revista portugues a de ďŹ los oďŹ a aplicada
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Poder Junho 2013 | Revista Gratuita
O poder ĂŠ a capacidade de produzir os resultados pretendidos
rev is t a p or t ug u e s a de fil o s o fia a pl i c a da
Ficha Técnica Director e Editor Alves Jana jalvesjana@gmail.com Publicidade 968 404 380 Designer Clara Jana clarajana.design@gmail.com Redacção R. 5 de Outubro, 423 2200-371 ABRANTES Periodicidade Trimestral Registo na E.R.C. 126186
Í N DIC E 002 003 014 018 022 025 028 030 032 036 038 041
Apresentação Entrevista – Jorge Dias Ensaio – Filoaofia Aplicada (UCP) Projecto – Clube de Filosofia do Porto TEMA Renato Martins Luís Barbosa Paulo Simão Alves Jana Bibliografia Notícia – Neoliberalismo Colaboração - Júlia Ferreira Ecos Paula Teixeira
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nº04 Apresentação
Por motivos técnicos vários – malhas que o império do voluntariado tece – este número da nossa revista sai atrasadíssimo. Ou melhor, o número do primeiro trimestre eclipsou-se. Houve quem temesse que tivéssemos morrido quase à nascença. Mas não, foi só atraso. Sim, a regularidade é importante, vamos tentar recuperar. Contudo o mais importante é que saia, que dê à luz temas e problemas, que continue a marcar presença. Por isso mesmo que cá estamos. Tanto mais que hoje temos o prazer de apresentar o primeiro doutorado em Portugal no domínio da consultoria filosófica. Boa notícia, não? A palavra, pois ao doutor Jorge Dias. Desta vez apresentamo-nos com um tema polémico, oportuno, o Poder. Talvez aparentemente um pouco à margem da actualidade. Talvez não. A “espuma” da realidade não é a única realidade, pois não? São alguns contributos para uma reflexão a fazer. Publicamos um texto um pouco fora da nossa temática, que é “não escolar”. Mas como foi o primeiro a chegar-nos, tem direito a tratamento especial. Entretanto… gostaríamos de ter mais informação sobre o que vai sendo por aí a filosofia aplicada ou as práticas da filosofia, em especial as “novas práticas filosóficas” – as NPF’s. Gostaríamos, sim, que esta fosse uma revista partilhada por quantos se interessam por este tema. Não é uma queixa, é um desafio. Está por aí alguém? alves jana
jorge humberto dias
... no mercado de trabalho, o principal desafio é o da publicitação e marketing, como estratégias para o desenvolvimento desta atividade profissional, como forma de resolução de problemas filosóficos, quer na vida das pessoas, quer na vida das organizações. JORGE HUMBERTO DIAS
é o primeiro doutorado em aconselhamento
filosófico em Portugal e um dos poucos na Europa, e mesmo no mundo. Além disso, é professor do ensino secundário, onde tem desenvolvido, nas escolas e com os professores intensa actividade no domínio da Filosofia Aplicada. Foi um dos fundadores da APAEF – Associação Portuguesa de Aconselhamento Ético e Filosófico, de que foi o primeiro presidente da Direcção. É ainda o responsável de um projecto de Filosofia Aplicada, o Gabinete Project@. Além de participação em projectos editoriais, nomeadamente com José Barrientos, publicou em Portugal o livro Filosofia Aplicada à Vida (Ed. Ésquilo). ||||||||||||||FILOSOFalando
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Como surge no aconselhamento filosófico? Jorge H. Dias | Conto isso em vários locais das minhas publicações. Penso que os primórdios da minha aproximação às novas práticas filosóficas deverão ser semelhantes ao de muitas outras pessoas. Foi nos bancos da universidade que senti o interesse pela dimensão prática e aplicada da filosofia. Ao estudar alguns autores, questionava-me se esse trabalho filosófico não poderia ser útil à vida das pessoas em geral. Como atividade profissional, posso dizer que comecei na rádio, em 1998, na já extinta rádio Voz de Almada (atualmente a frequência 97.8 pertencente à Radar FM). Fui convidado por um locutor para o programa Conversas com música, onde era solicitada uma prática filosófica. Em cada emissão, havia um tema sobre a vida, a que juntávamos músicas relacionadas com esse tema, analisávamos e depois os ouvintes telefonavam, davam a sua opinião e conversávamos. Nalguns casos, a conversa era bastante filosófica. Recordo-me bem do tema da saudade, em que uma senhora de Cabo Verde ligou a seguir à música da Cesária Évora, para ler um poema e falar um pouco sobre a sua experiência. Na minha perspetiva, esse foi um dos programas mais intensos e ricos, pois houve muitos telefonemas com reflexões que convocavam para outras temas igualmente filosóficos, como a morte, a distância, as relações pessoais, etc. Mais tarde, em Outubro de 2002, num processo de aconselhamento filosófico voluntário, uma consultante trouxe para a sessão um livro que tinha descoberto numa livraria. Tratava-se de Mais Platão, menos Prozac de Lou Marinoff. Foi aí que tomámos conhecimento da dimensão profissional e internacional do aconselhamento filosófico, assim como de alguns nomes de autores que trabalhavam essa área. Aí, foi importante a partilha de casos-de-consulta. Recordo-me de um mais paradigmático: o «caso de John». Seguiu-se a vontade de criar uma associação e de frequentar cursos de formação. A primeira, criámos em Dezembro de 2004 – APAEF ||||||||||||||FILOSOFalando
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(Associação Portuguesa de Aconselhamento Ético e Filosófico). A segunda, frequentámos em Janeiro de 2005 o curso de Philosophical Counseling na Society for Philosophy in Practice, em Londres, Inglaterra, com o Dr. Tim Lebon. A partir daí comecei a dar consultas e a ministrar vários módulos em cursos de formação. Em 2008, criei o Gabinete PROJECT@. Que é, do seu ponto de vista, o aconselhamento filosófico? É um serviço técnico e profissional, que é realizado com base na formação académica na área científica de filosofia e que tem como principal objetivo ajudar uma pessoa, um grupo e/ou uma instituição a compreender, a gerir e/ ou a resolver os seus problemas filosóficos. Para realizar essa tarefa, é necessário saber utilizar os recursos disponíveis na área, como teorias, definições/conceitos, métodos, competências, etc.
de acordo com a Society for Applied Philosophy, a definição de filosofia aplicada distingue-se pelo seu objeto de estudo, ou seja, em que os recursos da filosofia (competências e métodos) são aplicados na compreensão e gestão de temas/problemas concretos da vida em sociedade, embora de um modo ainda teórico.
Aconselhamento filosófico e filosofia aplicada são a mesma coisa? Se não, que é a filosofia aplicada? Não. O aconselhamento filosófico é mais específico (o objeto de trabalho envolve sempre a vida de uma ou mais pessoas) e a filosofia aplicada é mais geral (pode ser temático, histórico, etc.). Segundo Barrientos, o aconselhamento filosófico é um ramo da filosofia aplicada contemporânea. Por outro lado, e de acordo com a Society for Applied Philosophy, a definição de filosofia aplicada distingue-se pelo seu objeto de estudo, ou seja, em que os recursos da filosofia (competências e métodos) são aplicados na compreensão e gestão de temas/problemas concretos da vida em sociedade, embora de
(auto-conhecimento, método, dúvida), Kant (razão prática, crítica, autonomia), Dilthey (filosofia da vida, distinção metodológica para as ciências: exatas e humanas - explicação/ compreensão) Martin Heidegger e JeanPaul Sartre (projeto), Albert Camus (suicídio como problema filosófico relacionado com a questão do sentido da existência), Max Scheller (ética concreta) Ortega y Gasset (raciovitalismo) Julián Marías (felicidade, ilusão e sentimentos), Comte Sponville (prática filosófica e felicidade), Irvin Yalom (desespero como problema filosófico, o aconselhamento filosófico nas faculdades de filosofia e nos cursos de medicina e psicoterapia), Lars Svendsen (tédio com problema filosófico),
de acordo com a Society for Applied Philosophy, a definição de filosofia aplicada distingue-se pelo seu objeto de estudo, ou seja, em que os recursos da filosofia (competências e métodos) são aplicados na compreensão e gestão de temas/ problemas concretos da vida em sociedade, embora de um modo ainda teórico. um modo ainda teórico. Por exemplo, analisar a relação (teórica) entre a morte e o sentido da vida (temas práticos da vida). Diferente é o trabalho do aconselhamento filosófico, que trabalha diretamente no mundo concreto das pessoas, com os seus problemas filosóficos individuais, por exemplo, a infelicidade de uma determinado consultante, devido a problemas com a sua família, emprego e projetos. Quais os autores que mais o têm influenciado neste domínio da actividade filosófica? Vou citar apenas os principais, juntamente com os tópicos de influência mais relevantes: Aristóteles (a sabedoria prática como disciplina que estuda o particular), Sócrates (auto-conhecimento, técnicas de diálogo), Epicuro (os conselhos práticos para problemas filosóficos: prazer, paz, morte, etc.), Séneca (tranquilidade da alma e felicidade), Descartes
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Quais os praticantes de aconselhamento filosófico e filosofia aplicada que mais quer destacar no mundo e de quais se sente mais próximo? E de quais se sente mais distante em termos teóricos e/ou metodológicos - e porquê? Destaco Peter Raabe, que tem contribuído para o crescimento da disciplina no mundo académico como área disciplinar científica, através de livros e artigos pertinentes e que têm gerado reflexão e debate na comunidade de consultores filosóficos. Veja-se o site em: http://www.ufv.ca/faculty/philosophy/raabep/ . Estamos próximos em várias questões metodológicas, mas distantes na abordagem à questão da felicidade. Penso que também estaremos distantes na consideração da filosofia como uma terapia. Tenho para mim que os problemas filosóficos não devem ser considerados doenças, embora possam ter
um importante papel para o desenvolvimento e/ou agravamento de uma determinada doença psicológica. No entanto, desconheço a existência de estudos académicos sobre este aspeto. Estamos distantes na abordagem filosófica à questão da felicidade, mas próximos na valorização da investigação académica nesta área, assim como da lecionação em licenciaturas e mestrados. No entanto, Lou Marinoff tem sido o consultor que mais tem contribuído para o conhecimento mundial desta área, assim como para a sua popularização. Veja-se aqui o site da Associação a que preside: http:// www.appa.edu/. O sucesso do seu livro mais emblemático, Plato not Prozac (Mais Platão, menos Prozac), assim como de outros títulos, têm levado a que várias entidades em todo o mundo convidem o consultor americano para palestras e cursos sobre os temas mais diversos. Estamos distantes na biblioterapia, mas próximos na consideração da importância do associativismo como entidade de organização e regulação profissional, assim como nas questões de publicidade e mercado. Gostaria ainda de destacar José Barrientos, professor na Universidade de Sevilha e um dos primeiros a realizar um doutoramento na área do aconselhamento filosófico e a organizar dezenas de projetos e atividades relacionadas, sendo de destacar o grupo de investigação em Filosofia Aplicada - http://investigacion.us.es/ sisius/grupo/HUM018 e a revista internacional HASER (com José Ordoñez). Estamos distantes na consideração da verdade como finalidade do aconselhamento filosófico, mas próximos nos tópicos metodológicos e na consideração da universidade como entidade formativa e de investigação na área. Por fim, refiro o importante trabalho (e original) de Lodovico Berra na Scuola Superiore di Counseling Filosófico, em Itália: http://www. sscf.it. Estamos distantes na abordagem psicológica, mas próximos na valorização metodológica do projeto existencial.
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A prática
Pratica nas suas consultas o “método project@”. Como? Que método é? Sim, utilizo, embora não em exclusividade. Depende do problema filosófico que a pessoa traz à consulta. No entanto, algumas das competências específicas deste método podem ser utilizadas noutro tipo de abordagens e/ou métodos. O PROJECT@ é um método que pode ter duas ou três utilidades: 1ª, para compreender a vida (filosófica) da pessoa; 2ª, pode servir para ajudar a pessoa a projetar alguns conteúdos vitais mais específicos; 3º, pode levar a pessoa a resolver alguns problemas. Poderá ter acesso à versão mais atualizada deste método no livro Idea y Proyecto. La Arquitectura de la Vida, páginas 246 a 254. O método tem 6 níveis, que devemos seguir na sua ordem, embora a sua duração seja relativa, dependendo do problema, da contingência vital do consultante, etc. O 1º nível pretende identificar projetos na vida do consultante. No 2º analisa-se a estrutura de um projeto, para que no 3º seja possível relacionar esse projeto com a vida do consultante, tendo em atenção os seus valores e o sentido que é atribuído pela pessoa. O 4º nível permite avançar mais um pouco no processo de consulta e tem como objetivo reunir projetos e definir as correspondentes aplicação, que podem, ou não, ser comuns. No 5º é explorada a «filosofia de vida» do consultante, como móbil positivo ou negativo do projetar e da felicidade. Por fim, no 6º e último nível, é verificada a realidade e importância do projeto na filosofia de vida do consultante. Uma questão que normalmente me colocam nas conferências é: podemos aplicar este método a qualquer caso? Há tempos, numa jornadas de saúde, em Leiria, a pergunta era dirigida para o grupo-alvo dos toxicodependentes. Respondi: não, durante a doença, não é possível realizar um trabalho racional/filosófico. Mas é
possível trabalhar antes (“provenção”) ou depois (reinserção na vida e no mundo). Como é uma consulta? Poderá ter acesso à versão mais atualizada dos casos-de-consulta no livro Idea y Proyecto. La Arquitectura de la Vida, páginas 273 a 319. Neste capítulo, poderá ter uma noção do modo como se processa a consulta. Se realizar uma pesquisa na internet, também facilmente encontrará várias descrições do processo, com esquemas e até vídeos de consultas. Sugiro este: http://www. youtube.com/watch?v=XqddgPVYem0 – que foi uma espécie de workshop, que organizei no Gabinete PROJECT@, com o Dr. Hernan Bueno Castañeda, presidente da Fundação Filosofarte, da Colômbia. Como facilmente se identificará, o trabalho mais realizado pelo consultor é o questionamento filosófico aplicado à vida, ao problema e ao discurso do consultante. No entanto, é também essencial que o consultor registe (para efeitos de arquivo e de trabalho compreensivo) as principais respostas que o consultante deu, de modo a poder trabalhar filosoficamente sobre elas, por exemplo, aplicando competências de análise lógica, ética, ontológica, estética, etc. Elaborar uma rede conceptual acerca da situação vital do consultante é essencial para preparar a abordagem filosófica. Estes são apenas alguns dos tópicos que considerei mais relevantes. Como vai o Gabinete Project@? Que faz, que actividades tem, que serviços oferece? Toda a informação está disponível no seu espaço na Web: http://gabinete-project.blogspot. com. No seu plano de atividades, constam cursos de formação na área da consultoria filosófica, parcerias com outras entidades para a organização e realização de projetos e atividades várias, colaboração em publicações sobre consultoria filosófica, prestação de consultas a pessoas com problemas filosóficos, atividades de divulgação da consultoria filosófica, conferências, etc.
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Tem também alguma experiência de gabinetes de ética em contexto escolar. Como apareceram e como têm funcionado? Criei um gabinete de ética escolar em 2007/2008 na Escola Secundária Dra. Laura Ayres, em Quarteira. O projeto durou dois anos letivos e permitiu receber dezenas de alunos com problemas pessoais, os quais continham dimensões filosóficas, passíveis de serem trabalhadas em contexto de consulta. Mais tarde, num congresso da APAEF, apresentei uma conferência sobre esta experiência pedagógica e de apoio educativo especializado. Nas atas do congresso poderá ter-se acesso ao seu conteúdo - http://catalogo.bnportugal.pt/ipac20/ipac.jsp?s ession=1320LG9764X00.167196&profile=bn&uri= link=3100018~!1406919~!3100024~!3100022&as pect=basic_search&menu=search&ri=1&source= ~!bnp&term=Encontros+Portugueses+de+Filosof ia+Aplicada%2C+4%2C+Faro%2C+2007&index= AUTHOR
Elaborar uma rede conceptual acerca da situação vital do consultante é essencial para preparar a abordagem filosófica.
Tenho mantido ligações com vários especialistas de diferentes países do mundo, desde EUA, Israel, Argentina, Espanha, Itália, Inglaterra, etc.. Que outras actividades desenvolve como praticante da filosofia aplicada? Consultoria filosófica a organizações de diversas áreas, formação temática em diferentes locais, participação em congressos, investigação, publicações, etc. Que ligações tem mantido com o estrangeiro no que respeita ao aconselhamento filosófico e à filosofia aplicada? Tenho mantido ligações com vários especialistas de diferentes países do mundo, desde EUA, Israel, Argentina, Espanha, Itália, Inglaterra, etc.. A última colaboração foi no grupo de investigação que criámos na Universidade Católica Portuguesa, intitulado «Ethics For Counseling», e onde preparámos
da especialidade e grupos de investigação. Sou membro certificado da APPA (American Philosophical Practitioners Association), da SAP (Society for Applied Philosophy), do Journal of Happiness Studies e da comissão científica da HASER (Revista Internacional de Filosofia Aplicada), etc. Como sabemos, na atualidade a internacionalização é fundamental para o desenvolvimento de projetos mais completos e diversificados. Daí que também tenha publicado livros e artigos, assim como proferido algumas conferências em língua espanhola e inglesa. A minha colaboração mais recente foi na Kangwon National University, na Coreia do Sul, onde lecionei uma master class sobre algumas das ideias que já estava a trabalhar na tese de doutoramento: a relação entre a consultoria filosófica e a felicidade.
A minha colaboração mais recente foi na Kangwon National University, na Coreia do Sul, onde lecionei uma master class sobre algumas das ideias que já estava a trabalhar na tese de doutoramento: a relação entre a consultoria filosófica e a felicidade. um projeto de candidatura para financiamento da FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia), tendo sido avaliado com «bom». No entanto, dadas as contenções orçamentais atuais, o mesmo não pôde ser contemplado com financiamento. Neste projeto, colaboraram professores, investigadores e autores de várias obras sobre o aconselhamento filosófico. Site do grupo de investigação: http://cefi.fch.lisboa.ucp.pt/projetos-em-curso/ etica-de-aconselhamento.html - site do projeto na FCT: http://www.fct.pt/apoios/projectos/ consulta/aavaliar.phtml.en?iep=9240. Outro tipo de contacto que me parece importante é a pertença, como associado, de várias associações cientificas e/ou profissionais, assim como de comissões científicas em revistas
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É o segundo a nível europeu e o primeiro em Portugal a defender uma tese de doutoramento no domínio do aconselhamento filosófico. Como foi a aventura de se lançar nesse empreendimento? A concretização deste projeto foi o culminar de um longo caminho, que começou na licenciatura e na perceção da necessidade de desenvolver estudos e atividades nos domínios aplicados da filosofia. A experiência associativa na APAEF (Associação Portuguesa de Aconselhamento Ético e Filosófico) foi um bom suporte a toda a investigação académica posterior. Por outro lado, foi também essencial a participação em diversas formações e congressos internacionais (Inglaterra, Espanha,
Itália, Coreia do Sul, etc.), onde ficámos a A tese que EUA, conhecer diferentes teorias, métodos, projetos, etc. Tivemos também a oportunidade de defendi teve apresentar alguns dos estudos realizados na tese, e expô-los à análise e debate internacional, participaram docentes universitários vários objetivos onde e investigadores de várias universidades do e penso que mundo. Foi também essencial a colaboração no grupo investigação «Filosofia Aplicada: sujeito, fornece vários de sociedade e sofrimento», da Universidade de Sevilha, onde tive a oportunidade de explorar entre a Filosofia Aplicada e a obra contributos. aderelação Julián Marías, sempre com o apoio dos José Barrientos e José Ordóñez. Mas talvez o que professores Por fim, o conceito de “aventura” esteve mesmo na parte dos contactos via email, mais interesse presente em que tivemos a oportunidade de solicitar o contributo de vários especialistas estrangeiros, sentido de nos enviarem os seus artigos sobre para esta no o tema da tese. Alguns dos artigos e livros que na pesquisa bibliográfica, já não entrevista seja encontrámos estavam disponíveis, ou seja, descatalogados difíceis de encontrar em bibliotecas. sobre a utilidade eFoimuito curioso ter descoberto que a obra de Julián Marías já tinha sido estudada por um professor da teoria de norueguês, com quem falei por diversas vezes e que me enviou a sua produção bibliográfica. curioso foi verificar a centralidade da Julián Marías Igualmente obra La felicidad humana, com 386 páginas, que de 1987 um marco histórico de fronteira entre na questão fez um passado, com poucas páginas de produção sobre a felicidade e um futuro, da felicidade bibliográfica com muitas mais páginas e com muitas áreas diferentes a preocuparem-se com o tema, desde à economia, passando pela psicologia, humana para a oo direito jornalismo, a engenharia, etc. construção de um método de O doutoramento tese acaba por defender? Que aconselhamento Que contributo dá essa tese para o aconselhamento filosófico ou a aplicada? filosófico de filosofia A tese que defendi teve vários objetivos e penso âmbito individual que fornece vários contributos. Mas talvez o ||||||||||||||FILOSOFalando
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que mais interesse para esta entrevista seja sobre a utilidade da teoria de Julián Marías na questão da felicidade humana para a construção de um método de aconselhamento filosófico de âmbito individual. Ao basear-se na dimensão projetiva do raciovitalismo, a sua teoria permite que o método definido seja um contributo para a felicidade do consultante. Daí que tenhamos divido a tese em quatro grande capítulos: 1) sobre a definição de filosofia aplicada; 2) sobre a definição de felicidade em Julián Marías; 3) sobre a questão do método projetivo; 4) sobre a consultoria filosófica. O contributo que esta tese dá para a mundo do aconselhamento filosófico é, por um lado, o registo e validação científicas de um método (PROJECT@) para o trabalho profissional do consultor filosófico; por outro lado, a abertura de uma linha de investigação de filosofia aplicada na obra do filósofo espanhol Julián Marías; e o convite a que outros autores desenvolvam teses semelhantes, embora com base no estudo de outros filósofos. Que dificuldades encontrou na elaboração da tese? E quais os desafios mais estimulantes? Uma tese de doutoramento é, já por si, uma tarefa inovadora. Na minha ótica, deverá ser um trabalho de criação que contribua para o desenvolvimento de uma área específica e/ou para a resolução de um determinado problema e/ou para a compreensão de uma dimensão do mundo em geral. Aqui, dificuldades e desafios encontram-se, dado que o objetivo é demonstrar uma tese que o autor preconiza. As dificuldades que vai encontrando tornam-se desafios que o autor pretenderá superar no âmbito do projeto que definiu anteriormente. Assim, algumas das dificuldades encontradas estavam na pouca bibliografia ainda existente na área do Aconselhamento Filosófico, sendo
a maioria em inglês e italiano. Além disso, da pouca bibliografia, os estudos académicos são praticamente inexistentes, não havendo portanto uma avaliação de resultados de intervenção filosófica, limitando-se por enquanto à descrição de casos-de-consulta. No que diz respeito ao autor que estudámos na tese, a quantidade de estudos académicos é ainda muito reduzida, talvez devido ao facto do autor ter morrido já nosso século, a saber, em 2005. No entanto, a enorme produção escrita e oral de Julián Marías, é, ao mesmo tempo, uma vantagem e uma desvantagem, pois fornece mais garantias de investigação e reflexão, mas ao mesmo tempo, exige um esforço elevado de atenção, sobretudo no que diz respeito à relação entre temas, assim como à compreensão de influências, etc. Quais são, a nível de investigação, os principais desafios que se colocam à filosofia aplicada em Portugal? Não me vou referir a toda a Filosofia Aplicada. Vou apenas referir-me ao Aconselhamento Filosófico. Penso que são: 1) a validação dos métodos práticos de Aconselhamento Filosófico, por intermédio de comissões científicas especializadas; 2) a avaliação dos resultados das consultas; 3) o desenvolvimento de mais recursos e instrumentos medotológicos. Estes devem ser os tópicos que os grupos de investigação universitários deverão promover e desenvolver, quer através de artigos científicos, quer através de estudos com maior profundidade, como dissertações de mestrado e teses de doutoramento. No entanto, isto não significa que outros grupos privados não o possam fazer também, embora com outra dimensão e enquadramento. Seria interessante uma enciclopédia sobre
Seria interessante uma enciclopédia sobre temas filosóficos da vida humana, que tratasse as principais e diferentes abordagens. ||||||||||||||FILOSOFalando
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temas filosóficos da vida humana, que tratasse as principais e diferentes abordagens. Esse instrumento seria muito útil para os consultores filosóficos, para sugestão de reflexões, à semelhança do que acontece com instrumentos do género em outras áreas. E a nível das práticas ou da situação desta actividade? Penso que no mercado de trabalho, o principal desafio é o da publicitação e marketing, como estratégias para o desenvolvimento desta atividade profissional, como forma de resolução de problemas filosóficos, quer na vida das pessoas, quer na vida das organizações. Por exemplo, nalguns países já vamos encontrando publicações de filosofia aplicada, que permitem aproximar a filosofia do cidadão comum. Não esqueçamos que os clientes só poderão recorrer ao aconselhamento filosófico, caso saibam que esse serviço existe e caso saibam da existência de problemas filosóficos na vida das pessoas. Algumas dessas publicações começaram a surgir depois do sucesso editorial de O mundo de Sofia. Desde aí, houve uma evolução da popularização da filosofia, com bandas desenhadas filosóficas e, até, vídeos de filmes sobre temas da filosofia. Por fim, um desafio importante para esta atividade profissional é o da organização associativa, como elo de ligação entre os profissionais, como entidade reguladora e potenciadora do desenvolvimento da profissão, etc. É a partir daqui que são construídos os principais projetos com entidades governamentais, por exemplo. E, para terminar, quais são os seus próximos desafios? Os próximos e principais desafios são dois: 1) contribuir para o desenvolvimento de um grupo de investigação científica na área da Filosofia Aplicada em geral e da Consultoria Filosófica em específico; 2) promover a realização de cursos de formação avançada nas universidades. Entretanto, pretendo dar continuidade ao Gabinete PROJECT@, com mais projetos inovadores e alargar as ofertas a outros públicos e idiomas, privilegiando a internacionalização das atividades. Penso que também deverei dar um contributo para que a APAEF volte a ganhar a vida que outrora já teve. ||||||||||||||FILOSOFalando
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Nome Jorge Humberto Dias Idade 39 anos Residência Quarteira Contacto por mail gabineteproject@mailworks.org Contacto na web http://gabinete-project.blogspot.com Bibliografia _Berra, L. (2010). Il progetto esistenziale nella pratica del counseling filosofico. pp. 43-53. In Rivista Italiana di Counseling Filosofico. Ano V. Nº 6. Apr/2010. _Comte-Sponville, A., Delumeau, J. & Farge, A. (2003). La plus belle histoire du bonheur. Paris: Seuil. (Trad. portuguesa 2009. A mais bela história da felicidade. Lisboa: Edições Texto & Grafia) _Dias, J. & Barrientos, J. (2009). Felicidad o conocimiento? Sevilla: Doss Ediciones. Colección Universidad. _Dias, J. (Ed.) (2008a). Encontros portugueses de filosofia aplicada. Albufeira: APAEF. Harteloh, P. (2010). On the Competence of Philosophical Counsellors. Practical Philosophy. Vol. 10. Nº 1. in http://www.practical-philosophy. org.uk/journal/pdf/10-1%20035%20Harteloh%20 -%20Competence.pdf – acedido a 19 de julho de 2011. _Lahav, R. (2001). The efficacy of philosophical counselling: a first outcome study. pp. 17-34. in Practical Philosophy. Vol. 4. Issue 2 - http:// www.practical-philosophy.org.uk/journal/ pdf/4-2%2005%20Lahav%20-%20Efficacy.pdf – acedido a 2 de julho de 2012. _Marinoff, L. (2002). Philosophical practice. San Diego: Academic Press. _Pihlström, S. (1999). Applied philosophy – Problems and application. pp. 121-133. in International Journal of Applied Philosophy. Vol. 13. Issue 1. _Weiner, E. (2008). The geography of bliss. London: Black Swan. (Trad. portuguesa 2008. A geografia da felicidade. Uma viagem à procura dos países mais felizes do mundo. Lisboa: Lua de Papel) _Yalom, I. (1992). When Nietzsche wept. New York: Harper Collins. (Trad. portuguesa 2007. Quando Nietzsche chorou. Lisboa: Saída de Emergência)
Um artigo recente do jornal alemão F.A.Z. concluía que algumas das empresas dinamarquesas mais cotadas contratavam cada vez mais pessoas que trabalham com conceitos operatórios, que possuem um saber transversal, que cruzam saberes, capazes de vislumbrar outras formas de estar. Por estranho que possa parecer: filósofos, por exemplo.
Vítor Belanciano, Público/2, 6.1.2013
ENSAIO
Da Filosofia Aplicada Alves Jana
Comunicação apresentada na Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, no colóquio sobre PERSPETIVAS ATUAIS DE FILOSOFIA APLICADA, em Fevereiro passado
Não vou falar sobre aconselhamento filosófico em sentido estrito, porque não convém que falemos todos do mesmo e porque há aqui quem fale desse tópico com mais autoridade que eu, de José Barrientos aos meus colegas de mesa. Vou abrir o leque e falar de outra coisa. Antes de mais, do mundo. Do mundo onde já começamos a viver, apesar de ainda não existir. Um mundo de 7.000 milhões de habitantes. Dois terços destes vivem com menos de dois dólares por dia. Estão, por isso, disponíveis para fazer o nosso trabalho por, digamos, cem euros por mês, o que já significa um aumento de cerca de cem por cento nas receitas. Um mundo onde o salário médio é de menos de 1290 dólares em Portugal, mas apenas de 778 no Brasil, 656 na China, 295 na Índia e 279 nas
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Filipinas (quase só 1/5 do português). Também eles estão disponíveis para nos substituir no nosso trabalho. Como, aliás, já se pode ver um pouco por todo o nosso país. Um mundo onde se prevê que em 2027, portanto dentro de 15 anos, a China será a maior economia do mundo e que em 2050, portanto apenas dentro de 40 anos, será já o dobro da dos EUA. Um mundo em que em 2032, ou seja, dentro de 20 anos, o PIB global dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) já excede o do G7 (EUA, Canadá, Reino Unido, Alemanha, França, Itália e Japão). A Europa será então uma zona periférica, dividida dentro de si mesma, saturada de um ineficaz processo burocrático de auto-flagelação, face a um eixo China–Índia–EUA, com os países emergentes a afirmarem-se como força dominante em várias dimensões. Este é o mundo que se anuncia.
É nesta transição que já estamos a viver, ou seja, vivemos ao mesmo tempo num mundo que já não existe e noutro que ainda não existe. Estamos em trânsito entre uma civilização marcada pelos valores ditos ocidentais, que quase todos os povos se apressaram a cobiçar e a copiar, e uma outra que está em construção. E os construtores são, mais uma vez, aqueles que vão ter o poder económico, militar, político e cultural. Com a China à cabeça. A China não se pensa como um país entre os outros. Pensa-se como uma civilização e como o centro do mundo. Aliás, o termo “China” significa no original “centro do mundo”. E a China sabe-se uma civilização com 5.000 anos de provas dadas. E quer exercer o poder e influência que durante alguns séculos deixou escapar. Em meados deste século, a China, a Índia e o Sudoeste asiático terão mais de metade do PIB mundial e ditarão as regras. Serão a norma de uma nova modernidade, face à qual a tradição ocidental terá de justificarse, e de reconhecer o seu insucesso global. Como é que a cultura ocidental vai justificar, antes de mais para si própria, a incapacidade para sustentar a sua demografia? E a incapacidade de manter produtiva a sua economia? E a incapacidade de garantir a eficácia da sua justiça? E a incapacidade de sustentar a ambição de poucos à custa do abandono social de cada vez mais? Sim, a nova civilização está em construção.
cada vez mais condenados a não terem um futuro à vista. Em Portugal, o interior desertifica-se, a economia paralela cresce tanto ou mais que a sanguessuga dos impostos, a natalidade desce enquanto o envelhecimento cresce, as empresas que valem são cada vez mais estrangeiras, a corrupção é cada vez mais nítida e a justiça continua com a sua eterna ineficácia geral, a política é cada vez mais desvalorizada e os fogos fátuos da fama que habitam os media são cada vez mais venerados, a educação e a ciência são sangradas, a saúde e a segurança social estão cada vez mais ameaçadas, e a cultura é um luxo acessível a cada vez menos sobretudo na produção mas também no consumo. Entretanto, de que falam os filósofos? Que investigam os centros de investigação de filosofia? Que faz a filosofia? Os cidadãos, as pessoas concretas, andam perdidas, entre a derrota e a revolta, sem horizonte de vida, com a angústia a substituir os valores, que já não lhes servem de guia, antes de sinal de contradição face a um mundo cada vez mais hostil e menos compreensível. Entretanto, de que falam os filósofos? Que investigam os centros de investigação de filosofia? Que faz a filosofia?
Entretanto, de que falam os filósofos? Que investigam os centros de investigação de filosofia? Que faz a filosofia?
Não venho aqui como acusador de ninguém, nem denunciar seja o que for. Venho, sim, se me é permitido, como voz – ou melhor, como eco da voz – que pede ajuda.
Em Portugal, o desemprego vai já na ordem dos 16%, mas na Europa há já quem pense num desemprego da ordem dos 30%. Os jovens estão
Parto do princípio de que a filosofia é um tesouro que faz falta. E que está em falta na cidade dos homens.
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é possível e necessário um esforço acrescido para falar da vida a partir da filosofia e falar de filosofia a partir da vida. 15
Parto do princípio de que a cidade dos homens precisa da filosofia, mas que esta está pouco presente na cidade dos homens. Creio que é possível e necessário um esforço acrescido para falar da vida a partir da filosofia e falar de filosofia a partir da vida. E a esse esforço, a esse trabalho dou o nome, decerto discutível, de filosofia aplicada. Atrevo-me a dizer que, se a filosofia é importante, é para a vida. Mas que a vida concreta dos homens e das mulheres, das organizações e das cidades, não está a receber da filosofia o contributo a que têm direito e que dela poderiam esperar. Poderiam esperar, mas a verdade é que já nem esperam, porque já nem sabem o que dela poderiam receber. E, no entanto, a verdade dos factos é que, aqui ou além, há casos concretos, há experiências multiplicadas, que mostram que é possível um casamento feliz entre a filosofia e a vida. Não vou falar desses casos. Sempre discutíveis, sempre mal conhecidos. Mas não posso deixar de dizer que há um universo de Novas Práticas Filosóficas, as NPF’s, que esperam uma atenção dedicada e novas experiências a explorar novas possibilidades. E também me atrevo a dizer que os lugares de docência – no secundário e no superior – começam a estar saturados e é o próprio futuro da filosofia no ensino superior que está ameaçado. Mas quem sou eu para subir além da chinela? Volto ao mundo, ao meu mundo. Este é um ano de eleições autárquicas. Há muitas vozes a fazerem-se ouvir sobre o poder, o poder do Estado. Mas conhecemos alguma que nos ajude a reflectir sobre o poder local? Porque o poder local não é apenas e só o poder do Estado em miniatura. É, aliás, o poder numa comunidade de dimensão humana. E sobre os tantos poderes que se multiplicam na sociedade? Por vezes tão autoritários, tão ||||||||||||||FILOSOFalando
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Precisamos de uma filosofia política capaz de lidar com a incerteza de um mundo hipercomplexo e de perceber, para lá da concepção platónica e moderna, que o poder se decide em cada um dos pontos de um sistema caótico e não ao nível da cúpula. fascistas, tão discriminatórios, tão escravizantes como aqueles de que a filosofia política fala com poder e tradição. Basta um ouvido atento para perceber que por detrás de muito do que por aí se diz e escreve sobre a democracia está uma concepção essencialista que faz da democracia uma ideia à prova da realidade. Por isso a democracia corre o risco de se tornar mais ineficaz do que produtiva, incapaz de resolver os seus próprios problemas. Precisamos de uma filosofia política capaz de lidar com a incerteza de um mundo hiper-complexo e de perceber, para lá da concepção platónica e moderna, que o poder se decide em cada um dos pontos de um sistema caótico e não ao nível da cúpula. As empresas já perceberam isso há bastante tempo. Mas eu não consigo citar um nome de um filósofo que tenha sido responsável pela renovação da filosofia da gestão empresarial. A não ser, é claro, o nome de filósofos que a Academia da filosofia não reconhece. E é também por isso que a ética empresarial, por exemplo, é tarefa para gente de economia e gestão de empresas e não para gente de filosofia. Ou será que estou errado? Será que conhecemos algum filósofo que tenha participado na elaboração do código de ética de alguma empresa? É provável que o defeito seja meu, oxalá!, mas estou disponível para ser corrigido da minha ignorância.
O livro Safira, da autoria da jornalista Patrícia Fonseca, trouxe a público um caso com um sem número de problemas que precisam de ser discutidos, pois estão, de facto, em jogo questões da maior importância. Questões como o poder dos médicos e dos pais, o direito instituído e o funcionamento das instituições, a economia da saúde e a relação entre o dinheiro e a investigação clínica. E justamente por isto o caso Safira já mereceu um prémio europeu de jornalismo. Conhecem algum contributo da filosofia para a discussão – pública – destes problemas? Heraclito continua a ter razão: tudo é mudança. E Camões continua a avisar-nos de “Que não se muda já como soía”. Muda a escola, muda a saúde, muda a cultura, muda a vida das pessoas e das organizações, muda o emprego e a reforma, muda a família e a economia local, muda o associativismo e muda o Estado. O que é que não muda? Não sabemos para onde vamos, porque vamos para um lugar onde nunca ninguém esteve, e porque o próprio lugar para onde vamos se constrói na viagem em que estamos. Não é de mais pedir à filosofia que participe da construção, pois não? Há muito que a filosofia multiplica propostas sobre a organização do Estado. E sobre a organização da vida da pessoa singular, temos alguma proposta séria? Os economistas e os psicólogos, por exemplo, já discorrem sobre a felicidade e apresentam propostas concretas. E os filósofos não podem fazer o mesmo? Jorge Dias manda um telegrama a dizer que Julián Marías tem uma obra justamente sobre felicidade. E eu acrescento que José Barrientos e Jorge Dias também têm publicado sobre a felicidade e o modo de uma pessoa organizar a sua vida. Ah!, afinal pode. Então, vamos a isso! Repito. Não venho aqui como acusador de ninguém, nem denunciar seja o que for. Venho como eco da voz que sofre e pede ajuda. Venho como quem acredita que da filosofia pode vir uma ajuda para a praxis da vida. Será que pode?
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Alves Jana 5.2.2013
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PROJECTO
Clube Filosófico do Porto O que é O Clube Filosófico do Porto é uma associação informal de pessoas interessadas em conhecer os grandes problemas da Filosofia e pensar sobre eles em primeira mão, ou seja, em Diálogo uns com os outros. Foi iniciado por mim (Tomás Magalhães Carneiro, Filósofo) e pelo meu amigo Tiago Sousa. Um filósofo e um músico respectivamente (ou, pelo menos, assim nos vemos). Nas nossas reuniões não oferecemos interpretações de obras de Filósofos, resumos das suas obras ou divulgações das suas ideias. Aliás, raramente falamos de Filósofos nas nossas reuniões. O que fazemos é procurar por nós mesmos problemas filosóficos ou descobrir os problemas na história da Filosofia que nos interessem e tentar resolvê-los com o melhor instrumento que a natureza nos deu para o fazer: a nossa própria razão.
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O trabalho é remunerado ou voluntário? Iniciamos nuestro proyecto hace siete años con la Asociación de Fibromialgia de Sevilla (AFIBROSE) de forma totalmente voluntaria. Los programas de fines de semanas, talleres y seminarios externos a las asociaciones son remunerados. como e quando nasceu O Clube Filosófico do Porto surgiu em Março de 2012 quando o Clube Literário do Porto (CLP) encerrou as portas. O CLP foi uma instituição cultural que deu muito à cidade do Porto no curto período de tempo que durou. Muitos portuenses foram ganhando o hábito de visitar regularmente aquele lindíssimo edifício de 4 andares em frente ao Rio Douro, mesmo no coração do Porto histórico, com salas muito amplas e muito agradáveis. A sua oferta cultural era diária e muito diversificada contando com exposições, lançamentos
de livros, concertos, noites de teatro, poesia, cinema, palestras várias e... Cafés Filosóficos. Os Cafés Filosóficos foram uma iniciativa da Revista Um Café (revista cultural distribuída gratuitamente no Porto durante 2 anos), começaram em Novembro de 2008 com uma regularidade mensal e rapidamente se alastraram a outros locais da cidade. No entanto o CLP era a “casa” do Café Filosófico e era lá que os frequentadores mais assíduos se encontravam todos os meses. Com o fim do CLP ficámos todos um pouco “orfãos” de um espaço assim tão acolhedor e foi para manter o contacto entre todos os amigos do “Café Filosófico” que criamos o Clube Filosófico do Porto. Em jeito de homenagem o nosso nome mantém-se próximo do “Clube Literário do Porto”. onde funciona Desde o fecho do CLP que nos vimos forçados a procurar outros locais para nos encontrarmos com regularidade. Felizmente alguns amigos e outras pessoas com
Yoga Sobre o Porto, de um dos nossos membros mais antigos. É, como todos os outros, um Café Filosófico aberto a quem queira participar e realiza-se todas as quartas quartas-feiras de cada mês no número 100 (3º andar) da Rua das Carmelitas.
responsabilidades em importantes equipamentos culturais da cidade do Porto souberam da nossa “orfandade” e abriram-nos as suas portas para receber o Café Filosófico gratuitamente (todos os Cafés Filosóficos são de entrada livre e, como tal, não temos qualquer verba para alugar uma sala). E foi assim que temos tido a oportunidade de “fazer Filosofia” em alguns dos locais mais emblemáticos da nossa cidade como o Museu Soares dos Reis, no antigo Palácio dos Carrancas, a Casa do Infante (onde nasceu o Infante D. Henrique, uma personagem muito querida na nossa cidade) ou no Planetário do Porto onde todas as segundas quintas-feiras de cada mês realizamos o Café FilosóficoCosmológico, uma sessão de Diálogo Filosófico sob o céu estrelado do Planetário do Porto.
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O chamado “núcleo duro” do Clube Filosófico do Porto (alguns de nós verdadeiramente viciados no Filosofar) encontrase todos os meses num espaço também muito bonito na Baixa do Porto onde funciona a escola
o que tem feito O nosso primeiro evento foi um Café Filosófico moderado pela Dina Mendonça juntamente com o lançamento do livro de Filosofia para Crianças “Brincar a Pensar” da mesma autora. O nosso amigo Nuno Paulos Tavares da Enteléquia Filosofia Prática também foi nosso convidado para moderar uma sessão de Café Filosófico que, por acaso, foi a última sessão de Café Filosófico no Clube Literário do Porto. Além dos muitos Cafés Filosóficos que vamos organizando regularmente nos espaços que referimos em
cima e em muitos outros onde somos convidados de forma esporádica o Clube Filosófico do Porto já organizou um Ciclo de Leituras Filosóficas sobre a ´”Ética” de Espinosa e uma videoconferência (via Skype) sobre Espinosa o Filósofo francês Oscar Brenifier. Em Dezembro procurámos organizar pela primeira vez uma “Caminhada Filosófica” em Foz Coa (Trás-os-Montes) mas o mau tempo afugentou os inscritos e tivemos de adiar para outra altura. Se a metereologia o deixar em Fevereiro realizaremos a nossa primeira “Caminhada Filosófica” pelas ruas do Porto histórico. O nosso evento mais recente é o Café Filosófico-Cosmológico que tem tido uma enorme aceitação por parte dos portuenses com sessões que esgotam as inscrições (25) poucas horas depois de serem abertas. Para poder acolher toda a gente interessada em participar o Clube Filosófico do Porto já contratualizou sessões até ao fim de 2013 com o Centro de Astrofísica da Universidade do
Porto, a entidade que gere o Planetário. que ligações institucionais tem Mantemos ligação com algumas livrarias do Porto como a Leitura e a FNAC onde os amigos do Clube Filosófico do Porto podem comprar com desconto as obras que abordamos nos Ciclos de Leituras Filosóficas e em outros dos nossos eventos. A FNAC também nos tem convidado para realizar Cafés Filosóficos com alguma regularidade nos FórunsFNAC de quase todas as lojas do Norte do País. Além disso temos ligação à Câmara Municipal do Porto através do seu projecto “Sair da Gaveta” que nos permite utilizar gratuitamente alguns dos seus equipamentos como a Casa do Infante e o Museu Soares dos Reis. Através da Reitoria da Universidade do Porto tivemos a oportunidade de realizar um Diálogo Filosófico literalmente aberto ao público (ao ar-livre à espera de quem passasse) para muitas dezenas de pessoas numa
contactos possíveis Site do Clube Filosófico do P orto h ttp:/ / cl ub efi l os oficodoporto.wordpress.com/ M ail do Clube Filosófico do P orto c l u b efi l os ofi cod oporto@gmail.com Si te do Café Filosófico h ttp:/ / um cafefi l o sof ico.blogspot.pt/ Agenda das nossa s sessões h ttp:/ / fi l os ofi acr itica.wordpress.com/0-qu al-o-proximo-evento/ Facebook https://www.facebook.com/pages/Clube-Filos%C3%B3fico-doPorto/368628726499342?ref=hl
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das praças mais emblemáticas do Porto, a Praça dos Leões. Este será seguramente um evento a repetir com alguma regularidade. Mais recentemente, estabelecemos um protocolo com o Centro de Astrofísica da UP para a realização dos Cafés Filosófico-Cosmológicos no Planetário do Porto que, como dissemos em cima, tem sido um evento muito concorrido com pessoas de todas as idades e profissões a quererem participar. A diversidade de pessoas interessadas em participar (jovens, estudantes, reformados, desempregados, profissionais liberais, gente das artes, da cultura, do mundo empresarial, etc.) é sem dúvida uma das maiores surpresas que tivemos quando começamos a organizar estas sessões de “Filosofia Pública”. Aqui é importante sublinhar que são estas ligações com estas instituições públicas e privadas que nos permitem tirar a filosofia dos seus locais habituais (a academia, sobretudo) e trazê-la de volta ao local onde nasceu, a cidade. Finalmente temos também uma relação não institucional mas muito íntima com o Departamento e o Instituto de Filosofia da FLUP, através de alguns amigos, colegas e professores de Filosofia dessa Faculdade que sempre mostraram interesse e deram apoio a muitas das nossas actividades.
A embriaguês do
poder é um álcool extremamente
perverso. É
necessário resistir-lhe por uma disciplina interior que não pode ser cultivada senão com a experiência ou a sabedoria. François Bayrou In Philosophie Magazine, nº 57, Março 2012 ||||||||||||||FILOSOFalando
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poder
Globalização e Representacionalismo
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Renato Martins
Holanda, 1637: Pode uma tulipa ter um valor superior 10 vezes a um salário anual? Factor I a mundialização pelo dinheiro
Quando George Simmel# analisava as vantagens do dinheiro na sociedade, acentuava este facto: é muito mais fácil prestar assistência a quem necessite no outro lado do mundo com ajuda de um suporte como o dinheiro do que com os géneros habituais materiais e suas dificuldades de transporte. Simmel estava desta forma a falar do modo que se tornou no mais prático para uma mundialização: a teoria do valor das coisas assente num meio abstrato quantificável. Substituindo as velhas formas de troca a partir de uma valorização prática das coisas comuns, o dinheiro permite que se coloque nas coisas um valor. Existe contudo em grande escala uma variável: o valor pode atingir desproporcionalidades em relação ao objecto – aquilo a que viemos chamar de inflação e deflação, nestes termos, atingimos a capacidade de especulação sobre o preço das coisas. Se na Holanda do séc. XVII um objecto tão despercebido do ponto de vista económico como a tulipa atinge um valor altíssimo que mesmo assim continua a ser capaz de chamar investidores, como caracterizar as coisas com um valor de facto útil? A especulação faz desaparecer uma referência ao real das coisas, e estas, podem ganhar um valor superior ao seu contexto real – exemplo mais notório nas transacções relacionadas com obras de arte. Isolado no seu mundo matemático, o dinheiro 22
já não materializado em notas ou moedas, roda no seu infinito ao ponto de já não se ver e andar perdido em transações multibanco e gráficos da Wall Street. Para confirmar este caso, que pensar do exemplo de países europeus que abdicam de sua moeda centenária para criar uma moeda única, que garante mais capacidades de universalização da economia? O dinheiro cada vez mais perde a sua identidade moeda, seja um marco, um franco ou um escudo, e caminha para o seu novo caminho matemático, virtual e abstracto. Se já Alvin Toffler# previa que era esse o caminho para se entrar em possíveis novas crises, onde o dinheiro podia simplesmente desaparecer porque nunca tinha existido de todo, este é também o caminho para a mundialização de uma teoria do valor. Todos se recordam dos livros de história e de como os portugueses chegavam à Guiné para adquirir ouro em troca de mantas coloridas ou espelhos. Pois como substituto desta troca injusta, partiu-se para outro caminho: o do valor absoluto das coisas em escala mundial e dependente de uma bolsa de valores que faz oscilar os preços. A partir do mundo da informação, chegarão a estas bolsas de valores informações de todo o mundo acerca do valor das coisas, e destas bolsas, sairão novos valores alcançados pelos accionistas que sairão novamente para o mundo “pintados” com uma nova valoração. Ponto assente nesta forma de dinheiro: tal como Simmel já o dizia é prático e mundialista. Com o dinheiro podemos chegar a todo o mundo, mas também podemos criar uma valoração em larga escala.
Factor II a mundialização tecnologias
pelas
novas
Em meados do séc. XX anunciava Norbert Wiener# que se algum dia pudéssemos desvendar o código de todas as informações de um ser humano, então poderíamos fazer um telegrama e nesse sentido, virtualmente seria possível telegrafá-lo. Esta afirmação de Wiener liga-se à cada vez maior noção de que as tecnologias são «extensões do homem» no sentido em que McLuhan# o definirá uns anos mais tarde. Conceptualizar sobre a democracia
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mundial implica reflectir sobre um novo tipo de homem, extenso, que alcança todo o mundo e recebe este mesmo mundo, pronto a criar uma opinião. Da ambição da ciber-democracia de Rheingold# à cultura universal não-totalitária de Pierre Lévy#, a globalização constituise como sentido ao homem político no séc. XXI: ele não é mais local. Se nos últimos 50 anos, o cidadão recebeu informação de todo o mundo pela via da televisão, a sua participação encontrava-se altamente limitada pela sua existência apenas local. Com o advento da internet, a interacção torna-se uma actividade, e o exercício de feedback ganha estatuto de organizador da realidade política mundial. Nunca a exigência de “ter uma opinião sobre tudo” de Kierkegaard# esteve tão actual: as cidades fantasmas na China, o acréscimo
Com o advento da internet, a interacção torna-se uma actividade, e o exercício de feedback ganha estatuto de organizador da realidade política mundial
populacional na India, a morte de um semterra no Brasil, um escândalo de um ministro na Alemanha ou a doença raríssima de um americano que não é coberta pelo sistema de saúde são fragmentos informativos colhidos por todo um mundo em constante mutação e com demasiados sítios com demasiadas histórias para contar que ultrapassam a capacidade de atenção humana. Não obstante, a crença do clique de rato que produz efeitos à distância ganhar terreno e as decisões internacionais ganharem interesse para o cidadão comum. O modelo clássico da globalização política perde adeptos: as instituições mundiais criadas no pós-II Guerra descredibilizam-se por inércia, falta de confiança e uma história aqui e acolá de corrupção. Ganha terreno a crença de uma maximização de esforços para criar uma política sustentável com os sonhos que se creem comuns a uma humanidade com diferentes gostos e valores. Encontramos aqui duas fortes ideias democráticas: 1) a vontade de uma maioria é uma vontade legítima, e, 2) os valores humanistas são universais. Enumeremos alguns entraves à constituição desta ciber-democracia: 1) perda de realismo quanto ao assunto exposto e que leva ao perigo de uma opinião maioritária construir-se afastada do caso real, e num, contexto virtual de manipulação verbal que conduz a um efeito cascata na opinião pública - como denuncia Cass R. Sunstein#, 2) uma fuga para o anonimato, causando progressivamente um isolamento do individuo, que sem instrumentos práticos para a acção cai num solipsismo cartesiano derivando as suas opiniões em efeito panóptico#, tal como o afirma Sherry Turkle# 3) um balcanização, em que ao invés de instrumento de globalização, as novas tecnologias se transformam em instrumentos de re-tribalização, como nos chama a atenção Morozov# e Neil Postman#. A isto cabe velhas problemáticas já concebidas por Baudrillard#, de como pode uma representação corresponder à sua realidade, e como uma simulação se torna num elemento psicológico decisivo (ou não) da acção humana. A política da globalização ||||||||||||||FILOSOFalando
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deve necessariamente lidar com este novo factor em que os desejos humanos são não já afectivos e direcionados para uma prática que se aproxima do comunitarismo, mas sim uns desejos humanos convertidos em cognições abstractas superiores que a imensidão do mundo exige. Neste último caso, a capacidade de síntese da cognição recebe reforços constantes a fim de assimilar novas informações, criando estado psicológicos de “coisificação” dos acontecimentos políticos, e estes estados convertido por si, em “numerificação” das opiniões públicas globais. O séc. XXI será o dos números e da estatística, não escapando a política a este suporte adequando a uma mundividência global e fora dos cânones comunitaristas-localistas. O pensamento síntese artificializado assim como a virtualização do valor económico leva à concepção de um mercado de valores, flutuante, tal como as tulipas na Holanda do séc. XVII. Renato Martins
poder
O poder da “REinterpretação do Mundo” e a organização de um diálogo permanente entre o ético, o científico e o religioso L u í s M ar q u e s B arb o s a
O artigo que deixamos à consideração dos leitores resulta do facto de gostarmos de abordar as questões do “poder” numa perspectiva que muitas vezes não é tradicional. De facto sentimos que quando, em conversa quotidiana, se fala do poder, torna-se corrente que a mente nos fuja, quase de imediato, para as tradicionais questões do poder político. Claro que não desvalorizamos a importância desta abordagem, mas a questão que colocamos é se efectivamente será ela e que mais urge considerar. Também uma outra constatação nos deixa sempre inquietos, e essa tem a ver com a forma tão banal como pensamos ser tradição falar-se desse mesmo poder político. São constatações que nos levam quase sempre a pensar se acaso, com estas atitudes, não estaremos a deixar escapar outras reflexões que nos ajudariam, provavelmente, a adquiri face ao mundo, outras formas de estar que, se fossem assumidas, poderiam ajudar, quiçá, às vezes, com menos desamor, as muitas e diversas questões que os desencontros políticos vão colocando. É, função do que deixamos dito, que os nossos seminários de Filosofia do Desenvolvimento estão
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concebidos para proporcionar reflexão sobre temáticas que, constituindo problemas actuais, são muitas vezes assuntos complementares aos desenvolvimentos teóricos e práticos das disciplinas entendidas como nucleares dos mais diversos cursos. Senão vejamos, pensar o humano como factor produtivo, intuir as Organizações onde o Homem se move como organismos vivos, reflectir sobre o impacto da revolução da tecnologia da informação sobre as variáveis anteriores, analisar as propostas de construção da sociedade actual enquanto rede de interacções e descortinar como a identidade se assume, ou se esbate, enquanto factor determinante da nova organização planetária mundial, são, ou não são, preocupações candentes? Porém, diga-se que por questões de podres ocultos mas constituídos como bloqueadores da mente, não é ainda fácil introduzir estas temáticas nos mais diversos areópagos intelectuais e científicos que constituem as nossas escolas e universidades. Sentindo nós que para além da desfocagem anterior não raro acontece que as questões são abordadas de forma redutora e sem que se analise a sua estreita ligação ao imenso leque global de preocupações que constituem os
cenários de fundo onde todas elas se interligam, sugerimos sempre que a sua particular análise se oriente no sentido de proporcionar sucessivas visões alargadas sobre o Homem, o Mundo e a teia que esta interacção pressupõe. Não nos parece difícil que se aceite que as reflexões anteriores, ainda que muito voltadas para a relação Homem/Mundo, nos têm colocado vastas vezes, perante a necessidade de descortinar até que ponto a valorização do individual num estrito respeito pelo colectivo, aparece de parceria com a necessidade de valorizar a diferença. As actividades científicas de cariz analítico são referidas paredes meias com as intervenções essencialmente sintéticas e a descrição da natureza reforçando as perspectivas ecológicas ganha relevo. Aceite-se que hoje se valoriza cada vez mais as estratégias interpretativas, e reconheçase que emerge um paradigma de pensar onde se valoriza tanto a intuição como a razão, a imaginação de parceria com a criatividade e uma prática que defenda a alteridade de papéis, para que os homens antecipem o futuro colocando-o no tempo presente, de forma global. O leque de indicadores anteriores traz-nos à memória a ideia de que o que vai faltando ao homem do nosso tempo é uma Ética e uma Ciência que não se afastando do religioso se funda no Amor. É muito ao
jeito das propostas de um actual escritor português, Alçada Batista, quando defende a necessidade de se introduzir nas sociedades actuais a civilização do afecto. Ou ainda, muito perto de Vinicius de Moraes, grande poeta brasileiro para quem a linguagem do Amor é a única que pode superar a desarticulação comunicativa. Talvez nem sequer estejamos aqui a ser inovadores. Ainda que divergindo da nossa perspectiva, é bom não esquecer que o forte movimento hypie dos anos 70 defendia precisamente transformar esta forma de estar e sentir numa enorme religião. Fundada na perspectiva de que através desse percurso o homem tenderia para o bem supremo, propunha uma Ética valorizadora da Fé ou, se quisermos mais singelamente, do acreditar. Gritou-se então forte pela necessidade de aceitar o individual, o caos, o conflito, os desequilíbrios e o imponderável, ou seja, pediu-se, como de resto se continua a pedir, o reconhecimento destas grandes variáveis como esteios de todo o desenvolvimento. Ao mesmo tempo sugeria-se, como agora se sugere, que o homem fosse libertado das garras da política opressora, da ciência estratificada e que fosse ajudado a ultrapassar todos os ditâmes das atitudes avaliativas fortemente marcadas pela produção de juízos de valor. Pedia-se, como agora se pede, que o conhecimento o levasse a aceitar o contrário, não como o mesmo visto do outro lado,
Aceite-se que hoje se valoriza cada vez mais as estratégias interpretativas, e reconheça-se que emerge um paradigma de pensar onde se valoriza tanto a intuição como a razão, a imaginação de parceria com a criatividade e uma prática que defenda a alteridade de papéis, para que os homens antecipem o futuro colocando-o no tempo presente, de forma global. ||||||||||||||FILOSOFalando
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mas como uma alternativa ao mesmo, ainda que do outro lado. Estamos assim perante a necessidade de construir uma sociedade em que a Ética, a Ciência e a Religião ajudem o homem a valorizar a negociação, que não apenas os contratos que nunca se cumprem, que aceite os antagonismos de interesses como fenómenos normais e que ajude cada indivíduo a criar e a estar em instituições complexas e autónomas. Precisa-se de uma civilização que faça com que a justiça não seja apenas uma forma de impedir que os mais fortes levem vantagem natural, mas que também pressuponha a necessidade de ajudar os mais fracos a ultrapassar a eterna tendência para superar as suas fraquezas explorando os seus semelhantes. Ao finalizar a nossa intervenção retomemos Popper para que através dele ouçamos de novo Cálicles, no Górgias de Platão: “As leis são feitas pela grande massa do povo, composta essencialmente de homens fracos, que as criam… para sua auto protecção e para defender os seus interesses. Deste modo, impedem os mais fortes… e todos os que poderiam levar vantagem sobre eles de o fazer,… para eles a palavra “injustiça” designa a tenção de cada um para explorar o seu semelhante; conscientes que estão da sua inferioridade, dar-seiam por muito felizes se pudessem ao menos obter a igualdade.” (Popper, K.; A Sociedade Aberta e os seus Inimigos (V. I); Lisboa, Editorial Fragmentos, 1993, Pág. 128). Face aos argumentos anteriores o que parece então importante é que o diálogo dos saberes permita montar uma civilização mais orientada para prevenir que para punir. Luís Marques Barbosa
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poder poder
Paulo Simão,
eng
Ao ler o título deste artigo, muitos de vós serão levados a pensar que o tema é sobejamente debatido e como tal pouco mais haverá a dizer... pois pretendese neste espaço refletir sobre o assunto, abordando outros ângulos, provocando o leitor, de modo a que o seu conceito de PODER e as suas atitudes ácerca do mesmo sejam diferentes de hoje em diante. Obter e manter o PODER não é tarefa fácil. É preciso ser ponderado, estratégico, resiliente, estar alerta e preparado para lutar quando necessário. Então porque não apenas evitar o PODER e baixar a cabeça aceitando aquilo que a vida nos dá? Primeiro algo desconcertante...o PODER dá saúde. O grau de controlo no trabalho, incluindo a autoridade de decisão e o bom uso das competências, reduz a incidência de acidentes coronários. Estar numa posição de pouco PODER e estatuto é um perigo para a sua saúde. Em segundo lugar, porque PODER e visibilidade podem produzir riqueza. Existem exemplos em vários países pelo Mundo... Em terceiro lugar, PODER faz parte da liderança e é necessário para garantir que as coisas são bem feitas. O PODER é desejável para muitos, ainda que não para todos. Uma das motivações humanas fundamentais é a procura de PODER; será mais feliz na procura do mesmo. Para ter êxito na descoberta deste caminho
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para o PODER terá que ultrapassar três obstáculos: 1- Literatura sobre PODER e liderança 2- Crença num mundo justo 3- Você mesmo
Muita da literatura existente sober PODER e liderança é perigosa. Os seus autores, normalmente líderes e alguns já aposentados, apresentam a sua versão, dizendo ao leitor aquilo que ele quer ouvir, dando-se a ver como nobres e bons. Excelente capacidade de auto-apresentação de modo a atingir uma posição de destaque! Nas autobiografias, os líderes exageram, enfatizando os aspectos positivos, deixando de fora as suas experiências negativas. No entanto esta atitude não deixa de ter o seu significado. A melhor maneira de adquirir PODER e mantê-lo é a construção de uma imagem positiva e uma boa reputação, levando os outros a apresentá-lo como bem sucedido e eficiente. Quando alguém sabe que um indivíduo ou organização são bem sucedidos, atribui-lhe normalmente todo o tipo de qualidades e comportamentos positivos. Não acredite em todos os conselhos dos líderes. As pessoas distorcem a realidade, inventam qualificações e experiências profissionais anteriores. Aquilo em que deve acreditar é na pesquisa da ciência social que ajuda a adquirir PODER, conservá-lo e utilizá-lo. Deve confiar na sua própria experiência, observando os
que estão à sua volta, ver os que são bem sucedidos e porquê, os que falham e os que andam somente a passar o tempo. Descortine as diferenças e será um sobrevivente organizacional. As histórias de sucesso enfatizam comportamentos positivos e ajudam-nos a acreditar que o Mundo é um sítio honesto e que cada um tem aquilo que merece. Como cada um acha que é merecedor, basta fazer um bom trabalho, agir corretamente e tudo irá correr bem para si...lamento, mas não é bem assim. A maioria das pessoas quando vêm os outros a fazer “coisas inadequadas” não vê aí nada de digno a ser aprendido, acreditando mesmo que mais tarde ou mais cedo acabarão por ser derrubados. A crença que este Mundo é justo tolda o raciocínio das pessoas e tem dois grandes efeitos negativos sobre a capacidade de aquisição de PODER: - enfraquece a capacidade de aprender com todas as pessoas em todas as situações, mesmo daquelas de quem não se gosta, - inibe a necessidade de ser próativo na construção da sua base de PODER. Ao acreditar que o Mundo é justo perdem a capacidade de ver armadilhas que são montadas à sua volta que lhes pode destruir a carreira.
Finalmente as pessoas são muitas vezes o seu pior inimigo. As pessoas gostam de se sentir bem consigo próprias e manter uma imagem autopositiva. Qualquer experiência que fracasse vai por em risco a sua autoestima. Ultrapasse os pensamentos de auto-castração e deixe de preocupar-se com a auto- imagem ou já agora com a imagem que os outros têm de si. Os outros não se preocupam tanto assim consigo, nem pensam muito em si. Estão acima de tudo preocupados com eles próprios. A ausência de práticas ou esforços para obter influência pode ajudá-lo a manter uma boa imagem sobre si próprio, mas não o vão ajudar a chegar ao topo. A busca de PODER justifica o incómodo e esforço? Mais que não seja porque como Marmot referiu “as circunstâncias sociais na idade adulta prevêm a sua saúde”. Assim sendo, procure o PODER como se a sua vida dependesse disso. Porque depende mesmo. Paulo Simão, eng.
as pessoas são muitas vezes o seu pior inimigo. As pessoas gostam de se sentir bem consigo próprias e manter uma imagem autopositiva. Qualquer experiência que fracasse vai por em risco a sua autoestima.
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poder
Dos poderes A lv e s J a n a
1. 2.
Interessam-me mais os poderes que o Poder.
O Poder é distante, quase abstracto, longínquo. Pelo contrário, os poderes, sobretudo os pequenos poderes de todos os dias, estão presentes em todos os sectores e níveis da sociedade, a começar pelos mais baixos.
3.
Fomos ensinados, desde Platão, a pensar que a virtude e o ser vêm de cima para baixo e que o Poder só pode, também ele, vir de cima para baixo. E se for ao contrário? se o Poder se formar de baixo para cima? É, evidentemente, contra-intuitivo. Mas isso é um critério de verdade? Quantas vezes o conhecimento científico é contra-intuitivo?
4.
Se pensarmos em termos de geometria fractal, damo-nos conta de que o todo é igual não à soma das suas partes, mas a cada uma das suas partes. Ora a sociedade é muito mais fractal que euclidiana.
5.
Por exemplo, numa sociedade em que todos os cidadãos fossem corruptos, onde seria possível desencantar virtuosos dirigentes de topo? De onde poderiam eles sair? Em que forma teriam eles sido formados? ||||||||||||||FILOSOFalando
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6.
Se pensarmos a sociedade em termos de sistema de sistemas e em termos de emergência das propriedades de um sistema, teremos que é desde baixo que as pessoas se relacionam e se organizam e dessa interacção emergem certas propriedades sociais. E destes sistemas de base outros vão surgir por interacção sistémica. E as propriedades emergentes destes níveis superiores poderão vir donde, se não dos sistemas inferiores?
6.1
Por exemplo. Uma sociedade onde as relações familiares e profissionais forem fortemente machistas pode ser igualitária? Pode tal sociedade ter uma filosofia, um direito, uma justiça e um Poder igualitário? Uma sociedade onde as pessoas fogem aos impostos e vistas como espertas e heróis pode ter um Poder limpo fiscalmente?
7.
Quer então dizer que a sociedade se forma de baixo para cima e não de cima para baixo? Que o Poder de topo se forma a partir de baixo e que, portanto, os que estão no topo são apenas produto do que se passa em baixo? Não necessariamente.
8.
A verdade é que, sim, a sociedade se forma
de baixo para cima, mas também é possível actuar de cima para baixo. De baixo para cima emergem propriedades e de cima para baixo faz-se regulação e eventualmente reorganização dos processos de nível inferior.
processos que combatem o Poder mas recusam o empowerment ou empoderamento dos que são vítimas de inúmeros poderes. Parece que combatem o Poder, mas cristalizam em si todo o poder que conseguem e evitam que abaixo deles o poder ganhe raízes e se consolide.
8.1
13.
9.
14.
Churchill na Inglaterra e Ganghi na Índia, são exemplo de que também é possível actuar de cima para baixo. Mas Hitler seria impossível Inglaterra e Gandhi ineficaz na Alemanha dos anos 30 do século XX. Tanto podemos obter resultados se quisermos intervir de baixo para cima como de cima para baixo. Não podemos é ignorar estas forças que são objectivas e eficazes.
10.
Em Portugal, por exemplo, passamos a vida a ouvir falar da corrupção na política, na falta de vergonha dos que estão no Poder. E quem diz isso?... Contudo, quem é que nunca comprou ou vendeu na economia paralela, que é da ordem dos 25%? Quem é que nunca comprou sem factura para não ter de pagar o IVA? Quem é que nunca meteu uma cunha nem fez um jeitinho a quem lhe fez um pedido? Quem é que nunca deu o golpe numa fila para ser atendido antes da sua vez? Quem é que nunca fechou os olhos a uma autêntica vigarice, talvez não tão grande como aquelas que vêm nos jornais? Quem nunca copiou num exame, sabendo que estava a roubar um lugar na hierarquia das classificações? E nós sabemos o quanto se rouba no supermercado e no pronto-a-vestir. Sabemos como há gente que se abastece nas bombas de gasolina e parte sem pagar, e não é por esquecimento. Sabemos que há empresas que compram e nem fazem tenção de pagar, e se são interpeladas respondem com ar seguro “então meta-me em tribunal”.
11.
Interessam-me mais os poderes que o Poder. Porque é do exercício de facto dos pequenos poderes que, também de facto, ganha forma o grande Poderes numa dada sociedade. Também por isso, interessamme mais todos os processo de empowerment ou empoderamento que os de combate do Poder.
12.
Também
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por
isso
incomodam-me
os
Sim, é da maior importância enfrentar aqueles que nos vários lugares sociais guardam para si todo o poder que conseguem e o exercem em proveito de si e dos seus. O poder é a capacidade de produzir os resultados desejados. Por isso é que, muitas vezes, o poder é um jogo de resultado nulo: para que eu ganhe, alguém tem de perder. Noutros casos, todos acabam por perder. Mas é possível jogar de modo que todos fiquem a ganhar. Esse é o poder maior, e já se chama sabedoria. Alves Jana
Sim, é da maior importância enfrentar aqueles que nos vários lugares sociais guardam para si todo o poder que conseguem e o exercem em proveito de si e dos seus.
Bi blio gra fia ||||||||||||||FILOSOFalando
Filosofia PolĂtica
bibliografia | Filosofia Política
Estes são alguns livros que Mário Pissarra reuniu e cuja leitura aconselha no âmbito do tema deste número, o Poder. AURÉLIO, Diogo Pires (2012). Maquiavel & Herdeiros. Lisboa, Temas e Debates / Círculo de Leitores. BANERJEE, Abhijit V. e Duflo Esther (2012). A Economia dos Pobres. Repensar de modo radical a luta contra a pobreza global. Lisboa, Temas e Debates / Círculo de Leitores. BOBIO, Roberto (1988). O Futuro da Democracia. Lisboa, Publicações Dom Quixote. COQ, Guy (2012). Mounier. O Compromisso Político. Lisboa Gradiva. DAHRENDORF, Ralf, FURET, François e outros (1993) A Democracia na Europa. Lisboa, Editorial Presença. DAL, Robert A. (2000). Democracia. Lisboa, Actividades Editoriais ESPOSITO, Roberto (2010). Bios. Biopolítica e Filosofia. Lisboa, Edições 70. FUKUYAMA, Francis (2012). As Origens da Ordem Política. Dos tempos pré-humanos até à Revolução Francesa. Lisboa, Dom Quixote. GELLNER, Ernest (1995), Condições da Liberdade, Lisboa. HAYEK, Friedrich (2009). O Caminho para a Servidão. Lisboa, Edições 70. INNERARITY, Daniel (2010). O Novo Espaço Público. Lisboa, Teorema. KUKATHAS, Ch. E PETTIT, Ph. (1995). Rawls «uma Teoria da Justiça» e os seus Críticos. Lisboa, Gradiva. LÉVY, Pierre (2003). Ciberdemocracia. Lisboa, I. Piaget. MINC, Alain (1995). A Embriaguez Democrática. Lisboa, Difel. MORGADO, Isabel Salema (2004). Uma ética para a Política. A teoria da acção comunicativa e a questão
da legitimação ético-política nas sociedades contemporâneas. Lisboa, I. Piaget. NEMO, Philippe (2005). O Que É o Ocidente?. Lisboa, Edições 70 NOZICK, Robert (2009). Anarquia, Estado e Utopia. Lisboa, Edições 70. NYE, Jr. , Joseph (2012). O Futuro do Poder. Lisboa, Temas e Debates/Círculo de Leitores. RAWLS, John (1993). Uma Teoria da Justiça. Lisboa, Editorial Presença. RAWLS, John (1997). O Liberalismo Político. Lisboa, Editorial Presença. RAWLS, John (2000) A Lei dos Povos. Coimbra, Quarteto. RIEMEN, Rob (2012). O Eterno Regresso do Fascismo. Lisboa, Bizâncio. ROBINSON, David e GROVES, Judy ((2012). Filosofia Política para Principiantes. Amadora, Vogais. ROSAS, João Cardoso (2011). Concepções da Justiça. Lisboa, Edições 70. ROSAS, João Cardoso []Org. (2011). Manual de Filosofia Política. Coimbra, Almedina. SEM, Amartya (2010). A Ideia de Justiça. Coimbra, Almedina.
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bibliografia | Filosofia Política
SEM, Amartya (2012). Ética e Economia. Coimbra, Almedina. SOROMENHO MARQUES, Viriato (1994) Regressar à Terra. Consciência Ecológica e Política de Ambiente, Lisboa, Ed. Fim de Século. SOUSA SANTOS, Boaventura de (2011). Portugal. Ensaio contra a Autoflagelação. Coimbra, Almedina WOLFF, Jonathan (2009). Introdução à Filosofia Política. Lisboa, Gradiva.
EUROPA BANNIARD, Mivhel (1995). Génese espiritual da Europa: séculos V-VIII. Lisboa, Terramar. BUHR, Manfred e Chitas, Eduardo (1999). O património espiritual da Europa. Lisboa, Cosmos. COHN – BENDIT, Daniel (2013). Pela Europa! Manifesto por uma Revolução Pós-nacional na Europa. Lisboa, Editorial Presença. DUVERGER, Maurice (1994). A Europa dos cidadãos. Porto, Edições ASA. ENZENSBERGER, Hans Magnus (2012). O afável monstro de Bruxelas ou a Europa sob tutela. Lisboa, Relógio D’Água. HABERMAS, Jürgen (2012). Um Ensaio sobre a Constituição da Europa. Lisboa, Edições 70. HABERMAS, Jürgen (2012). Um ensaio sobre a constituição da Europa. Lisboa: Edições 70. JUDT, Tony (2012). Uma grande ilusão?: um ensaio sobre a Europa. Lisboa, Edições 70. RATZINGER, Joseph (2005). A Europa de Bento na crise de culturas. Lisboa, Aletheia. STEINER, George (2005). A ideia de Europa. Lisboa, Gradiva. TAVARES, Rui (2012). A Ironia do Projeto Europeu. Lisboa: Tinta da China.
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Os drones semelhantes àqueles que são utilizados pelo exército estarão amanhã nas mãos da polícia, dos jornais […]. As leis actuais sobre a vida privada ficarão sem efeito. ||||||||||||||FILOSOFalando
Isabelle Stengers In Philosophie Magazine, nº 57, Março 2012 28
O neoliberalismo é mau? Decorreu no passado dia 24 de Janeiro na cidade de Tomar o encontro/discussão “wO neoliberalismo é mau?” conduzido e apresentado por Renato Martins. A acção, totalmente aberta aos cidadãos, da área da filosofia ou não, pretendeu reflectir sobre os tempos actuais a nível político e económico na nossa sociedade partindo de três teóricos do séc. XX: Friedrich Hayek, John Rawls e Robert Nozick. Uma iniciativa do espaço de artes independente “EspaçoZero”, que contou com a casa cheia, e que assim convidou a população a conhecer teoria política numa primeira parte, seguindo-se de um debate, configurando-se numa mesa redonda, por todos os presentes acerca da teoria e da prática, da intenção e das contingências no momento económico actual.
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“
Agora sim, damos a volta a isto! Agora sim, há pernas para andar! Agora sim, eu sinto o optimismo! Vamos em frente, ninguém nos vai parar!
“
(…)
- Agora não, que me dói a barriga... - Agora não, dizem que vai chover... - Agora não, que joga o Benfica... e eu tenho mais que fazer...
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Deolinda Da canção Movimento Perpétuo Associativo Do disco Canção ao Lado
A reintegração da disciplina de Filosofia nos currículos do 12º ano – uma decisão política?
A
pesar de a disciplina de Filosofia em Portugal, se manter ainda hoje no currículo dos Cursos Científico-Humanísticos do Ensino Secundário integrada na Formação Geral, com caráter obrigatório nos 10º e 11º anos, quanto ao 12º ano, o exame deixou de existir e por conseguinte também a própria disciplina. A Filosofia no 12º ano, que existia como opção nos cursos Científico-Humanísticos e era condição de acesso a inúmeras licenciaturas, perdeu o protagonismo quando o exame deixou de ter relevância, a partir de 2006#. O programa do 12º ano assentava na leitura de três obras filosóficas de épocas diferentes, prevendo trabalho hermenêutico de exploração e comentário de textos e desenvolvendo competências críticas essenciais. Como o exame já não contava para a entrada na universidade#, muitas escolas deixaram de oferecer a disciplina como possibilidade, sobretudo para os alunos dos cursos de Humanidades, passando estes a escolher outras áreas disciplinares. Muito se tem escrito e falado sobre o exame de Filosofia do 12º ano que era condição necessária para entrar em dezenas de cursos do Ensino Superior, embora as coisas continuem ainda hoje na mesma. Sendo a Filosofia uma disciplina única, essencial ao desabrochar do pensamento autónomo e crítico, a desvalorização sucessiva a que tem sido submetida nos últimos anos por imperativos institucionais, considera-se uma perda enorme, cujas consequências apenas se vislumbrarão no futuro. Quanto à reposição do exame do 11º ano, salientase que nada tem a ver com o desaparecimento do exame e da disciplina de Filosofia no 12º ano, sendo os programas diferentes, continuando a implicar a inexistência da disciplina de Filosofia no 12º ano.
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Júlia Marcos Ferreira (n. 1961) Professora de Filosofia no Ensino Secundário; Assistente Convidada na Universidade do Algarve; Licenciada em Filosofia; Mestre em Ciências da Educação, especialização em Educação de Adultos; Doutora em Ciências da Educação, especialização em Sociologia da Educação.
A reintegração da disciplina de Filosofia nos currículos do 12º ano – uma decisão política?
Num estudo entrevistámos professores# e alunos entre 2007 e 2008, questionando uns e outros sobre o desaparecimento da disciplina de Filosofia no 12º ano e respetivo exame. Vozes dos Professores – o caso da disciplina de Filosofia no 12º ano … a disciplina de Filosofia do 12º ano (…) era específica para mais de trezentos cursos….isto é um apagamento total e absoluto da Filosofia. (…) Quando se apaga a importância da Filosofia, quando a Filosofia deixa de ser específica, ela perde significativamente poder, ela recua… (S. E) … é grave, acho que é uma lacuna…..é tão grave… (S. U) …. porque é que perdemos a Filosofia do 12º ano? E perdemo-la quando o número de cursos superiores que pediam a disciplina de Filosofia como prova de ingresso, aumentava… e mais! Quando as notas de Filosofia do 12º subiam, que era das melhores médias! (S. V) … foi uma perda…..e uma perda irrecuperável, parece. (S. F) … é preocupante que se vá para alguns cursos superiores sem se ter tido, por opção, escolha de Filosofia. (S. BB) … É uma lacuna, é. E vão ter Filosofia do Direito (…) a linguagem do Direito é uma linguagem muito específica como qualquer outra área da ciência (…) quando têm de fazer a análise filosófica e a hermenêutica do texto filosófico, a dificuldade
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é imensa (…) eles não conseguem chegar à linguagem do texto filosófico. (…) (S. X) … os alunos que vão para Direito, que vão para uma qualquer das áreas das Ciências Sociais, precisavam mesmo, mesmo, de ter Filosofia no 12º ano… (S. R) Quando inquiridos sobre a perda de relevância da disciplina de Filosofia no 12º ano, os docentes manifestaram-se de facto muito consternados e revoltados, destacaram a importância desta disciplina para a entrada em determinadas licenciaturas no passado, sentindo-se profundamente dececionados e desapontados com o seu apagamento. Também muitos dos alunos, quando questionados sobre a hipotética possibilidade de ter Filosofia no 12º ano, responderam que gostariam de continuar a ter esta disciplina, pronunciando-se a favor dessa possibilidade, invocando várias razões, desde a importância da Filosofia, as preferências por esta disciplina em vez de outras, a sua importância para a formação e o conhecimento e o gosto pessoal pelos assuntos e temas filosóficos. Vozes dos alunos - Gostava de ter Filosofia no 12º ano Para a formação das pessoas… É importante, sim, não só saber como pensar… na nossa ação do dia a dia é muito importante. Qualquer pessoa precisa de saber argumentar…..falar…no dia a dia…. (S. 9) … tive pena (…) de no 12º não ter a disciplina de
A reintegração da disciplina de Filosofia nos currículos do 12º ano – uma decisão política?
Filosofia… porque eu gostava de ter seguido… Sim, sim, sim. Seria uma continuação. (S. 17) Suponhamos que eu queria seguir a nível universitário Filosofia… eu tinha um hiato de um ano… Ou Direito, que tem Filosofia também…..e tinha ali uma quebra de um ano. (S. 19) Eu gostava de ter Filosofia no 12º ano (…) de continuar… (S. 28) … se a gente for a ver bem, Filosofia, Filosofia é para a vida toda. (S. 45) É uma disciplina importante. Conta para a nossa formação. (S. 54) ...há imensas questões filosóficas que se pode estudar e ao contrário das outras disciplinas em que a matéria pode acabar ali, eu acho que na Filosofia não há esse problema nem vai haver… (S. 86) Gostava muito de ter Filosofia para o ano. (S. 88). Acho que devia haver no 12º… devia haver nos três anos. (S. 92). Eu tive muita pena de acabar (…) gostava imenso desta disciplina…” (S. 108)
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… os temas da Filosofia são tão vastos que não se esgotam naqueles dois anos. (…) ajudam-nos tanto a crescer e a desenvolver enquanto pessoas e enquanto agentes críticos e agentes que podem mudar esta sociedade (…) Gostava. Eu gostava. (S. 135).
Assim, das respostas de professores e alunos, realça-se a importância que estes atribuem ao ensino da Filosofia no 12º ano, quer para a formação, o desenvolvimento de competências, a valorização do conhecimento, quer para a dimensão crítica e a estruturação dos indivíduos e das sociedades. O desaparecimento da disciplina de Filosofia no 12º ano deveria ser repensado e revisto de forma urgente por quem tem competências institucionais para o fazer, dado tratar-se de uma perda incalculável que origina um apagamento gradual, representando um desastre substancial, tanto mais que as funções desta disciplina são insubstituíveis e se prendem com a formação para a Cidadania e a autonomia do pensamento. Essa é uma decisão política e é urgente reabrir o debate sobre este assunto.
O objectivo da vida é um movimento para o absoluto invisível: o canto contribui para ele. Iégor Reznikoff In Philosophie Magazine, nº 57, Março 2012
Ecos da FILOSOFalando Paula Teixeira Gonçalves
As “Filosofalando”
Mestre em Estudos Ibericos e Iberoamericanos pela Universidade Católica da Lovaina sou desde tenra idade apaixonada pela literatura e pela filmografia. Fui jornalista free-lancer e continuo a ser amante do bom jornalismo. Sou uma menina bonita “sem papas na língua”. In http://telepagina.blogspot.be/2013/02/as-filosofalando. html Habitualmente costumo aqui neste blog [http://telepagina. blogspot.be/] fazer a análise de livros e de filmes. Desta vez e tendo em conta o conceito desta revista FilosoFalando, abri uma excepção, uma vez que este pretende ser também um espaço de análise de vários tipos de leitura. A revista surpreende pelo conceito porque é uma revista de filosofia aplicada, ou seja existe a ideia generalizada que a Filosofia é uma ciência abstracta e dificilmente pode ser utilizada como ciência práctica. Uma ideia que esta revista foi capaz de comprovar como errónea. O design da revista é super moderno e atractivo e os temas abordados
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são temas actuais aplicados aos problemas vivenciados pelas sociedades actuais: “O trabalho é um elemento decisivo da identidade pessoal. Mas como emprego é um bem cada vez mais escasso.” (FilosoFalando n°2). Esta revista tem também outros aspectos interessantes a mencionar, é gratuita e está disponível na internet e como o design é simples e agradável pode sempre fazer-se um “ zoom” da página e pensar mais em pormenor nos parágrafos escritos. Uma das entrevistas de maior interesse é a n°3, apresenta uma entrevista com o Professor José Barrientos, alguém que é capaz de ensinar as pessoas a
optimizar o pensamento através da Filosofia e a rediccionar o indivíduo a pensar, porque o pensar poderá também passar por outras fases posteriores como o: “ Pensar, Fazer e o Querer.” Este professor dá sessões on-line de uma hora e meia e ensina as pessoas a aplicar de facto as suas filosofias de vida. Esta optimização do pensamento irá depois ajudar os indivíduos a melhorar o seu bem estar. Um ponto menos positivo foi a entrevista ter sido apresentada em espanhol, apesar de muitas vezes ser positivo preservar a autenticidade da linguagem para não se perder nada do conteúdo e apesar da maioria dos portugueses ser capaz de
ler espanhol seria positivo ler também a tradução. No mesmo número é possível também ler umas páginas escritas por Alves Jana sobre a forma como deveria funcionar a liderança: se de cima para baixo ou de baixo para cima (ou seja se a liderança deve ser feita só por aqueles que sabem ou pensam que sabem, ou se deve ser feita pelos outros que devem supostamente obedecer). A conclusão acaba por ser as duas coisas e por isso no final da análise o escritor diz: Darwin e Platão. A liderança aparece como um elemento muito importante em sociedades em permanente evolução. Na FilosoFalando n°3 existe também uma carta dirigida aos candidatos para novas
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eleições autárquicas, uma carta que é também uma compilação de perguntas, de dúvidas e pretende fazer refletir os candidatos sobre o que vai acontecer com os menos competitivos, o que vai ser das pessoas que incapazes de acompanhar a evolução se vão tornar excluídos. Que cenários a pensar se esses excluídos vão ser a maioria? Um desafio que fica aos escritores da revista é fazerem menos referência a Platão, apesar de ser o pai da Filosofia e apesar de muitas das suas ideias se aplicarem a muitas situações vividas actualmente em dois números foi possível identificar ideias idênticas sobre a “gramática do pensar” na revista n°1 existe uma referência a Platão e à ideia
que “Nada é, mas que tudo acontece” a mesma ideia surge depois na revista n°3 onde se faz uma reflexão sobre a realidade social e onde se fala sobre os “Himalaias” que apesar de serem uma realidade geográfica estão em constante mudança e alteração geológica. Para os leitores com mais disponibilidade ou necessidade podem também tentar seguir alguma formação sobre “ Gestão do stress”, “Motivação e liderança” ou até “Gestão de Projectos”. A informação está disponível na FilosoFalando. Para ler a revista on-line: Boa leitura!!! http://issuu.com/filosofalando/ docs/filosofalando_03 Paula Teixeira Gonçalves
FILOSOFalando é uma revista gratuita . Agradece a sua divulgação . Por favor, passe a outro, para que passe a outro .