APRESENTAÇÃO
Um reconhecimento ao pioneirismo
Luiz Lourenço, presidente do Conselho de Administração As histórias narradas neste livro nos dão a dimensão do que as famílias de produtores enfrentaram ao chegar às regiões norte e noroeste do Paraná, numa época em que suas terras ainda estavam debaixo de uma imensa mata fechada. Na mesma medida em que o solo se apresentava com características especialíssimas, por sua alta fertilidade, ao cultivo de café e outras lavouras, permitira a formação, ao longo dos séculos, de uma floresta exuberante que, não raro, podia chegar a 40 metros de altura. O desafio, portanto, era desbravar as próprias terras e, com isso, iniciar a produção agrícola em meio a muitos sacrifícios, a começar pela sobrevivência do grupo familiar nesse ambiente hostil, quando não selvagem. As estradas se resumiam a constrangidos caminhos pelo mato, as povoações ficavam distantes, quase não se podia contar com veículos - a não ser os de tração animal, os recursos de toda ordem eram limitadíssimos, sem dizer que quase não havia dinheiro. Luz, só a de lampiões e, água, a que precisava ser recolhida de poços e riachos. Mas sobravam a força braçal, a confiança no futuro, o orgulho de cultivar no que é seu e, claro, a vontade de trabalhar e progredir. Sobravam o espírito de união, a solidariedade entre os vizinhos, as reuniões religiosas e festivas, as conversas de domingo à tarde nas vendas e, também, as aguerridas partidas de futebol entre as glebas. 4 |Família Cocamar
Labutava-se muito do amanhecer à noitinha e isto, com certeza, forjou o caráter e fincou as raízes sólidas de uma civilização que, resultado da mescla de muitos povos, é reconhecida pela sua grande capacidade realizadora. Os produtores se habituaram a uma atividade de muitos riscos e, dessa forma, aprimoraram sua vocação. Enfrentaram geadas seguidas, sofreram com a falta de chuvas e a umidade em excesso, amargaram perdas mas continuaram seguindo em frente. Este livro permite avaliar, também, quatro décadas depois, o forte impacto que representou a geada negra de 1975, cuja simbologia é representativa sob o ponto de vista de que, com seu advento, regiões cafeeiras já em decadência abriram, forçosamente, caminhos para novos negócios. O que se viu, a seguir, foi uma grande transformação. Com o passar do tempo, a agricultura regional passou por uma drástica readequação de seu modelo, avançando para sistemas mecanizados que, num futuro não muito distante, se consolidariam. Com este livro, perpetuamos histórias que não podem ser esquecidas e precisam chegar ao conhecimento das próximas gerações. Para a Cocamar, é uma honra compilar tantos relatos e, dessa maneira, homenagear todas essas famílias que, com sua determinação, constituem a base e a fibra do agronegócio regional. Família Cocamar |5
PROJETO ESPECIAL
Av. Carneiro Leão, 135 - 9º andar cj. 902 CEP 87013-060 - Maringá (PR) telefone (44) 3028-5005 www.flammacom.com.br Coordenação Rogério Recco Pesquisa e textos Marly Aires, Cleber França e Rogério Recco Projeto gráfico e editoração André Bacarin Fotografia Arquivo Flammacom e acervo das famílias Colaboração Nilton César Martins
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Biblioteca Central - UEM, Maringá, PR, Brasil) F198
Família Cocamar : histórias dessa brava gente que é a base do agronegócio regional / coordenação Rogério Recco ; pesquisa e textos Marly Aires, Cléber França e Rogério Recco ; projeto gráfico e editoração André Bacarin. -- 1. ed. -- Maringá : Flamma, 2015. 136 f. : il. (algumas color.) ISBN.: 978-85-905820-8-3 1. Cocamar Cooperativa Agroindustrial - História - Maringá (PR) . 2. Cooperativa Agroindustrial Maringá (PR) . 3. Agronegócio - História - Maringá (PR) . I. Recco, Rogério, coord. II. Aires, Marly. III. França, Cléber. IV. Bacarin, André, ed.
CDD 23. Ed. 334.683098162
BEM AVENTURADOS OS QUE VÉM EM NOME DO SENHOR 6 |Família Cocamar
Família Cocamar |7
Uma homenagem aos precursores do agronegócio regional
José Fernandes Jardim Júnior, presidente-executivo
Detentora de um acervo histórico respeitável, que foi sendo estruturado ao longo das últimas décadas por meio de um minucioso trabalho coordenado por Reynaldo Costa – um dos seus mais antigos funcionários, a Cocamar se preocupa em contribuir para que seja preservada a memória do agronegócio regional.
ainda era floresta. Além da determinação e da coragem, pouca coisa trouxeram, não se curvando às privações e toda a sorte de sacrifícios. Com sua inquebrantável fé, solidez familiar e uma boa dose de empreendedorismo, conseguiram superar aos desafios e prosperar.
Quem visita o acervo, situado no Parque Industrial da cooperativa em Maringá, se impressiona com a quantidade de itens ali organizados, entre fotografias e publicações digitalizadas, imagens em vídeo, equipamentos, ferramentas e muitos outros objetos.
Foram reunidas 20 delas neste livro e a ideia é que haja reedições nos próximos anos, de maneira a abranger dezenas de outras famílias representando as diversas regiões da área de atuação da cooperativa. São relatos que surpreendem e comovem, colhidos ao longo de anos pela equipe do Jornal Cocamar a partir, não raro, de depoimentos dos próprios desbravadores e seus filhos, resgatando lembranças que certamente se perderiam.
Agora, avançamos ainda mais nesse objetivo, lançando a primeira edição de um livro que sintetiza a trajetória de famílias desde, praticamente, o desbravamento das regiões norte e noroeste do Paraná, onde elas são os alicerces da atividade agropecuária. Movidas pela esperança de um futuro promissor e apostando na força de seu trabalho, elas vieram de outras partes do país e até do exterior quando quase tudo 8 |Família Cocamar
Dada a riqueza de seu conteúdo, o livro se reveste de um valor inestimável e, por isso, digno de ser incorporado ao patrimônio histórico da região. É com ele que a Cocamar rende uma justa homenagem às inúmeras famílias que, derramando seu suor, irmanaram-se para imprimir uma saga admirável, moldada na bravura, que serve de referência e exemplo para as gerações do presente e do futuro Família Cocamar |9
SUMÁRIO
(Por ordem alfabética)
• 38 - Balconi (Doutor Camargo)
• 18 - Marochio (Japurá)
• 126 - Banhos (Malu, Terra Boa)
• 42 - Mulati (Ourizona)
• 118 - Baveloni (Maringá)
• 122 - Navarro (Pitangueiras)
• 26 - Bologuesi (Paiçandu)
• 70 - Neumann e Herholz (Rancho Alegre)
• 58 - Castro (Assaí)
• 34 - Palaro (Cianorte)
• 50 - Chavenco (São Jorge do Ivaí)
• 98 - Pasquali (Paranavaí)
• 94 - Crubelati (São Jorge do Ivaí)
• 106 - Rebuci (Atalaia)
• 114 - Endrice (Doutor Camargo)
• 62 - Reis (Bela Vista do Paraíso)
• 82 - França (Maringá)
• 102 - Santos (Alvorada do Sul)
• 90 - Gasparelli (Ivatuba)
• 14 - Sfordi (Floraí)
• 74 - Gnam (Warta/Londrina)
• 30 - Sibin (Iporã)
• 22 - Grava (Maringá)
• 54 - Souza e Simeão (Arapongas)
• 66 - Inocente (Cambé)
• 46 - Tadim (Paraíso do Norte)
• 78 - Kaphan (Rolândia)
• 110 - Tomeleri (Warta, Londrina)
• 86 - Lonardoni (Rolândia)
• 130 - Wasciki (Warta, Londrina)
“Seguindo a vida sem esquecer a história” “Pelas picadas do sertão do Paraná” “No Paraná desde 1939” “Pioneirismo e muita ousadia” “Vida feita com o ouro branco” “Enfim, o nosso pedaço de chão” “O desafio da nova fronteira”
“Todo sacrifício valeu a pena” “Depois da geada negra, a ‘lavoura branca”’ “Superando lutas e perdas” “Encarando as dificuldades” “Os pais chegaram antes da cidade nascer” “Nos primeiros anos de Nova Dantzig” “Um refúgio no meio do sertão” “Os Lonardoni chegaram a Rolândia em 1950”
10 |Família Cocamar
“Juntos, ficou mais fácil vencer os desafios” “Oportunidades na ‘nossa terra”’ “Em Pitangueiras desde o início” “Da Alemanha para Rancho Alegre” “Várias gerações na agricultura” “Pé na tábua e fé em Deus” “Um olho na roça, outro na onça” “Trabalho e ‘tino’ para os negócios” “Entre as pioneiras de Alvorada do Sul” “Eles foram além do que imaginavam” “Tudo era muito longe” “Duas famílias que se uniram” “Trabalhando, uai, tinha que dar certo” “Café foi paixão, mas a soja conquistou” “A mudança foi trazida no lombo de burros” Família Cocamar |11
Aos pioneiros Desafios superando, cada conquista uma glรณria: foi assim, labutando, que eles marcaram sua trajetรณria. Com o futuro sonhando e jรก eram parte da histรณria...
Reportagem produzida por Marly Aires em setembro 2009
Q
uando olha para os alqueires de soja e os pomares de laranja da família em Floraí e São Jorge do Ivaí, Guido Sfordi, mal consegue acreditar que chegou tão longe. “Eu nunca fui à escola. Só aprendi a fazer conta e assinar o nome. Mas sei trabalhar e economizando conseguimos fazer a vida”, conta. Filho de uma família de colonos em São Paulo, o produtor e sua esposa, Juliana não tinham nada quando se casaram em 1946. Foi formando café que comprou seis alqueires em 1949 em Floraí, quando a cidade estava sendo aberta. Os dois trabalharam para outros agricultores por mais quatro anos, para melhor se estruturar, antes de começarem a tocar seu pedaço de chão. A primeira medida foi derrubar meio alqueire de mato e construir um rancho perto da mina de água. Feitos com tronco de palmito rachado ao meio e chão batido, eram dois cômodos: o quarto e a cozinha, onde moraram por mais de um ano. “Nem banheiro tinha. Tomávamos banho de bacia na cozinha”, lembra.
Eles foram além do que imaginavam Guido e Juliana Sfordi chegaram a Floraí em 1949 com “a cara e a coragem” 14 |Família Cocamar
O caminhão com a mudança parou na cabeceira do lote. “Descemos uns 500 metros de picada com tudo nas costas”. Na mudança, uma velha cadeira, um caixote de bacalhau, que servia de mesa, a cama, uma mala de roupa, tralhas de cozinha, sacas de arroz e feijão, gordura e galinhas, para se manter até começar a produzir, e o cachorro de estimação. “A nossa riqueza eram as sementes de café, milho, arroz e feijão que trouxemos para começar a vida aqui”, recorda-se. Com muita mata para derrubar, Guido empreitou o serviço de peões para abrir caminho no machado, enquanto ele e a esposa iam atrás queimando os galhos, cortando as toras mais grossas no traçador e abrindo espaço para as linhas de café em meio à “floresta deitada”. Até o cafezal produzir e nas vezes que a geada queimou até no tronco, foram os cultivos das entrelinhas que garantiram o sustento da família. Para agregar valor a seus produtos, Guido usava um debulhador manual, vendendo milho em grão, e descascava o arroz no pilão. Também plantou cana e construiu um engenho para fazer rapadura e aumentar a renda. O casal teve cinco filhos, Santo, Avelino (também cooperados), Aparecida, Helena e Odete, netos e bisnetos. Família Cocamar |15
Dificuldades sim, mas fartura na mesa
Briga perdida para a geada
No início, quando a saída do sítio era pela propriedade vizinha, Guido tinha que encarar uma pinguela (dois troncos sobre o rio) levando sacos de grãos nas costas e trazendo as compras - sal, açúcar e querosene. “Podíamos não ter o conforto de hoje, mas a mesa era farta com o que produzíamos e criavamos. Sempre tinha queijo, linguiça, torresmo, carne frita na banha, tudo feito em casa”, recorda-se. Apesar da luta, o produtor diz que era mais fácil viver naquela época. “A gente não tinha tanta despesa e o que plantava, tinha valor. Dava para economizar e crescer. Só precisava saber plantar e produzir. Hoje é mais complicado. Tem que entender de mercado, do que acontece no mundo e mesmo assim, ainda somos surpreendidos por situações que não dá para entender”, reclama.
“Nós produzimos muito café nessas terras, mas na briga com a geada, acabamos desistindo. O cafezal ficava numa região muito baixa”, recorda-se Guido Sfordi. Quando o governo começou a pagar para que os cafeicultores arrancassem suas lavouras, eles aproveitaram a oportunidade. O casal mesmo executou o serviço, em vez de pagar para outros, e com o dinheiro comprou o primeiro trator, um Fênix 50 Hp. Conforme saía o café, entrava a soja, sendo a última parcela arrancada após a geada de 1975.
Guido construiu a casa da família e o poço de água nas horas vagas, assim como o dos vizinhos, para ganhar um extra. “Nunca tivemos medo de serviço, sempre trabalhamos juntos e passamos isso para os filhos. Apesar de cada um ter suas terras, um ajuda o outro e até se estruturarem melhor, usam os mesmos equipamentos”, comenta.
A história da família com a soja, entretanto, vem desde 1966. O grão era plantado em meio ao café, com matraca, colhido no facão e debulhado no cambão (madeira com vara de ferro na ponta). Para selecionar os grãos que iria plantar, Guido era bem prático. Jogava estes sobre uma tábua lisa levemente inclinada. O que rolava se tornava semente.
A família com seus primeiros maquinários e caminhões: “era mais fácil viver naquela época” 16 |Família Cocamar
Família Cocamar |17
Reportagem produzida por Marly Aires em dezembro 2009
M
esmo com todo mundo morando por perto, nem sempre é fácil para o cooperado Leonildo Marochio, e sua esposa, Neide, juntar todos os familiares para as festas de Natal e Ano Novo. Ocorre que os genros também querem comemorar com suas famílias e fica “um puxa daqui, um puxa de lá”. Se não nas duas datas, pelo menos em uma os Marochio conseguem reunir as quatro filhas (Maria, Silvana, Sonia e Luciane) os genros e os seis netos, para dividir as panelas. Normalmente, entretanto, durante a maior parte do tempo, eles estão juntos. Afinal, são quatro casas construídas em uma chácara próxima da cidade, em Japurá, onde a família mantém pomar, horta e cultivos de subsistência, como sempre gostaram de fazer. “Moramos no campo, mas com todo o conforto da cidade”, comenta Leonildo. O cooperado diz que antes cada um morava em um sítio. Mas, após um assalto, que traumatizou a família, é que decidiram construir todas as casas juntas e se cercarem de toda a segurança.
Juntos ficou mais fácil vencer os desafios Em Japurá, trabalhando unidos, os Marochio colocam em prática a cooperação que aprenderam a admirar 18 |Família Cocamar
Os genros Milton e Nelson, igualmente cooperados, é que estão à frente dos negócios. São alqueires próprios e arrendados, onde cultivam soja, milho, mandioca, parte com pasto e criam frangos em um barracão. Leonildo, que não gosta de ficar parado, acompanha tudo de perto e ajuda no que pode. No tempo que sobra, eles aproveitam para prestar serviços com maquinários para terceiros. As mulheres não ficam atrás. As quatro filhas e dona Neide, que sempre ajudaram Leonildo no sítio, montaram uma facção em sociedade e costuram para várias empresas, engordando o orçamento da família. O produtor mantém uma relação antiga de confiança e parceria com a Cocamar. Ele associou-se em 1977, quando a entrega da produção era feita ainda em Maringá. Para Leonildo, é importante poder contar com a assistência técnica oferecida, com a infraestrutura de apoio e a garantia de poder vender a safra no melhor momento. Família Cocamar |19
Enfim, a virada Se 1949 foi um ano de muitas dificuldades, em compensação 1950 foi o da virada. “Produzimos de tudo, derrubamos o resto da mata e plantamos café”. Mas ainda teriam muito “perrengue” pela frente. Na primeira colheita, em 1953, a geada “pegou o cafezal de jeito”, repetindo a dose em 1955 e 1963. Neste ínterim, as boas colheitas de café é que permitiram à família acumular algumas economias e comprar 10 alqueires já formados com cafezal em Japurá, em 1964. Os pais ficaram na propriedade em Maringá com a maioria dos irmãos. Leonildo com a esposa Neide, a irmã Aurora e o cunhado Vanderlei, se mudaram para o novo sítio. Os Marochio trabalharam com a cultura até 1973, quando compraram um Valmet 62 e uma semeadeira de 11 linhas, mecanizando toda a área para a entrada da soja. A introdução dessa cultura, de início, exigiu um trabalho manual e o casal sofria devido às difíceis condições de trabalho. Mas, aos poucos, foi se firmando na cultura de grãos, adquirindo em 1977 uma trilhadeira. Histórias como essas são lembradas em meio a sorrisos pelo produtor, fazendo referência às facilidades de hoje.
1949, um ano para esquecer Nascido em Londrina em 1940, Leonildo, o irmão mais velho de sete, viveu boa parte de sua vida em meio às matas. Os pais, Tibério e Rosalina, passaram por várias cidades do interior do Estado, fixando-se em Maringá no ano de 1949. “Era um matão só”, recorda-se. Eles compraram cinco alqueires cobertos de mata, na saída para Floresta, e derrubaram apenas um no fundo do lote para construir um rancho de palmito e plantar milho e feijão.
Foram muitos “perrengues” com o café, até a chegada da soja, o que aconteceu graças ao valente trator
“Queríamos fazer um dinheiro rápido para desmatar o restante e plantar café, mas deu errado. Veio uma estiagem das brabas e não colhemos nem uma espiga de milho. Depois, plantamos feijão, que quando estava ainda em vagem, a geada matou”, conta o produtor. Aquele foi um ano difícil. “Para poder colocar comida na mesa, meu pai teve que trabalhar na derrubada do mato, no machado, para as outras famílias. Eu só via o meu pai no sábado”, recorda-se. 20 |Família Cocamar
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Reportagem produzida por Marly Aires em março 2009
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ioneiros em Maringá, Sílvio e Emília Grava, casados, estão entre as poucas famílias de produtores rurais no município que ainda moram na propriedade.
São os mesmos cinco alqueires que Ângelo, o pai de Silvio, adquiriu quando a família chegou. Fica na Estrada Zaúna, na Comunidade Guaiapó. O casal tem sete filhos (dois homens e cinco mulheres), netos e bisnetos. Três filhas casaram-se e foram para a cidade. Mesmo formando suas famílias, os demais permanecem na propriedade, onde trabalham e vivem juntos. Os filhos José e Carlos cuidam de boa parte da lavoura. Eles se dedicam ao cultivo de grãos, principalmente, mas ainda há 3 mil pés de café, cultura que deu origem à propriedade e predominou até 1973.
Os pais chegaram antes da cidade nascer Família Grava continua morando na propriedade em Maringá, onde produz de tudo 22 |Família Cocamar
Tradicionais na agricultura, as famílias de Sílvio e Emília vieram de São Paulo em 1946, onde eram colonos, para formar café. Ambos se conheceram em um baile e com o namoro dos dois é que José, irmão de Sílvio, e Carmela, irmã de Emília, se conheceram e os quatro se casaram no mesmo dia, em 1951, quando a igreja matriz de Maringá, então distrito de Mandaguari, ainda era de madeira. O casal sempre trabalhou junto no cafezal e todo o dinheiro que sobrava era economizado para comprar mais terra. Emília levantava de madrugada para preparar a comida e às 6h30 os dois já saíam para a roça e só voltavam quando escurecia. Os filhos começaram a ajudar desde pequenos, dividindo o tempo com os estudos. Sempre havia algo para fazer: recolher ovos, buscar lenha ou prender um bezerro. Sílvio costumava ir trabalhar sozinho nos finais de semana, que eram reservados por Emília para lavar roupa, fazer pão e uma boa faxina em casa, que era conservada limpa pelos filhos durante a semana. Família Cocamar |23
Que saudades... Emília se recorda que, todos os dias, nos dois primeiros anos, buscava água na mina, perto do rio, descendo e subindo 400 metros de ladeira carregando um bigolo (vara com dois baldes de 20 litros de água de cada lado) e mais outro balde na outra mão. Só em 1953 é que eles puderam instalar um roldão para bombear água até a casa. A energia elétrica só chegou ao sítio em 1976. Mesmo com tanto trabalho, todos ainda achavam disposição para ir aos domingos na missa e jogar “pelada”. Os vizinhos se reuniam para prosear, contar causo na beira da fogueira e cantar moda de viola. “Hoje, apesar das facilidades, vive-se numa correria tão grande que não sobra tempo para nada. As pessoas não se reúnem mais, só ficam diante da TV. E a criançada esqueceu o que é brincar”, lamenta Sílvio.
Antes, só uma carroça de roda dura Com uma carroça de roda dura e um velho burro, a família Grava levava quase um dia inteiro para cruzar a picada aberta no meio da mata - do Guaiapó até a cidade - para fazer compras. Estas se restringiam a açúcar, sal, querosene para as lamparinas, roupas e remédios. Até hoje, as compras feitas na cidade são de produtos básicos. Grande parte do que a família consome é produzida na propriedade, onde há horta e pomar, plantação de mandioca, batata doce, milho verde, entre outras, além da criação de porco, galinha e vaca para produção de leite e carne. “Ainda fazemos arroz e feijão com banha”, comenta Emília. São as mulheres que cuidam das atividades de subsistência e da casa. Produzem alimentos saudáveis para a família e com a venda da produção excedente, que tem uma clientela cativa, ajudam nos gastos do dia a dia, sobrando mais renda da soja e do café para investimento. “Não tem aperto e a mesa é sempre farta, com café torrado no sítio e moído na hora, linguiça, queijo, pão e doces caseiros”, afirma orgulhosa a matriarca. Os Grava não desperdiçam nada. Há plantações e criações para todo lado e tudo é aproveitado. O que sobra, vira doces, compotas, conservas ou é fornecido como alimentação para os animais. 24 |Família Cocamar
“A Cocamar é uma família” “Foram anos bem difíceis. Tinha medo de entregar a produção para qualquer um. Por isso, quando surgiu a Cocamar, achei vantagem em me aliar a outros produtores e formar um grupo forte”, afirma Sílvio, que é cooperado desde 1977. Ele conta que na Cocamar, se sente em família. Tem segurança para entregar toda produção e comprar insumos, além de obter informações sobre mercado e novas tecnologias. “A Cocamar sempre foi parceira e é importante poder contar com uma cooperativa assim”, complementa seu filho, José. A mesma paixão pela agricultura e pelo cooperativismo que sempre moveu Sílvio foi passada para os filhos e chegou ao neto Paulo, que está cursando Agronomia e já é cooperado. Hoje são cinco cooperados na família: Sílvio, o irmão, José, os filhos Carlos e José, e o neto, Paulo. A família Grava ajudou a construir a terceira capela erguida em Maringá e a segunda no campo, em 1956: a de Nossa Senhora Aparecida, na Comunidade do Guaiapó. E, há quatro anos, esteve envolvida com a sua restauração. Família Cocamar |25
Reportagem produzida por Cleber França em julho 2009
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e descendência italiana, a família Bologuesi chegou ao Paraná na década de 30. A primeira parada foi Santo Antônio da Platina, onde permaneceu por mais de dez anos. Depois, atraída pela oportunidade de cultivar a terra em regiões que estavam sendo abertas pela Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), que precedeu a Companhia Melhoramentos, fixou-se onde hoje é o município de Paiçandu, na vizinhança de Maringá. Em 1943, o patriarca Etore Bologuesi comprou 60 alqueires ali, mas só em 1945, a família - eram dez os integrantes - se encorajarou a mudar para suas terras. A viagem, feita em carroções, demorou dois dias, trazendo a mudança e vários animais. “As estradas eram muito ruins e, como não havia pontes, tinha que passar por dentro de rios. Falar que existiam estradas é exagero: eram só picadas, o que tornava a viagem muito difícil”, conta dona Joana Costa Bologuesi, viúva de Etore. Nessa época eles ainda não eram casados e as famílias chegaram praticamente juntas. O casamento ocorreu em 1954.
Pioneirismo e muita ousadia Os Bologuesi chegaram ao lugar onde hoje é Paiçandu, na vizinhança de Maringá, em 1945 26 |Família Cocamar
A primeira casa da família foi de chão batido, cercada com lascas de palmito. “O telhado era feito de capim e tabuinha. Em dias de chuva isso não adiantava muito, pois chovia dentro”, lembra a pioneira, falando também do trabalho duro enfrentado por quem desbravou a região. “Existiam árvores que cinco pessoas não abraçavam. Bons machadeiros colocavam tudo no chão em poucas horas. O dia começava às seis da manhã e terminava às oito da noite.” Na memória de dona Joana ficou marcado um dos maiores perigos enfrentados pelos trabalhadores: o grande número de cobras, dentre as quais cascavel, jararaca, coral e urutu-cruzeiro. Como não havia antídoto no lugar, muitas pessoas morriam. Compras e serviços médicos, naquela época, eram só em Mandaguari. Na década de 50, sem recursos, um dos irmãos de Joana teve uma dor muito forte no estômago e morreu pouco depois. Foi a terceira pessoa a ser enterrada no Cemitério Municipal de Maringá, pois a Companhia não permitia mais sepultamentos em sítios. “Com o tempo, chegou a estrada de ferro e as coisas ficaram mais fáceis, pois remédios e outras mercadorias podiam ser comprados na estação ferroviária”, comentou. Família Cocamar |27
Soja era jogada aos porcos Quem também acompanhou de perto o período inicial da região foi Antonio Bologuesi, filho mais novo do casal. Ele conta que ainda ajudou a derrubar algumas árvores do sítio onde e família vive até hoje, grandes perobas e gurucaias. “Até 1975 o café era a principal cultura. Depois da grande geada, iniciamos a mecanização das lavouras, plantando soja, milho e trigo”. Antonio se recorda das primeiras sementes de soja que o pai trouxe de Aparecida do Norte (SP), no início da década de 70. “Eram cultivadas no meio das ruas dos cafezais”. Como não sabiam o que fazer com isso, davam aos porcos. Com a intensificação da cultura, os Bologuesi compraram uma trilhadeira e, mais tarde, uma colhedeira. Hoje, décadas depois da chegada, a família continua vivendo da terra, sendo uma das principais produtoras de grãos do município. Assim como a propriedade aumentou, os integrantes da família também. Etore e Joana tiveram sete filhos, dos quais nasceram netos e bisnetos.
Os curiosos caboclos que viviam no mato
Caminhão usado pela família para o transporte de café
Logo que chegaram a Paiçandu, os Bologuesi tiveram contato com os caboclos (homens e mulheres que chegaram ao lugar antes mesmo dos primeiros colonos). Eles viviam no meio da mata, moravam em ranchos e cultivavam somente o necessário para a sobrevivência (milho, arroz e feijão). Para complementar, caçavam e pescavam.
Trilhadeira doada à Cocamar A família Bologuesi fez a doação de uma pequena trilhadeira “Maringá” para a Cocamar. A relíquia, adquirida em 1968 e usada até 1999, quando foi substituída por máquinas mais modernas, foi restaurada para integrar o acervo da cooperativa. “Meu pai era cooperado, eu também e meus filhos estão seguindo o mesmo caminho”, diz João, um dos filhos do casal Etore e Joana. 28 |Família Cocamar
Andavam maltrapilhos, com vestimentas rudes e não utilizavam sapatos. Falavam o português, mas de forma bem enrolada. “Os caboclos também não gostavam de manter contato com desconhecidos. Conforme os colonizadores foram chegando para derrubar a mata e plantar café, eles se mudavam para mais dentro da mata”, conta dona Joana. A pioneira guarda a foto de dois deles, que se acostumaram à civilização. Apesar da falta de costume, aceitaram vestir terno e gravata para uma festa de casamento. Uma das únicas lembranças dos caboclos, que foram desaparecendo com o tempo, é um pequeno cemitério, localizado às margens da PR-323, entre Paiçandu e Água Boa. Família Cocamar |29
Reportagem produzida por Marly Aires em agosto 2009
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ioneiros, José Waldomiro Sibim, e a esposa Maria Magdalena, se mudaram para Iporã, no extremo Noroeste do Paraná, no início da década de 60, onde cultivaram café, algodão, milho e até soja em 12 alqueires. Hoje a família possui 50 alqueires, além das áreas arrendadas, onde plantam soja e milho. Do cafezal ainda resta um alqueire e há quatro de mata nativa preservada. Waldomiro veio na frente: em novembro de 1962, abriu uma clareira na mata e construiu um rancho. Em janeiro de 1963, chegou o restante da família, a esposa e três filhos ainda pequenos. Na época, 92% do município eram cobertos por mato. Waldomiro ainda se recorda muito bem como doía a picada dos borrachudos. Para ficar protegido, se vestia dos pés à cabeça e não se separava do chapéu feito com tiras amarradas na borda, como uma franja. Com tanta coisa para fazer e uma família que só crescia, para sustentar, o casal ia cedo para a roça e levava os filhos junto. “Um cuidava do outro. A diferença de idade era mínima”, conta Magdalena. Os Sibim tiveram oito filhos, cinco mulheres e três homens, dos quais, com o passar dos anos, foram gerados netos e bisnetos. “No começo, tudo era muito longe e não tínhamos condições. Minha vida foi cuidar da roça, da casa e dos filhos”, diz a produtora.
Tudo era muito longe Os Sibin chegaram a Iporã em 1962, quando o município era coberto por matas 30 |Família Cocamar
Em muitas situações, viver longe de tudo era desesperador. Quando o filho mais novo, Pedro, nasceu prematuro, de seis meses, em um dia de geada, todos diziam que ele não se criava. Deixando os outros seis filhos sob os cuidados de Terezinha, a mais velha, então com 11 anos, Magdalena dedicou-se a salvar o caçula. Ele era mantido embrulhado numa estufa improvisada entre litros de água morna e amamentado com conta gotas. No final das contas, se tornou o mais alto de todos. Como viviam isolados e ninguém tinha rádio por perto, as notícias demoravam a chegar. Levaram 15 dias para saber, por exemplo, que os militares tinham assumido o poder em 1964, “por boca” de um vizinho que tinha ido fazer compras na cidade. A que ficava mais próxima era Cafezal. Se obrigavam a percorrer 15 quilômetros a pé. Só tempos depois é que foi possível comprar uma carroça e um burro. Era uma aventura percorrer as estradas na região. Sempre havia árvores caídas ou trechos difíceis de atravessar. Por isso, para garantir, era sempre bom levar um caldeirão com comida. Nunca se sabia o tempo que levaria para chegar à outra localidade. Era tudo estrada de chão. Se chovia, ninguém passava. Se fazia sol, ninguém aguentava a poeira.
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Os compradores ‘engoliam a lua’ Comprar insumos ou vender a produção era outra dificuldade na época. “Não tínhamos alternativa nem como saber se o preço estava caro ou barato. As empresas é que faziam o preço”, comenta Waldomiro. O produtor foi um dos fundadores da cooperativa Coopérola. Na década de 70 ela foi incorporada pela Cocamar, e logo de cara, o produtor decidiu entregar sua produção na cooperativa. “Já deixei grãos depositados por até três anos. No período de inflação, o que nos salvava era deixar a safra na Cocamar. Se tivéssemos que vender tudo e colocar o dinheiro no banco, não daria para sobreviver o restante do ano”, lembra.
Mudança com casa e tudo Há quatro anos, a casa dos Sibim virou atração ao passear pelas ruas da cidade. A família mudou do sítio para uma chácara. Como o comprador do sítio só pagaria R$ 1,5 mil pela casa de madeira e seria necessário construir uma estrutura semelhante na chácara, gastando muito mais, Waldomiro decidiu transportá-la inteira (só tirou as telhas), de caminhão, por 20 quilômetros, até o novo endereço. Erguendo os cantos com escoras, colocaram vigas em forma de arapuca sob a casa e levantaram a estrutura até que a carroceria do caminhão, um Mercedes comum, entrasse embaixo. “Só quebrou um vidro”, diz o produtor.
Uma vaca por um alqueire Por morarem distante das cidades maiores, tudo era muito caro na região. “Uma vaca valia o mesmo que um alqueire de terra e uma mula era quatro vezes mais cara do que em outras regiões. A carne que comíamos vinha de caça no mato. Só depois é que compramos galinhas e porcos para criar”, diz Waldomiro. Praticamente tudo que consumiam era produzido no sítio. Na cidade, só compravam querosene, sal, açúcar, trigo, roupas e medicamentos. Os filhos, vários dos quais na agricultura, seguiram o exemplo dos pais e também cultivam em suas terras tudo o que podem. 32 |Família Cocamar
Mas nem sempre foi assim. Quando chegou a Iporã, Waldomiro só vendia à vista. Já na primeira colheita de café, encheu um caminhão com os vizinhos e foi vender na cidade. Os compradores pediram 15 dias. “Levei tudo de volta. E foi a sorte. Um dia antes de vencer o prazo que tinham me pedido, sumiram”. O produtor lembra que muitos cerealistas da região “engoliram a lua”, expressão usada para dizer que sumiram na calada da noite. Waldomiro tornou-se cooperado em 1979, exemplo seguido pelos filhos Pedro, Evaldo e Lúcio e pelo neto Alex, que é filho de Maria Terezinha e de Waldemar Piveta, também cooperado.
Uma longa estiagem Waldomiro afirma que os problemas enfrentados pelos agricultores com o clima já vêm de longa data, mesmo quando havia mata por todo lado. Já em 1963, conta que houve uma estiagem de quase sete meses que acabou com as plantações. O que sobrou foi consumido pela geada que se seguiu. “Estava tudo tão seco que havia queimadas para todo lado. A fumaça sufocava e deixava todo mundo com olhos avermelhados. Foi um período difícil, de grande carestia”, relata. Por outro lado, em 1964, foi o excesso de umidade a causa dos prejuízos. Após 43 dias de chuva contínua, a soja, o arroz, o milho e o algodão apodreceram no campo. A família já plantava soja desde 1963, vendendo para alimentar porcos. Família Cocamar |33
Reportagem produzida por Marly Aires em julho 2010
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uando se fala nos Palaro, nos municípios de Cianorte e Floresta, logo se associa o nome à agricultura. No primeiro, onde está a maior parte da família, seus integrantes participam há décadas do desenvolvimento da região. A partir dos patriarcas Luiz e Constância, que vieram para o Paraná em 1932, já são quase 150 descendentes, entre filhos, netos, bisnetos e tataranetos, contando também os agregados e os que já se foram. Foi o segundo casamento do seu Luiz (Maria, a primeira mulher, faleceu em 1920). E quando decidiu mudar-se para o Estado que estava sendo desbravado, trouxe seus oito filhos: Ângelo, Vitalino, Agustinho, Adelino, Richieto, Antonio, Horácio e Nilton, instalando-se em Cambará, onde trabalhou como colono em uma fazenda de café. A compra dos primeiros oito alqueires se deu na década de 40. Eram apenas 20 ruas com cinco mil pés de café entre dois morros, que também foram aproveitados ao máximo para o plantio de milho e feijão. Para complementar a renda, o chefe da família trabalhava como carroceiro, fazendo mudança ou transportando cereais na safra.
Várias gerações na agricultura
Em 1947 os Palaro compraram mais cinco alqueires em Cambará, um ano antes do casamento do filho Ângelo com Jandira, os pais de Ivo, Ovídio, Euclides, José, Lúcia e Ângela, um dos ramos da família que fixou-se em Cianorte.
Desde os patriarcas Luiz e Constância, que chegaram ao Paraná em 1932, já são cerca de 150 os descendentes
Mesmo com a morte do patriarca da família em 1961, todos continuaram trabalhando juntos até 1979, quando já somavam 135 alqueires em Cianorte e Floresta. Vários grupos foram então formados e os filhos de seu Ângelo permaneceram juntos. “Defino nossa sociedade como uma cooperativa. Juntos nós temos mais forças para crescer e cada um tem uma função dentro da sociedade”, comenta Ivo.
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Seus primeiros sete alqueires foram comprados em 1958. A estrada estava aberta, mas ainda havia mato. O município foi fundado em 1953 e na época era um amontoado de casas. Os irmãos Antonio e Ângelo é que se encarregaram de derrubar a mata no machado e plantar café. “Cobra tinha de monte. Sempre topavam com uma e até algumas onças chegaram a ver rondando a casa durante a noite”, conta Ivo.
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Bons tempos
1963 foi fogo
Sentada na varanda, dona Jandira Palaro, vê a vizinhança passar pela estrada que cruza a propriedade por entre as casas da família. Ela lembra com saudade o tempo em que amigos, familiares e vizinhos se reuniam ali para conversar ou ouvir rádio, uma raridade na região na década de 60. “A gente estava sempre juntos. Acendia a lamparina, jogava um pano no terreiro ou na grama e sentava no chão mesmo para ouvir”, recorda-se. Também tinha terço toda semana.
Geada, seca, incêndio, carestia: 1963 foi um daqueles anos que ninguém gosta de lembrar. Uma forte geada matou boa parte do cafezal da região. Depois vieram mais de 60 dias de estiagem. E o que sobrou, queimou novamente. Foram várias semanas de fogo intenso que ninguém conseguia controlar.
O Bairro Cristalina, onde fica o sítio, chegou a ter 200 famílias. Hoje não dá 20 e, assim mesmo, é um dos que mais tem gente morando no campo em Cianorte.
Na força do braço A mecanização da propriedade dos Palaro teve início em 1966, com a compra de um trator Massey Ferguson 50X para preparar a terra para o plantio de algodão, feito até 1972. A soja foi introduzida em 1969. O plantio era feito com matraca, a colheita no facão e tudo precisava ser batido na trilhadeira. Em 1971 eles chegaram a plantar 30 alqueires desse modo e colher 1.700 sacas de soja. Só em 1972 é que compraram uma semeadeira e uma colheitadeira. O manejo da capina, por três anos, também foi feito com animal e uma chapa ou carpideira, e depois por um cultivador. “Naquela época não havia herbicidas eficientes. Só em 1978 é que passamos a aplicar para o controle do mato”, conta Ivo Palaro. Mas a grande mudança teve início em 1995, com o plantio direto. Hoje a família cultiva soja e milho, além de manter barracões de frango. A maior parte do cafezal foi eliminada em 1975, mas a cultura acabou em 2003. 36 |Família Cocamar
“Com o café geado, seco e com as matas que ainda restavam, o fogo corria solto”, conta Ivo Palaro. Os produtores é que tiveram que se juntar para conter as labaredas. “Nossa casa ficavam bem no meio das plantações e o fogo chegou a uns 2 quilômetros. Ninguém conseguia dormir. Dava para ver o clarão de longe e, olhando pela janela da casa, a impressão era de que o fogo estava logo ali”, recorda-se. O aperto financeiro que se seguiu fez muito produtor desistir e voltar para a cidade ou o Estado de origem. Os Palaro persistiram e o que segurou a barra foram as culturas e criações de subsistência. Com seis filhos para alimentar, dona Jandira Palaro conta que sempre teve uma vaquinha no pasto, porco, galinhas, verduras variadas, milho e mandioca que se transformavam em pães, bolos e na tradicional polenta.
Na cooperativa, segurança Ivo Palaro diz que a família só teve sucesso na agricultura porque, além do esforço e da união, pode contar com a apoio da Cocamar. “Na cooperativa temos segurança, apoio técnico, fornecimento de insumos e mercado regulado. Por isso me interesso e participo da cooperativa. Por três vezes ele foi eleito para participar do antigo Colegiado de Associados, na década de oitenta e noventa. De 1994 a 1997 fez parte do Conselho de Administração, de 1999 a 2001 do Conselho Fiscal e, de 2002 a 2009, novamente do Conselho de Administração. “Tenho pena dos produtores que não contam com uma cooperativa em sua região. Sinto isso na pele nas terras que temos no Mato Grosso. Como é difícil trabalhar numa região onde estamos nas mãos das multinacionais”, observa Ivo. Ele explica que os insumos são muito mais caros e os descontos na soja maiores. “Na safra 2008/09, o mesmo lote de soja que deu 30% de desconto lá, aqui deu 1%. O cooperativismo é fundamental para qualquer atividade”, ressalta. Família Cocamar |37
Reportagem produzida por Marly Aires em janeiro 2010
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uando chegaram a Doutor Camargo em 1958, vindos do Estado de São Paulo, o casal Antonio Balconi e Isaura Romanezi Balconi, acompanhado de dois filhos pequenos, carregou poucos móveis e malas. Em compensação, eles trouxeram uma vaca, um burro para puxar carroça, vários porcos e galinhas. “Ter criação era comum e indispensável naquela época”, recorda-se dona Isaura, já viúva. Cinco são os filhos: Hélio, Antonio, Romildo, Fátima e Hermes, que cresceram na propriedade e permanecem ligados à atividade agrícola no mesmo município. Eles deram à mãe netos e estes, à avó, bisnetos.
Seguindo a vida sem esquecer a história Desde 1958 em Doutor Camargo, os Balconi participaram do desbravamento 38 |Família Cocamar
No Paraná, os Balconi ficaram próximos de outros familiares que foram chegando mais tarde. Naquela época, Doutor Camargo se resumia a uma pequena aglomeração de casas cercada de floresta por todos os lados. Na década de 80, mais de 100 pessoas da mesma família viviam da agricultura no município. Apesar dos sobrenomes diferentes - Romanezi, Endrice, Montanha, Gonzaga e Cavalieri - todos tinham algum laços de parentesco. E todo mundo se ajudava, conta dona Isaura. Os que tinham a família maior e acabavam o serviço primeiro, iam ajudar os demais, fazendo mutirão para colher café ou bater a soja. Mas quando acabou a era do café, a maioria precisou ir atrás de oportunidades em outras regiões, restando poucos membros da família. Antonio Donizete, um dos filhos mais velhos do casal e que veio ainda pequeno, conta que havia muita mata para ser derrubada, inclusive nos três alqueires adquiridos pela família para formar uma lavoura de café. “Foi difícil, tinha geada quase todo ano e muita seca. Só se comia o que era possível produzir e, sobrando algum dinheiro, se comprava o sal e a querosene. Nos primeiros três anos, a família comia quase que só polenta e carne”, acrescenta Antonio, lembrando que o vizinho era dono de um moinho que beneficiava o milho produzido pela família.
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Velhos tempos Antonio Balconi se recorda dos anos difíceis por que sua família passou. Para preparar a terra era usado um boi ou cavalo, que puxava o arado, o plantio era feito de matraca, a colheita no facão e os grãos debulhados em uma trilhadeira. “Naquela época, a terra era fértil. Para plantar dois alqueires de soja, se usava um saco de semente. Hoje, além da semente, tem o adubo, herbicidas, fungicidas, inseticidas, diesel e tudo mais”, cita. Antonio diz sentir saudade da união e do companheirismo que havia. A comunidade era grande e toda noite uma família ia na casa da outra para rezar, fazer festa, jogar bola ou simplesmente prosear na varanda até dar sono. “Hoje quase ninguém mora na propriedade rural e as pessoas não têm mais tempo nem para conversar. O único lugar onde a gente ainda se junta para conversar é na cooperativa”, comenta Antonio Donizete.
Abanar café: a imagem se tornou tão rara quanto o companheirismo dos primeiros tempos
Propriedade ampliada Até meados da década de 80 o café ainda era a principal atividade dos Balconi, juntamente com criação de gado de leite e cultivo de soja. Mas a família, que chegou a ter 30 mil pés em 20 alqueires, acabou substituindo o o cafezal por algodão, cultura que também desapareceu, deixando espaço para soja, milho e trigo. Hoje, dos cinco irmãos, três (Antonio, Romildo e Hermes) permanecem juntos na propriedade que era do pai. A soja tomou conta de quase tudo, mas os Balconi preservam a sua história e mantêm 100 pés de café “para o gasto”, algumas vacas leiteiras, criações de porcos e galinhas, além de horta e pomar. Se por tantas vezes, desde o início, essas atividades de subsistência garantiram o alimento na mesa, porque não conservar o que deu certo? 40 |Família Cocamar
Regra geral: as culturas mecanizadas foram avançando e transformando a paisagem
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Reportagem produzida por Marly Aires em agosto 2010
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aulistas de Batatais, os Mulati vieram para o Paraná em 1953. Caçulas de uma família de oito irmãos, Nelson e Décio, que hoje residem em Ourizona, tinham na época 14 e 12 anos, respectivamente. Com tanta mão de obra disponível na família - eram seis filhos homens - os pais, Alexandre e Maria decidiram aproveitar as oportunidades da “nova terra” para fazer um pé de meia e comprar o seu pedaço de chão. Por três anos, toda a família ficou em Alto Paraná, onde se estabeleceu para formar café por empreita. Em 1956, os pais e três filhos mais novos, Nelson, Décio e Marino, mudaram-se para Ourizona, enquanto os outros permaneceram na cidade para terminar o serviço. Após a geada de 1955, eles conseguiram comprar 10 alqueires de café abandonado, pagos com uma safra de arroz colhida posteriormente no meio do cafezal. Ourizona só foi fundada em 1960, mas na época em que a família foi para a região, já tinha bem pouco mato.
Oportunidades na ‘nova terra’ Os Mulati chegaram do interior paulista em 1953 para fazer a vida em Ourizona 42 |Família Cocamar
Após a morte dos pais, os irmãos Décio, Nelson e Marino ficaram com a propriedade de Ourizona. Na década de 80, Marino deixou a sociedade. Atualmente a família produz soja e milho e investe também no confinamento de gado de corte. Enquanto Nelson, casado com Maria, sua segunda esposa, tem quatro filhos e vários netos, Décio e a esposa Zelinda têm cinco filhos e outros tantos netos. Alguns filhos optaram por trabalhar na cidade, mas os dois irmãos já garantiram a sucessão familiar. José Aparecido e Marcos Rogério, filhos de Décio, e Antonio José, filho de Nelson, já assumiram os negócios e continuam trabalhando em conjunto. O café foi a principal cultura por muito tempo, mas os Mulati sempre plantaram milho, arroz, feijão e mandioca no cafezal, além de manter uma área com pastagem para gado de corte e leite, horta, pomar, galinhas e um mangueirão com porcos. “Não comprava quase nada na cidade. As compras mensais na venda eram anotadas na caderneta e pagas depois da colheita. Era tudo negociado na palavra”, conta Décio. Atualmente, todos moram na cidade, mas não perderam o costume de produzir seu próprio alimento: as plantações de abóbora, mandioca, o pomar e a criação de porcos ainda são mantidas. Cooperado desde 1975, ele diz que sempre contou com a segurança da Cocamar, a orientação técnica e de mercado para a tomada de decisão. São, atualmente, cinco cooperados na família. Família Cocamar |43
‘Era mais fácil ser produtor’
Conquistas com trabalho
Hoje há muito mais conforto e a vida ficou mais fácil, reconhecem os Mulati. Mas confessam: antigamente era melhor. Mesmo trabalhando tanto, tinham mais tempo para estar com a família e os amigos. “Havia mais união e parceria entre os vizinhos. Se um ficava doente, os outros se uniam e carpiam o mato”, afirma Nelson.
A família Mulati sempre trabalhou muito e todo dinheiro que conseguiu juntar era para comprar terra. Mulher ou homem, não havia distinção: todos trabalhavam na lavoura e ainda prestavam serviço para outros produtores. E quando as coisas ficavam mais tranquilas em Ourizona, Décio e Nelson cruzavam os 50 quilômetros até Alto Paraná, de bicicleta, e ficavam alguns dias para ajudar os outros irmãos.
“A gente trabalhava muito, mas deitava o corpo cansado e dormia, vivia tranquilo. Hoje, preocupado com tanta conta para pagar, a cabeça não para”, lamenta Décio. Ele diz que era mais simples ser produtor. “Tínhamos apenas que saber produzir. E isso fazemos bem. Mas isso, só, não basta mais. Tem que aprender a pensar globalmente, entender de mercado, estar atualizado porque tudo está sempre mudando, novas tecnologias surgem a todo momento”.
Do café à soja Quando apareceram a ferrugem e o nematóide, o café baqueou, mas a derrocada veio com a geada de 1975. Naquele mesmo ano, a mecanização e a soja começaram a ganhar espaço, mas o cafezal só acabou em 1988. Para aprender a lidar com a soja, a família já vinha plantando a leguminosa no meio do café desde 1973 com uma matraca, colhendo no facão e batendo na trilhadeira. Numa época em que não havia curva de nível, era uma loucura o que se fazia, conta Nelson: tombar a terra, gradear e plantar, torcendo para não chover pesado. “Se chovesse forte, era comum perder não só o plantio, mas também a terra”. Além das curvas de nível e do plantio direto, a aveia e a braquiária ajudam a preservar o solo e a garantir melhor produtividade.
Vida difícil “Era uma vida difícil”, conta Zelinda, esposa de Décio, que mesmo grávida ia amontoar ou abanar café na roça. Além disso, ainda fazia todo o serviço de casa, o que não era pouca coisa. A água não era encanada, mas tirada do rio. Como não havia geladeira, o porco tinha que ser preparado na banha e conservado em latas de 20 litros. Do sabugo de milho sapecado era feita a escova de lavar roupa e este ainda se transformava em brasa para aquecer o ferro de passar roupa. Dos sacos de açúcar eram feitas toalhas, roupa de baixo e das crianças. Tinha ainda que rachar lenha para o fogão, fazer sabão, ferver a roupa para desencardir, remendar ou fazer calças, camisas e vestidos, e tudo à luz de lamparina. 44 |Família Cocamar
Os dois se lembram que desde os sete anos já tinham a incumbência de levar o almoço para a família. Andavam quatro quilômetros até o cafezal e outros quatro para ir à escola. Na volta, cada um ainda tinha sua obrigação: tratar das criações, descascar o milho, recolher lenha e outros pequenos serviços. Quando ficaram um pouco maiores, foram encarregados de cuidar de uma rua de café. Cada um deles dava conta de uma rua e os dois acompanhavam os maiores. Décio ainda se recorda de como chegava em casa empoeirado, depois de um dia inteiro de trabalho pesado, e ainda tinha que compartilhar a mesma bacia de água com todos os irmãos para tomar banho. “E troca da roupa de trabalho não era todo dia não, só na quarta e no sábado”.
Conseguia-se viver com o que havia Os irmãos contam que sempre houve seca ou geada, até mais do que hoje. Mas quando se perdia tudo, o café estava na tulha, contava-se com um boi, porco ou as culturas de subsistência para se fazer um dinheiro extra. E o que se gastava era pouco porque o custo de produção e as despesas da família eram reduzidos, usando mão de obra familiar, não tinha gastos com máquinas, tantos insumos ou financiamento e a semente era do paiol. “A gente gastava só o que podia”, comenta Zelinda, esposa de Décio, que acrescenta: “O lucro é pequeno, os custos são altos e os riscos muito grandes. Se perdemos uma safra, é um prejuízo e tanto”. Família Cocamar |45
Reportagem produzida por Marly Aires em outubro 2010
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ma velha mala com algumas mudas de roupa. Isto era tudo que os mineiros Jonas Ferreira Tadim, a mulher Maria José e os filhos José Maria e Fábio tinham quando chegaram ao Paraná, em 1953. A longa viagem de trem de São José dos Paulistas, no norte de Minas, até Maringá, foi cansativa, mas nada comparado ao sacolejo do jipe por estradas poeirentas e esburacadas até Rondon, na região noroeste, onde foram cuidar de um sítio. Em 1968, houve a mudança para Paraíso do Norte, onde eles vivem atualmente.
Trabalhando, uai, tinha que dar certo A família Tadim deixou Minas para enfrentar a dureza no Paraná há quase meio século 46 |Família Cocamar
Nestes quase 50 anos muita coisa mudou. Nasceram no Paraná os filhos Carlos, Maria de Fátima, Itamar e Rosa, além de netos e bisnetos. Jonas se foi em 1996, finalizando uma história de trabalho duro, coragem de enfrentar desafios, amor pela agricultura e, como todo bom mineiro, o gosto por “um dedo de prosa”. Do café, que foi o início de tudo, não sobrou nada e, desde a morte do pai, cada irmão passou a conduzir o próprio negócio, mas sempre ajudando um ao outro. Na propriedade da família há cultivos de soja, milho, cana-de-açúcar e mandioca. Voltando ao passado, quando se viram no Paraná, os Tadim ficaram alguns dias na casa de um parente e, em seguida, arrancharam-se em uma tapera de madeira e chão batido no sítio onde foram contratados para derrubar o mato e plantar café. Família Cocamar |47
A porcada que rendeu um sítio Café plantado e vivendo com as culturas cultivadas nas ruas dos cafeeiros, a família levou o primeiro susto com a geada de 1955. Mas o que pareceu ruim, acabou sendo uma benção. Ao contrário de outros, que pegaram o caminho de volta, os Tadim decidiram ficar. Então, receberam duas propostas: comprar o sítio de cinco alqueires que cuidavam ou a porcada de um vizinho que estava indo embora. Bom negociante e empreendedor, Jonas não fez por menos: ficou com os dois, mesmo diante da preocupação da esposa, pois não havia tanto milho para alimentar os animais. Primeiro, comprou toda a porcada com as economias que havia guardado. E com o dinheiro da venda desta, conseguiu adquirir o sítio em 1956. Para isso, a família pulou miudinho, juntando todo tipo de broto e vegetação que achava para engordar os animais. Sem preço, boa parte do feijão produzido na safra anterior também virou comida de porco, mais abóbora, inhame, mamão e tudo que conseguia juntar no tacho para cozinhar e servir aos bichos.
O casal e um dos filhos: muitas histórias
Bom negociante Mantendo criações e plantações de subsistência, os Tadim só compravam açúcar, sal, querosene e tecido na cidade. Todo o dinheiro obtido ficava escondido em casa até surgir uma boa oportunidade de negócio, como o fechado em 1965. Os 21 alqueires em Rondon, onde havia café formado, foram vendidos para se conseguir comprar 72 alqueires em São Carlos do Ivaí. Com 11 famílias morando na propriedade e cerca de 50 pessoas trabalhando, os Tadim plantaram algodão e feijão nessas terras, carpindo na enxada, arando com a ajuda de burros, plantando com uma matraca e colhendo na mão ou no facão. O primeiro trator, um Valmet 60ID, só foi adquirido em 1968, mesmo ano em que conseguiram os primeiros 20 alqueires em Paraíso do Norte. Mesmo a soja, introduzida em 1971, foi plantada por dois anos na matraca, colhida no facão e as 1.200 sacas resultantes debulhadas na trilhadeira. Bom comerciante, seu Jonas viu logo que seria mais lucrativo se tivesse o próprio caminhão em vez de vender a produção para quem vinha buscar na propriedade. Com um Chevrolet Brasil 59, adquirido em 1970, passou a comprar algodão de porcenteiros e de outros pequenos vizinhos e vender em Paranavaí. Também quando comprou a primeira colheitadeira, em 1974, passou a prestar serviço para a vizinhança, o que ajudou a pagar a máquina. 48 |Família Cocamar
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Reportagem produzida por Marly Aires em abril 2010
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uando a família Chavenco saiu do Estado de São Paulo, no início da década de 30, para se embrenhar no meio do mato no Paraná, para muita gente poderia parecer loucura, mas para os sete filhos de João e Florinda era uma aventura que seria bem sucedida. Um dos filhos, Arlindo Chavenco, cooperado em São Jorge do Ivaí, lembra de histórias que os pais contavam daquela época. Eles abriram uma picada e uma clareira para entrar com a mudança no sítio de 15 alqueires que a família tinha comprado em Cambé, próximo a Londrina, para formar lavoura de café.
‘Enfim, o nosso pedaço de chão’
Para quem trabalhou a vida inteira como empregado e sonhando em ter a própria terra, mesmo que no meio da mata, era a realização de uma vida. Não importava se a casa construída só tinha parede de pau a pique e cobertura de folha de palmito, sem qualquer janela ou porta. Ou se a cozinha era uma barraca com encerrado. Buscar água no rio, a 300 metros, com um bigolo (vara de madeira com dois baldes nas pontas) ou mesmo os mosquitos que chegavam a “comer” a orelha e obrigavam a família a se alimentar no meio da fumaça para não engolir nenhum, deixavam de ser problema. “Enfim, era a nossa terra”.
Para os Chavenco, de São Jorge do Ivaí, as dificuldades não importavam: eles estavam realizando um sonho
Como as árvores só foram retiradas integralmente onde foi construída a casa, o quintal e o cafezal eram uma “plantação” de tocos com troncos caídos por todo lado. Quando passaram o machado nas árvores, onde o tronco caía, ali ficava. “Meus pais colocaram fogo, cortaram os troncos no traçador onde era a linha do café e deixaram tudo ali apodrecendo no meio da plantação”, conta o produtor. Ele recorda-se que quase dava para andar por todo o sítio sem sujar os pés em dias de chuva, só pulando de tronco em tronco ou de toco em toco.
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Em 1955, um novo destino O produtor ainda era criança, mas ele lembra muito bem os efeitos da geada de 1955. “O nosso café em Cambé queimou no tronco”. E recorda-se também das derrocadas do mercado que levaram ao fim a era do ouro verde no Brasil. Uma lição importante que aprendeu com o pai foi guardar nos anos bons para ter nos de vacas magras. “Ele sempre procurava fazer uma reserva, separar uma parte do que produzia”, comenta. Outro ano que ficou na história foi o de 1963. A forte geada foi seguida de uma longa estiagem, um prato cheio para os incêndios que se alastraram em várias regiões. O sítio de um vizinho em São Jorge do Ivaí também pegou fogo. “Estávamos com 5 mil sacas de café estocadas na tulha”, conta. Para combater o fogo, todos os vizinhos se uniram e formaram turnos de trabalho. “Eram 25 ou 30 pessoas que se revezaram dia e noite em uns cinco dias de trabalho. Nós colocamos uma lona no fundo do caminhão e buscamos água no rio, enchendo com baldes”, conta.
Os sustos com as grandes geadas e incêndios A família só se mudou para São Jorge do Ivaí em 1955, quando conseguiu comprar um lote de 50 alqueires. Desses, 33 foram ocupados com 43 mil pés de café, havia um pouco de milho, pasto e mais 5 alqueires de mata, preservados até hoje. No sítio em Cambé ficou Marcílio, um dos irmãos de Arlindo. O restante do pessoal acompanhou os pais na nova empreitada. Como a região começou a ser desmatada na década de 40, já estava tudo aberto quando chegaram. Mesmo assim, para ir de São Jorge do Ivaí a Cambé, levava quase o dia todo se a estrada de chão estivesse boa. Mas era só começar a chover que os caminhões iam ficando pelo caminho “e só saíam depois de mais de um dia de sol”, afirma Arlindo.
Safras perdidas com as geadas Em 1972, o café começou a ser substituído pela soja, a partir das regiões de baixada. “Foram muitas safras perdidas para a geada”, diz. Hoje a área toda é plantada com soja e milho safrinha. Arlindo casou-se com Maria de Lourdes em 1965, união da qual nasceram três filhas e um filho. Poucos anos depois, em 1971, o produtor se tornou cooperado da Cocamar, entregando sua produção ainda em Maringá. “Todos os vizinhos falavam: é segurança, vai regular o mercado, então acreditamos nesse tal de cooperativismo”. 52 |Família Cocamar
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Reportagem produzida por Marly Aires em outubro 2012
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e origem simples, mas com forte atuação na comunidade, as famílias Souza e Simeão são tidas em Arapongas como referência pelo cuidado com a natureza, o pioneirismo, as altas produtividades das lavouras e a tecnologia de vanguarda que adotam. Eles já conquistaram concursos regionais de produtividade, reconhecimento do Rotary Club pela preservação do ambiente, homenagem da Emater por serviços prestados ao testar e difundir novas tecnologias, entre vários outros. A parceria criada entre os cunhados João Alves de Souza e Cícero Simeão se perpetua nos filhos, José e Carlos, respectivamente, que por muitos anos trabalharam em sociedade com os pais e agora continuam o trabalho juntos. João se aposentou e Cícero faleceu. Casado com Maria Neuza, João tem dois filhos, enquanto Cícero, que se casou com Beatriz, irmã de João, também teve dois. Atualmente eles cultivam soja, milho e. O último pedaço de café que as famílias mantinham, plantado em 1952, foi arrancado, após a morte de Cícero. “A gente não ia conseguir tocar também essa lavoura”, justifica Carlos.
Duas famílias que se uniram Os Souza e Simeão: alta produtividade das lavouras e uma história de muitas décadas em Arapongas 54 |Família Cocamar
Segundo dos oito filhos de Francisco e Ana, João Alves de Souza tinha 13 anos quando desceu do caminhão em Arapongas, em 1938, com tudo que as famílias possuíam. À sua frente, uma visão desafiadora: muita mata e três ruas com umas 80 casas e quatro vendas. O pai, que era de Dois Córregos (SP), onde trabalhava com os avós de João, já havia visitado o lugar em 1935, quando só existiam uma clareira e três casas. “Ele ficou com receio de trazer a família e achou melhor dar um tempo”, conta. Só três anos depois é que comprou 25 alqueires e veio abrir a mata. A família morou por três meses no povoado, até derrubar o mato e construir um rancho de ripão de pinho, telha e chão batido. Conforme a mata vinha abaixo, surgiam em seguida plantações de milho, arroz, feijão e outras culturas, além das criações, para garantir a subsistência da família. Só em 1939 é que eles plantaram café, mas nem deu colheita: a geada de 1942 acabou com a lavoura. A primeira colheita, mesmo, só aconteceu em 1947. Família Cocamar |55
Luz elétrica em 1948 As famílias chegaram a ter 16 mil pés de café cultivados, mas como os Souza não gostavam muito dessa lavoura, investiram mais na produção de grãos, construindo um monjolo de farinha de milho e instalando uma pedra moinho de fazer fubá. Para movê-los, foi construída uma represa, desviando parte do rio que corta a propriedade por cerca de 400 metros. A estrutura movimentava o monjolo e ainda gerava energia elétrica por meio de uma turbina. “Contratamos um especialista para orientar e nós mesmos fizemos tudo no braço”, conta João. Em 1948 eles já tinham energia na propriedade. O problema é que para apagar a luz era preciso ir até a turbina e fechar a comporta. Geladeira não havia e o ferro de passar roupa era com brasa mesmo. O conforto se restringia a luz e ao velho rádio e, no início da década de 1960, melhorou com a chegada da televisão. O café era a principal cultura, mas o moinho ajudava nos gastos do dia a dia. As famílias prestavam serviço para outros produtores, trocando milho por fubá, retendo parte da produção, que era vendida com a farinha na cidade. Esse negócio perdurou até 1960 mas continuou gerando energia até 1979, quando a rede elétrica chegou à propriedade.
Os Simeão chegaram em 1945 Vindos de Getulina (SP), os pais de Cícero Simeão, Carlindo e Libéria, e mais 12 irmãos, chegaram a Arapongas pouco depois da família Souza, em 1945. Antes, em 1940, eles passaram por Rolândia, onde formaram um cafezal. Com o dinheiro obtido nesse serviço, conseguiram comprar três alqueires de mata para derrubar e cultivar a própria roça de café. Vizinhos de sítio, Beatriz e Cícero se conheceram ainda crianças. Ela se recorda do menino trabalhador que ia cedo vender leite na cidade, almoçava, corria para a escola e, no retorno, passava na mina para pegar água. “Todos começamos a trabalhar muito cedo”, diz. A criançada de várias famílias sempre se juntava para pescar. Segundo Beatriz, eles jogavam no rio um tipo de cipó que deixava o peixe abobado e era capturado com as mãos, à moda dos índios.
Em 1975, ano em que a famílias já eram donas de 48 alqueires, a maior parte do café foi erradicada, sendo plantado milho, que dividia a espaço com o pasto para a criação de gado de leite e produção de queijo. A soja só entrou em 1982.
Natureza preservada Na propriedade das famílias Souza e Simeão, onde tudo começou, resta uma das últimas matas virgens preservadas em Arapongas, bem próxima da cidade, há cerca de três quilômetros. São seis alqueires com mais de 60 espécies de árvores, entre as quais marfim, canela, cedro, caviúna, peroba e araucária. Uma das que mais chamam atenção é um pinheiro araucária que se supõe ter mais de 200 anos, com cerca de 30 metros. “São necessárias três pessoas para abraçar”, afirma João Souza. Ele conta que seu pai já tinha consciência da necessidade de preservar, mesmo quando todos só pensavam em colocar a mata abaixo. “Ele sempre falava que esse pedaço de mata preservado era para que futuras gerações pudessem conhecer como era uma natureza intocada e nunca deixou que ninguém caçasse em sua propriedade e jamais matou algum bicho do mato para comer”, recorda-se. 56 |Família Cocamar
Parte da família Souza com Francisco e Ana (sentados) Família Cocamar |57
Reportagem produzida por Marly Aires em julho 2012
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ineiro bom de trabalho, Vicente Carrilho de Castro era de uma família de agricultores de Lagoa da Prata, Minas Gerais. Lá eles tinham um pequeno sítio, mas a terra ruim, cheia de pedregulhos, os fazia trabalhar para outros agricultores. Os pais Joaquim e Antonia, além dos seis irmãos, faziam de tudo, até cortar lenha no mato. Por isso, aos 23 anos, em 1953, Vicente subiu num trem e veio bater em Assaí, no Paraná, em busca de serviço na colheita do algodão. Encantando com a boa terra, pensou: “tenho que tocar roça aqui”. Nem mesmo a primeira “geadona” o fez desistir, e olha que ele nunca tinha visto uma na vida. “O algodão queimou no pé. Dava para sentir o cheiro. Eu achei que ia morrer de frio”, recorda-se. Vicente confessa, entretanto, que a primeira noite sozinho no meio do mato foi a mais apavorante da sua vida. “Tinha medo de cobra entrar na casa, mas o que mais assustou foi a solidão, pois estava acostumado com a casa cheia, lá em Minas.” No silêncio, ele escutava e tentava decifrar todos os barulhos da noite. E foi aprendendo a conhecer cada um deles, tanto que, ainda na primeira semana, acordou com um barulhão na casa. Com a lamparina em punho e um pedaço de pau, enfrentou o “gambazão” que fuçava suas coisas. Disposto a fazer a vida, Vicente mandou dizer ao pai que ia ficar, arrendou um alqueire e meio e plantou algodão por conta própria em vez de trabalhar para os outros. “Tirei 30% da renda do algodão e toda a produção de feijão. Fiz dinheiro como nunca tinha visto”, conta.
Vida feita com o ouro branco Em vez do café, foi com o algodão que Vicente Carrilho de Castro prosperou com a família, em Assaí 58 |Família Cocamar
Para isso, entretanto, teve que trabalhar feito um louco, plantando tudo no braço e arrastando nas costas a produção, tudo sozinho. “Uma noite cheguei a dormir sentado no toco que usava como cadeira, com o prato na mão e a lamparina acesa”, lembra. Como a plantação era morro acima, tinha que buscar água no rio para “aplicar veneno”. Carregava nas costas a lata de 20 litros e usava o aplicador costal. Para cada vez, usava umas 12 latas de 20 litros, fazendo de cinco a oito aplicações por safra. Na época da colheita era pior. Ficava o dia todo colhendo algodão e enfardava à noite, porque o caminhão vinha buscar no outro dia. Ou cortava os pés de feijão, carregava nas costas os montes, batia no cambão, recolhia e abanava. Na maior parte do tempo, fazia tudo sozinho, mas quando apurava, trocava serviço com os vizinhos. Isso sem contar que tinha que arrumar a casa, lavar roupa, fazer comida, cuidar das criações e tudo mais. Família Cocamar |59
O sonho realizado: dar uma velhice tranquila aos pais Vicente casou-se com Zulmira, filha do dono das terras que arrendou. Com ela teve três filhos: Waldecir, Wilson e Wilma, que lhes deram netos. Com a companheira ajudando, ele teve mais ânimo para trabalhar e em 1960 comprou os primeiros seis alqueires, mesmo sempre enviando dinheiro para os pais. Cumprindo a promessa que fez para si mesmo, chamou toda a família e deu a terra para o pai tocar. “Só pensava em dar uma velhice tranquila e segura para os dois”. A partir de 1965 é que começou a comprar pedacinhos de terra para si, que junto com a herança da esposa, somam 35 alqueires e meio. Até hoje a família mora no mesmo sítio onde tudo começou. “Fiz três mudanças de casa, de 60 em 60 metros acima”, brinca. A primeira casinha, de madeira e chão batido, ficava na beira do rio. “Até casar, tomava banho na bica, no rio, fizesse calor ou frio. Era de arrepiar”. Em 1959 construiu a segunda casa, ainda de madeira, mas de assoalho e quatro quartos. Mais recentemente fez a casa de alvenaria, onde mora. De arrepiar também era o que Vicente usava como marmita, na época de solteiro. Depois de vazia e bem lavada, a latinha de soda cáustica tinha o tamanho perfeito para levar comida para a roça e era usada até a ferrugem tomar conta.
Pioneiros, alguns ainda eram crianças Pioneira na região, a família de Zulmira, esposa de Vicente, chegou a Assaí em 1944, quando ainda havia muito mato fechado, se estabelecendo em um rancho de palmito. Mineiros de Itajubá, os pais, Maria Rita e João Fernandes Assis, vieram de carroça e trem com os nove filhos, sendo sete mulheres. Foram 19 dias na estrada.
Do algodão, a família passou para soja Ao contrário de muitos produtores pioneiros, Vicente Carrilho de Castro fez a vida plantando algodão. Quando chegou a Assaí, o café já tinha perdido espaço por causa das geadas constantes. O algodão tomou conta e transformou o município na capital do ouro branco. “Na época da colheita, ficava tudo branquinho, de canto a canto. Havia sete beneficiadoras atuando na cidade. Hoje sumiu tudo. O bicudo e o alto custo da mão de obra expulsou o algodão da região”, comenta o produtor. A soja entrou na propriedade em 1976. Em 1982, a família plantou mil pés de abacate em quatro alqueires, colhendo atualmente cerca de 160 toneladas ao todo. O restante da área é cultivado com soja, milho e trigo.
Logo que chegaram, Zulmira e um dos irmãos pegaram malária. “A gente tremia tanto de febre que até a tarimba (cama feita com varas e forquilhas) chacoalhava”, conta a produtora. Desde pequena, como todos os irmãos e irmãs, ela ia cedo para a lida com o café. Levou muito susto com cobras, ao limpar as covas, mas o terror para ela eram as formigas. Além de extremamente doloridas, as picadas a deixavam com as mãos inchadas. 60 |Família Cocamar
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Reportagem produzida por Marly Aires em fevereiro 2012
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m 1936, a família do cooperado José Alberto dos Reis se instalou em 40 alqueires comprados próximos ao que viria a ser a cidade. Só em 1938 é que apareceram os primeiros ranchos e uma vendinha. O lugar mais perto era Sertanópolis, a 18 km. A estreita picada no meio do mato dificultava o acesso. Tanto que o dono do caminhão de mudança teve que ir andando na frente, um bom trecho, até achar a entrada.
Trabalho e “tino” para os negócios A família Reis acertou a escolha da terra, em Sertanópolis: além de fértil, não geava 62 |Família Cocamar
Os pais dele, José Manoel e Virgínia, tinha saído com os sete filhos de Duartina (SP), região de Bauru. Corria “à boca pequena” a fama das terras do norte do Paraná, para onde muita gente conhecida já havia se mudado. Compravam terras só olhando o mapa. Os 40 alqueires escolhidos cuidadosamente por José Manoel eram mais que terra boa: ali não geava. Em décadas de cultivo de café, só a geada sinistra de 1975 trouxe perdas. Foram, portanto, anos seguidos de produção generosa, mas valeu também o “tino” para os negócios. “Para nós, quase sempre, geada significava lucro, porque o preço do café subia e a produção estava estocada para comercializar”, conta José Alberto. Todos pegavam no pesado e tudo era investido em mais terras, aproveitando oportunidades que surgiam. De origem portuguesa, José Manoel foi e voltou várias vezes antes de se radicar no Brasil. Só em 1926 é que a família se fixou em definitivo no país. Família Cocamar |63
Do carroção ao caminhão Os Reis alcançaram autonomia para a comercialização do café, sem depender de terceiros. Para isso, eles dispunham de um carroção puxado por seis burros, que era conduzido por João Antonio, um dos filhos do patriarca José Manoel. Ele até tinha credencial como carroceiro - o que hoje equivale à carteira de motorista. A família também foi dona de máquina de beneficiar café. Em 1947, quando compraram o primeiro caminhão, já estavam plantados 150 alqueires e a colheita impressionava: 6 mil sacas de café em coco. Viviam ali de dez a 15 famílias de trabalhadores mas eles chegaram a ter quase 50 famílias para dar conta de 200 alqueires de café. Em 1973, com a entrada da soja nas baixadas, o cafezal começou a encolher.
São lembranças inesquecíveis José Alberto era adolescente quando chegou ao Paraná. Ele ainda se recorda: 1) da mata fechada que ajudou a derrubar; 2) do velho rancho de palmito coberto de tabuinha e de chão batido;
Como mantinham café guardado, as geadas acabavam dando lucro, pois os preços subiam
Com trabalho, a prosperidade O pai José Manoel faleceu em 1971 e, quando da partilha, a família possuía mais de mil alqueires ocupados com café, soja e pecuária, e muita mata virgem. Tanto que atualmente, a cobertura de reserva legal ultrapassa os 20% exigidos por lei.
3) do trabalho de sol a sol, fazendo covas de café; 4) do plantio do milho feito na cavadeira. Com uma mão, batia no solo manejando a pá estreita e, com a outra mão, jogava a semente, fechando o buraco com a retirada da pá; 5) da colheita trabalhosa do milho. Quando as espigas estavam maduras, os pés eram dobrados e permaneciam assim, no campo. À medida que tinham tempo, as espigas eram quebradas e amontoadas de trecho em trecho, deixandose um milho em pé como bandeira. Depois, uma turma vinha atrás com balaios, recolhendo e carregando nas costas as espigas que ainda seriam debulhadas manualmente e armazenadas; 6) das matas que se abriam e muita gente nova ia chegando para fazer a vida.
Casado com Patrocínia, que lhe deu seis filhos, José Alberto manteve a sociedade com dois irmãos, João e Antonio, até 1994. Atualmente, são dois de seus filhos, Antonio Roberto e José Adalberto que cuidam dos mais de 300 alqueires onde cultivam soja, café, laranja, cana-de-açúcar e mantêm pecuária.
7) dos terços, das reuniões e dos bailes, que começaram a acontecer com o aumento da população. Era só armar a tenda no terreirão e chamar o sanfoneiro. E nem precisava de motivo para festar.
Para o cooperado e sua esposa, o maior presente que deram aos filhos foi a educação (todos se formaram, escolhendo os cursos de agronomia, zootecnia, advocacia e pedagogia) e também o amor ao trabalho.
8) do dia seguinte, quando era preciso, bem cedo, dar conta das obrigações. Descanso, mesmo, só depois de tratar das criações e tirar o leite. Isso se não tivesse futebol.
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Reportagem produzida por Marly Aires em abril 2012
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e origem italiana, os avós de Albino Inocente, pioneiro em Cambé, fizeram parte das inúmeras levas de migrantes que vieram ao Brasil em busca de oportunidade nas fazendas paulistas de café. Já os pais, Joaquim e Regina, eram de Pontal (SP), onde trabalhavam em uma fazenda de cana-de-açúcar. Albino, o quinto dos oito filhos, ainda se lembra quando em 1942 os pais anunciaram que iriam tentar a vida no Paraná após cinco anos de insistentes cartas enviadas pelo compadre João Vitorine. Ele falava das oportunidades em Cambé, na época chamada de Nova Dantzig. A mudança foi colocada dentro de um caminhão junto a de outras cinco famílias. Mas, por falta de espaço, apenas Albino, com 16 anos, e os irmãos, Arlindo e Ademar, acompanharam o caminhão, enquanto o restante da família viajou de trem com os pais, e chegaram bem antes dos três.
Nos primeiros anos de “Nova Dantzig” Família se fixou na futura Cambé em 1942, dois anos depois já investia na agropecuária 66 |Família Cocamar
De Pontal até Assis foram três dias. Em Assis, só Ademar, o mais velho dos três, permaneceu no caminhão, levando mais quatro dias de viagem. Albino e Arlindo seguiram de Catita (ônibus jardineira) para Londrina em mais um dia e meio de viagem comendo poeira na estrada. Os dois chegaram a Londrina de madrugada. Todas as pensões estavam lotadas. Com pena dos dois meninos que, sofriam com o frio, o dono de uma estalagem os abrigou até o dia amanhecer para que pegassem o ônibus até Cambé. Naquele município foi mais uma luta. Havia poucas casas, mas o vai e vem de pessoas era intenso, com muita gente chegando. “Teve época que chegaram mais de 170 caminhões de mudança em um único dia”, lembra Albino. Ninguém conhecia os pais e os dois perdidos não sabiam o que fazer. Foi aí que Albino se recordou do nome do compadre do pai que tinha vindo bem antes. Com 10 anos na época, Cambé era uma cidade pequena com muito mato e barro, “barro grudento”, recorda-se. Esse pioneirismo lhe rendeu em 2004 o titulo de Cidadão Honorário, medalha e condecoração de Honra ao Mérito. Família Cocamar |67
De produtores a pecuaristas
O casamento, em 53
Com pouco dinheiro, os Inocente estavam sempre apertados e o primeiro ano foi bastante sofrido. “A ajuda dos vizinhos e o crédito dos comerciantes, que anotavam na caderneta para pagar na colheita, foram fundamentais”, cita.
Ao se casar com Ana, em 1953, Albino parou com as viagens longas. Ia para São Paulo, comprava e mandava entregar. A partir de 1951, quando muitas estradas eram de terra ou picadas mal abertas na mata, os Inocente mandaram muito boi para Curitiba ou Ponta Grossa de trem, embarcando em Rolândia, Ibiporã ou Maringá. Cabiam 18 cabeças em cada vagão. Isso perdurou até o início da década de 1970, quando transportar de caminhão ficou mais econômico.
Em 1944, quando os Inocente compraram quatro vacas para os gastos da família, elas davam tanto leite que despertaram o interesse dos vizinhos. Albino viu neste episódio uma oportunidade para que se tornassem pecuaristas. Com o dinheiro da venda das vacas, ele e Ademar foram a cavalo para Presidente Bernardes buscar outras 10. Voltaram tocando os animais por mais de 200 quilômetros. Quando chegaram, 30 dias depois, todas estavam vendidas. Deram meia volta e foram buscar mais. Como começaram a ganhar dinheiro com a compra e venda de vacas, mal chegavam de uma viagem, saíam para outra, ficando mais de 10 anos na estrada. Chegaram a comprar de 300 a 400 animais por vez. Em uma ocasião foram tocando os animais até Paranavaí, vendendo pelo caminho nas paradas.
O medo na Revolução de 1932 Com apenas seis anos, na Revolução Constitucionalista de 1932, Albino Inocente já trabalhava em uma fazenda de cana-de-açúcar ajudando o pai e irmãos na coleta e transporte de ponta de cana para alimentar os animais. Certo dia, o produtor tinha ficado no canavial juntando as pontas enquanto o irmão, Ademar, levava uma viagem. Foi quando apareceu o gato (fiscal) a cavalo, gritando: “os mineiros estão chegando. Já queimaram a ponte do Rio Pardo”. Mineiros, gaúchos e paulistas iriam se encontrar na fazenda para acerto de contas. Em poucos minutos, todos os cortadores de cana e carroceiros desapareceram e Albino ficou sozinho, em pânico, sem saber para onde correr. Foi quando o irmão chegou para buscálo. Em casa, a coisa não foi diferente, a colônia inteira tinha desaparecido no meio do canavial, com medo dos mineiros. 68 |Família Cocamar
Albino e Ana se conheciam desde criança, pois chegaram a Cambé na mesma época. De família de músicos, Ana estava sempre nos mesmos bailes que Albino. Todo sábado havia baile, era a única diversão. A barraca sobre o terreirão ficava montada até na colheita de café. Após três anos de namoro, sem noivado, festa ou viagem de lua de mel, deram os nomes no cartório e se casaram na igreja. O casal teve cinco filhos: Ademir, Adauto, Joaquim, Albino Filho e Marta, e muitos netos. Albino fez questão de dar estudo para os filhos. “Só não estudou quem não quis”. Hoje, todos estão na agricultura. Os filhos é que comandam a propriedade que a família mantém com soja, milho e gado. Para lembrar os tempos da estrada, nas idas e vindas com o gado, toda família participa todos os anos, desde a primeira edição em 2005, da cavalgada que encerra a colheita no município. A Comitiva Inocente tem mais de 30 integrantes. Albino abandonou o lombo do cavalo e prefere ir de charrete com a esposa.
Acidente em dose dupla Em 1945, Albino por pouco não perdeu a mão enquanto cortava tabuinha para cobrir a casa da família. Ao erguer demais o facão, enroscou-o no galho do pé de laranja e acertou o pulso, cortando veias e tendões. O pai fez um torniquete, enfaixou o braço, o colocou na carroça e rumou para a cidade, onde havia um médico recém chegado. No apavoramento e diante da inexperiência do potro, este não segurou a carroça na descida, tombando com tudo e sobre Albino que ficou preso debaixo. Quando finalmente chegaram à cidade, o médico olhou e disse: esse serviço não é para mim. Não tendo como levar para outro lugar, convenceram o médico que deu uma anestesia “fraquinha” e costurou tendões, veias e pele. Com cinco homens segurando-o, Albino chegou a desmaiar de dor. Mas não demorou muito para estar de volta ao trabalho e com a mão inteira. Família Cocamar |69
Reportagem produzida por Marly Aires em setembro 2012
A
alegre cantoria que vinha dos primeiros casebres no meio da mata acabou sugerindo o nome: Rancho Alegre. Situada à beira da estrada boiadeira que atravessava o Norte do Paraná, o povoado se desenvolveu e virou município. Dentre as famílias pioneiras, os Neumann e os Herholz escreveram uma história com muita coragem e trabalho, uma saga que começa na Alemanha, passa por São José das Laranjeiras (SP) e é construída em Rancho Alegre com a união de Leo Herholz e Margareth Neumann, casal que hoje têm três filhas e vários netos. Mônica, professora em Londrina, é a única das filhas que não está na atividade rural. Já Gisela e Ângela, formadas em Administração, participam com os maridos da gestão de suas propriedades rurais. Os 48 alqueires dos pais são cultivados com soja e milho pelo cooperado José Cláudio Ferraretto, esposo de Ângela, que também possui outros 36 alqueires.
Da Alemanha para Rancho Alegre Embora sendo da mesma região em seu país, os Neumann e os Herholz só se conheceram no Brasil 70 |Família Cocamar
As duas famílias, de origem no campo, são provenientes de Mönsdorf, onde atualmente se localiza a Polônia. Os Neumann deixaram a Alemanha no final da década de 1910, logo após o término da 1ª Guerra Mundial. Já os Herholz vieram após a 2ª Guerra. Por algum tempo, ambas se instalaram na mesma cidade, São José das Laranjeiras (SP), de onde saíram em busca de oportunidades no Paraná. Ouvindo falar da fertilidade das terras paranaenses, Aloísio Neumann, pai de Margareth, dono de 14 alqueires na cidade paulista, se embrenhou a pé pelas matas, num percurso de 70 quilômetros, e foi parar onde seria Rancho Alegre. Na época, como as estradas eram poucas, parte do caminho foi percorrido abrindo picadas. Encantado com o que viu, em 1930 ele comprou 80 alqueires e, trazendo mais homens, veio abrir a mata no machado e no traçador, enquanto o restante da família permaneceu no Estado de São Paulo. Com espírito aventureiro, Aloísio não tinha medo de enfrentar matagal e, certa vez, chegou a ficar 90 dias sumido. Quando retornou, soube que achavam que tinha morrido nas garras de uma onça ou atacado por índios bravios. Família Cocamar |71
Os Herholz (ao lado) com amigos: família Neumann chegou em 1930 ao Paraná
Porcos viraram comida de onça A família plantou café mas sempre lidou com produção de milho, feijão, arroz e criações, especialmente porcos. A propósito, logo que abriu uma clareira onde seria a sua propriedade, Aloísio voltou para o Estado de São Paulo para buscar uma quantidade de suínos. Chegando com o caminhão carregado perto do Rio Congonhas, viu que a pinguela não suportaria o peso. O jeito foi soltar os animais para atravessar o rio, pensando em recapturá-los do outro lado. Mas os bichos correram para o mato e serviram de comida para as onças, que havia em grande número. O rancho, ou melhor, o cercado de pau a pique coberto de galhos onde os Neumann dormiam no início, foi várias vezes sondado por esses felinos durante as madrugadas.
Caçando os felinos à unha Também de família de pioneiros, o cooperado José Cláudio Ferraretto, esposo de Ângela Herholz, conta que os avós chegaram à região, em Cornélio Procópio, na década de 1920. Ali, ipês se levava pelo menos três dias para derrubar e perobas demandavam três homens para abraçar o tronco. Ele diz que uma de suas tias, ainda adolescente, ao levar o almoço na roça, deu de cara com dois filhotões de onça brigando na trilha. Sendo uma daquelas italianas brabas, ela não pensou duas vezes: armou-se de um pedaço de pau e foi para cima dos “gatos”, matando um. Depois, pensando em fazer um guisado, retornou para casa trazendo a onça nas costas, para espanto geral.
Na outra página, detalhe da propriedade
Fugindo da miséria e da guerra Em 1943, quando tinha 18 anos, Leo Herholz participou da 2ª Guerra Mundial, sendo enviado para combater na Rússia, onde ficou por quatro meses. Ele conta que dos 120 soldados que faziam parte de seu batalhão, poucos sobreviveram. Sem qualquer estrutura, passaram frio de 35ºC a 40ºC abaixo de zero e muita fome. “Tínhamos que dormir na trincheira. Tudo era muito sujo. As casas caindo aos pedaços eram infestadas de piolhos”, conta. Na Alemanha, tudo parecia em cacos e a família Herholz se espalhou, cada um tentando sobreviver como podia. Leo, por sorte, conseguiu emprego com um fazendeiro, Emílio Brenenkamph, que tinha terras no Brasil, país para onde ele viria em 1952. Incentivado pelo sogro, Leo se mudou para Rancho Alegre em 1955 para tocar a área da família. Os primeiros 15 alqueires, antes com cafezal improdutivo, passaram a produzir rami, milho, arroz e batata, além das criações. Ele foi dos primeiros a plantar soja na região, em 1968: usava os grãos para alimentar os porcos e fazer sabão.
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Reportagem produzida por Marly Aires em março 2012
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ntrando no Paraná pelo Rio Tibagi e seguindo de Sertanópolis até onde hoje é Warta, distrito de Londrina, a família de Alfredo Gnam chegou à região em 1928. Só havia mato e nenhum acesso. Por isso, segundo ele, os cerca de 20 quilômetros que separavam as duas localidades foram percorridos a pé, vencendo uma picada, com as malas nas costas. Originários de São João da Boa Vista (SP), onde eram donos de uma chácara de três alqueires, Francisco e Frederica, os pais de Alfredo, já falecidos, compraram oito alqueires de terra devoluta do governo em 1926, quando a Companhia de Terras Norte do Paraná (hoje Companhia Melhoramentos), gerida por ingleses, iniciava seu programa de colonização. Na época, os dois já tinham 10 filhos, cinco homens e cinco mulheres, sendo que outros quatro nasceram em Warta, dos quais só um homem, Alfredo, em 1937.
Encarando as dificuldades A Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP) mal havia se estabelecido na região e a família de Alfredo Gnam já plantava café onde hoje é o distrito de Warta, no município de Londrina 74 |Família Cocamar
O rancho improvisado com troncos de palmito, coberto com folhas e de chão batido, foi o abrigo da família por dois anos. Só depois de abrirem a mata para plantar café é que eles construíram casa de troncos serrados à mão, coberta de tabuinhas e com assoalho de madeira. Quando de chuvas de vento, devido às frestas nas paredes, tudo ficava molhado. Alfredo se lembra bem das tarimbas: camas feitas de ripa de palmito e colchão de palha de milho. E conta que o vizinho mais próximo ficava a uns cinco quilômetros, seguindo pela beira do rio. Para comprar mantimentos, só recorrendo ao município de Paraguaçu Paulista,120 quilômetros de distância, no Estado de São Paulo. “A cada dois meses, meu pai ia a cavalo até Sertanópolis e, juntando vários moradores, para dividir as despesas, alugava um pé de bode, atravessava o rio Tibagi de balsa e ia até Paraguaçu”, diz Alfredo. O açúcar, um dos poucos itens adquiridos na cidade, logo passou a ser produzido no sítio. O pai comprou um pequeno engenho que foi transportado nas costas por picadas até a propriedade. Incluindo de tacho para 100 litros, penosamente carregado por dois homens com um pau fixado entre as alças. Família Cocamar |75
Seguir o instinto dos animais Os pioneiros tinham que confiar no instinto dos cavalos. O breu total das trilhas por entre as árvores não permitia ver para onde se ia ou o que havia pela frente. Francisco soltava o cavalo e seguia adiante com o carroção de quatro rodas. Numa das madrugadas que saiu com o pai, na década de 1940, para vender manteiga na cidade, Alfredo conta que o cavalo empacou na estrada. “Se o cavalo empacava, era preciso apear e verificar. Mas se refugava, rebolando, era melhor sair fora porque podia ter bicho brabo pela frente”, comenta Alfredo. Por sorte era apenas um tronco caído. Com seis anos, ele segurou a lamparina para o pai cortar o tronco. Facões, serrotes e outras ferramentas eram tralhas obrigatórias nas saídas. Uma espingarda também era fundamental. Além de servir para caça ou segurança, era usada para se comunicar. Três tiros seguidos podia significar um caçador perdido em busca de direção ou alguém em busca de vizinhos. Nos períodos mais tranquilos de serviço, Alfredo conta que o pai gostava de cavalgar ao encalço de outras fazendas ou acampamentos. Nesses lugares, poderia haver compradores para seus produtos ou, no mínimo, render uma boa conversa. Ele colocava a tralha no cavalo e saía. Quando não dava tempo para voltar, acendia uma fogueira e armava uma rede no alto das árvores, para fugir dos “gatos”.
O café resistiu até 2006 Com a esposa Maude, Alfredo Gnam tem quatro filhos: Carlos, Claudinei, Dionor e Elzira, netos, bisnetos e planta atualmente soja, milho e trigo. Todos moram juntos na propriedade e possuem culturas de subsistência, horta, pomar, criações de suínos e aves. O café persistiu até 2006.
Produzir e vender de tudo Desde o início, além do café, a família de Francisco Gnam produzia “de um tudo” no sítio. E não era só para o próprio consumo. Rapadura, açúcar, manteiga, ovos, frangos, arroz, milho, feijão e outros produtos seguiam pelo rio, até Jataizinho, onde havia um acampamento. Sem outra alternativa, a canoa era feita de tronco de árvore, como um cocho, à moda indígena. Nesta época, por duas vezes a família tocou varas de porcos por entre as picadas, como se fazia com bois, para vender em Sertanópolis. “Levava quatro dias para chegar. De noite, um acampamento era feito na estrada. Improvisava-se um piquete de palmito para cercar os porcos e uma fogueira era acesa para espantar a onça. Todos dormiam junto com os porcos, mas com um olho aberto”, conta o produtor. Alfredo tinha seis anos quando viu pela primeira vez uma onça, animal comum na região. Sentado na porta de casa, escutou gritos de um cavaleiro, bem perto, acuado pela “bicha”. O coitado pedia que o menino chamasse o pai para socorrê-lo com uma espingarda.
Controle de chuvas há décadas
Como a família produzia muita coisa no sítio e vendia quase tudo, o rendimento do café saía praticamente livre para se comprar mais terras. Quando morreu, o pai deixou 55 alqueires em Warta, 200 alqueires em Tapejara e outros 200 em Santo Inácio para dividir entre os filhos.
“Chove bem nesta região”. Alfredo Gnam fala isso com o conhecimento de quem acompanha o registro de chuvas em sua propriedade há 32 anos. O produtor mantém tudo anotado, dia a dia, desde 1979, e conta que quando Embrapa chegou à região, veio buscar com ele informações sobre o clima local.
Com a compra das novas áreas, os irmãos de Alfredo foram buscar oportunidades nestas regiões. Em 1948, uns foram abrir mata em Santo Inácio. Em 1954, outros seguiram para Tapejara. Aos poucos, todos saíram, só ficando Alfredo com os pais.
Em média chove 1.600 a 1.800 milímetros por metro quadrado no ano, calcula. O ano mais chuvoso na propriedade foi 2009, com 2.574 milímetros; o mais seco, 1979, com 1.225 milímetros.
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Reportagem produzida por Rogério Recco em maio 2012
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laus Kaphan tinha apenas 9 anos quando ele e duas irmãs, trazidos pelos pais agricultores, deixaram a Alemanha em 1936. Eles mantinham uma pequena propriedade naquele país, vendida na época em que o nazismo começou a ser uma ameaça para os judeus. Com o dinheiro da venda, a família recorreu à Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), que tinha representantes na Alemanha, e negociou a aquisição de terras em Rolândia (até então conhecida apenas por Gleba Roland), onde chegou naquele mesmo ano, refugiando-se no sertão paranaense. Nascido em 1926, Klaus - nome que no Brasil ficou sendo Cláudio - é casado com dona Ruth, uma alemã que conheceu no final da década de 40 em Chicago, nos Estados Unidos. Com ela, tem quatro filhos: Olivia, Mário, Jennifer e Daniela. A família, que reside na Fazenda Jaú, possui outras duas propriedades no município, a Fazenda Vezeroda e o Sítio Jóia, onde mantém diversos negócios. Cooperativista convicto, ele costuma dizer: “A presença da Cocamar é a salvação para a região”.
Um refúgio no meio do sertão Os Kaphan saíram da Alemanha em 1936 diretamente para a Gleba Roland 78 |Família Cocamar
Em Rolândia, Kaphan vive ainda naquela mesma terra adquirida pelos pais. É um lugar que, como várias propriedades espalhadas pelo município, revela na arquitetura de suas casas a influência da cultura germânica, repleta de histórias e tradições. Com 114 alqueires, a Fazenda Jaú (nome que remete a um rio que passa pela propriedade) começou a ser desbravada ainda em 1936 e no ano seguinte foi uma das primeiras da Gleba Roland a receber plantio de café. Cláudio Kaphan conta que ninguém de sua família sabia falar português mas o pai Henrich (cujo nome foi “abrasileirado” para Henrique), era um homem otimista, bem disposto, que nunca desanimava, ao lado da esposa Kaete (nome que passou a ser Catarina). Em 1945, a aposta da família no Brasil e em Rolândia se mostrou acertada. O café alcançou um preço remunerador que permitiu aos Kaphan estruturarem-se financeiramente. Mas a cafeicultura fraquejou e, trinta anos depois, em 1975, perderia terreno para outros cultivos. Família Cocamar |79
No início, era tudo improvisado Em Rolândia, a casa que usavam provisoriamente, em 1936, era bastante primitiva. Relatou Cláudio: “As janelas não tinham vidros e as únicas vidraças eram em cima das portas. Também não havia forro nos quartos. Em Rolândia havia poucas casas, todas de madeira, sem água encanada (de eletricidade nem se falava) e com os sanitários no fundo do quintal. Em vez de papel higiênico, usava-se o ‘Manchester Guardian’, jornal inglês trazido na viagem, e mais tarde o ‘Estadão’. Devidamente cortados em pedaços quadrados, fincados num barbante para pendurá-los na parede. A água vinha de um poço perfurado há poucos metros da fossa do “banheiro” e era puxada num balde preso a uma corda. Para chuveiro servia um outro balde pendurado no “banheiro”, com uma torneira e chuveiros adaptados ao fundo. Dentro de casa, móveis simples, bancos de tábuas apoiadas em caixas de madeira nas quais vinham latas de querosene, algumas cadeiras, fogão a lenha, camas e caixões de mudança feitas na Alemanha que, colocados de pé, serviam de armários. Logo na chegada meus pais compraram uma geladeira à querosene para poder conservar alguns alimentos”.
Detalhe de residência na Fazenda Jaú, que segue o estilo germânico; embaixo, composição da Estada de Ferro São Paulo/Paraná
Vieram quase sem dinheiro “Quando saíamos da Alemanha, só fomos autorizados a levar 50 marcos, quase nada. Lá, famílias judias já não podiam ter empregados e minha irmã estava sendo discriminada na escola. Quase todos os nossos parentes que ficam lá, morreram”, lembra Cláudio. “Aqui, a maior parte da nossa alimentação era produzida na horta da minha mãe, no galinheiro, no pomar com bananas, laranjas, abacaxis, e da roça com mandioca, milho verde, abobrinhas, taiobas etc. As outras coisas indispensáveis, como sal, açúcar, carne etc, eram compradas na ‘cidade’ e trazidas a cavalo em uma ‘mala’, isto é, duas sacolas unidas pelas bocas, penduradas uma de cada lado da sela”. Ele completa: “Jennifer [uma das filhas] optou por ser enfermeira. Após exercer a profissão durante vinte anos, resolveu trabalhar comigo na administração das fazendas, tornando-se o meu braço direito”. 80 |Família Cocamar
Uma viagem rumo ao desconhecido A chegada de sua família ao Brasil, pelo porto de Santos e com passagem por São Paulo, foi registrada em texto por Klaus “Cláudio” Kaphan, em 2009. Para seguirem de São Paulo a Rolândia, “o trem partia da Estação Júlio Prestes às 8 da noite e chegava a Ourinhos pela manhã, onde a gente fazia baldeação para o trem da EFSPP (Estrada de Ferro São Paulo/Paraná), uma linha de bitola estreita por onde, quando tudo dava certo, se chegava a Rolândia às 18 horas do dia seguinte. Durante toda a viagem, nós, as crianças, tivemos que usar guardapós e, principalmente, luvas brancas por causa da sujeira. Antes de cruzar a ponte do Rio Tibagi fomos aconselhados a tomar “água tônica de quinino” para evitar malária! Chegamos à Rolândia com a roupa perfurada pelas fagulhas expelidas pela locomotiva do trem”. Família Cocamar |81
Reportagem produzida por Cleber França em maio 2013
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família França possui propriedades às margens da PR-317, próximo ao antigo Thermas, na saída para Astorga. Tudo começou em meados da década de 30, na origem do povoado de Rolândia, onde a matriarca dona Izaura Pazinatto, conheceu o agricultor Orlando França (falecido em 1987). “Sonhei com ele alguns dias antes de conhecê-lo. Quando ele chegou à frente da minha casa montado em um cavalo e em companhia de um amigo da família, levei um susto”, lembra.
Depois da geada negra, a “lavoura branca” Como todos que chegavam a Maringá, o foco dos França era a cafeicultura, atividade que perdurou até a década de 1970 82 |Família Cocamar
´Três anos depois os dois estavam casados. Humildes, tiveram que ir para a cerimônia a pé e caminharam por três quilômetros até a igreja mais próxima. Tiveram três filhos: Valdemar, Moacir e Gentil. Em 1947, com a propaganda da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP) sobre a região de Maringá, Orlando decidiu se mudar para o novo lugar com o pai Antônio e foi acompanhado de irmãos. O pai comprou 20 alqueires às margens do córrego Queçába. O filho mais novo de Orlando, Gentil, tinha apenas 10 dias de vida. A viagem até Maringá foi feita em um caminhão e, na mudança, havia frangos e porcos, os quais serviriam de alimento no sítio onde morariam. “Lembro-me que havia apenas algumas casas no Maringá Velho. Para chegar ao sítio era preciso seguir por uma picada em meio a grandes perobas”, conta dona Izaura, lembrando que logo o mato foi derrubado e, em seguida, semeadas as primeiras covas de café. Amedrontada ou arrependida com a nova escolha? Que nada. “Eu gostei muito do que vi assim que cheguei. Apesar de ser tudo mato, a gente via que a terra era boa e de futuro”, garante. Medo ela diz que só sentiu uma vez: “Estava lavando roupa no rio e uma onça começou a miar bem alto. Fiquei com medo e saí correndo. Logo depois um vizinho a matou”. Família Cocamar |83
A família foi aumentando... Em Maringá o casal Orlando e Izaura teve mais sete filhos: Antônio, José Maria, Aparecida, Pedro, Iracema, Divino e Esmeraldo. Até meados da década de 1970, todos ajudavam na lavoura de café, em cinco alqueires. Mas em 1975 uma grande geada acabou com os cafezais paranaenses. A partir daí a família começou a investir no cultivo do milho e soja. Alguns filhos deixaram a atividade e, para complementar a renda, o pai também comercializava cereais para empresas como Anderson Clayton, Volkart, Sanbra e outras”, relata o filho mais velho, Valdemar França. “Em 1973 compramos o primeiro trator, um Valmet 65-ID, que ajudou muito no plantio das roças”, recorda-se. De lá pra cá o cultivo de “lavoura branca” nunca mais parou. Valdemar lembra até das primeiras variedades de soja semeadas: Davis, Raid, Visoja, Santa Rosa e, mais tarde, BR-4, FT-Abyara e BR-37. Para capinar o mato usavam mulas e para bater a soja, trilhadeiras. “A gente varava noites trabalhando”, completa.
Baralho, futebol, festas juninas Lembrança dos tempos do café; na outra página, uma das primeiras lavouras de soja
Nem tudo era trabalho. Para se divertir, os França gostavam de jogar baralho, maia e integravam a equipe de futebol da família Baveloni, situada na vizinhança. A pesca era também muito comum no rio Pirapó, onde Orlando tinha várias cevas, para capturar carpas. Eles também tinham o hábito de caçar nas grandes reservas de matas e participar de festas juninas. Gentil França lembra-se que o irmão Valdemar gostava tanto de foguetes que, um dia, achou o equivalente a R$ 10 mil e resolveu gastar tudo em rojão, bombas e busca-pés. Comprou na antiga Venda 200 e conta que três sacos coronel ficaram lotados. “Foram três dias de tiroteio. Quando o pai ficou sabendo, ficou uma ‘arara”, sorri. Origem - As famílias Pazinatto e França vieram para o Paraná na década de 30 - ambas do interior de São Paulo. A primeira era de Catanduva e a segunda de Itápolis. Todos os dez filhos do casal Orlando e Izaura estão vivos e deram origem a dezenas de netos e bisnetos que estão espalhados pelo interior de São Paulo e em Curitiba. Seis irmãos e duas irmãs ainda vivem da agricultura. Tradicionalista e conservando sua cultura, a família França ainda reside no mesmo lote de cinco alqueires que comprou em 1947, porém mais áreas foram adquiridas, nas décadas seguintes, nos municípios de Maringá, Ângulo, Iguaraçu e Astorga, onde também cultivam terras arrendadas. Em homenagem ao patriarca, o Centro de Convivência Comunitária do Jardim Alvorada, maior bairro da cidade, leva o nome do pioneiro Orlando França.
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Reportagem produzida por Cleber França em janeiro 2013
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família Lonardoni, que reside em Rolândia desde 1950, recebeu a visita de uma equipe do Jornal Cocamar, na comunidade São Rafael. Na chegada, alguns cachorros vieram ao encontro do carro, com jeito de poucos amigos, mas o produtor Geraldo Lonardoni, tratou logo de tranquilizar o pessoal, em tom brincalhão: “Podem ficar tranquilos, eles não comem carne de segunda”. A conversa, com certeza, seria muito boa.
Os Lonardoni chegaram em 1950 Vindos do interior paulista, eles residem há mais de seis décadas na comunidade São Rafael, em Rolândia 86 |Família Cocamar
Bastante receptivo, Geraldo convida para conhecer o sítio e a casa. Nascido em São José do Rio Preto (SP), ele veio de lá com apenas 11 anos e a viagem ainda está na lembrança: foi feita em um caminhão Ford do pai José e demorou dois dias. “Estrada não tinha, era só carreador de terra, buracos e pontes bem ruins. Para atravessar o rio Paranapanema, só mesmo por balsa”, conta. O primeiro sítio deles tinha 10 alqueires e parte já estava cultivada com café. Com o passar dos anos a família foi se estruturando e conseguiu comprar mais cinco alqueires em frente. É o lugar onde a família mora hoje, mas naquela época quase tudo estava ainda coberto de mata. A cafeicultura foi o principal negócio dos Lonardoni até 1975, quando o Paraná sofreu uma das piores geadas de sua história, que acabou com praticamente todas as plantações do Estado. Daí para a frente, seguindo uma tendência regional, os cafezais perderam terreno para as culturas mecanizadas e os Lonardoni começaram a cultivar soja, uma cultura até então pouco conhecida dos agricultores paranaenses. Mas o tempo tratou de mostrar que ela seria uma das melhores alternativas para a região. Família Cocamar |87
Servindo ao Exército em Curitiba Em 1958, Geraldo precisou dar um tempo na agricultura para servir ao Exército, em Curitiba. Um ano depois, estava de volta. No dia 12 de maio de 1962, ele se casou com Maria Torrezam Lonardoni, com quem tem três filhos: Luiz Pio, Geraldo José e Tânia Maria. Destes, somente Tânia não vive no sítio. Ela se casou e mora na cidade. O casal tem vários netos. COOPERATIVISTA - Geraldo diz que sempre gostou de participar do modelo cooperativista e foi graças a ele que sua família conseguiu superar o grande baque decorrente da geada. “Hoje temos a Cocamar que nos presta total apoio e estamos muito satisfeitos com o trabalho que ela vem realizando em nossa região”, afirma o produtor. “O cooperativismo nos traz uma tranquilidade muito grande”, acrescenta, lembrando que várias empresas particulares já passaram por ali e algumas fecharam, deixando prejuízos. “Eu mesmo já perdi quase 400 sacas de soja. Já da cooperativa nunca perdi nenhum caroço.”
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A mudança para o Paraná foi uma grande aventura, cruzando rio e estradas poeirentas; embaixo, parte da família
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Reportagem produzida por Marly Aires em agosto 2014
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vida foi bem difícil para o casal de produtores rurais Antonio e Lucinda Gasparelli, de Ivatuba, município a 40 quilômetros de Maringá. Mas as dificuldades só serviram para unir ainda mais os dois. Os pais dele, Alberto e Carolina, vieram de São José do Rio Preto, enquanto os da esposa, Joaquim e Ezolina Alves, da região de Presidente Prudente. No Paraná, ambas as famílias se fixaram primeiramente em Sertanópolis, perto de Londrina. Os Alves foram os primeiros a chegar, em 1946. Compraram 38 alqueires, contrataram peões para derrubar a mata e plantaram café. Mesmo assim, a família ficou ressabiada de ter que viver ali: durante um mês, manteve suas coisas encaixotadas, pronta, a qualquer momento, para retornar ao lugar de onde tinha vindo. Na chegada dos Gasparelli, em 1952, quase já não havia mais tanta mata em Sertanópolis. Eles trabalhavam como diaristas nas fazendas da região, morando próximos dos Alves. Quatro anos após seu casamento, em 1959, é que Antonio e Lucinda se mudaram para Ivatuba, onde os pais dela financiaram a compra de 100 alqueires e os dividiram entre dez filhos, deixando cada qual com a responsabilidade de pagar a sua parte com a produção de café.
Superarando lutas e perdas Moradores em Ivatuba, na região de Maringá, os Gasparelli escreveram uma bela história 90 |Família Cocamar
“Foi complicado, pois o sítio não era bom para café. Sobrevivemos com as culturas de subsistência e as criações. As cabeças de gado é que nos deram o sustento e pagaram as contas”, lembra Antonio. Ele conta que chegou a manter 40 cabeças em três alqueires, tratando-as com palha de milho, cana, restos de mandioca e o que mais conseguisse na vizinhança. “Mais tarde, a soja é que endireitou a nossa vida”, acrescenta, lembrando que eles até tentaram plantar algodão, mas só tiveram dor de cabeça. Dos quatro filhos do casal - Carlos, Ademir, Maria Aparecida e Claudinei -, os dois primeiros morreram em acidentes. Já o caçula, formado em agronomia, preferiu partir para outra atividade: administra uma empresa, da qual é sócio. Antonio conta com a ajuda dos funcionários para cuidar dos 61 alqueires da família, acompanhado pelo genro, Valdomiro, que tem suas próprias terras.
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Café colhido no porrete Caprichoso, Antonio Gasparelli diz que nasceu para trabalhar na roça. O mesmo cuidado que observava com o café, passou a ter com a soja. O produtor conta que colher café não pode ser feito de qualquer jeito: “derriçar os grãos correndo as mãos pelos galhos e arrancando folhas e tudo o mais, não pode”. Cada trabalhador tinha a sua escada e o seu porrete, feito com cana de milho. “O de madeira machucava os galhos. A gente passava óleo na cana para não rachar, ficar mais dura e não apodrecer logo”, afirma. Aí, era só usar o porrete para chacoalhar os galhos com cuidado. “Não podia bater no pé de café”, pontua. Com a técnica, só caiam os grãos secos e os maduros. Quando cada trabalhador terminava a sua rua, já era o momento de fazer a segunda passada para recolher os que antes estavam verdes. “No final, o pé ficava carregado de folhas, retomando a produção mais facilmente, enquanto os grãos secavam mais rápido no terreiro, com melhor qualidade, porque não se misturava grãos verdes e maduros”, completa.
Arranjando tempo para o futebol
A soja entrou na década de 1960 Antonio lembra que, para dar conta de toda a trabalheira no sítio, tinha que sair de madrugada e voltar ao escurecer. Tocava sozinho cinco mil pés de café e só na colheita recrutava trabalhadores. O serviço aumentou ainda mais quando, no final da década de 1960, a soja começou a ser cultivada com matraca nas entrelinhas do cafezal. Do facão na colheita não tinha como fugir, mas em vez de bater as vagens com o cambão, como muita gente fazia, ele alugava o trator de um vizinho e passava sobre os montes de pés de soja distribuídos no terreirão. Aí, como os grãos se soltavam, era só abanar e ensacar. “Mesmo assim trabalhava até tarde da noite e todos entravam na dança, até a criançada”, recorda-se o produtor. Conforme foi substituindo o café pela soja, Antonio comprou um burrinho para arar o solo e arrastar a pequena plantadeira. O problema eram os tocos, ainda remanescentes da mata. “Tinha que ficar esperto para pular os tocos e erguer o arado. No final do dia, ficava com o peito e os braços doloridos”, lembra. O primeiro trator da família, um Massey Ferguson 65 X, foi adquirido usado em 1975, uma relíquia que Antonio conserva até hoje. Outra raridade é uma caminhonete D10 1951. “É ferro puro e tem motor para puxar.” Cooperado da Cocamar desde 1965, Antonio Gasparelli é um dos mais antigos da unidade de Ivatuba. “Para mim, a segurança é o ponto ‘x’ da cooperativa. Entrego tudo aqui”.
Os Gasparelli trabalharam muito, mas Antonio sempre arranjava um tempo para curtir sua paixão por jogar futebol. Em Sertanópolis, chegou a formar um time que, durante anos, ganhou vários torneios. Aos domingos, dia de jogo, ele pulavam cedo da cama para mexer com o café e tratar das criações antes de ir para o campo. Certa vez, conta, sua equipe foi desafiada por uma agremiação de Marialva. Como não havia como se deslocarem até lá, aceitaram de bom grado quando um amigo ofereceu sua pequena e velha caminhonete para transportar todo o pessoal. Em Marialva, por causa da cena engraçada, os visitantes foram chamados de “paus de arara”. Mas a gozação terminou quando eles saíram de alma lavada, após vencerem por 4 a 1. Ao se mudar para Ivatuba, como precisava dar conta de todo o serviço sozinho, Antonio ficou anos sem jogar e acabou “pendurando as chuteiras”. 92 |Família Cocamar
O trator antigo, uma relíquia preservada: a primeira máquina da família Família Cocamar |93
Reportagem produzida por Marly Aires em março 2014
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ara os Crubelati, parecia mentira quando finalmente chegaram a São Jorge do Ivaí, no dia 1º de abril de 1951, depois de dois dias sacolejando por estradas poeirentas. Mas diante do que encontraram, não houve dúvida: foi uma boa ideia vender a parte no sítio da família, em Lins (SP) e apostar na terra nova e fértil onde construíram sua história e patrimônio. O casal Caetano e a esposa Luzia trouxeram cinco filhos: Pedro, 17 anos, José, 15, João, 13, Antonia 11 e Maria, 9. O interesse pela região surgiu quando corretores, vindos do Paraná, apareceram em Lins falando da boa terra que havia no Estado. Caetano e vizinhos decidiram tirar a prova e, numa viagem, ficaram encantados. Mas na época, São Jorge do Ivaí era apenas um distrito de Mandaguaçu e, no povoado, havia apenas um açougue, uma padaria, um bar, uma pensão e algumas casas. A derrubada da mata e a demarcação dos lotes começaram em 1946. A família comprou 35 alqueires em 1949 e contratou pessoal para derrubar sete e construir uma casa de madeira na cabeceira do terreno, localizado na área mais alta do atual município.
O desafio da nova fronteira São Jorge do Ivaí foi a escolha certa para os Crubelati, apesar das dificuldades do início 94 |Família Cocamar
“Descobrimos o que era realmente trabalhar”, brinca José. No início eles não tinham nenhum vizinho para conversar, e nem tempo para nada. “Só fomos conhecer a cidade, mesmo, seis meses depois de instalados”, conta João. Mal desceram do caminhão e já começaram a demarcar as linhas e abrir covas para o plantio do café. E ainda havia arroz, feijão, milho e outras culturas para plantar, horta e pomar para fazer e criações para iniciar. Em 1952, estavam com tudo aberto e plantado. O velho Caetano, nascido em 1899, faleceu em 1989 e a esposa Luzia, em 1978. Se estivessem vivos, além dos cinco filhos, eles teriam dezenas de netos, bisnetos e tataranetos. Com a entrada da soja e mecanização da propriedade, eles adquiriram já desde o início todos os implementos necessários, do trator à plantadeira, até a colheitadeira, passando também a prestar serviço para outros produtores como forma de viabilizar o investimento. Hoje cada irmão tem a sua área somando cerca de 200 alqueires, basicamente com culturas de grãos. Família Cocamar |95
Se o caminhão falasse...
Recebidos por borrachudos
Carro, quase ninguém tinha. A jardineira só passava uma vez por semana e, se conseguisse superar os atoleiros, chegava a São Jorge do Ivaí. Médico, só foi chegar muito tempo depois. Praticamente toda a criançada da região, na época, nasceu pelas mãos de parteiras. Mas quando era doença braba ou acidente feio, não tinha jeito. Tinham que correr para Mandaguaçu.
A família e toda a mudança, inclusive uma carroça, um burro, sacos de alimentos, grãos de café bourbon para plantar e até mudas das mais variadas fruta:, tudo veio em cima de um caminhão aberto. Depois de dois dias na estrada, todo mundo estava coberto de poeira. “O pior foi o burro, coitado, que ficou na traseira e chegou vermelho”, lembra João.
Quando a família Crubelati comprou um caminhão toco Chevrolet 1951, em 1956, o veículo acabou se tornando a “ambulância” da região. Firme na estrada, também carregava times de futebol para “peladas” nos campinhos das fazendas, e o pessoal para festanças da região. “Todo final de semana tinha baile e o futebol era sagrado”, conta João.
Quando desembarcaram, foram recebidos e cobertos por uma nuvem de borrachudos. De calça curta, os filhos ficaram com as pernas pretas. “Passa gordura que espanta”, alguém disse. Piorou. “Os insetos grudavam e ficavam zunindo e picando”, completa João.
Os Crubelati tinham também um campinho no sítio e um time de futebol. “Era tudo pé duro, mas corria atrás da bola”, brinca o produtor. Na época, além dos torneios, os times das fazendas agendavam jogos para todo o ano. Quando um grupo ia jogar na casa do outro, este tinha que dar uma garantia de que devolveria a visita. Se não comparecesse para o jogo, perdia o dinheiro empenhado. O caminhão também era sempre solicitado por amigos para ajudar na fuga com as namoradas e forçar o casamento, quando os pais não concordavam com o namoro. “Casar fugido era muito comum”, diz José. Assim que escurecia, todo mundo já estava dormindo, o horário preferido dos fujões era por volta das nove da noite. Eles paravam o caminhão na beira da estrada e ficavam esperando o casal. “A gente dava uma carona até o hotel da cidade. No outro dia, os pais eram obrigados a concordar com o casamento”, comenta João. Certa vez, o pai de uma moça surpreendeu os fujões e acertou o rapaz com um tiro de chumbinho. Na confusão, cada um correu para um lado. A moça, que havia desaparecido no meio do cafezal, chegou às três da madrugada na casa dos Crubelati, assustada, toda arranhada e suja de barro. Tinha chovido e ela teve que cruzar as fazendas, pelo meio do cafezal e das picadas na mata até o sítio. No final tudo deu certo e os dois acabaram se casando. 96 |Família Cocamar
Não sabiam o que era geada A primeira geada, em 1955, assustou os Crubelati, que nunca havia passado pela experiência. Que frio era aquele, que torrou o cafezal até no tronco. Orientados por outros produtores, eles receparam os pés e tudo brotou de novo. Um ano antes havia dado uma pequena colheita, mas a família teve que voltar a depender dos cereais por mais alguns anos. Apostando na boa terra e na mão para produzir café, construíram uma tulha para cinco mil sacas logo nos primeiros anos. Na década de 1960 chegaram a produzir 10 mil sacas por safra em 60 mil pés.
Literalmente, no fundo do poço Energia e água encanada demoraram para chegar à propriedade dos Crubelati, mas praticamente desde o início eles puderam contar com a comodidade de ter um poço no quintal de casa, de 30 metros de profundidade. O problema era quando o poço “decidia” não dar água. “A gente tinha que ir buscar na mina ou descer e subir com as bacias carregadas de roupa na cabeça, quando minha mãe ia lavar roupa no rio”, conta João. Por isso, quando o poço desbarrancou e a família teve que construir outro, ao lado, também de 30 metros, eles “comemoraram”. “Dava água até demais. Meu pai mandou até ‘tijolar’ para ficar firme”, acrescenta. Curioso, José quis saber como era estar no fundo do poço e desceu junto com os poceiros. Tudo estava tranquilo até quando, já no fundo, ele olhou para cima. “A sensação é muito estranha e nada agradável”. Família Cocamar |97
Reportagem produzida por Marly Aires em novembro 2010
E
m 1951, o catarinense Augusto Pasquali, natural de Criciúma, tinha 22 anos quando veio ao Paraná para trazer a mudança de conhecidos. Mas gostou tanto do que viu que não pensou duas vezes: trocou o caminhão por 10 alqueires de mato em Alto Paraná, região de Paranavaí, e mandou o recado para família: “Vou ficar”. Ele se recorda: “Puxei uma carga de café e comecei a fazer as contas. Era um grande negócio. A terra era boa, produzia de tudo. Tudo cheirava a progresso e eu não queria perder a oportunidade”.
Pé na tábua e fé em Deus
A decisão de Augusto, que era arrimo de família e um dos mais velhos de quatro irmãos, causou uma revolução em casa. O Paraná era mal visto por eles. O pai de Augusto, João, tinha vindo para cá em 1945, junto com um irmão e um primo e compraram 80 alqueires de mata em Londrina. Como gastaram tudo que tinham na compra da terra, trabalharam abrindo a estrada para Cambé para poder voltar para casa. João contraiu tifo, mas não sobreviveu. O terror com relação ao Paraná era tanto que nunca ninguém veio atrás das terras do pai. Augusto é quem tomou a iniciativa de procurar, mas o informaram na época que a prefeitura tinha tomado posse. “Os advogados que consultei disseram que a briga seria feia. Acabei desistindo”, comenta. Sozinho, numa terra inóspita, Augusto só contava com sua força de trabalho e a fé em Deus. A família e a esposa Irma, na época noiva, tiveram que esperar em Santa Catarina por mais três anos. “Namoramos por nove anos. Eu tinha prometido para mim mesmo que enquanto não tivesse terra e casa, não casava”.
Os Pasquali tinham motivos para não gostar do Paraná. Mesmo assim, foi a sua terra da prosperidade 98 |Família Cocamar
Pagou para derrubar cinco alqueires de mato e plantou 12 mil pés de café em três alqueires, fez uma casa de lasca de coqueiro, chão batido e coberta de tabuinha, plantou milho e começou um “criame” de porcos, sem contar as culturas de subsistência. A casa de madeira só construiu um tempo depois, para poder trazer a família. Família Cocamar |99
No começo muitos percalços mas também vitórias A vida foi dura e cheia de percalços, mas Augusto nunca reclamou. Pedia a Deus para ajudar e ia em frente. “Sempre falo para meus filhos: barco parado não ganha frete. E o melhor que dei para eles foi ensinar a pescar”, afirma. E todos os 11 filhos sempre trabalharam duro, herança deixada também aos netos e bisnetos. “Todos conhecem bem o custo do dinheiro, para dar valor. Se gasta mais do que ganha, nunca vai para frente”. Quando ele já estava com um bom rebanho, em 1952, a peste suína matou as 40 cabeças prontas para abate e os 170 filhotes e matrizes. “Só fiquei com uma porca. Tive que voltar a construir casas para os outros para reiniciar o rebanho”. Este era o seu ganha pão para os momentos de aperto ou quando precisava de recursos para investir na terra. Só na Fazenda Bararuba, muito conhecida na região, foram mais de 310 casas construídas, fora as tulhas, secadores, terreirões e tudo mais. Café mesmo a família só começou a colher em 1958. A geada de 1955 acabou com o que seria a primeira colheita. “Tive que buscar opções para me virar. Tinha comprado 15 alqueires à prestação. A mamona plantada no meio do café foi a solução”. A família persistiu com o café até o início da década de 1980.
Pioneirismo em tudo Uma característica de Augusto foi sempre diversificar. Plantou amendoim, algodão, mandioca, criou gado de leite e corte e investiu até em porto de areia. Sabia da importância de agregar valor a produção e potencializar os resultados negociando com outros produtores, por isso teve um pequeno laticínio e uma farinheira. O que sempre o destacou foi o pioneirismo, sendo um dos primeiros a criar bicho da seda na região. A família também já ganhou muito com a laranja, atividade em que também foram pioneiros. “Sempre tive a filosofia de que o primeiro bebe água limpa. Por isso fico atento às oportunidades que surgem”, diz. O resultado pode ser sentido na estrutura econômica da família, que trabalha atualmente com laranja, mandioca e porto de areia.
“Minha mão, não” “Onça, bicho brabo, falavam que tinha, mas nunca vi. Nunca tive arma de fogo. Tinha muita fé em Deus. Nada me dava medo”, conta Augusto Pasquali. Veados, pacas e outros animais, entretanto, deram muito trabalho. Vinham comer todo o feijão e milho. “Tinha que ficar de plantão. Dormia com um olho aberto”. Como vivia sozinho, no início, Augusto trabalhava dia e noite. Durante o dia, na roça de café. À noite, à luz da lua ou com a ajuda de uma lamparina, capinava o mato nas culturas perto de casa, até ser rendido pelo cansaço. “Não tinha camarada e tinha que fazer a terra produzir”. Foi numa dessas empreitadas que foi picado por um bicho, que não chegou a ver o que era. Com o sangue quente, nem ligou. “Não podia gastar com médico”. Mas quando a mão inchou sem parar, a ponto de ficar três noites sem dormir, não teve opção.
A família exerceu várias atividades até se consolidar na citricultura 100 |Família Cocamar
O médico antigo da cidade queria decepar a mão para não dar gangrena ou tétano. “Disse que preferia morrer a não ter mão para trabalhar”. Num descuido do médico, saiu correndo, pulou o muro e sumiu. Um médico novo que havia na cidade o tratou. Família Cocamar |101
Reportagem produzida por Marly Aires em janeiro 2012
E
m Jaú (SP), onde trabalhava como meeira, a família de Pedro e Rosa dos Santos sempre ouvia falar da qualidade das terras do Paraná. Quem conta é José, um dos nove filhos do casal. Por isso eles não tiveram dúvidas quando decidiram comprar 40 alqueires em Alvorada do Sul, norte do Estado, em 1940. Outros 50 alqueires foram adquiridos no mesmo município, algum tempo depois. Fizeram isso sem nunca botar, antes, os olhos na terra.
Entre as pioneiras em Alvorada do Sul Os Santos adquiriram os primeiros lotes para formar a propriedade em 1940 102 |Família Cocamar
Com serviço acertado por vários anos ainda, a família permaneceu na cidade paulista e contratou um porcenteiro para derrubar a mata e cultivar café, mas ele só abriu um alqueire e construiu um rancho de palmito. Em 1944, os três filhos mais velhos, Saulo, Maria e João, vieram para abrir a mata e começar a plantar o cafezal. Os dois primeiros viajaram de jardineira com as tralhas e o último encarou uma longa jornada de carroça com um guia, para trazer os animais e as ferramentas. Enquanto os dois primeiros levaram dois dias para chegar, João gastou sete dias na carroça, dormindo onde lhe davam pousada. “As pessoas eram mais hospitaleiras”, lembra José. A família toda só se mudou para o Paraná em 1946. Na época, Alvorada do Sul era só mata. Havia algumas clareiras e, na cidade, poucas casas e uma ou outra venda. “Moramos por cinco anos num rancho de palmito, coberto de tabuinha, com 60 metros quadrados, onde ficavam quartos, sala e cozinha, tudo com chão de barro branco batido.” A família abriu toda a área, instalando café e pasto. “A gente produzia de tudo, mas não vendia praticamente nada das culturas de subsistência. Todo mundo plantava e tinha criações. Dinheiro, mesmo, só na safra de café. Não havia luxo, mas fartura de comida”, lembra José.
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A geada de 75 não deu pra aguentar
Quando folga era “muito luxo”
Desde o início já estavam destinados 10 alqueires para cada filho, mas todos permaneceram juntos até o final da década de 1960. Então, cada um tomou seu destino e a família de José foi uma das que permaneceram na agricultura. Além dos 10 alqueires que herdou, José toca com os filhos Paulo e Pedro outros 60 alqueires arrendados. Ele teve mais uma filha, Maria José, com a esposa Inês, já falecida.
Com a ajuda de foice, traçador (foto) e machado, a família pôs abaixo a mata fechada. “Tinha peroba com um metro de largura. Tudo enfrentado por oito homens fortes e trabalhadores”, afirma José dos Santos. Enquanto estava claro, era só trabalho. E com mato para todo lado, ninguém tinha para onde ir, a não ser dormir e descansar. Exauridos, às 7 horas da noite eles já estavam na cama e, antes das 6 da manhã, saíam para o eito. Depois é que começaram os bailes, as festas para os santos, os jogos de futebol, o terço e os bate-papos até tarde, mas só depois de todo trabalho feito. Era chamar o sanfoneiro, armar a barraca no terreirão e dançar sem hora pra terminar. No outro dia, não tinha moleza. “Minha lua de mel foi abanando café. Casei no sábado e na segunda já estava na colheita”, recorda-se.
Depois de anos de pequenas geadas que envergavam, mas não quebravam os produtores, não teve como escapar da de 1975. José diz: não sobrou nada e a soja, o trigo e o milho entraram pra valer na região.
A primeira bicicleta No ano de 1950, a compra da primeira bicicleta. Ter uma para ir à cidade e aos bailes era o mesmo que ter um carro. O primeiro automóvel a família só comprou em 1976. José lembra que ele e o irmão caçula, Fernando, foram buscar a bicicleta em Londrina na véspera de Natal. Com cerca de 70 km para percorrer a pé, eles saíram cedo. Na volta, enquanto tentavam aprender a andar sobre duas rodas, foram surpreendidos por uma chuva daquelas. Empurrar a bicicleta no meio da lama não foi fácil. Chegaram em casa bem tarde da noite, ensopados e cobertos de lama.
A caça vinha na porta de casa Mato combina com bicho de tudo que é tipo. Falando assim, podia dar medo. “Na lida, a gente topava com três a quatro cobras por dia”, garante José dos Santos. A caça vinha na porta de casa. Veado, queixada, cotia, paca, capivara. Ou seja: fartura de carne. Eles iam trabalhar e deixavam as armadilhas armadas. Na volta, o jantar estava garantido. José conta que, certa ocasião, em vez da caça, havia um filhote de onça parda na armadilha.
Uma vida na labuta Algumas das casas mais antigas da região foram construídas com tijolos produzidos pela família Santos. Engenhoso como era e aproveitando um banhado com barro de olaria que existia na propriedade, Pedro, o pai de José, construiu formas de madeira e um engenho movido por um burro, para amassar o barro. Também construiu um engenho de açúcar e produzia vários tipos de fumo e vinhos. Pedro morreu aos 93 anos e, em seus últimos tempos, ficava na horta, capinando sentado. 104 |Família Cocamar
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Reportagem produzida por Cleber França em junho 2009
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ó quem ajudou a desbravar a região de Atalaia, município da região Noroeste do Paraná sabe como foram difíceis os primeiros anos do lugar. Além da total falta de estrutura, como estradas e energia elétrica, os pioneiros se depararam com muitos perigos: as onças estavam sempre à espreita e havia uma grande quantidade de mosquitos. Corria 1950. José Carlos Rebuci, então com 6 anos, nascido na cidade paulista de Lins, foi trazido pelos pais Ângelo e Ana, que tinham outro filho, Saul. Lá, os Rebuci trabalhavam como meeiros, cultivavam a terra de outras pessoas e repartiam com elas a produção. O Nortão paranaense tão divulgado pela Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP), corporação que colonizou parte da região, despontava como alternativa para quem quisesse ter um pedaço de terra e tentar a sorte. E foi com este sonho que a família mudou-se de Estado. José Carlos lembra até hoje da viagem de Lins a Atalaia, feita na carroceria de um caminhão Ford 1948, que trouxe a família e alguns animais. “Viemos à procura de melhora, mas encontramos muitas dificuldades. Dormimos quase um mês ao lado da mudança debaixo de folhas de zinco. Nossa primeira casinha era um rancho de tabuinha e chão batido. Nesta época, em Atalaia havia apenas uma picada de mato do tamanho de duas datas.”
Um olho na roça, outro na onça A família Rebuci realizou o sonho de ter as próprias terras, em Atalaia 106 |Família Cocamar
A comida trazida de São Paulo tinha de ser racionada, caçar era preciso. “Conseguir água era outro desafio. O lugar mais perto era uma mina, onde hoje é a fazenda Santa Helena. Tínhamos que ir em quatro ou cinco homens armados com espingardas e facões senão as onças, que eram muitas, pegavam a gente.” Durante a noite, o pai também tinha que ficar de olhos bem abertos e bem armado para proteger a família das onças. Logo que chegou, a família precisou trabalhar muito para colocar ao chão a mata virgem e semear as primeiras covas de milho, arroz, feijão e café, cultura até então tida como a principal do País. “Antigamente fazia muito mais frio que hoje, o que dificultava a formação dos cafezais”, conta o pioneiro. Com o passar dos anos a cafeicultura se tornou inviável, principalmente pelas consecutivas geadas que atingiram a região - a pior delas a de 1975. A partir daí começou a mecanização das lavouras e os Rebuci optaram por não plantar soja, trigo e milho, mas algodão. “Plantamos algodão por aproximadamente 20 anos.” Família Cocamar |107
Família de agricultores José Carlos é casado com Maria Luiza Latice Rebuci, com quem tem três filhos, Sérgio Luiz, Silvio Rogério e Sandra Cristina, que lhes deram vários netos. Atualmente eles cultivam soja e milho, uma parte pertence à família e outra é arrendada. Além de José Carlos, os filhos Sérgio Luiz, Silvio Rogério e o neto Wellington trabalham no cultivo das terras. “Para mim é um prazer dar continuidade ao trabalho que meu avô me ensinou e que pratica com amor há muito tempo”, diz Wellington.
O milho é uma das culturas mantidas pela família Rebuci, no inverno
José Carlos também fez questão de destacar o apoio que sempre recebeu da Cocamar. “A cooperativa também faz parte da família”, resume.
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Reportagem produzida por Marly Aires em abril 2013
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omo quase todas as famílias que abriram as matas paranaenses para cultivar café, os Tomeleri, de Cambé, guardam um sentimento de gratidão por essa cultura, mas a paixão de agora atende por outro nome: soja. “O café é uma lavoura bonita, que foi muito importante e está ligada às nossas raízes, mas a soja nos conquistou”, afirma o produtor João Tomeleri, fazendo referência ao fato dessa lavoura ser mais fácil de trabalhar. João e seus irmãos Marino e Valdomiro são os remanescentes dos primeiros familiares que chegaram à região em 1936, oriundos de Presidente Bernardes (SP). A família chegou a ter 42 mil pés de café em 32 alqueires, um ciclo que começou a mudar em 1973, quando começou a mecanização da propriedade. A ferrugem infestou o cafezal e precisou ser substituída. Com um pequeno trator, arrancaram 30 mil pés em uma só tacada e os 12 mil restantes foram cortados aos poucos, terminando em 2005.
Café foi paixão, mas a soja conquistou Os Tomeleri, que mantêm na antiga mercearia um ponto de encontro dos produtores em Cambé, chegaram ali em 1936 110 |Família Cocamar
Quando os avós Luiz e Itália, os pais José e Maria e o tio Zelindo chegaram, Nova Dantzig (atual Cambé) exibia poucas casas e alguns comércios. No período de 1935 a 1940, a mata praticamente desapareceu e o sítio deles, de 12 alqueires, tinha apenas uma clareira aberta e um rancho de madeira. Os pais tiveram 10 filhos e desses João, Marino e Valdomiro permanecem juntos na atividade, união mantida pela nova geração. Dos 15 filhos gerados pelos três, 10 estão unidos comandando terras próprias e arrendadas. Desde 1986 os Tomeleri possuem uma mercearia. Eles mantiveram as características originais, vendendo de tudo um pouco. Sempre cheia, especialmente no final do dia, o estabelecimento virou um ponto de encontro dos produtores da região para bater papo, saber das novidades e até trocar informações técnicas. Com a renda é possível cobrir parte dos gastos mensais. Dos 10 filhos de João, Marino e Valdomiro, três se revezam na mercearia com os pais e os outros sete dão conta da lavoura. “A gente não dá mais palpite na roça, só fica na mercearia. Os meninos é que cuidam de tudo”, diz Valdomiro. Família Cocamar |111
Terra para estancar ferida Como a maioria das crianças naquela época, João Tomeleri só foi calçar sapatos aos 14 anos. Até então corria descalço por todos os lados. Quando ainda criança, enquanto ajudava os pais na “lida”, acertou o pé na enxada e abriu um “talho”. Querendo esconder do pai que trabalhava ali perto, encheu o “buraco” de terra para fazer parar de sangrar. Quando o pai viu o “estrago”, colocou-o nas costas e levou para casa, lavou bem o corte com água oxigenada e fez um curativo. “Fiquei de molho um ou dois dias e já estava de volta ao trabalho. Ir ao médico naquela época, só se estivesse morrendo”, brinca. Em outra ocasião, foi a vez do próprio pai fazer uso de remédios caseiros para curar os cortes e machucados por todo o corpo depois de ser arrastado por mais de 300 metros por uma velha mula da família.
Do enxadão à máquina Com a saída do café e a mecanização da terra, sair do enxadão para a máquina não foi tão simples como se poderia imaginar. “Tivemos que aprender na raça. Não havia ninguém para ensinar como operar”, afirma João. O produtor conta que no primeiro ano, o trator zerado que compraram teve que ir duas vezes para a oficina. “A gente não tinha noção de como trabalhar e nem conhecia os limites do trator”. Aprendida a lição, com a colheitadeira, comprada logo em seguida, eles foram mais de leve. Além de trabalharem em sua área, colhiam a soja de vários produtores, prestando serviço para poder pagar o financiamento. 112 |Família Cocamar
A música, sempre presente Gemeos, Marino e João eram unidos até na paixão pela música. Mesmo depois de um dia inteiro de trabalho, os dois iam até a cidade para fazer aula de acordeon, clarinete e baixo. De 1960 até 2000, fizeram parte de uma banda que animava as festas da cidade e da igreja, além de tocar praticamente todo final de semana em bailões nos sítios da redondeza. “Os terreirões de café lotavam de gente de toda região. Só se via a poeira levantar a noite toda”, conta Marino. De madrugada, de volta ao sítio, nem havia tempo de encostar na cama. Tomavam café e iam para a missa. Depois, as obrigações no sítio, o almoço e iam disputar uma “pelada” nos campinhos da região. Dormir, só quando escurecia. “O bailão e o futebol eram infalíveis todo final de semana”, diz João. Após a grande geada de 1975, acabaram-se os “bailões”. As festas foram ficando cada vez mais raras. Os Tomeleri lamentam que poucos produtores ainda moram no campo e que os jovens só querem saber de música eletrônica. Além dos bailões, perderam-se no tempo também a solidariedade que havia na roça. “Quando um matava um animal, dividia com toda a vizinhança. Se acabavam o serviço antes, todos iam ajudar o outro. Agora é cada um para si”, completa João. Família Cocamar |113
Reportagem produzida por Marly Aires em setembro 2011
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uando a família Endrice chegou a Doutor Camargo em 1952, só havia uma placa: “Em breve aqui uma cidade”. Vindos de São José do Rio Preto (SP), Juan, Genovefa e seis filhos se instalaram provisoriamente em Paiçandu enquanto decidiam onde comprar terras. Na época, a Companhia Melhoramentos do Norte do Paraná ainda não tinha sequer “cortado” os lotes rurais no município. Foi um tio dos irmãos Antonio, Ângelo e Adolpho (os três Endrice que continuam na agricultura), quem deu a dica.
Todo sacrifício valeu a pena Para chegar ao seu lote, na futura Doutor Camargo, eles caminharam pelo leito de um rio seco 114 |Família Cocamar
A família, que havia vendido suas terras no Estado de São Paulo, foi uma das primeiras a comprar lote em Doutor Camargo: 14 alqueires, os mesmos que possuem até hoje. Chegar ao local, entretanto, não foi fácil. A estrada só ia até perto do Rio Bandeirantes. Dali, eles colocaram todas as tralhas nas costas e subiram a pé 4 km, seguindo o leito do córrego Itatinga, que estava seco. “Era mata fechada. Não tinha como entrar”, conta Ângelo. Sem tempo a perder, armaram uma lona e fizeram as camas suspensas com forquilhas e sacas de 100 litros de café, para manter as cobras ao longe. Livrar-se dos mosquitos, no entanto, era impossível. “Nossa vida era só derrubar mato. A gente perdia a noção do tempo”, diz Antonio. Nem quando chovia a semana toda eles paravam. Aberta a clareira no machado e feita a casa de madeira, o pai e quatro filhos foram buscar a mãe e as duas filhas que tinham ficado em Paiçandu. Só depois abriram o restante da área e plantaram café. “Hoje a gente pensa: foi uma loucura. Mas o que nos movia era a esperança de melhorar de vida”, comenta Ângelo. Casados com Helena, Cesarina e Diva, respectivamente, Ângelo, Adolpho e Antonio acabaram comprando a parte dos outros irmãos, que foram para a cidade. Juntos somam 14 filhos, sem contar os netos e bisnetos.
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O destino era produzir grãos O café não deu muita sorte para a família. Instalados numa região “geadora”, já em 1955 tiveram a primeira grande geada que queimou as plantas no toco. Em 1959, quando apostavam na primeira grande colheita, a broca, na surdina, já tinha acabado com os grãos. “Quando percebemos, já era tarde.” A maior parte do tempo os Endrice sobreviveram das culturas de subsistência e das criações. “Só não passamos fome porque milho a gente colhia muito. Uma vez ficamos seis meses comendo polenta”, afirma Antonio. Feijão também produzia bem. O problema é que eram culturas que não tinham comércio. O café começou a ceder espaço para a soja em 1973. Quando veio a geada de 1975, nem sentiram a pancada. Só restava café no alto e já estava tomado pela ferrugem.
O primeiro campo de futebol Sem nenhuma opção para se divertir e com muito gás para gastar, apesar do trabalho duro, os irmãos Endrice se juntaram a outros jovens, derrubaram um pedaço de mata e construíram o primeiro campo de futebol na comunidade, que acabou virando atração. Todo mundo se juntava para assistir às partidas disputadas num terreirão vermelho de dar medo. Até os trabalhadores que estavam construindo a estrada de ferro se juntavam aos agricultores para torcer ou jogar. “A construção dessa estrada foi outra loucura. Foi feita na unha. Só se via gente derrubando mata e abrindo as valetas no enxadão. Toda a terra retirada era levada em carroças de roda dura até no aterro. Os burrinhos já iam sozinhos de tão acostumados com o caminho”, recorda-se Antonio.
No alto, time formado por familiares e amigos; ao lado, a casa principal 116 |Família Cocamar
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Reportagem produzida por Marly Aires em setembro 2010
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oda a infância e a juventude de Antonio Baveloni se deu no meio do mato. Os pais Dante e Ema e os oito filhos vieram para o Paraná em 1939, deixando para trás Itápolis (SP), quando o produtor tinha apenas nove anos. “Nós colocamos a mudança no caminhão e viemos, sem ter nada certo. Serviço para quem queria trabalhar é o que não faltava naquela época”, conta. Depois de um ano em Cambé, trabalhando na colheita de café e em pequenos serviços, a família foi contratada para formar um cafezal em Jaguapitã. “Aí sim nós fomos para o meio do sertão. Só tinha uma trilha aberta até lá. Moramos seis meses em um rancho de palmito e chão batido até construir uma casa de madeira”, afirma Antonio. Vivendo tão longe de tudo, passaram por maus bocados, mas nunca aconteceu nada de grave com a família. E olha que andavam a pé por todo lado. Não havia sequer um cavalo. “Topamos com muitas cobras e até ouvi o ronco da onça”.
No Paraná desde 1939 Os Baveloni botaram a mudança em cima do caminhão e vieram sem ter nada acertado 118 |Família Cocamar
Trabalhando duro no trecho entre Cambé e Jaguapitã e poupando tudo o que podiam, os Baveloni conseguiram comprar 30 alqueires em Maringá, em 1945, mas apenas as famílias dos dois irmãos mais velhos, José e Mário, já casados, vieram derrubar o mato. O restante ficou trabalhando com os pais para juntar mais dinheiro. Só em 1951 é que toda família se mudou para Maringá para terminar de abrir o mato e plantar café. Até então os irmãos só tinham conseguido abrir 15 alqueires e vinham sobrevivendo com o plantio de milho, feijão e outras culturas de subsistência. “Derrubei muito mato com o machado e o traçador”, conta Antonio, na época recém casado com Iolanda. Café, entretanto, nunca produziu muito no sítio, devido às constantes geadas. O agricultor se lembra que todos viviam bem. Como plantavam de tudo no sítio, comprava-se pouca coisa na cidade. Sorte deles. Os 15 quilômetros até o Maringá Velho, único lugar onde havia casas e lojas, tinha que ser percorrido a pé e as compras eram carregadas aos poucos, nas costas. Uma carroça e um cavalo só foram comprados um ano depois. Família Cocamar |119
Do café ao cultivo de grãos O ano de 1975 foi um divisor na vida dos Baveloni, como de muita gente. A grande geada fez com que a família saísse do café. Após a morte dos pais, as terras foram divididas entre os irmãos, ficando os dois mais velhos, que vieram primeiro, com uma área maior, enquanto o restante com três alqueires cada um. Por dois ou três anos, a soja foi plantada na matraca, colhida no facão e batida no gambão. Não demorou muito para que Antonio percebesse que se a família sofreu com o café, a soja é que iria determinar o futuro. E que também não poderiam ficar plantando apenas três alqueires. “Tínha que juntar dois ou três produtores para encher um caminhãozinho”. Cedo começaram a arrendar terras e a mecanizar a lavoura, expandindo os negócios. Hoje, a família de Antonio possui 175 alqueires dos quais 125 ocupados com soja. No restante, pasto com gado de leite e corte. Outros 100 alqueires são arrendados para o plantio de soja.
Uma família numerosa Dos oito irmãos, só Edgar e Antonio permaneceram na agricultura. Os demais espalharam-se pelo Brasil. Mas mesmo juntar só os Baveloni que ficaram dá trabalho. São mais de 60, dos quais uns 20 cooperados da Cocamar. Quando fez 80 anos, Antonio convidou toda a família para a festa, inclusive os que foram para longe, e conseguiu juntar mais de 180. Antonio e Iolanda têm cinco filhos Dorival, José, Valdir, Marileuza e Marlene -, netos e bisnetos. Cooperado desde o início da década de 80, Antonio se lembra muito bem do dia em que Lourenço Gonçalves, o Tio Lourenço, da Unidade Maringá, o parou no meio da estrada para falar sobre cooperativismo. “Não queria nem saber disso por não saber o que era”, diz. “O Tio Lourenço era bom de conversa e me convenceu a conhecer a Cocamar. Foi minha salvação”, garante Antonio. No mesmo ano em que se tornou cooperado e entregou na cooperativa suas 4 mil sacas de soja, a empresa para a qual sempre entregava quebrou, levando junto muitos produtores da região.
Na outra página, cafezal em flor; dona Iolanda e seu forno à lenha 120 |Família Cocamar
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Reportagem produzida por Marly Aires em agosto 2012
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os 90 anos, depois de uma vida inteira na labuta, dona Maria Joana Sanches Navarro, de Pitangueiras, ainda faz questão de cuidar da casa, da horta e da criação. Apesar da “vista curta”, ela se apoia na bengala e sai caminhando pelo sítio. Ficar quieta? Nem pensar. Dona Maria é o símbolo de uma geração devotada inteiramente ao trabalho e que está naquele município desde o seu início.
Em Pitangueiras desde o início Os Navarro cresceram na agricultura à custa de muito trabalho e, ainda hoje, todos os filhos de dona Maria se mantêm na atividade 122 |Família Cocamar
Ela se recorda que quando precisava buscar água, a 200 metros de casa, trazia 20 litros nas mãos e 10 equilibrados na cabeça. Sacrifício? Que nada. A jovem, os pais e sete irmãos pulavam cedo da cama e percorriam longos trechos no meio do mato até o roçado. A vida era assim. Como as terras da família eram poucas e havia muita gente para alimentar, todos saíam pela vizinhança para trabalhar. A filha preparava as refeições e montava as marmitas. Só voltaram para casa ao escurecer, onde ainda tinha muito serviço esperando. A família veio de Bocaína (SP), pouco tempo antes dos familiares de seu André, o futuro esposo de Maria, na década de 1940. Na época, a cidade estava começando. Eles chegaram trazendo mudança, gado, burros, carroça e tudo mais embarcado no trem, acompanhados de outras famílias que vinham para o Paraná, atraídas pelo sonho de fazer a vida. Trouxeram consigo tudo que tinham conseguido juntar trabalhando como colonos no Estado de São Paulo. Família Cocamar |123
Do carroção ao caminhão, um avanço Dona Maria lembra que a rotina no início era derrubar o mato, limpar e plantar café. As sementes eram jogadas aos punhados nas covas. Das que vingavam, só quatro ficavam em cada cova, que eram cuidadosamente cobertas com pedaços de madeira em forma de casinha para que o sol não judiasse. Com o passar do tempo, as tabuinhas eram retiradas aos poucos, até livrar completamente as plantas. E as pequenas mudas não tinham que ser protegidas somente do sol e da geada. De vez em quando, chovia pesado e os pés de café precisavam ser desenterrados um a um, apenas usando as mãos, para não danificar as plantas. Já casada com André, nos primeiros cinco anos o sustento da família veio do arroz, milho e feijão plantados no meio do cafezal, bem como das criações e do que eles faturavam fazendo frete com carroça. Com o carroção puxado por cinco burrinhos, o marido ia a pé, conduzindo os animais, até Arapongas, distante 30 quilômetros. Sob chuva ou sol, as rodas duras do carroção sempre atolavam no caminho, na lama ou nos bancos de terra fofa. A primeira safra realmente boa de café só veio em 1955. Com o dinheiro, eles compraram um caminhão Chevrolet 1951. “Era usado tanto para puxar café e esterco como para passear. Todos subiam em cima e iam embora, uma alegria só”, conta dona Maria. O casal teve sete filhos: Augusto, Isabel, Antonia, João, André, Antonio e José, que seguiram o trabalho na agricultura. Deles nasceram muitos netos e bisnetos. Quando André faleceu, em 1999, a família ainda estava toda junta tocando 70 alqueires. Atualmente, os irmãos possuem um total de 190 alqueires, mas cada um toca a sua parte, morando todos próximos um do outro.
Procurando sempre diversificar os negócios A partir do café plantado inicialmente em meio às culturas de subsistência, a família diversificou os negócios à medida que aumentava suas terras. Além do café, eles mantêm cultivo de soja, criação de gado de leite e corte, granja de frango e bichoda-seda. “Não pode ter só uma cultura. Se der para trás, fica sem nada. Se tem outra opção, dá para sobreviver”, diz dona Maria, do alto de sua experiência e sabedoria. Por uns tempos, os Navarro chegaram a investir na região de Paranavaí, comprando áreas de mato fechado, cortando e vendendo a madeira e plantando café, isto ainda no final da década de 1950. Não demorou muito para descobrirem que não seria um bom negócio. A terra arenosa formava muito “corredor de água”, a geada castigava o cafezal e os 46 alqueires se transformaram em pasto. Ali eles permaneceram por 11 anos.
Festança era coisa que nunca faltava O terreirão de café dos Navarro viu muita festança. Nos casamentos e aniversários, armavam barraca e com espetos de bambu assavam carne na vala, coisa bonita de ver. A vizinhança toda da Água Pimpinela vinha ajudar. Missa e terço eram rezados todo santo mês, enquanto o campo de futebol ficava sempre cheio. Aos poucos, entretanto, a população foi diminuindo até esvaziar. Os tempos são outros. Os bons vizinhos eram maioria, mas também havia quem só quisesse aproveitar. Quando os Navarro, na década de 1970, formaram uma boa vara de porcos, buscaram apoio junto a um conhecido para levar os animais até Arapongas para fazer a venda. No dia seguinte, de olho na bolada que viu André receber, o tal sujeito voltou à propriedade, de fininho, na tentativa de pegar a grana. Como o produtor tinha ido a negócios para Paranavaí, e carregado consigo o dinheiro, o homem, pra não perder a viagem, levou o caminhão da família, roupas e objetos. O veículo foi recuperado mais tarde, batido. E que castigo: só descobriram quem foi o ladrão depois que ele foi preso, por um outro motivo, e os documentos estavam em seu bolso. Quando se lembra dessa história, dona Maria dá uma risada. “Vida honesta é a melhor coisa, a gente tem que deixar uma boa lembrança”, finaliza.
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Reportagem produzida por Marly Aires em junho 2010
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om a experiência de muitos anos vividos e a força de quem ainda continua sonhando, o cooperado Nelson Henriques Banhos e a esposa Aparecida, residentes em Malu, distrito de Terra Boa, no noroeste do Paraná, são exemplos de pioneiros que não se curvaram aos desafios. Nelson, que foi machadeiro, costuma dizer que conheceu o Paraná “abrindo picadas na mata”. A primeira propriedade rural ele comprou em 1959 no município de Cianorte. Anos depois, passou a investir na região de Terra Boa. Atualmente a família planta soja e milho. Com quase 60 anos de união, o casal tem cinco filhos - Odair, Maria, Nilva, Marilza e Marli - netos e bisnetos. Toda a família é de cooperados, inclusive os genros.
Pelas picadas do sertão do Paraná A família de Nelson Henriques Banhos cultivou café por 20 anos e fez a vida produzindo grãos em Malu 126 |Família Cocamar
Em 1945, os pais Joaquim e Conceição, acompanhados dos sete filhos, vieram de Coroados (SP), onde trabalhavam como porcenteiros, para Londrina. Já no ano seguinte, Nelson, que tinha 15 anos, conheceu Maringá. “Já na época se falava que seria uma cidade boa para se morar porque era um entroncamento”. Em Cianorte, logo que derrubou a mata, a família ergueu um rancho improvisado, de lasca de palmito, chão batido e coberta com tabuinha, só para ter um lugar para passar a primeira noite, mas morou ali por vários anos. A segunda casa foi construída com madeira do próprio sítio, serrada de forma manual. Eles faziam um estaleiro, colocavam a tora em cima e serravam com um “serrotão” que precisava de duas pessoas para movimentar. Um dia de trabalho duro rendia de 20 ou 30 tábuas. Os Banhos, contudo, se estabeleceram definitivamente em Malu, onde, em 1952, foram comprados 15 alqueires para o plantio de café. Na época a estrada só estava aberta até Jussara e poucas pessoas se arriscavam a passar por ela. O restante do caminho era uma picada que precisava ser percorrida a pé. O produtor lembra que as primeiras áreas a serem vendidas foram as mais arenosas, em Terra Boa e Jussara. Depois é que começou a abrir as clareiras em Malu, onde predomina a terra roxa. Família Cocamar |127
Pioneiros na soja e safrinha A primeira soja plantada pela família Banhos foi em 1965. Um vizinho cedeu as sementes e eles foram ver no que dava. Era a época em que se plantava soja com matraca e usavam-se muitos grãos. A colheita era no facão e os feixes carregados nas costas e amontoados durante o dia. À noite a soja era debulhada na trilhadeira. Começou-se a mecanizar o cultivo em 1972. Só depois da primeira colheita é que o Nelson foi ver se alguém queria comprar aquele grão. Para sua surpresa, não só tinha mercado como rendia quase o mesmo que o café, que na época também enfrentava uma infestação de broca. Assim, a soja, que era plantada apenas no fundo do lote, nas áreas mais fracas de café, “começou a comer pelas beiradas e se tornou a principal cultura”. A família persistiu com o café até 1975. Nelson também foi um dos primeiros no município a plantar milho safrinha, há 35 anos. Plantou de qualquer jeito, usou milho do paiol e sequer adubou. Só não queria deixar o solo descoberto. E o que começou a ser chamado de safrinha, virou um safrão para a maioria. “Ninguém acreditava que ia dar milho no inverno”, conta o produtor, cooperado desde 1973.
Não precisava nem adubar “Em Malu havia muita terra boa”, diz Nelson. Tanto que nos primeiros anos não se adubava a terra nova, que produzia com abundância. “Mas foram muitos anos de erros também”, admite. Se na época do café já corria água, imagine quando se começou a arar a terra para o plantio convencional de soja, numa situação em que não havia curva de nível ou qualquer sistema de contenção de água.” Em agosto de 1974, o cooperado conta que choveu por 15 dias sobre o solo descoberto em meio ao preparo para plantio. “Foi um estrago. Abriu valeta que dava medo. Grande parte da terra fofa foi parar no rio, junto com a fertilidade da terra.” Eles aprenderam a lição e foram um dos primeiros a adotar o plantio direto em sua região. “Não existia plantadeira. Nós produtores é que fazíamos o facão ou botinha no fundo do quintal e apanhamos bastante também com os herbicidas, que não eram adequados na época”. Da mesma forma que não dava para continuar com o plantio convencional naquela época, Nelson diz que hoje não é possível permanecer com o plantio sequencial de soja e milho, deixando o solo sem palha. “É preciso colocar palha e raiz no sistema e a braquiária é ótima para isso”.
Na outra página, caminhão de algodão, cultura à qual a família se dedicou durante anos; ao lado, homenagem prestada por autoridades a pioneiros da região 128 |Família Cocamar
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Reportagem produzida por Marly Aires em outubro 2014
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produtor João Wasciki, um dos mais novos de uma família de oito irmãos, nasceu na mesma propriedade em que vive até hoje em Warta, distrito de Londrina. Ele conta que só atravessou o rio para construir uma nova casa do outro lado, quando se casou com Maria Salomon. Sua gente chegou ali em 1936. Os avós, Félix e Josefa, venderam as terras em Tubarão, Santa Catarina, para se aventurar na terra roxa paranaense, de que tanto ouviam falar. Vieram com eles outros familiares e quatro dos sete filhos, entre os quais José, pai de João.
A mudança foi trazida no lombo de burros Em 1936, de Londrina até o atual distrito de Warta só havia uma picada no meio da mata, mas isto não intimidou os Wasciki 130 |Família Cocamar
Eram 18 alqueires de mata. Os Wasciki desceram a serra de trem até Jacarezinho, no norte velho do Paraná, para seguir de caminhão a Londrina, onde havia algumas centenas de casas de madeira. Só uma picada ligava a cidade a Warta, mas não passava carro. O jeito foi prosseguir a pé por 15 quilômetros, levando a mudança no lombo de burros. Eram poucas coisas: malas com roupas, tralhas de cozinha, sacos de comida e ferramentas de trabalho. Como já havia outros familiares por ali, improvisaram abrigo nas propriedades deles, enquanto abriam uma clareira e faziam seu próprio rancho com tronco de palmito, coberto de folha de coqueiro. Uma casa, mesmo, só foi construída anos depois. A prioridade era abrir a mata no facão, no machado e no traçador para fazer as plantações de subsistência e garantir alimento nos meses seguintes. “Meu pai contava que no início eles comeram carne de paca, cotia, tatu, o que achassem. E tinha muito palmito também. Depois, compraram matrizes e iniciaram as criações de porcos, galinhas e gado”, relembra João. A família foi buscar sementes de café para plantar em 1938, mesmo ano em que os pais de João (José e Verônica) se casaram e foram cuidar da própria vida. O avô havia comprado 20 alqueires de mata e dado cinco para cada um dos filhos que vieram para o Paraná.
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A preocupação de preservar as tradições Com o objetivo de resgatar a unidade que havia entre as famílias da Comunidade Mimoso, onde vivem, além de manter as tradições religiosas, os Wasciki começaram a organizar na década de 1990 uma festa junina que passou a fazer parte do calendário, sendo realizada por muitos anos.
Soja colhida à mão Para quem nasceu e sempre ajudou os pais na roça, enfrentar a labuta no dia a dia não era surpresa, mas nada preparou Maria Salomon Wasciki para a colheita de soja, feita à mão. Abraçar aquele arbusto carregado de vagens, cortar com a foice e carregar nas costas, não era “serviço de gente”. E ainda seria necessário separar os grãos, abanar e ensacar.
No auge do café, a Comunidade Mimoso chegou a ter mais de 200 famílias. Na década de 1980, com o fim da cafeicultura, esse número foi reduzido para cerca de 50 e atualmente, não passam de 10.
“Começamos a colher a soja uma semana depois do casamento”, recorda-se Maria, que nunca foi de recusar serviço. Naquela época, o plantio era em dezembro e a colheita no mês de maio. A variedade Santa Rosa demorava seis meses para produzir. “Hoje, as precoces não levam mais do que 120 dias”, compara.
João não abre mão da tranquilidade do sítio, do prazer de ter sua horta, as criações e de acompanhar de perto o trabalho dos filhos, João Paulo e Moisés, que cuidam de tudo. O casal tem mais uma filha, Eliane, já casada.
Era difícil ir ao médico
Geadas e guerra trouxeram dificuldades
Procurar um médico, no passado, só se o doente estivesse à beira da morte. João conheceu bem esta realidade. Ainda pequeno, subiu em uma árvore e de lá caiu. Mas como aparentemente estava bem, o menino não só deixou de ser levado ao médico como ainda levou algumas palmadas.
Passar pela década de 1940 não foi fácil, recorda-se João. No ano de 1942, em plena Segunda Guerra Mundial, ocorreu a primeira geada forte que queimou o cafezal já prestes a se formar, retardando a primeira colheita. Os Wasciki mal se restabeleceram do baque e, no ano seguinte, houve outra geada brava.
Em outra ocasião, ele ficou uma semana sem comer direito. O motivo é que sequer conseguia fechar a boca por causa da quantidade de feridas pelo rosto. Como não tinha carro nem dinheiro para levar ao médico, ele foi tratado em casa mesmo, com chá de rosa branca.
Sem perspectiva de uma fonte de renda e diante de uma carestia geral, devido à guerra, aqueles anos foram difíceis, comenta João. “Meus pais contavam que faltava sal e até querosene para o lampião”. Também não se achava açúcar e farinha. O jeito era plantar cana e moer num engenho próximo para fazer melaço. O fubá, triturado do milho, substituiu a farinha no pão, bolos e biscoitos.
O velho e valente tobata
Para a família de Maria, esposa de João, as coisas foram mais complicadas. Descendentes de alemães, sofreram todo tipo de pressão e perseguição, comuns na época. O pai dela, Jorge Salomon, chegou a ser preso na saída da missa só porque estava conversando em alemão com amigos.
Foi com esse tobata e uma rotativa que o produtor fez a terraplanagem do terreno onde construiu sua casa. O equipamento servia também para arar a terra que receberia milho, soja, feijão, arroz e tudo mais no meio do café. Era “pau para toda obra”.
Eles também tiveram que esconder suas armas, além de quadros, livros ou qualquer lembrança da Alemanha. Tudo foi colocado em malas e ficou escondido em uma caverna oculta numa pedreira que havia na propriedade. “Um vizinho que se esqueceu de esconder uma bandeira da Alemanha, quase foi morto no “interrogatório”, conta Maria. 132 |Família Cocamar
Quem não tinha trator, se virava com um tobata. A pequena máquina, adquirida em 1972, foi a salvação da lavoura para a família e é útil na propriedade até hoje.
A máquina foi, por uns tempos, ainda, o único meio de transporte. Toda vez que a família precisava ir às compras ou tinha algo para resolver na cidade, bastava atrelar a carretinha atrás e havia espaço para vários deles, que nem se importavam com a velocidade de apenas 15 quilômetros por hora. O primeiro trator foi adquirido em 1982, o que não aposentou o velho tobata: o danado permanece na ativa, fazendo pequenos serviços na propriedade. Família Cocamar |133
AGRADECIMENTOS Ao presidente do Conselho de Administração, Luiz Lourenço; ao presidente-executivo, José Fernandes Jardim Júnior; ao superintendente Administrativo e Financeiro, Alair Aparecido Zago; ao gerente de Cooperativismo, Nilton César Martins; aos gerentes de unidades operacionais que mantiveram os primeiros contatos com as famílias e a todos os cooperados e representantes das mesmas, que se dispuseram gentilmente a receber os jornalistas e a eles relatar suas lembranças, bem como disponibilizar documentos e imagens de seus acervos, trabalho que agora é um patrimônio da história regional.
FONTES DE CONSULTA • Jornal de Serviço Cocamar • Acervo Cocamar • Acervo Flamma Comunicação