que havia demanda para esse tipo de serviço e resolveram utilizar as instalações de uma casa nos fundos do estacionamento. Será que se tornará uma pequena empresa longeva? 26 http://www.jornaldelondrina.com.br/cidades/conteudo.phtml?tl=1&id=1447338&tit=Ippulpropoe-volta-de-quiosques-em-tres-pontos-do-calcadao

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Meus conhecimentos não me permitem arriscar uma resposta para essa última pergunta. Mas, ao menos, o nome é o mesmo do poema épico atribuído a Homero. Está conosco há mais de 2.000 anos. Pode ser uma pista. O que inspirou o nome da empresa? Também não sei. Pode ter sido a Odisseia de Homero, ou pode ter sido algo mais prosaico como uma série de jogos eletrônicos! Aliás, aprendi a não fazer suposições apressadas com a Sara desde que, em Maringá, certa vez, ao indagar o nome de um jovem que me atendia em uma livraria, este respondeu: — Sócrates. — Que legal, como o filósofo. Eu comentei. Sara prontamente respondeu: — Pela idade dele, deve ter sido uma homenagem que o pai fez ao jogador do Corinthians! Sábias palavras da Sara. As mulheres têm uma capacidade impressionante de me trazer de volta à realidade!

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A Freira e a Taxista. Entre a Eficiência e a Eficácia.27

Minha irmã, Kilda, me enviou hoje essa pequena anedota que serve bem para ilustrar o dilema entre eficiência e eficácia na administração, em particular nas pequenas empresas. Kilda a recebeu de uma amiga. “Em uma cidade do interior, viviam duas mulheres que tinham o mesmo nome: Flávia. Uma era freira e a outra taxista. Quis o destino que morressem no mesmo dia. Quando chegaram ao céu, São Pedro as esperava. — O teu nome? — Flávia — A freira? — Não, a taxista. São Pedro consulta as suas notas e diz: — Bem, ganhastes o paraíso. Leva esta túnica com fios de ouro. Pode entrar. A seguinte... — O teu nome? — Flávia — A freira? — Sim, eu mesma. — Bem, ganhastes o paraíso... Leve esta túnica de linho. Pode entrar. A religiosa diz: — Desculpe, mas deve haver algum engano. Eu sou Flávia, a freira! 27 Publicado originalmente em 05/12/2013

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— Sim, minha filha, e ganhastes o paraíso. Leve esta túnica de linho... — Não pode ser! Eu conheço a outra Flávia, Senhor. Era taxista, vivia na minha cidade e era um desastre! Subia as calçadas, batia com o carro todos os dias, conduzia pessimamente e assustava as pessoas. Nunca mudou, apesar das multas e repreensões policiais. E quanto a mim, passei 65 anos pregando todos os domingos na paróquia. Como é que ela recebe a túnica com fios de ouro e eu esta? — Não há nenhum engano - diz São Pedro. É que, aqui no céu, adotamos uma gestão mais profissional do que a de vocês lá na Terra... — Não entendo! — Eu explico. Já ouviu falar de Gestão de Resultados? Agora nos orientamos por objetivos, e observamos que nos últimos anos, cada vez que tu pregavas, as pessoas dormiam. E cada vez que ela conduzia o táxi, as pessoas rezavam! Resultado é o que importa.” Deliciosamente instrutiva, não? A distinção entre eficiência e eficácia, provavelmente, é um dos conhecimentos que se transmite logo nos primeiros momentos a estudantes de administração. Do ponto de vista conceitual, é uma diferença muito simples. Eficiência está relacionada a fazer certo as coisas, enquanto que eficácia é fazer a coisa certa. O que isso quer dizer é que, ser eficiente significa realizar as atividades e processos em uma organização de forma a utilizar corretamente e sem desperdícios todos os recursos e ferramentas necessários para cada tarefa organizacional. Por outro lado, ser eficaz significa atingir os objetivos relacionados à existência da organização. 66

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No caso de uma empresa, ser eficaz é oferecer a um mercado produtos ou serviços que sejam realmente desejados. É claro que a situação ideal, do ponto de vista da administração, está na combinação constante dos dois aspectos: ser eficaz e ser eficiente. Nas grandes empresas, em geral, essa combinação não é tão difícil de ser mantida. Nas pequenas empresas, no entanto, isto é mais complicado! A falta de recursos, ferramentas ou até mesmo competências, podem afetar a eficiência. Mas, se temos que sacrificar algum dos dois, o aconselhável é abrir mão da eficiência. A eficácia não pode jamais ser abandonada. Assim, nada mais natural que a taxista recebesse a túnica com fios de ouro. Para São Pedro, a eficácia das ações residia em conseguir um maior número de preces e orações. A freira não estava sendo nem eficiente, nem eficaz! Não conseguia pregar de forma a manter a atenção das pessoas e estas não se sentiam motivadas a orar. Por outro lado, a taxista, não era nem um pouco eficiente, mas, do ponto de vista da igreja, era eficaz: todo mundo rezava quando a via! É o que digo para minha professora de tênis quando faço um smash todo torto: — Não fui eficiente, mas fui eficaz. Ganhei o ponto! Mas, isso é história para outro post. Ainda vou escrever algo sobre a relação entre tênis e administração. Aguardem.

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DA SUSTENTABILIDADE

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Sustentabilidade da Sociedade é Preocupação Relevante para as Empresas Mais Admiradas Do Brasil?28

Recebi ontem a edição especial de Carta Capital As empresas mais admiradas no Brasil, número 16. No ano passado, publiquei um post29 tecendo alguns comentários sobre os resultados dessa pesquisa. Decidi repetir a análise hoje, seguindo os mesmos procedimentos do ano passado. Nessa publicação, as empresas são classificadas segundo a percepção de mais de 1.200 executivos a respeito de sua aderência a treze fatores-chave que, no cômputo geral de importância atribuída pelos respondentes da enquete, foram hierarquizados de forma distinta em 2013. No ano passado, Ética e Inovação eram os principais fatores-chave, seguidos por Qualidade de Produtos e Serviços, Respeito pelo Consumidor e Solidez Financeira. No último levantamento, a Qualidade de Produtos e Serviços assumiu a liderança do ranking, seguida por Respeito pelo Consumidor, Ética, Inovação e Solidez Financeira. Resultado intrigante! Um rearranjo de prioridades na condução das empresas avaliadas? Parece que sim, pois houve também mudanças de posição em relação aos outros fatores-chave. A classificação dos fatores-chave nos dois anos é apresentada no quadro abaixo:

28 - Originalmente publicado em 10/11/2013 29 http://3es2ps.blogspot.com.br/2012/10/as-empresas-mais-admiradas-do-brasil-e.html - Publicado originalmente em 10/11/2013

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ORDEM 1º. 2º. 3º. 4º. 5º. 6º. 7º. 8º. 9º. 10º. 11º. 12º. 13º.

2012 Ética Inovação Qualidade de produtos e serviços Respeito pelo consumidor Solidez financeira Qualidade de gestão Compromisso com desenvolvimento sustentável Compromisso com RH Responsabilidade social Notoriedade Capacidade de competir globalmente Compromisso com o país A mais ativa/presente nas redes sociais

2013 Qualidade de produtos e serviços Respeito pelo consumidor Ética Inovação Solidez financeira Qualidade de gestão Compromisso com RH Compromisso com desenvolvimento sustentável Notoriedade Responsabilidade social Compromisso com o país Capacidade de competir globalmente A mais ativa/presente nas redes sociais

Da mesma forma que no ano passado, chamou minha atenção a distância entre ética e outros fatores-chave que indicam uma preocupação com os interesses mais amplos da sociedade: Compromisso com desenvolvimento sustentável (oitava posição), Responsabilidade social (décima posição) e Compromisso com o país (décima-primeira). Esse distanciamento me levou a analisar o comportamento dos fatores-chave em cada um dos 47 setores descritos na publicação. Para isso, fiz uma pontuação ranqueada dos fatores-chaves em cada setor. Isso significou atribuir pontos para o fator-chave conforme sua posição na escala de importância, ou seja, 13 pontos para o primeiro lugar, 12 pontos para o segundo, 11 pontos para o terceiro e, sucessivamente, até um ponto para a décima-terceira posição. Em seguida, os fatores-chave foram separados em três grupos, como feito em 2012: forma de competição no mercado (Posicionamento Competitivo), capacidade de competição (Competências e Recursos) e compromisso com a sustentabilidade da nossa sociedade (Sustentabilidade da Sociedade). A presença em redes sociais foi excluída da análise por se fazer presente em apenas 21 setores, frequentemente nas últimas posições. Assim, cada grupo ficou com quatro fatores-chave. FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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De novo, assim como no ano passado, foi possível verificar que as empresas mais admiradas devem sua reputação, sob o ponto de vista dos executivos, muito mais a fatores-chave associados a Posicionamento Competitivo e Competência e Recursos e menos à preocupação com a Sustentabilidade da Sociedade. Esse resultado foi um pouco mais acentuado do que em 2012, como pode ser visto no quadro a seguir: GRUPO

Posicionamento Competitivo

Competências e Recursos

Sustentabilidade da Sociedade

FATOR-CHAVE Qualidade de Produtos e Serviços Respeito pelo Consumidor Inovação Capacidade de Competir Globalmente Solidez Financeira Qualidade de Gestão Compromisso com RH Notoriedade Ética Compromisso com Desenvolvimento Social Responsabilidade Social Compromisso com o País

2012 PONTOS 452,00 487,00 483,00

%

37,1

118,00 411,50 364,00 301,00 240,00 546,00 335,00 282,00 143,00

2013 PONTOS 497,50 490,50 420,50

%

38,4

164,50

31,7

31,5

366,50 359,00 322,50 273,00 455,00 301,50

32,3

29,3

247,00 196,00

Esse resultado é um pouco desanimador para aqueles que pensam na possibilidade da prática de uma administração equilibrada entre os aspectos econômicos, sociais e ambientais. Em 2012, os aspectos sociais e ambientais quase igualaram a importância atribuída aos fatores que indicam uma capacidade competitiva econômica das empresas. No entanto, em 2013, os fatores-chave da Sustentabilidade da Sociedade perderam dois pontos percentuais. Como será em 2014? Estou começando a gostar de fazer essa análise, mas não sou muito crente na possibilidade de uma melhoria significativa na atribuição de importância ao terceiro grupo. Espero estar errado! 72

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Sustentabilidade e A Montanha Mágica de Thomas Mann30

Foi há poucos anos que ouvi falar a respeito do romance A Montanha Mágica de Thomas Mann. Por que será que nos meus anos de formação esse livro não chegou às minhas mãos? Por que minhas professoras e meus professores não me contaram sobre esse livro? Ou será que eu não prestei atenção? De Thomas Mann só conhecia A Morte em Veneza, pequeno romance transformado em filme inesquecível por Luchino Visconti em 1971. Presenças marcantes de Dick Bogarde como um compositor que vai a Veneza descansar e de Silvana Mangano que representa a mãe de Tadzio, adolescente que passa férias com a mãe e as irmãs naquela cidade italiana. O filme trata da paixão platônica do compositor pelo jovem e aborda a questão do ideal da beleza representado pelo jovem Tadzio e, de forma discreta, trata também do homossexualismo. A Montanha Mágica chegou às minhas mãos apenas recentemente. Terminei a leitura, feita em doses homeopáticas quase que diárias, pois a edição em português que li chega às 957 páginas! Esforço prazeroso, pois a história de Hans Katorp, jovem que vai visitar o primo Joachin internado em hospital para tuberculosos nos Alpes suíços é emocionante. Chegando lá, tem sua estadia prolongada em função do diagnóstico de que é portador da mesma doença do primo. O livro narra os setes anos em que Hans viveu nesse espaço e aborda, 30 Publicado originalmente em 01/12/12

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de forma sublime e magistral, a relação subjetiva que temos com o tempo e as inúmeras facetas dessa maravilhosa jornada que é a vida humana: amor, política, ciúme, prazer, dor, sexo, morte, guerra, religião, filosofia, artes, música, medo, humor, doença, saúde, desdém, repulsa, vingança, ou seja, quase tudo que se puder pensar que faça parte do ser humano. Até mesmo a sustentabilidade que parece uma discussão tão recente! Pois é, em uma passagem do romance, Mann fala do projeto de um escultor austríaco que, em conversa com Hans Kastorp, se mostrara tão fanaticamente envolvido com a ideia, mas não evidenciava propensão concreta a realizálo. Será que Mann, por meio desse personagem, já estava nos alertando sobre a dificuldade inerente à realização da busca da sustentabilidade em nossa sociedade? Vejam o projeto que aparece às páginas 845 e 846 do romance: Um antigo escultor, natural de uma província da Áustria, homem de certa idade, com um bigode branco, nariz adunco e olhos azuis, concebera um projeto políticofinanceiro que caligrafara, sublinhando os trechos decisivos com pinceladas de tinta nanquim. Esse projeto tinha o seguinte objetivo: cada assinante de jornal deveria ser obrigado a entregar no primeiro dia de cada mês uma quantidade de papel de jornal velho que correspondesse a 40 gramas por dia. Isso importaria anualmente a cerca de 1.400 gramas, e em vinte anos em nada menos de 288 quilos, os quais, à base de um preço de 20 pfennigs por quilo, representariam um valor de 57,60 marcos. Cinco milhões de assinantes - assim prosseguia o memorando - entregariam, portanto, em vinte anos a soma formidável de 288 milhões de marcos, dois terços da qual poderiam ser deduzidos das assinaturas, ao 74

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passo que o resto, aproximadamente cem milhões de marcos, seria aproveitado para fins humanitários, como por exemplo, o financiamento de sanatórios populares para tísicos, subvenções para talentos, pobres etc. Mais à frente, Mann continua a descrição do projeto: O gesto insensato e a destruição de papel de jornal, que a gente mal avisada ainda desperdiçava em cloacas ou fogões, constituía alta traição às nossas florestas e um golpe contra a economia nacional. Poupar papel, guardar papel, significaria conservar e economizar celulose, árvores, máquinas, que a fabricação de pasta mecânica e de papel desgastava, como também seriam menos exigidos o capital e o material humano. Acrescia a isso o fato de o papel de jornal velho adquirir facilmente o quádruplo valor pela transformação em papel de embrulho ou em papelão, de maneira que seria capaz de se converter num fator econômico de vasta importância e em fundamento de rendosos impostos estaduais ou municipais, ao passo que os leitores de jornais veriam suas contribuições aliviadas. Impressionante! Em 1924, em seu romance, Mann já defendia o que hoje denominamos tripé da sustentabilidade: a preocupação econômica, ambiental e social. Está tudo aí!

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Uma Diretriz para a Implantação da Responsabilidade Social Corporativa31

Já abordei a questão da Responsabilidade Social Corporativa (RSC) em outros posts desse blog. Retono a ela, inspirado pela leitura do primeiro volume de A Correspondência de Fradique Mendes - Memórias e Notas, de Eça de Queiroz, publicado pela primeira vez em 1900, ano da morte de seu autor, escritor português que nasceu em 1845. Fiz as primeiras leituras de Eça de Queiroz recentemente. O primeiro livro que li de sua autoria foi Alves & Cia. A leitura foi muito boa e resolvi ir atrás de outros livros de Eça. A leitura de A correspondência de Fradique Mendes também está sendo prazerosa. Em uma passagem, o narrador relata uma carta de Fradique que, para mim, poderia servir como diretriz estratégica orientadora de qualquer organização cujos dirigentes desejem adotar a RSC como orientação de comportamento empresarial. Vejam como é: Todos nós, que vivemos neste globo, formamos uma imensa caravana que marcha confusamente para o Nada. Cerca-nos uma Natureza inconsciente, impassível, mortal como nós, que não nos entende, nem sequer nos vê, e donde não podemos esperar nem socorro nem consolação. Só nos resta para nos dirigir, na rajada que nos leva, esse secular preceito, suma divina de toda a experiência humana: Ajudai-vos uns aos outros! Que na tumultuosa caminhada, portanto, onde passos sem 31 Publicado originalmente em 16/02/13

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conta se misturam, cada um ceda metade do seu pão àquele que tem fome; estenda metade do seu manto àquele que tem frio; acuda com o braço aquele que vai tropeçar; poupe o corpo daquele que já tombou; e, se algum mais bem-provido e seguro para o caminho necessitar apenas simpatia de almas, que as almas se abram para ele transbordando dessa simpatia... Só assim conseguiremos dar alguma beleza e alguma dignidade a esta escura debandada para a Morte. (p.89). Grande figura esse Fradique Mendes! Um humanista incorrigível pelo jeito! Criação de um cidadão crítico da sociedade do século XIX. O que será que Fradique diria do mundo atual? QUEIROZ, Eça A Correspondência de Fradique Mendes, v. 1: memórias e notas. Porto Alegre: L&PM, 1997.

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(Ins)Pirações. Misturando Godard, Faroeste Caboclo, O Amante Da Rainha e Responsabilidade Social Corporativa32

Feriado é tempo de ver filmes! Comecei minha jornada de cinema assistindo a Pierrot Le Fou de Godard, em casa, depois fui ao cinema ver Faroeste Caboclo. No dia seguinte, foi a vez de assistir a O amante da Rainha. Cinema francês, brasileiro e dinamarquês. Esta mistura mexeu com as ideias, pôs o cérebro a funcionar. Godard, em Pierrot Le Fou, faz em seu filme de 1965, sua homenagem ao cinema. Passeia por diversos gêneros e estilos – comédia, musical, surrealismo, gangsteres, drama. Ferdinand e Marianne buscam, no sul da França, o que a sociedade não lhes oferece. Faroeste Caboclo, filme nacional lançado em 2013, inspirado na música de Renato Russo e dirigido por Renê Sampaio, retrata impossibilidades da vida ao contar a estória do encontro e paixão, em nossa capital federal, entre João do Santo Cristo e Maria Lucia, vividos por Fabrício Boliveira e Ísis Valverde. Plano Piloto e Ceilândia, dois mundos distantes, mas geograficamente próximos, são o palco deste Romeu e Julieta brasileiro. Mais uma vez, a sociedade separa aqueles que o coração uniu. Por fim, O Amante da Rainha dirigido por Nikolaj Arcel. Terceiro casal dessa narrativa, Caroline Mathilde, casada com Christian VII, rei da Dinamarca, se apaixona pelo médico do rei, Johann Struensee. As personagens são interpretadas 32 Publicado orginalmente em 01/06/13

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por Alicia Vikander e Mads Mikkelsen nessa produção de 2012. Struensee é um iluminista que, após ganhar a confiança do rei, se aproveita de sua loucura para destituir o Conselho Real. Christian VII acaba dando plenos poderes ao médico que, guiado pelas ideias iluministas, introduz alterações na vida do povo dinamarquês. Da paixão entre Caroline Mathilde e Johann Struensee nasce uma filha. Descoberta a traição, igreja e nobreza voltam ao poder e desfazem os avanços sociais implantados. Traição, paixão e transformação. Absurdo, violência e poder. Temas que perpassam as três histórias. Qual é o espaço do indivíduo e do coletivo em nossa sociedade capitalista? Como conciliar nossos desejos e aspirações individuais com a do outro? França de 1965, anos 70 no Brasil, último quarto do século XVIII na Dinamarca. Espaços e épocas distintas, mas com as mesmas questões humanas mal resolvidas. Godard, em 1965, já comentava sobre o consumismo. Nos momentos iniciais de Pierrot Le Fou, Ferdinand caminha entre os convivas de uma festa que dialogam com frases que são retiradas de propagandas de produtos. Deliciosamente surreal! Faroeste Caboclo mostra a impossibilidade do rompimento das barreiras sociais e de raça. A futilidade das tentativas de aproximação entre dois mundos. N’O Amante da Rainha surge a esperança do iluminismo. O conhecimento científico se opondo à tradição e à religião. O primeiro round dessa luta é vencido pelos iluministas, no segundo vencem religião e nobreza. E depois? ­— E a responsabilidade social corporativa? Onde entre nesse texto? Você me pergunta. Eu respondo:

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— Justamente agora, leitor impaciente! Volto a esse tema! Mais uma vez, a esperança de que seja esse o caminho. Será que vou conseguir superar meu ceticismo? Será que essas três histórias de amor impossível ajudam a encontrar uma saída? Pouco provável, mas não custa tentar. Como diria Goulart de Andrade: vem comigo! Estamos em busca de um desenvolvimento sustentável. Um desenvolvimento que, no dizer de Veiga (Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2008), pode permitir que cada indivíduo revele suas capacidades, seus talentos e sua imaginação na busca da auto realização e da felicidade, mediante esforços coletivos e individuais, combinação de trabalho autônomo e heterônomo e de tempo gasto em atividades não econômicas... Maneiras viáveis de produzir meios de vida não podem depender de esforços excessivos e extenuantes por parte de seus produtores, de empregos mal remunerados exercidos em condições insalubres, da prestação inadequada de serviços públicos e de padrões subumanos de moradia (p. 80-81). No campo da Administração, parece que a resposta a essa busca é a institucionalização da Responsabilidade Social Corporativa. Já que se abandonou a derrubada do sistema, vamos aperfeiçoá-lo. É isso possível? Para alguns é! Por exemplo, Aligleri, Aligleri e Kruglianskas (Gestão socioambiental: responsabilidade e sustentabilidade do negócio. São Paulo: Atlas, 2009) apresentam uma boa síntese da temática da gestão socioambiental demonstrando como esta evoluiu a partir das premissas da responsabilidade social e do relacionamento com stakeholders. Para esses autores, a

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preocupação com posturas socialmente corretas, ambientalmente sustentáveis e economicamente viáveis estará cada vez mais presente entre os temas de gestão (p. 8). Isso implica dizer que há um desafio presente na gestão das organizações: observar o atendimento aos critérios de responsabilidades econômica, legal, ética e filantrópica propostos por Carrol (The pyramid of corporate social responsibility: toward the moral management of organizational stakeholders. Business Horizons, v. 34, n. 4, p. 39-48, 1991). Mas, em um mundo, onde as paixões escapam ao domínio da temperança, será isso possível? Tenho sentimentos conflitantes sobre isso. Por um lado, muitas vezes, sou descrente. Por outro, algumas vezes, confiante. Jean Luc Godard, Renê Oliveira e Nikolja Arcel despertaram as duas forças conflituosas em movimento no meu cérebro. Desse conflito surge a síntese: a esperança. Em Pierrot Le Fou há uma cena inspiradora. Ferdinand, interpretado por Jean Paul Belmondo, e Marianne, por Anna Karina, estão em uma estrada conversando dentro do carro em movimento. São vistos por trás. Ferdinand comenta sobre fala de Marianne: as mulheres só querem divertimento. Marianne responde: para quem você está falando? Ferdinand responde: para a plateia. Marianne olha para trás em direção à câmara. Momento sublime, suavemente irônico, em que Godard revela a câmara ao espectador e nos lembra que o que vemos é um filme. Será que os administradores que discursam sobre responsabilidade social corporativa não estão falando só para a plateia? Em Faroeste Caboclo a tragédia nos

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lembra da impossibilidade do convívio. Pessimista, reforça minha descrença. Duzentos anos depois do nascimento dos ideais iluministas, as desigualdades permanecem! Caminhamos tão lentamente! Por fim, a esperança d’O Amante da Rainha. O filme é uma carta de Caroline para seus dois filhos, Frederick e Louise Augusta. Separada dos dois pelo exílio, Caroline conta para eles a sua história e conclui: sei que vocês me deixarão orgulhosa. Outras gerações serão capazes de fazer o que não fizemos? Espero que haja tempo!

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Perto da Concha Acústica: O Cachorro-Quente que Virou Pitbull!33 Ontem, 22 de novembro, fiz um lanche em uma das esquinas do centro de Londrina. Voltava a pé do lançamento da Revista Organizações e Sustentabilidade cujo editor é o Ivan de Souza Dutra, professor do Departamento de Administração da Universidade Estadual de Londrina. Tive o privilégio de ser o autor de um ensaio na primeira edição deste novo periódico do Programa de Pósgraduação em Administração da UEL. Por um acaso do destino, estava em Londrina no dia da cerimônia organizada por Ivan, Luis Miguel Luzio dos Santos e Marli Verni. Ambiente acolhedor e momentos de reencontro com colegas e ex-alunos. Lilian Aligleri também estava lá, com a filhinha de nove meses e Marli, sua mãe. Pena que Luís Antônio, pai de Lilian, não veio. Saudades desse amigo de longa data, professor competente sempre homenageado pelos estudantes. Ao final do evento decidi caminhar até a casa de minha mãe onde estou hospedado. Pouco mais de mil metros, a partir de um shopping nas proximidades da rodoviária até a Concha Acústica de Londrina, vizinha à Catedral. Os mais jovens devem estar curiosos! O que é uma concha acústica? Não vi muitas em minha vida. Na verdade, acho que conheço só a de Londrina. É uma construção de alvenaria, convexa, em forma de concha, que fica sobre um palco em uma praça pública. A praça tem cerca de dez fileiras de 33 Publicado originalmente em 23/11/13

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bancos de concreto. Na Concha Acústica são apresentados shows musicais, peças e outras atrações. Já foi muito usada no passado. Ultimamente, durante as noites, tem sido utilizada como dormitório por sem-tetos. Mas, o que quero relatar é a história do cachorroquente que virou pitbull! Subindo pela Rua Maranhão notei um aglomerado de pessoas na esquina com Souza Naves, ao lado de um carrinho de cachorro-quente. Apesar de ter comido e bebido no lançamento da revista, resolvi comer um cachorro-quente. A cena e a fresca brisa noturna me trouxeram lembranças de minha juventude. Sempre que saía das sessões noturnas do Cine Vila Rica, voltava a pé para casa. No caminho, na Avenida Higienópolis, comia um cachorro-quente. Sempre no mesmo carrinho. Aproximei-me e o lancheiro me disse: — Se for comer, põe o nome na lista. Passou-me uma prancheta com uma caneta e folha de papel. Nela já havia mais de 15 nomes. Quando terminou de preparar o lanche que estava fazendo, pegou a prancheta e chamou alguém. Em seguida me avisou: — Tem mais dois na sua frente. — Não tem pressa, respondi. Não tenho nada pra fazer esta noite. Na minha vez, ele perguntou: — O que vai ser? — Duas salsichas, maionese, catchup e mostarda. — Pit 2. Não quer milho verde e batata palha? — Não. Como você chama o lanche? — Pit 2. Pão pequeno com duas salsichas. Pit 1 quando tem uma salsicha. Esse foi o começo do papo. Estimulado por minhas perguntas, o lancheiro me contou que está nisso 84

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há 29 anos. Foi office-boy antes de começar a fazer lanche na rua. Há nove anos está nessa área da cidade, mas antes trabalhou na Higienópolis e na Quintino Bocaiúva. Mais ou menos dez anos em cada rua. Nessa altura da conversa é que reconheci a figura: — Lembro-me de você da Higienópolis! Como está a vida? — Não está mal. Melhorou nos últimos dez anos quando comecei a fazer sucos. A partir do meio do dia preparo tudo e venho pra rua entre quatro e quatro e meia. Começo perto da delegacia e, mais tarde venho para esse lugar. Os sucos são meu diferencial junto com os lanches maiores: dogão e pitbull. Nesse momento, chega uma moça com uma criança no colo e um menino ao lado. Uma graça de garoto, quatro anos no máximo, que fala para o lancheiro: — Oi Davi. Eu voltei! Davi sorri e brinca com o menino: — Eu vi. Mas achei que era um gatinho. — Não era um gatinho. Era eu. A cena me encantou! Ao mesmo tempo, chegam três rapazes. Com uma larica danada, um deles pede: — Faz três bem regadão! Davi repete o procedimento: — Coloca os nomes aqui, para eu chamar quando for fazer. Continuo conversando com Davi, agora o chamando pelo nome que aprendi com o garoto. Davi me conta sobre o que conseguiu nesse ofício: — Duas casinhas, um carro e uma pequena caminhonete para transportar o carrinho e material. FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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Parece muito satisfeito. Pergunto se não pensa em ter um espaço próprio, mesmo que seja apenas com uma porta. — Não! Gosto da rua, não conseguiria ficar num lugar só. Aprendo com Davi! Fazer diferente, mas do jeito que gosta. Enquanto conversamos, vários clientes pedem por suco. — Ele tem vários, mas o melhor é morango com danone, me diz uma moça. — Sou bom no suco, garante Davi. Chama o primeiro dos rapazes: — O que vai ser? — Bem regadão, repete o cara. — Vai ser o pitbull então. Pão grande, duas salsichas, maionese, catchup, mostarda, maionese verde, milho, frango na chapa e batata palha. Pros três? — Sim, respondem os três ao mesmo tempo. Davi olha pra mim e diz: — Tem que dizer o que é, pra não reclamarem depois. O dogão é quase igual. Só não tem o frango. Quase ao fim da conversa, Davi me ensina um pouco mais. Um dos três jovens pega uma bisnaga de catchup. Davi avisa: — Não encosta o bico da bisnaga onde morder. — A fiscalização pega no pé? Pergunto. — Não, eles estão certos, diz Davi. Na mordida pode estar alguma bactéria. Em seguida, fala para o jovem: — Traz a bisnaga aqui. Vou fazer um potinho para você. Davi se mostra socialmente responsável e, ainda, consegue customizar o pitbull para o cliente. 86

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O que vi nessa noite? Davi de bem com a vida, trabalhando de segunda a sábado, descansando aos domingos, se sentindo bem sucedido! Sabendo atender, sendo organizado e cortês, socialmente responsável e desenvolvendo seu diferencial. Nada mais adequado para uma noite em que surgiu a Revista Organizações e Sustentabilidade!

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Sustentabilidade: Reflexões sobre Textos Chineses e Trabalho Interno, O Filme34 Dois anos atrás, ganhei um livro de Telma, mas não puder dedicar-me à sua leitura então. Com o passar do tempo, ele se perdeu no meio de minhas bagunças e o reencontrei há cerca de três meses quando fui arrumar minha biblioteca, após a reforma em meu apartamento. Selected Writings of Li Shenzhi é uma publicação da Kettering Foundation Press, editado por Ilse Tebbetts e Libby Kingseed em 2010. Na semana passada, arrumando minhas coisas para viagem a Maringá e Londrina, em função das festividades natalinas, decidi colocá-lo na bagagem. Comecei a leitura em Maringá, continuei em Londrina e vim concluí-la hoje, em Curitiba. Li Shenzhi, chinês que viveu entre 1923 e 2003, foi um acadêmico e membro do governo chinês que dedicou muito esforço na defesa da reforma política e democracia na China. Segundo os organizadores do livro, ele foi um dos principais estrategistas e conselheiros de relações exteriores na China, tendo exercido papel importante na promoção de atitudes moderadas da China e da política de Portas Abertas para o Ocidente. Ao tempo de Mao, foi conselheiro de relações exteriores para o Premier Zhou Enlai no começo da década de 50. Mais tarde, acabou sendo posto de lado, acusado de direitista, no período da Revolução Cultural dos anos 60. No final dos anos 70, 34 Publicado originalmente em 01/01/14

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foi procurado por Deng Xiaoping em busca de conselho sobre política de relações externas, em especial com os Estados Unidos. Acompanhou a visita de Deng aos Estados Unidos em 1979 e a do Premier Zhao Ziyang em 1984. O livro contém doze textos anteriormente publicados em chinês entre 1993 e 2002, além de uma entrevista originalmente publicada em Contemporary Chinese Thought (v. 33, n. 2, 2001). Raramente tive a oportunidade de ler sobre a história desse país tão distante. Em muitos dos textos, Li Shenzhi comenta sobre sua visão de uma possível democracia na China, a partir de uma tradição liberal. Ao fazer isso em seus textos, nos ensina sobre a história chinesa de mais de 2.300 anos passados. Para ele, a principal dificuldade dessa evolução residia no Autoritarianismo (authoritarianism), uma tradição cultural que vem desde o período de Qin Xiao Gong que era o soberano do Estado de Qin de 361 a 338 A.C., que unificou o país durante o período da Guerra dos Estados. Para Lin Shenzhi, o Autoritarianismo sustentou-se em duas escolas de pensamento: Confucionismo e Legalismo. Confúcio enfatizava uma filosofia humanista que ressaltava a importância da ética e educação para melhorar a sociedade humana, ao passo que o Legalismo, que surgiu do Confucionismo, defendia que o ser humano é essencialmente ganancioso e egoísta, devendo ser controlado por leis e o poder do Estado. Dessa forma, o autoritarianismo tem sobrevivido à longa história chinesa, devido à prevalência de três diretrizes que datam do primeiro século: o governante guia seus ministros; o pai guia seus filhos; e o marido guia sua esposa. Mais de 2.000 anos transformaram essas ideias em uma ideologia que, segundo Shenzhi, penetrou FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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profundamente no modo de vida do povo chinês. Pelos seus textos, percebe-se que Li Shenzhi devotava certa admiração pelo sistema de vida do povo dos Estados Unidos. Ele foi um dos defensores da virada na política externa chinesa de afastamento da União Soviética e aproximação com os Estados Unidos. Foi, também, o organizador do Instituto de Estudos Americanos na Academia Chinesa de Ciências Sociais e fundador da Associação Chinesa de Estudos Americanos em 1988. Entre as muitas coisas interessantes que descobri sobre a China, uma me deixou muito satisfeito. Lembro-me que, nos anos 70, costumava-se falar sobre os países do terceiro mundo e do primeiro mundo. Nunca soube sobre a origem dessa classificação, mas a distinção para mim era muito clara. O primeiro mundo era representado pelos Estados Unidos, imperialista, e outros países europeus muito ricos; terceiro mundo eram os países da África, Ásia e América Latina. No texto em que comenta sobre a diplomacia da República Popular da China, Li Shenzhi informa que Mao foi quem criou estas categorias, que depois foram popularizadas pela publicação de um artigo em todos os jornais da nação no dia primeiro de novembro de 1978. Nas palavras de Li Shenzhi, o campo capitalista com os Estados Unidos à frente como o primeiro mundo, o campo socialista liderado pela União Soviética como o segundo mundo, e todos os outros que não pertenciam a nenhum dos campos como o terceiro mundo (p. 146). No entanto, Shenzhi, conta que, de forma inesperada, em uma reunião com o Presidente Kaunda da Zâmbia, em 22 de fevereiro de 1974, Mao apresentou uma ideia diferente para as categorias. Conforme Shenzhi, nas palavras de Mao: 90

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— Em minha opinião, os Estados Unidos e a União Soviética pertencem ao primeiro mundo. Aqueles no meio incluem Europa, Japão, Austrália, Canadá e outros, que não têm tantas bombas nucleares e não são tão ricos, mas ainda assim mais ricos que o terceiro mundo. O terceiro mundo tem uma população muito grande. Toda a Ásia, exceto o Japão, pertence ao terceiro mundo. Toda a África e toda a América Latina pertencem ao terceiro mundo (p. 146). É uma sensação tão agradável encontrar a origem de ideias que estavam em meu discurso no passado, mas que não sabia de onde tinham vindo! Os textos de Li Shenzhi trouxeram muita informação nova para mim. Outra que me deixou intrigado foi o movimento de revolta de dezoito camponeses que imprimiram suas mãos tingidas de sangue para registrar um acordo que fizeram sobre a divisão de uma parte de terra com o objetivo de iniciar pequenas fazendas individuais. Segundo Shenzhi, foi este acontecimento que levou à reforma e à abertura do regime comunista chinês. Muito consistente com suas ideias, o movimento obteve grandes resultados porque deu ao povo chinês alguma liberdade. Não pude deixar de pensar em como isto poderia ser explicado por uma teoria do empreendedorismo! Li Shenzhi morreu em 2003. Não teve tempo de testemunhar a grande crise econômica ocorrida após os eventos de falência de grandes empresas financeiras em 2008, que estavam sediadas nos Estados Unidos que tanto admirava. O que teria pensado? Com certeza seria mais um estudioso a nos ajudar a entender o comportamento capitalista ganancioso e egoísta. Será que a escola de pensamento Legalista, FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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derivada do Confucionismo, poderia reforçar a luta por uma regulação mundial dessas atividades? Fiquei refletindo sobre essas questões, após rever Trabalho Interno, documentário escrito e dirigido por Charles Ferguson. Lançado em 2010, o filme relata a história da crise econômica de 2008 que custou ao mundo mais de US$ 20 trilhões de dólares, com muito sofrimento causado por perdas de empregos, casas e recursos de milhões de pessoas. A partir de entrevistas com profissionais da área financeira, políticos, professores universitários e baseado em muita pesquisa, Charles Ferguson apresentou-nos um retrato realista e, ao mesmo tempo, revoltante da ganância e cinismo presente nos representantes de Wall Street. Ou melhor, como um dos seus entrevistados disse, os representantes do governo de Wall Street, já que desde antes de Bill Clinton, os responsáveis pela área econômico-financeira do governo dos Estados Unidos têm saído e se revezado na ocupação de cargos a partir de sua atuação em Wall Street. Juntando tudo isso, continuo nessa minha jornada particular em busca do entendimento da evolução da humanidade. Sem perder a esperança, mantenho o desejo de que as frases complementares de Confúcio e Jesus, que aprendi com Li Shenzhi, possam ser ouvidas mais fortemente e ajudar a construir um mundo sustentável: Não faça aos outros o que não deseja que seja feito a você (Confúcio). Tudo o que quereis que lhe façam, faça-o também aos outros (Cristo). 92

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Talvez fosse essa a ideia de Shenzhi ao escrever em 1995: Nós chegamos a um ponto em que devemos assumir responsabilidade em formular um padrão de valor global efetivo. Esta é a era que chama por pensadores, estadistas, líderes religiosos e educadores (p. 126).

FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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DA VIDA DE PROFESSOR

FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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Casa Nova, Foto Velha e Eu Construindo Caminhos...35 Para Ariston, em agradecimento pela sugestão.

Fernanda compartilhou no Facebook uma foto em que Telma e eu estamos bem jovens. Tirada entre o final dos anos 70 e começo dos 80, foi em um momento antes do casamento, se não me falha a memória. Momentos felizes foi a primeira emoção que me veio à mente. Ao coração seria mais preciso, não fosse a biologia! Paloma nasceu quando nós já estávamos juntos há quase nove anos. Fernanda juntou-se a nós, um ano e quatro meses depois. O casamento durou mais uma década, talvez onze anos. Ao todo, foram mais de vinte anos. Cumplicidade amorosa temperada pela chegada dessas meninas lindas. Felicidade nas escolhas compartilhadas foi iluminando os meus caminhos de então. Em algum momento, os caminhos se separaram. Dolorida no começo, a separação foi sendo compreendida e suportada aos poucos. Como na maioria dos casos, acredito, palavras voaram como facas de um atirador de circo mal treinado: machucaram, feriram, mas não foram mortíferas. É provável que nossa memória, tão mais inteligente do que nós, tenha enterrado todas em um canto escuro e inacessível. Paloma e Fernanda enfrentaram o vendaval. Como puderam. Feridas também! Ficaram morando com a mãe. O pai tentou se fazer presente. Algumas vezes não conseguiu. Terão sido muitas? Espero que não. Mas para elas devem ter sabido a infinitas! Teria 35 Publicado originalmente em 18/10/13

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eu, por um tempo, esquecido como ser pai? Para elas, também, espero que a memória tenha sido uma aliada. Mas, vez ou outra, uma adaga ressurge. Torço para que a ferida reaberta seja pequena e cicatrize logo. Final dos anos 90 marca o encontro com Sara. Risada contagiante que me ajudou na caminhada maringaense. Amor maduro que requereu aprendizado. Nem sempre foi fácil, mas valeu o esforço. Cada vez mais cumplicidade em caminhos distintos que se cruzam em algumas paragens. Junto a Sara, Amanda e Marcelo conhecem esse homem de fora, de poucas palavras, mas de sorriso fácil. Em um churrasco, na casa de Paulo, ao invés de ver jogo da seleção brasileira na Copa de 1998, prefiro ficar conversando com Marcelo, então com nove anos. Sara observava. Deu no que deu! Que bom! Aos 41, tudo se transforma de repente em minha vida. Os caminhos acadêmicos tornam-se menos solitários com a presença de Paulo, Ariston e Crubellate. Grandes conversas semanais em uma mesa de restaurante, muitas vezes continuadas nas salas da UEM. Olhares distintos que se completavam em trabalhos acadêmicos que me ajudavam a compreender melhor aquilo que estudava. Fora da academia, fui afetando a vida de Sara, Amanda e Marcelo. Um forasteiro londrinense, meio calado, não muito chegado a beijos e abraços. Um dia leva todos para fora da casa da vó. Com o casamento, vamos morar na XV de Novembro, em Maringá. Algum tempo depois, para mais longe ainda. Mudamo-nos pra Curitiba. O que seria uma temporada de quatro anos, já passou de uma década! Nesses anos da vida adulta, que começa pelos idos de 1977, ocorre a saída da empresa familiar e o FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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aprofundamento na vida universitária a partir de 1981. Chego ao topo da jornada em 2012: professor titular na UFPR. Segundo alguns, poderoso! Ainda não descobri em que, mas carrego comigo um senso de realização muito grande. Estudioso das pequenas empresas e depois do empreendedorismo, me sinto vaidoso quando me dizem referência. Lembro-me de 1988, primeiro Congresso Internacional na Finlândia. Conheço Allan Gibb, que alguém me apresenta como o Mr Small Business da Inglaterra. Na época pensei: — Será que serei algo parecido um dia no Brasil? Mais importante que tudo isso, são as amizades que surgiram em cada canto: Paulo Hayashi, Fábio Vizeu, Edmundo Inácio, Jane Mendes, Simone Ramos e Nobuiuki Ito. Acho que não podem imaginar o significado que deram a meus caminhos. Depois da crise de 2010, um renascimento. Algo como surgir das cinzas! Vontade de construir novos caminhos. Viro blogueiro, poeta e estudante de cinema. Me maravilho com as novas paisagens! No começo Sara se assusta. Depois compreende. É o apoio dela, de Paloma e Fernanda que me faz ousar nessas trilhas. Um apoio que se mostra no olhar, no carinho e no afeto de cada uma. Não é preciso nada além disso! Só fico em dúvida se tenho sido capaz de retribuir como elas merecem. Afinal de contas, sou geminiano! Uma amiga me disse uma vez, ao me saber geminiano: — Tenho pena de sua mulher! Ela nunca terá certeza sobre seus sentimentos! Fiquei chocado! Nesses novos caminhos, planejo algo diferente: uma revista de cinema. Porém, uma revista livre, sem 98

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avaliação de artigos, sem comitê científico. Apenas a presença de um coordenador que vai estruturar as edições periódicas e checar formatos. Um mínimo de padronização. O valor de cada texto será o leitor quem decidirá. Peço a ajuda competente de Admir Pancote que cria o site da Revista Livre de Cinema: relici.org.br. Empreendo!36

36 A Revista Livre de Cinema tornou-se real. Já teve cinco números publicados em www.relici.org.br.

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A Cuidadora de Sócrates37 Em memória de Robinho, irmão de Sara. Seu bom humor deixará saudades!

Lara, biscatinha ou biscatona? Essa pergunta me pôs a pensar sobre a construção do sentido que damos às nossas vivências. Paulo e eu estávamos tomando um chope na praça de alimentação de um shopping em Maringá, quando uma moça com uma bandeja na mão pediu licença para compartilhar nossa mesa: — Posso sentar aqui? Daqui vinte minutos entro no trabalho. A praça está cheia. — Fique à vontade, eu disse. Paulo e eu continuamos a botar o papo em dia. De repente, entre um gole de chope e uma batata frita, pergunto o nome da moça concentrada em seu almoço. — Lara. E o seu? — Eu sou o Fernando. Ele, o Paulo. Você trabalha no shopping? — Não. Estudo técnica de enfermagem e trabalho como cuidadora. Cuido de um senhor idoso. Começo meu trabalho daqui a pouco. Nesse ponto da conversa, o celular do Paulo toca. Era a esposa avisando que éramos esperados para almoçar na casa da sogra. Somos concunhados, o que significa que compartilhamos a sogra... 37 Publicado originalmente em 09/03/14

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Passa o dia, de noite ligo para o Paulo, perto das nove e meia: — Paulo, já foi dormir? Eu perguntei. — Ainda não. — Então vou dar uma passada aí. Preciso comprar minha passagem de volta para Curitiba. Precisava usar a internet. Marinelva, nossa cunhada, vai comigo. Sara fica com a mãe, lhe fazendo companhia enquanto esperamos a chegada do corpo de Robinho que falecera em um acidente na Bahia. Em casa de Paulo, conversamos sobre a morte. De repente surge a questão da velhice. Da velhice a conversa retorna à morte. Robinho, aos 44, morreu muito cedo. No entanto, é a velhice que nos assusta mais que a morte. Nessa altura da conversa, Paulo lembra da morte de Sócrates, o filósofo, não o futebolista. Para Paulo, o ato de Sócrates tomar cicuta poderia ser interpretado como uma escolha alternativa à velhice. Um sentido diferente àquele atribuído por muitos estudiosos, o de que Sócrates decidiu observar a lei, essa construção social que erigimos para tentar ordenar a vida coletiva. Para muitos, Sócrates era um legalista, o que justificaria sua escolha. Teria Sócrates decidido por sua morte ao invés dos riscos da velhice? Não temos resposta a essa pergunta, mas ela pode ser buscada em motivações distintas, razoavelmente verossímeis. Comento: — Será que a escolha de Sócrates teria sido outra se naquela época houvesse cuidadoras? Minha pergunta surge da lembrança do encontro com Lara. Conto brevemente a história do encontro com Lara aos demais que participavam da conversa. De vozes femininas, surgem duas afirmações: FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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— Biscatinha! Uma disse. — Biscatona! Ecoou outra. Lembrei-me da teoria de personalidade de George Kelly que, em 1955, propôs a Teoria dos Construtos Pessoais. Nesta teoria, Kelly defendeu a ideia de que os humanos constroem o significado de suas vidas por meio de um sistema de construtos. Esse sistema de construtos baseia-se na criação de categorias que usamos para classificar nossos eventos, coisas e pessoas com que convivemos. As categorias surgem das similaridades e diferenças que percebemos no que vivenciamos. Uma forma de pensar parecida com a de um cientista. Os construtos que criamos são bipolares. Segundo Kelly, para o mundo ser compreensível, uma ideia só faz sentido se compreendemos o seu oposto. Gordo ou magro, bonita ou feia, triste ou alegre, limpo ou sujo, santa ou devassa, biscatinha ou... Desde os anos 90 do século passado, uso essa teoria para tentar revelar os modelos mentais que dirigentes de pequenas empresas desenvolvem para compreender o mundo de seus negócios e tomar decisões baseados neles. A beleza das ideias de Kelly - olha aí, eu em busca da beleza no conhecimento de novo - reside no dinamismo desse sistema de construtos. Cada um de nós desenvolve um sistema de construtos único, mas, na interação com outros, nossos sistemas vão sendo compartilhados e transformados, um vir a ser contínuo que só a morte interrompe. O que Lara seria? Muitas categorias poderiam lhe ser aplicadas, dependendo dos modelos mentais 102

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únicos de cada pessoa que pudesse presenciar a cena do shopping. Nesse momento senti falta do bom humor de Robinho. Resposta certa não importa agora! Talvez, essa poderia ser aproximada com um pouco mais de papo com Lara. Um telefonema abreviou essa conversa! A mesma coisa acontece nas minhas conversas com dirigentes de pequenas empresas. Alguém ou algo faz com que a conversa tenha que ser encerrada. Eu, pesquisador, fico com uma visão parcial de seus modelos mentais. Sempre tenho que reconhecer as limitações do que posso afirmar a partir dessas conversas. É a vida! É a condição constante da busca do conhecimento: a humildade de afirmar que a explicação dada faz sentido, mas pode ser outra. Enfim, qualquer que seja a Lara, que seja feliz! Ao destino, meu muito obrigado por esse encontro. É provável que um dia, em um futuro muito distante, me lembre de Lara e busque os serviços de uma jovem cuidadora. Como ela mesma disse em nosso curto encontro: — Os homens preferem cuidadoras jovens! (Olha aí um modelo mental se exibindo a um cientista que queira enxergar). Prefiro isso à cicuta de Sócrates!

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Reflexões sobre Ensino, Pesquisa e Extensão38

Alguns anos atrás fui convidado para dar uma palestra aos alunos do curso de graduação em Administração da Universidade Estadual de Londrina. Minha amiga Marli, professora do Departamento de Administração da UEL, onde trabalhei durante 17 anos, foi quem fez o convite. Para ela, eu, como exaluno daquele curso e professor, poderia dar um depoimento pessoal sobre a importância da pesquisa na formação dos administradores. Foi um momento muito especial e gratificante para mim. A alegria de reencontrar muitos amigos e colegas de trabalho juntou-se à oportunidade de demonstrar minha gratidão pelos anos de convívio salutar naquele ambiente acadêmico que me inspirou na busca de uma trajetória de estudos sobre administração de pequenas empresas. Minha fala se iniciou com palavras sobre meus tempos de aluno de graduação naquela universidade e algumas experiências que deixaram marcas inesquecíveis. Por exemplo, a ida de toda a turma ao cinema com a Professora Terezinha Giovenazzi para assistir 1900 (Novecento) de Bertolucci lançado em 1976. Belíssimo retrato da história italiana, repleta de conflitos, do começo do século 20 até a segunda guerra mundial, contada por meio da amizade entre Olmo, interpretado por Gérad Depardieu, e Alfredo, por Robert De Niro, separados ideologicamente devido às origens camponesas do primeiro e latifundiária do segundo. Opondo as 38 Publicado em 26/10/12

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visões de mundo socialistas e fascistas, há cenas inesquecíveis nesse belo filme de Bertolucci. Um filme que preciso voltar a ver! Escrever sobre o filme como uma tarefa da disciplina de Sociologia ministrada pela Terezinha foi, provavelmente, meu primeiro encontro com o cinema como forma de reflexão e conhecimento. Outro momento inesquecível foi quando discordei de uma avaliação feita a resposta de uma pergunta de prova de Economia. O Professor Aristeu não concordou com o que escrevi e não atribuiu nenhum ponto àquela resposta. Em minha opinião, minha resposta fazia sentido e passei um final de semana pesquisando sobre economia e buscando autores que tinham argumentos semelhantes ao que eu usara na resposta da prova. Na segunda-feira seguinte entreguei um manuscrito para o Aristeu com minha posição. Mais importante do que a nota, que não foi mudada, penso que foi a descoberta de que eu tinha que ser o ator principal na construção de meu conhecimento. As aulas eram apenas parte desse processo. Os professores eram conhecedores dos assuntos de suas especialidades que além de dirigir meus estudos, podiam servir como fontes de acesso a mais informações. Tento ser assim na minha prática docente! Mas, voltando ao tema da palestra, defendi naquele dia que a pesquisa é uma das formas de conhecimento que precisam ser experimentadas pelos alunos. Sua importância na formação dos administradores está na interação que esta deve ter com as duas outras formas de aquisição de conhecimento presentes na vida universitária: o ensino e a pesquisa. Minha tese foi, e continua sendo, que cada FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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uma dessas formas de conhecimento nos permite diferentes compreensões sobre a administração e a vida organizacional. O ensino permite compreender o que é. Ou seja, em geral, a preocupação quando estamos envolvidos em um processo de ensino/aprendizagem está centrada na transmissão de conhecimentos acumulados que permitem ao educando compreender melhor aquilo que é o que está estudando. Por outro lado, a pesquisa leva à compreensão do por que é. É por meio da pesquisa que podemos aprofundar o entendimento do que é, buscando explicações sobre como aquilo que é se tornou o que é. Por fim, a extensão leva para o entendimento do que pode ser. É no trato com a realidade concreta, buscando seu diagnóstico e tentando intervir nela, que a compreensão do vir a ser, ou seja, do poder ser, se torna possível e a formação se completa, ainda que temporariamente. Este é um ciclo constante que avança por meio do esforço acadêmico individual e coletivo guiados pela esperança da evolução do mundo organizacional em direção ao bem de todos. Terminei minha fala lembrando do filme Linha de Passe de Walter Salles e Daniela Thomas de 2008, que rendeu a Sandra Corveloni o prêmio de melhor atriz em Cannes. O filme termina com Reginaldo, interpretado por Kaique Jesus Santos, um dos quatro filhos de Cleuza, vivida por Sandra, dirigindo um ônibus pelos viadutos de São Paulo, à procura do pai que nunca conhecera. Assumindo a direção de sua vida! O que pode ser mais inspirador?

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Carta a Uma Jovem Mestranda39

Minha cara,

Já faz algum tempo que vinha planejando lhe escrever. Mas, escrever cartas é uma prática tão rara hoje em dia, que fiquei pensando se realmente essa seria a melhor forma de me comunicar com você. Tinha dúvidas. Muitas! Além disso, pensava também se ainda saberia escrever uma carta. Não consigo me lembrar de quando foi a última vez que escrevi uma. Teria sido a última para meu amigo Zé? Acho que não. Zé e eu nos correspondemos por alguns anos durante nossa juventude. Ambos nascemos em maio de 1957 e nos conhecemos aos 18 anos em São José dos Campos. Depois de um ano e meio de estudos de engenharia, quase que ao mesmo tempo, decidimos nos desligarmos da escola. Não era aquilo que queríamos da vida! Cada um retornou para sua cidade de origem. Ele, São Vicente, eu, Londrina. Escrevíamos semanalmente compartilhando nossos sonhos e esperanças juvenis. Um pouco mais novos que você é hoje, mas apesar das décadas que separam nossas juventudes, creio que tínhamos esperanças iguais às suas. As cartas para/do Zé foram rareando. Nos reencontramos em São Paulo quando fui fazer meu mestrado. Depois, quando voltei para o Brasil, após quatro 39 Publicada originalmente em 09/06/2014

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anos e meio na Inglaterra, descobri que Zé havia morrido. Me deu uma tristeza imensa. Antes do Zé, na adolescência, escrevi muitas cartas. Houve uma menina que morava em Belém do Pará. Poxa! Não consigo lembrar o nome dela! Nunca nos encontramos, mas escrevemos muitas cartas. Houve a Ivvy de Assis, uma espécie de amor platônico, um pouco antes de eu me mudar para São José dos Campos. Nos encontramos em Londrina, mas não rolou nada. Apesar disso, não é sobre minhas cartas que quero lhe falar. Engraçado, não perco esse vício. Em cartas, sempre usei o verbo falar ao invés de escrever. É claro que estou escrevendo, mas é como estivesse lhe falando. Então tenho que falar e não escrever! Entendeu? É que ontem me lembrei de você. E me lembrei de você, porque me lembrei de mim mesmo quando fui fazer mestrado. Eram outros tempos! Nossa, que frase mais grotesca! É claro que eram outros tempos, mas o que eu quero dizer é que a gente não se preocupava em publicar um artigo para cada disciplina que concluísse. Não! Na verdade, eu só publiquei um artigo que surgiu de minha dissertação. Não publiquei mais nada durante o mestrado todo. E o que é pior, meu orientador não apareceu como coautor! Afinal de contas, quem escreveu o artigo foi eu. Ou será melhor dizer, quem escreveu o artigo fui eu? Essa nossa língua, às vezes, é meio ardilosa, não? Olha eu, de novo, fugindo daquilo que quero lhe contar! Vou direto ao ponto. Ando meio incomodado com essa coisa de que qualquer trabalho acadêmico no mestrado ter que mirar uma publicação! Na verdade não é meio, estou inteiramente incomodado com isso! Esse negócio de publicar virou tão massacrante, que agora faz parte 108

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até dos regimentos de muitos programas de pósgraduação. Para o mestrando receber o diploma é preciso comprovar a submissão de pelo menos um artigo para um periódico com Qualis. Nossa, eu estou pegando uma ojeriza dessa palavrinha! Qualis, arre! Tenho a sensação de que transformaram o prazer de aprender em um ofício de publicar. Porra! Me desculpe a indelicadeza. Agora já foi! Não tem como retirar, sem borrar a carta! Isso não é bom. Não seria muito melhor se você pudesse passar pelo mestrado, aproveitando todos os momentos para construir um conhecimento que lhe fosse interessante? Que você pudesse se esforçar em tentar compreender o seu tema de estudo de forma abrangente? Que a escrita de um artigo surgisse quando você sentisse uma vontade irresistível de compartilhar com outros uma descoberta que você fez? Mas não! Você tem que passar uma boa parte de seu tempo escrevendo artigos, submetendo-os a congressos ou revistas! Muitas vezes, imagino eu, sem muita vontade, mas, fazer o que né? Tem que cumprir as regras! Durante algum tempo eu também entrei nessa onda. Por isso, estou lhe escrevendo hoje. Eu deveria ter tido outra atitude, mas talvez você saiba como são essas coisas. A gente entra em uma roda-viva, fica sendo parte dessas engrenagens, recebe pressão de um lado, de outro, e quando menos espera, está fazendo parte de uma rotina idiota! Puxa, me desculpe! Eu não queria que sua caminhada pelo mestrado fosse assim!

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Se eu tivesse parado um pouquinho, olhado para trás, teria me visto, mais ou menos com sua idade, tentando conhecer um pouco mais sobre Administração, sem nenhuma pressa em publicar, deixando as ideias amadurecerem para, de repente, se manifestarem em algo que fez sentido para mim. Pois é, são outros tempos, você pode me dizer! É verdade, mas tente não sucumbir demasiadamente a essa pressão. Faça o mínimo que lhe exigirem e tente concentrar seu esforço em aprender algo que seja significativo para você. Vai valer a pena! Tenho certeza! Pois, quando você menos esperar, vai surgir um texto que vai lhe revelar para o mundo. Os outros textos são conversa para boi dormir! Ou só para inglês ver! Cumprir uma formalidade que puseram no regimento! Minha cara, acho que você não é capaz de imaginar como lhe falar me fez bem. Estava precisando tirar isso de meu coração! Enfim, o que eu quero mesmo é que você possa ser feliz como eu fui nos meus estudos. Aproveite esse tempo para descobrir o máximo que puder sobre aquilo que lhe interessa, que lhe deixa curiosa, que lhe atrai a atenção. No final das contas, é isso que importa. Um afetuoso abraço de seu professor.

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“Tenda dos Milagres” E “O que Faz um Cientista?” Esse Pesquisador Se Revela40 Há algum tempo esse texto vem amadurecendo em minha mente. Ontem, finalmente, um encontro com três amigas e um amigo, durante a defesa da tese de Elza Hofer, funcionou como o catalisador que faltava para que a escrita se concretizasse. Desde minha infância fui um leitor voraz. Frequentador assíduo das bibliotecas do Colégio Londrinense e do Instituto Filadélfia, onde fiz meus estudos primários e ginasiais, hoje denominados fundamental e médio. Buscava semanalmente livros da literatura brasileira e estrangeira. Nos primeiros anos guiado pelas professoras, mas na adolescência sendo capaz de exercitar minhas escolhas. É da adolescência que me ocorrem duas lembranças de leituras: meu primeiro contato com Jorge Amado; e um livro com o título O que faz um cientista? de George H. Waltz Jr, publicado em 1964 no Brasil, mas cujo original em língua inglesa é de 1959. Em um dos meus aniversários, durante minha adolescência, minha mãe me presenteou com o Tenda dos Milagres de Jorge Amado, cujo centenário de nascimento se comemora em 2012. Embora não me lembre com detalhes da estória narrada por Jorge Amado, essa leitura foi tão marcante para mim que, após seu 40 Publicado originalmente em 11/08/12

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término, comecei a buscar outros romances do autor. Li Jubiabá, Teresa Batista Cansada de Guerra, Capitães de Areia, Cacau, O País do Carnaval, entre outros. Capitães de Areia foi transformado em um filme pela neta de Jorge Amado, Camila Amado. Um filme muito bonito, que ao final faz, em minha interpretação, uma homenagem àqueles (as) que escolheram ser professores (as). Um dos meninos que fazia parte do bando “Capitães da Areia” tinha o apelido de Professor. Em Tenda dos Milagres, há uma personagem central, intelectual negro pouco valorizado no Brasil, Pedro Archanjo, que é revelado aos brasileiros por um estrangeiro, ganhador do prêmio Nobel, que vem à Bahia em busca de quatro livros de Pedro Archanjo. Jorge Amado me conquistou pelo estilo, pela descrição de uma região brasileira, então quase desconhecida para mim, mas também pela constante oposição, em seus livros, entre um desejo libertário muito grande do autor e as forças conservadoras e preconceituosas da elite brasileira. É claro que a linguagem pouco convencional, com alto grau de erotismo em muitas passagens, também atraiu aquele adolescente no final dos anos 60 e início dos 70. Na mesma época, não tenho certeza se foi no mesmo aniversário, Irma, amiga de minha irmã, levoume de presente um livro que fora comprado por sua mãe, Dona Rina. O livro era o de George H. Waltz Jr. Lembro-me até hoje de Irma me dizendo: — Fernando, foi minha mãe que comprou. Ela acha que você vai gostar muito. Dona Rina estava certa! Naquela época já começava a surgir a preocupação que todos temos

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um dia: o que eu vou ser na vida? Esse livro apresenta pequenas histórias de vida de cientistas americanos. O livro surgiu no contexto da disputa entre Estados Unidos e União Soviética, que em 1959 havia lançado o satélite Sputinik. Segundo o autor, a intenção era valorizar para o público em geral a carreira de cientista como uma opção profissional importante. Nas suas próprias palavras: Seu principal objetivo é apresentar ao leitor um retrato do cientista exatamente como ele é - uma pessoa que apenas aprecia a ciência, da mesma forma que um advogado gosta das leis, que um médico gosta da clínica ou que um homem de negócios aprecia o movimento quotidiano das transações. Mas, voltando à minha reflexão, li o presente de Irma e Dona Rina com muita vontade. Tanto é que ele ficou em algum lugar de minha mente e, movido por essa lembrança, procurei um exemplar recentemente, já que o de minha infância sumiu. Tive a felicidade de encontrá-lo em um sebo atrás do teatro Guaíra. Meu primeiro vestibular acabou sendo para Engenharia. Nessa mesma época, lembro-me que minha mãe decidiu levar todos os filhos para uma sessão de orientação vocacional. Era uma coisa nova que havia surgido e alguém estava oferecendo esse serviço em Londrina. Lá fomos nós para o Colégio Estadual Vicente Rijo, na Avenida Higienópolis, pois a orientação vocacional estava sendo feita lá. Lembro-me de ter passado um bom tempo lidando com um formulário imenso. Tinha que indicar minhas escolhas entre conjuntos de palavras, responder perguntas, fazer associações de ideias, e sei lá o que! Depois disso, tínhamos uma sessão de orientação com uma profissional. As palavras que FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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ouvi me perseguem desde então: — Fernando, parece que seus interesses lhe dão condições de buscar qualquer área de atuação. Você poderá ir bem nas ciências exatas, nas humanas ou nas biológicas. Ou seja, depois da sessão, apesar do ego inchado (sou um gênio, posso fazer qualquer coisa!), continuei do mesmo tamanho: o que que eu vou fazer? Refletindo hoje sobre essa memória, talvez eu devesse ter ido atrás da Astrologia! Como todo geminiano, tenho pelo menos duas facetas muito fortes: razão e emoção estão constantemente em luta dentro de mim. É óbvio que isso se reflete em minha vida acadêmica. Pois é, virei professor, algo que nunca passou pela minha cabeça, e que só ocorreu porque em agosto de 1981, dois ex-professores, Nardir e Genésio, resolveram me convidar para ser docente do departamento de Administração da UEL. Costumo brincar que sou um pesquisador Macunaíma, assim como o anti-herói de Mário de Andrade, sem nenhum caráter! Diferentes abordagens de pesquisa, com métodos quantitativos ou qualitativos, me atraem de igual maneira. E é nessa linha que ontem aprendi algo com Maria Alexandra Cunha, minha colega no PPAD da PUCPR. Maria Alexandra, ao fazer seus comentários e apreciação crítica sobre a tese da Elza, sugeriu que Elza deveria incluir uma sessão no seu trabalho onde ela se apresentasse como pesquisadora: quem é Elza Hofer? Essa sugestão decorreu do fato de Elza ter adotado uma abordagem interpretativa para estudar a influência da cultura local sobre a exploração de oportunidades empreendedoras. Segundo Maria Alexandra, para que um leitor possa apreciar de forma mais completa um trabalho desenvolvido sob uma perspectiva 114

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interpretativa, ele precisa conhecer melhor quem fez as interpretações. Extremamente lógico! Aliás, foi o que Jane Mendes Ferreira fez em sua tese de doutorado sobre mulheres empreendedoras. Jane também participou da banca junto com a Zig (Sieglinde Kindl da Cunha) e Belmiro Valverde Jobim Castor. Foi um privilégio para mim, e com certeza para a Elza também, ouvir as críticas, comentários e sugestões desses professores brilhantes. Foi assim, nesse encontro com essas pessoas maravilhosas, que pude aprender um pouco mais sobre como pesquisar e apresentar o que descobrimos. Aliás, tenho que reconhecer que meus orientandos sofrem as consequências de uma fraqueza minha: não consigo dar a devida atenção às questões de método e, invariavelmente, meus orientandos aprendem mais sobre isso quando já estão defendendo seus trabalhos. Mas a culpa não é minha! Sou geminiano e, mesmo na academia, não consigo resistir a outros apelos que não apenas aos da razão. Há poucos dias assisti no cinema Violeta foi para o céu. Filme emocionante que relata a vida de Violeta Parra, essa artista chilena, música e pintora, cujas composições foram imortalizadas por Mercedes Sosa. Violeta teve uma vida curta entre 1917 e 1967. Saiu voluntariamente da vida. No filme, uma frase sua me marcou profundamente: “a criação é um pássaro sem plano de voo, nunca voa em linha reta”. Muitas vezes, na pesquisa, esqueço meu plano de voo. Concluindo, espero que, ao final do esforço de realizar uma dissertação ou tese, além da coerência no discurso escrito e na consistência do relato, meus orientandos possam ter valorizado a trajetória e tenham FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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feito escolhas que lhes foram significativas. Enquanto isso, esse orientador continua sua busca de equilíbrio entre razão e emoção: a sina de um geminiano!

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A Aeromoテァa, os テ田ulos e o Professor Desmemoriado41

Um professor desmemoriado Perdeu seus テウculos no embarque De um voo ao final da tarde.

Nテ」o tendo ainda decolado, Esperou o final do embarque Buscando ao redor sem alarde.

Sob as poltronas ao lado, Enquanto corria o embarque Vasculhou tudo, debalde.

41 Publicado originalmente em 28/07/13

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Movimento quase cessado, Chegando ao fim o embarque, Viu à frente uma beldade.

Dos seus óculos, o fado, Ela durante o embarque Talvez tivesse novidade.

Da aeromoça, o embarcado Ao indagar se no embarque Dos óculos soubesse a localidade.

Foi pela comissária informado Que o despachante no embarque Achara um par de óculos jogado.

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Reconfortado e aliviado Quis pegar o professor o que Só podia ser seu de verdade.

Mas recebeu espantado Quase findo o embarque Uma pergunta daquela beldade.

Quis saber do desmemoriado, A bela chefe do embarque A marca do objeto buscado.

O passageiro surpreendido, À comissária do embarque Respondeu não lembrar, de verdade.

FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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Mas, um pouco indignado Dela, lรก na frente do embarque, Quis saber por que a necessidade.

De pronto, foi informado Que queria a moรงa do embarque Ter certeza da propriedade.

Professor desmemoriado E muito surpreso com o baque Disse uma grande obviedade.

Nรฃo ficaria acomodado Se lhe dessem posse no embarque De alheia propriedade.

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Chegando ao fim do narrado Pergunto-lhe ingenuamente o que Achou dessa triste realidade?

Para mim, fato tรฃo inusitado Demonstra a desconfianรงa que Ainda impera na sociedade.

FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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Que Administração é Essa?42 Que adminstração é essa? Que permite que seres humanos sejam carrinheiros? Que deixa que crianças ajudem na renda familiar coletando moedinhas nos semáforos? Que aceita que famílias encontrem sustento e alimento em lixões? Que ignora os doentes aguardando a morte em corredores hospitalares? Que não se surpreende mais com pessoas que dormem sem um teto? Que administração é essa? Que estimula jovens a juntarem seu primeiro milhão de dinheiro rapidamente? Que nos ilude com a responsabilidade social corporativa? Que faz cada vez melhor o errado? Que não alimenta os famintos e estimula o desperdício?

42 Publicado originalmente em 21/06/12

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Que administração é essa? Que nós ensinamos? Que nós aprendemos? Que nós praticamos?

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Notas Cariocas ou da Infância43 Me dá sorvete? Moleque Cassiano Me cativando.

Ruan ao lado, Picolé pede também, Sorriso que vem.

De prosa fácil, Guris tão vendedores Esqueci dores.

Fora de casa Na manhã domingueira Sobem ladeira. 43 Originalmente publicado em 30/09/2013

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Nessa idade, Cassiano e Ruan Por que tal afã?

Duas crianças Na labuta infeliz, Vida meretriz.

No rosto mantêm Cada um seu sorriso, Pois é preciso.

Esses meninos Com outros se parecem, Igual padecem.

FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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Engraxate Com caixa pendurada Em que viraste?

Flanelinha Em tantos cruzamentos Só moedinha!

Vai goma aí? Menina desabrocha Vida que é rocha.

Será utopia, Apenas brincando, ver Crianças um dia?

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EMPREENDEDORISMO, SUSTENTABILIDADE E A VIDA DE PROFESSOR


POSFÁCIO

Se um aluno me perguntar: — Professor, o que posso estudar para o mestrado? O senhor tem alguma ideia? Eu responderei: — Você já ouviu falar do Prof. Gimenez? Não! Então por favor, dê uma pesquisada na internet, ache-o e leia-o e depois voltamos a conversar. Em minhas aulas, tanto para alunos, de graduação ou pós-graduação, uma ideia que sempre comento com meus alunos em relação ao futuro é sobre a capacidade de diferenciação deles no mercado de trabalho, ou seja, a forma como eles irão apreender as informações passadas por nós. E nesse sentido eu digo, os livros e o programa da disciplina são os mesmos, os recursos de infraestrutura também. Mas a capacidade de cada um de absorver o conhecimento que está sendo transmitido e aplicá-lo na vida real pós universidade será diferente. E digo, e sabem porquê? Respondo-os, por que para que isso aconteça, cada um de vocês terá que olhar para a realidade, voltar-se para dentro de si em busca das ideias e saber adaptá-las, incorporá-las e fazer a conexão entre teoria x prática. Bom, e o que essa história tem a ver com o Livro do Prof. Gimenez? A essa altura, a resposta já é óbvia e salta aos nossos olhos. Esse livro é um excelente exemplo dessa práxis. FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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Cada um dos capítulos está recheado dessa relação intrigante entre teoria x prática, revelada pela narração de histórias e acontecimentos da vida do Prof. Gimenez que pela sua capacidade de reflexão consegue dar significado ou fazer as conexões com as mais diversas teorias, ferramentas e parafernálias da vida acadêmica. Quiçá todo nós chegarmos a esse ponto, de em cada causo, em cada história conseguirmos contá-la e amarrá-la a um conceito ou teoria. Aí, poderíamos dizer: nossos estudos não foram só para passar de ano, mas foram para a vida mesmo! Portanto, quando alguém ou algum aluno seu estiver carecendo de ideias, convide-o a ler esse livro, incentive-o a fazer suas próprias conexões. Pelos exemplos do livro, como Os cinco Ps do empreendedorismo da seção “Empreendedorismo”, ou Sustentabilidade é preocupação relevante para as empresas mais admiradas do Brasil?, da seção “Sustentabilidade” ou Que administração é essa? Da seção “A vida de professor”, essa pessoa irá “entender o negócio” ou como dizia meu professor de Estratégia na graduação, Paulo Grave, “tem que sacar qual é o problema”, ela irá sacar o que estamos tentando transmitir a ela. Desse ponto em diante, acredito que o trabalho será mais dessa pessoa do que de nós, pois ela poderá seguir confiante que encontrou as relações, as motivações e a confiança que lhe faltavam para seguir sua trilha na explicação entre teoria x prática, entre aplicar teoria para entender nossa prática, e com isso, acrescentar mais um tijolo nesse muro que busca construir, ao fim e ao cabo, um mundo melhor para todos. 128

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Parabéns Prof. Gimenez pela iniciativa, entusiasmo e demonstração de como uma vida toda dedicada ao ensino também pode ser uma vida que extrapola esses muros e vai além deles, fornecendo a você e a todos nós que lemos seu livro, um significado mais profundo dessa relação. Obrigado pela oportunidade de compartilhar essa reflexão e dizer que tenho uma grande sensação de felicidade e um profundo reconhecimento por você, por ter tornado minha vida também diferente e com um novo significado. Abraços a você e a todos seus Leitores!

Edmundo Inácio Júnior

FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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AGRADECIMENTO A publicação desse livro só foi possível graças ao apoio de mais de duzentas pessoas que fizeram contribuições no projeto de crowdfunding que foi hospedado no CATARSE, site de financiamento coletivo. Registro o nome de cada um deles e reafirmo meu sentimento de gratidão por tornarem possível mais este sonho de ver em formato de livro de bolso, um conjunto de textos que têm significado especial para mim: ADILSON CARLOS DA ROCHA ADMIR PANCOTE ADRIANA ROSELI WÜNSCH TAKAHASHI ADRIANO DOS SANTOS ALEXANDRE FARIAS ALBUQUERQUE ALEXANDRE REIS GRAEML ALINE LANZONI BONATO ALMIRALVA FERRAZ GOMES ALVARO FABIANO PEREIRA DE MACEDO ANA FLAVIA PIGOZZO FEDATO ANDRÉ LUÍS JANZKOVSKI CARDOSO ANDRÉA PAULA SEGATTO ANTONIO CESAR AMARU MAXIMIANO ANTONIO SERGIO MARTINS ARISTON AZEVEDO AUGUSTO CESAR MACHADO AUREA CRISTINA M. NIADA BEATRIZ KOPP GONÇALVES 130

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BRUHMER CESAR FORONE CANONICE CANDIDO VIEIRA BORGES JÚNIOR CARLA MARIA SCHMIDT CARLOS ALBERTO HIRATA CARLOS OTÁVIO SENFF CARMEM KISTEMACHER BARCHE CAROLINE MOYA DE MORAIS CESAR EDUARDO ABUD LIMAS CESAR TUCZINSKY CINTIA CLEMENTE CLÁUDIA PRADO PIERRI GALANTE CLAUDIA SOUZA PASSADOR CLAUDIO ANTONIO ROJO CLEUSA ROCHA ASANOME CLEUZA TAKEDA KUWABARA CLEVERSON FLOR DA ROSA CLEVERSON LUIZ LOPES CLEVERSON RENAN DA CUNHA CRISTIANE ALMEIDA CRISTIANE VERCESI CRISTIANO MOLINARI BISPO CYNTHIA SCHNEIDER DANIELA TORRES DEBORAH CRISTINA TACLA CURI DEISE ELENICE BAJERSKI PIGATTO DENIS RODRIGUES DA SILVA DENISE CARDOSO PEREIRA DENIZE ARAUJO EDMUNDO ESCRIVÃO FILHO

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EDMUNDO INÁCIO JÚNIOR EDNA DE LOURDES MACHADO EDSON A. MIURA EDUARDO BAGGIO EDUARDO CARLI EDUARDO DAMIÃO DA SILVA EDUARDO GUEDES VILLAR EDUARDO ROCHA ELIC VODOVOZ ELOI JÚNIOR DAMKE ELZA HOFER ERCIO SANTOS ÉVERTON LUÍS PELLIZZARO DE LORENZI CANCELLIER FÁBIO FREZATTI FABIO KURIBARA FABIO MELLO FAGUNDES FABÍOLA WEINHARDT JAZAR FABIULA BITENCOURT ROCHA FELIPE BALLIN FELIPE HADDAD MANFIO FELIPE LEAL ALVES FERREIRA FERNANDA SALVADOR ALVES FERNANDO DOLABELA FERNANDO PAIVA FRANCIELLE FRIZZO FRANCISCO GIOVANNI DAVID VIEIRA FRANCISCO JOSÉ DE CASTRO MOURA DUARTE GABRIEL ELOY SILVA GABRIEL MASSAHARO SATO

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GERSON ANTONIO MELATTI GILBERTO BRANCO GILSON MONTEIRO B FONSECA GISLAINE MARTINELLI BANISKI GRAÇA MARIA SIMÕES LUZ GRACYELE FÜRBRINGER GUILHERME HENRIQUE PEREIRA GUSTAVO ABIB GUSTAVO BRAGA GUSTAVO ENDO HAMIL ADUM FILHO HEITOR JOSÉ PEREIRA HEITOR KATO ICARO IZALBERTI EUGENIO IESA BORGES IVAN PETRY IVANIA TERESINHA ALBRECHT SCHUQUEL JACIARA CARNEIRO JAIME E. FENSTERSEIFER JAIR DE OLIVEIRA JANAINA APARECIDA DOS SANTOS SILVA JANE MENDES JOÃO BENTO OLIVEIRA FILHO JOÃO MARCELO CRUBELLATE JOSÉ CARLOS DO NASCIMENTO MEDEIROS JOSÉ MARTINS LECHETA JOSUÉ ALEXANDRE SANDER JULIANA BARATA PROCOPIO JULIANA BENETTI

FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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JULIANA CONCEIÇÃO NOSCHANG DA COSTA JULIO CESAR DA SILVA JULIO ERNESTO COLLA JUVÊNCIO BRAGA DE LIMA KARLA REGINA BRUNALDI KELLY REGINA ANTUNES KESSY NOVAES KHALIL GIBRAN MARTINS ZERAIK ABDALLA KILDA GOMES DO PRADO GIMENEZ KILDA MARIA PRADO GIMENEZ LARISSA ALVES LEANDRO KRUG BATISTA LEANDRO RIBEIRO LIE YAMANAKA LILIAN ALIGLERI LILIANE DE OLIVEIRA GUIMARÃES Luciano Minghini LUIS ANDRÉ WERNECKE FUMAGALLI LUIS FELIPE NASCIMENTO LUIZ AURÉLIO VIRTUOSO LUIZ CARLOS DUCLÓS LUIZ CEZAR PEDRINI KAWANO LUIZ EDUARDO LUIZ OMAR SETÚBAL GABARDO LUIZ PEREIRA PINHEIRO JUNIOR LUIZ TATTO LUZIA DE FATIMA IZALBERTI EUGENIO LYGIA LUMINA PUPATTO Maíra Ruggi

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MARCELO ALVES BLITZKOW MARCELO TARDELLI MARCIA REGINA FERREIRA MÁRCIO JACOMETTI MARCIO JOSE DE ALMEIDA MARCOS FERASSO MARCOS SCHLEMM MARCOS SUASSUNA MARCOS VINÍCIUS PEREIRA CORREA MARCUS DANIEL HEINERICI MARGARETE DA COSTA CARDOSO MARIA ISABEL DE SOUZA LOPES MARIA MARLENE BOURSCHEID MARIA NEZILDA CULTI MARIA SALETE BATISTA FREITAG MARIE ANNE MACADAR MAYSA CRISTINA PRADO MIHAIL DE PIERI MIRICA MIRIAN ROSE AUGUSTO MURILO ALVES NELSON YASUO FUJITA NORMAN DE PAULA ARRUDA FILHO OMAR DANIEL MARTINS NETTO PALOMA NUNES GIMENEZ PATRICIA VEIGA RIBEIRO PAULO DA COSTA LOPES PAULO HAYASHI JR. PAULO HENRIQUE MARTINS DESIDÉRIO PAULO HENRIQUE PRETO

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PAULO PAGANINI PAULO ROBERTO PEREIRA JUNIOR PEDRO C. PROSDOCIMO PEDRO JOSÉ STEINER NETO PEDRO LINCOLN PEDRO MONTEIRO DE CARVALHO PRISCILA DA PAZ VIEIRA RAFAEL ANTONIO CHIAPETTI RAFAEL DE TARSO SCHROEDER RAFAEL DEMCZUK RAQUEL SANTOS REJANE SARTORI RENE EUGENIO SEIFERT JUNIOR RHUBENS EWALD MOURA RIBEIRO RICARDO ENRIQUE PÜTZ RITA GALGANI BARCHIK RITA GERMANO RIVANDA MEIRA TEIXEIRA ROBERTA ROSA MARTINS ROBERTO COSTA ROBERTO FACHIN ROBERTO MARINHO FIGUEIROA ZICA ROBSON MARTINS DO CARMO RODRIGO ASSUNÇÃO ROSA RODRIGO LUIZ MORAIS DA SILVA RONY AHLFELDT ROSÂNGELA ANGONESE ROSANGELA RODRIGUES ROSI MOURO

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SANDRA DE SOUZA SCHMIDT SANDRO GONÇALVES SCHIRLEI MARI FREDER SHOGUN SHIMA SILVANA GOMES SILVIA GIMENEZ SILVIO ROBERTO STEFANO SIMONE CRISTINA RAMOS SÔNIA MARIA GIMENEZ SCALASSARA SUZILENE MARIA PEREIRA TAIANE RITTA COELHO TATIANA MARCEDA BACH TELMA NUNES GIMENEZ TEODORO MALTA CAMPOS THIAGO CINELLI MACERI TIAGO SATUR DROPPA TOM RODRIGUES Vanessa Ishikawa Rasoto VÂNIA MARIA JORGE NASSIF VICENTE OSVALDO VIGGIANI VINICIUS ATZ VITOR KOKI DA COSTA NOGAMI WELLINGTON RODRIGUES YEDA MARIA PEREIRA PAVÃO ZÉLIA HALICKI

FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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O Professor Fernando Gimenez foi orientador do meu trabalho de conclusão de curso na PU​C/PR e sempre incentivou a inovação e atitude empreendedora como diferencial competitivo nas empresas e vida profissional. Acompanho seus artigos e publicações principalmente sobre educação empreendedora, que contribuiu grandemente na elaboração do PPA da Secretaria de Indústria e Comércio no Município de Rio Branco do Sul denominado DNA Empreendedor, que possui três pilares norteadores: Acesso ao Crédito, Educação Empreendedora e Convênios e Parcerias para transferência tanto de conhecimento e inovação.

Wellington Rodrigues É sócio fundador da Dáblio Diamond Philanthropic e Gestor Municipal.

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FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

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