Design de Revista | Realidades Afro Indígenas

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REVISTA CEPAIA: REALIDADES AFRO INDÍGENAS Revista do Centro de Estudos das Populações Afro Indígenas Americanas.

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB REITOR Lourisvaldo Valentim da Silva VICE-REITORA Amélia Tereza Maraux

CENTRO DE ESTUDOS DAS POPUL AÇÕES AFRO INDÍGENAS AMERICANAS - CEPAIA DIRETOR Prof. Dr. Vilson Caetano

CONSELHO EDITORIAL Prof. Dra. Ana Célia da Silva Universidade do Estado da Bahia

Prof. Dr. Carlos Moore University of West Indies

Prof. Dra. Clélia Cor tes Universidade Católica de Salvador

Prof. Dra. Delcele Mascarenhas Universidade do Estado da Bahia

Prof. Dra. Eremita Motta Universidade Federal da Bahia

Prof. Me. Jaime Sodré Universidade do Estado da Bahia

Prof. José Augusto Sampaio Universidade do Estado da Bahia

Prof. Dr. Raphael Rodrigues Vieira Filho Universidade do Estado da Bahia

Me. Sheila Brasileiro Ministério Público Federal - PGR-BA

Prof. Me. Valdélio Santos Silva Universidade do Estado da Bahia

Prof. Dra. Vanda Machado Universidade Federal da Bahia

Prof. Dr. Vilson Caetano Universidade do Estado da Bahia

Prof. Dr. Wilson Rober to de Matos Universidade do Estado da Bahia


ISSN 1519-7492

universidade do estado da bahia  uneb centro de estudos das populações afro indígenas americanas  cepaia

revista cepaia  salvador  ano 3  nº 4  jan/dez 2006  92 p.


REVISTA CEPAIA: REALIDADES AFRO INDÍGENAS Salvador, Ano 3, nº 4, jan/dez 20 06 Publicação anual que analisa e discute assuntos relacionados com a temática negra e a indígena. Os ar tigos publicados são de inteira responsabilidade do respectivo autor. ORGANIZAÇÃO Celene Fonseca, Mabel Menezes, Nelson da Mata REVISÃO Maria Vicentini

TRADUÇÃO Elisabeth Dahlstrom

DESIGN (Projeto Gráfico, Capa e Diagramação) Flavia Gil e Francisco Sampaio amaisd@gmail.com IMPRESSÃO Empresa Gráfica da Bahia TIRAGEM 450 exemplares ADMINISTRAÇÃO E REDAÇÃO A correspondência relativa a colaboração, pedidos de permutas, assinaturas, etc., deve ser dirigida a: Destinatário Revista Cepaia: Realidades Afro Indígenas UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA Centro de Estudos das Populações Afro Indígenas Americanas - CEPAIA Endereço Largo do Carmo, nº 4 - Centro Histórico CEP 40301 400 Salvador-Bahia-Brasil Telefones (71) 3241 0840 / 3241 0811 / 3241 0787 E-mail cepaia@uneb.br

Revista CEPAIA: Realidades Afro Indígenas / Universidade do Estado da Bahia, Centro de Estudos das Populações Afro Indígenas Americanas.- v.1 n.1 (dez.20 01). – Salvador: UNEB, 20 01. Anual ISSN 1519-7492 1. Etnologia – Periódico CDD572


sumário

7 11 19 25 43 51 61 69 87

APRESENTAÇÃO

CORPOS QUARTEJADOS: A ORNAMENTAÇÃO CORPORAL TUPINAMBÁ

A nder son dos Sa ntos Pa iva

ARA ODÁRA: CORPO SADIO DA MULHER NEGRA

A na R ita Sa nt iago da Si lva

O SISTEMA EDUCATIVO NAS COMUNIDADES NEGRAS RURAIS

Held i na Perei ra P i nto

O DISCURSO DE UMA PROFESSORA SOBRE IDENTIDADE E GLOBALIZAÇÃO

Ma r ia Na za ré Mota de L i ma

“TAPUIAS” – ÍNDIOS SEM “HISTÓRIA”: X AMANISMO ENTRE OS KIRIRI

Leona rdo Ra ngel dos Reis

VARIAÇÕES EM TORNO DA CERÂMICA KIRIRI

Sa l ma Dia s A l meida Sá

CL ASSE E ETNIA NA BATALHA DOS 500 ANOS

Celene Fonseca

A BANCADA EVANGÉLICA E AS NOVAS CRUZADAS RELIGIOSAS

Gi lva n Ba rbosa da Si lva


Table of Contents

7 11 19 25 43 51 61 69 87

PRESENTATION

QUARTERED BODIES – THE BODILY ORNAMENTATION OF THE TUPINAMBÁ INDIANS

A nder son dos Sa ntos Pa iva

AR A ODÁR A : THE HEALTHY BODY OF THE BL ACK WOMAN

A na R ita Sa nt iago da Si lva

THE EDUCATIONAL SYSTEM IN RUR AL BL ACK COMMUNITIES

Held i na Perei ra P i nto

A PROFESSOR’S DISCUSSION ON IDENTIT Y AND GLOBALIZATION

Ma r ia Na za ré Mota de L i ma

“TAPUIAS” – INDIANS WITHOUT A HISTORY: “X AMANISM” AMONG THE KIRIRI

Leona rdo Ra ngel dos Reis

VARIATION IN KIRIRI POTTERY

Sa l ma Dia s A l meida Sá

CL ASS AND ETHNICIT Y IN THE FIVE-HUNDRED-YEAR BATTLE

Celene Fonseca

THE EVANGELICAL COMMUNIT Y AND THE NEW RELIGIOUS CRUSADES

Gi lva n Ba rbosa da Si lva


apresentação Presentation

O Cent ro de E st udos da s Popu lações A f ro Ind ígena s A mer ica na s vem ao longo dos a nos est reita ndo relações com a s comu n idades negra s e os povos i nd íg ena s. A pa r t i r de 2 0 0 6, a s at iv idades do Cent ro pa s sa ra m a ser orga n i zada s em quat ro l i nha s de pesqu isa : Pol ít ica s de Ações a f i r mat iva s ; Comu n idades a f ro bra si lei ra s ; Povos i nd ígena s, ter r itór io e h i stór ia ; Ter r itór io e Mov i mentos O Cent ro de Pesqu isa a i nda tem contado com vá r ia s pa rcer ia s e prestado a s ses sor ia s d iver sa s at ravés da orga n i zação de pesqu i sa s, sem i ná r ios, encont ros, c u r sos, etc.

Apresentação

soc ia is.

A Revista CEPAIA: Realidades Afro Indígenas é um dos veículos de comunicação entre a Universidade e a comunidade em geral através da discussão de temas

7

Após u m per íodo sem ser ed itada, a Rev i sta retor na, rea f i r ma ndo o espír ito pelo qua l foi idea l i zada : ser por ta voz da s questões ma i s releva ntes de homen s e mu l heres negra s e i nd ígena s, entendendo - os como sujeitos soc ia i s capa zes de const r u i r a pa r t i r de sua s v i sões de mu ndo a s sua s h i stor ia s. É u m pouco d i s so que o leitor encont ra rá na s próx i ma s pági na s. Boa leit u ra ! ! !

Doutor Vi l son Caeta no de Sou sa Jr. DIRETOR DO CEPAIA

Revista CEPAIA: Realidades Afro Indígenas, UNEB/CEPAIA, Salvador, ano 3, nº 4, p. 7, jan/dez 2006

per tinentes às comunidades negras e povos indígenas.



artigos Articles



A nder son dos Santos Paiva 1

Corpos Quartejados: A Ornamentação Corporal Tupinambá

2

Quartered Bodies: The Bodily Ornamentation of the Tupinambá Indians

RESUMO

Neste a r t ig o s ão a na l i s ada s a s r epr esentações grá f ica s da s pi nt u ra s cor pora i s dos Tupi na mbá s de Ol ivença ( Il héu s - BA), a pa r t i r do proces so de r eelaboração c u lt u ra l que estes índ ios – hoje “m i st u rados”, ma s h i stor ica mente descendentes dos a nt ig os Tupi da Costa r ea l i za ra m. O d i fer enc ia l des s a or na mentação é que ela pa r ece obedecer ao for mato pu ra mente estét ico -ident itá r io e não à r eprodução de elementos com r efer entes “cosmológicos”. O u seja, os pad rões e mot ivos ut i l i zados agr eg a m nova s aqu i sições si mból ica s a l iada s ao pla no pol ít ico - d i sc u r sivo da ident idade ét n ica t upi na mbá.

SUMMARY

In this ar ticle, the graphic representations of body painting used by the Tupinambá Indians f rom Olivença (Ilheus, Bahia) are analyzed, beginning with the process of cultural reelaboration which these indians, who, today are “mixed”, but, are historically descendents of the Tupi da Costa (Coastal Tupi Indians), practiced. T he dif ferential of this or namentation lies in the fact that it seems to obey a for m which is purely related to esthetics and identit y, and not to the reproduction of elements possessing “cosmologic” references. In other words, the utilized patter ns and motifs aggregate new s ymbolic acquisitions allied with the political- discursive plan of the ethnic identit y of the Tupinambá Indians.

PAL AVRAS - CHAVE

r epr esentações grá f ica s, pi nt u ra s cor pora i s, or na mentação i nd íg ena.

KEY WORDS

graphic representations, body painting, indigenous or namentation.

|1| Bacharel em Artes Plásticas e mestrando em Artes Visuais pela Universidade Federal da Bahia. Bolsista da Fundação de Apoio a Pesquisa do Estado da Bahia. |2| Este artigo decorre do trabalho de dissertação do Mestrado em Artes Visuais do PPG-AV Escola de Belas Artes da UFBA, orientado pelo Prof. Dr. Cid Ney Avila Macedo.

11


Contatados desde o primeiro

a lta s, tão cer rad i n ha s e tão l i mpa s

momento de nossa história os Tupis da

cabelei ra s que, de a s mu ito bem

Bahia foram avistados antes mesmo do

ol ha r mos, não t ín ha mos nen hu ma

3

europeu por tuguês apor tar na praia .

vergon ha”( BONAV I DE S ; A M A R A L ,

É de se ref letir sobre tal espanto e de

2 0 02 , p.121).

Corpos Quartejados: A Ornamentação ...

se tentar compreender o modo como

Revista CEPAIA: Realidades Afro Indígenas, UNEB/CEPAIA, Salvador, ano 3, nº 4, p. 11-18, jan/dez 2006

12

Após os ent reol ha res e, tenta ndo

a imagem indígena povoou e ainda

soluc iona r a “au sênc ia” des se

povoa, após tantos séculos, o nosso

pudor, houve o fato do capitão ter

imaginário, pois, tratando-se de

oferec ido a lgu ma s roupa s a u m dos

“descober ta” ou “achamento”, o que se

índ ios e ver, como logo em segu ida,

encontrou aqui seria mais do que até

este a t i rou e la nçou fora. No que

então se supunha.

pen semos hoje, na idéia não tão

Figu ra ndo em nos sos regist ros

cla ra naquela época, de que pa ra

“i naugu ra is”, atentemo -nos ao fato

aqueles índ ios não hav ia a nos sa

de que Ca m i nha, ao da r conta s ao

noção de nud i smo. A pi nt u ra, como

rei de Por t uga l sobre sua s nova s

os ador nos cor pora i s, t i n ha u ma

propr iedades, cla s si f ica o índ io ent re

f u nção a lém de estét ica ta mbém

seu s bens e expõe que desta ter ra “o

prát ica, con st it u i ndo - se, ela s

mel hor f r uto, que dela se pode t i ra r

mesma s, em vestes. Ma s, como ver

me pa rece que será sa lva r esta g ente”

u m t raje onde f ica a most ra o que

( BONAV I DE S ; A M A R A L , 2 0 02 , p.132 ).

deve ser cober to? Como per m it i r

O índ io da costa ser ia, por ta nto,

ta l coi sa se a Bí bl ia já demon st ra

o pr i mei ro modelo de a mer índ io

como o própr io Deu s c r ia a pr i mei ra

por t uguês como u m povo que v iv ia

roupa (feita de fol ha s) pa ra cobr i r

na gênese da hu ma n idade, no

os pudores pós -v i rgi na i s de Adão e

pa ra íso verde cheio de pos sibi l idades

Eva e reter os ol ha res i nd i sc retos,

do u lt ra ma r. Seu s ol hos

peca m i nosos, como aqueles dos

su r preend idos concent ra ndo - se nes se

por t ugueses? Seja como for é neste

“out ro” não como u m “igua l”, ma s

cená r io con f u so que apa recem a s

com a compreensível dúv ida comu m

pr i mei ra s desc r ições da s pi nt u ra s

no séc u lo X V I, que pa i ra r ia sobre u m

cor pora i s no Bra si l: “A í a ndava m,

ser que não tem fé, nem lei, nem rei

qua r tejados de cores, a saber, metade

e, ta lvez , nem mesmo a l ma já que

deles da sua própr ia cor, e metade de

estes somente ser ia m considerados

t i nt u ra preta, a modos de a z u lada ;

hu ma nos at ravés da Bu la Papa l

e out ros qua r tejados de esca rques”

Ver ita s Ipsa, no a no de 1537.

( BONAV I DE S ; A M A R A L , 2 0 02 , p.12 0 ).

Cont udo, nes se ser “desconhec ido”

A s si m ut i l i za mos o ter mo cor pos

hav ia a lgo, ou mel hor, a au sênc ia

qua r tejados que dá t it u lo a este

de a lgo que su r preend ia pelo que era

a r t igo com o objet ivo de propor

i nconcebível: a nudez .

a a ná l i se desta s representações

Sem vergonha da s “vergonha s” os

grá f ica s de modo a favorecer a

índ ios da costa ca m i nhava m ent re os

compreen são não somente estét ico -

por t ugueses com u m est ra nha mento

for ma l, ma s ta mbém ident itá r ia.

rec íproco, e é a s si m que Ca m i n ha se refere à c u r iosidade destes índ ios toca ndo seu s t rajes e ta mbém no ol ha r expl íc ito e desi n ibido com que eles ol hava m pa ra a s “pa r tes” desta s mu l heres c uja s “vergon ha s tão

|3| Hoje os Pataxós estabelecidos em Porto Seguro afirmam-se como os índios descobertos pela esquadra de Cabral muito embora tenham se estabelecido naquela região em um período bem depois deste fato ter ocorrido.


como u ma referênc ia conceit ua l da

a “m i st u ra” rac ia l que deu or ig em

estét ica v isua l i nd ígena e o cor pu s

a u ma soc iedade h ibr id i zada com

grá f ico como sua est r ut u ra que,

cont r ibu ições c u lt u ra i s Ka ma kã,

i ndependente de qua lquer l i m itação

Pata xó e Botoc udo, dent re out ra s, de

espaço -tempora l, at ua r ia a i nda

modo que per ma necera m, du ra nte

hoje agrega ndo a s nova s aqu i sições

mu ito tempo, con hec idos como

si mból ica s da estét ica cor pora l

“índ ios de Ol ivença”. A adoção

t upi na mbá, ou mel hor, Tupi na mbá de

do et nôm io Tupi na mbá ocor rer ia

Ol ivença, já que estes são os ú n icos

somente no f i na l dos a nos 9 0,

com ta l denom i nação recon hec idos

at ravés de u ma con su lta i nter na

at ua l mente no Bra si l.

que se for ta leceu após a v i sita de

E stes índ ios de Ol ivença, cont udo,

a lgu n s representa ntes deste gr upo à

não f igu ra m em nenhu m momento

exposição “Bra si l Ma i s 50 0 a nos” em

histór ico como Tupi na mbá, ao

São Pau lo, qua ndo toma ra m contato

cont rá r io, os relatos ex istentes

com o ma nto t upi na mbá per tencente

i nfor ma m que era m Tupi n iqu i m,

ao Mu seu Nac iona l da Di na ma rca

prov idos de u m mesmo t ronco, ma s

(Copen hague), reprodu z i ndo o

i ni m igos fer renhos se considera r mos

mesmo com mater ia i s loca i s (pena s

a s desc r ições de Ha ns Staden.

de ga l i n ha) pa ra ut i l i zá-lo como

Consideremos então a histór ia

símbolo de for ta lec i mento do

i nd ígena na Ba hia, segu ndo a qua l

gr upo, que já v i n ha produ z i ndo

a fa i xa l itora nea ac i ma da Ba ía

a lgu n s ava nços at ravés dos joven s

de Ca ma mu ser ia habitada pelos

educadores, resu lta ndo na c r iação

Tupi na mbá s, enqua nto aqueles

de u ma sér ie de meca n i smos

sit uados aba i xo deste ma rco

como celebrações e mobi l i zações,

d iv isor ser ia m Tupi niqu i ns e,

com a rei nt rodução de prát ica s

conseqüentemente, procedentes da

con siderada s t rad ic iona i s como a

mesma et nia relatada por Ca m i n ha

pi nt u ra cor pora l, a ut i l i zação de

ao tempo do “acha mento”.

i ndu mentá r ia s, a i n stau ração de

Ma s, pa r t i ndo agora pa ra u ma out ra questão : como estes índ ios sendo histor ica mente ident i f icados

u ma da nça própr ia e a fabr icação de a r tesa natos. Note - s e que es s e mov i mento de

por Tupi niqu i ns pa s sa ra m hoje a

“r eelab oração c u lt u ra l” é mu ito

reconhecer- se como Tupi na mbá s?

comu m a out r o s gr up o s i nd íg ena s

A resposta (da qua l depende pa r te

do Nordes te, como o s Ka mbiwá de

da nos sa a na l ise or na menta l se

Per na mbuco, es t udado s p or Wa l lace

considera mos como fonte h i stór ica a s

B a r b o s a de D eu s, e p or out r o s

iconogra f ia s dos séc u los X V I e X V II ),

ta nto s que s e i n s er em no contexto

decor re da própr ia i nserção deles em

t ratado p or Jo ão Pac heco de Ol ivei ra,

nos sa histór ia, ou seja, da i ntegração

at ravés de sua ab ordag em p ela

deles à nos sa soc iedade nestes séc u los

ót ica da “ter r itor ia l i z ação” e p ela

que se segu i ra m.

idéia de “sit uação h i s tór ica”, onde o

Os at ua is Tupi na mbá s de Ol ivença

pr o ces s o de ac u lt u ração é d i sc ut ido

fora m reu n idos no a nt igo a ldea mento

como u ma “fabr icação ideoló gica

de Nos sa Senhora da E scada, no

e d i s tor c ida” p or i nter es s es da

séc u lo X V II. Pouco a pouco, gr upos

s o c iedade nac iona l, que bu scava

i nd ígena s v i z i n hos fora m reu n idos a

i ntegra r o s índ io s a to do c u s to. E s te

estes, ocor rendo pr i mei ra mente u ma

autor dei xa c la r o como es tes gr up o s

Anderson dos Santos Paiva

“m i st u ra” ét n ica e, poster ior mente,

13 Revista CEPAIA: Realidades Afro Indígenas, UNEB/CEPAIA, Salvador, ano 3, nº 4, p. 11-18, jan/dez 2006

A or na mentação aqu i nos ser v i ndo



A na Rita Sant iago da Silva 1

ARA ODÁRA: Corpo Sadio da Mulher Negra

ARA ODÁRA: The Healthy Body of the Black Woman

RESUMO

SUMMARY

O a r t ig o A ra O dá ra, Cor p o S ad io

T he ar ticle A R A ODÁ R A : T he Healthy

da Mu l her Ne gra, r ef lete s obr e

Body of the Black Woman ref lects upon

a concep ç ão de s aúde a p a r t i r

the concept of health in the universe of

do u n iver s o ne gr o. Re s u lta do s

black persons. It is a product of the results

r e s u ltado s obt ido s p elo P r ojeto : Á ra

obtained f rom the project Ara Odára :

O da ra : Of ic i na It i nera nte de S aúde

Itinerant Workshop for Black Women f rom

da s Mu l her e s Ne gra s , do Q u i lomb o

the A santewaa Quilombo (slave hideaway)

A s a ntewaa – Cent r o de F or maç ão p a ra

– Educational Center for Black Women. It

Mu l her e s Ne gra s . Objet iva r elac iona r o

aims at relating the body and the health

cor p o e a s aúde da mu l her ne gra como

of black women as elements of interaction

elemento s de i nteraç ão e de expr e s s ão

and expression f rom ancestr y and Af rican

da a nce s t ra l idade, da hera nç a

inheritance, as well as f rom the histor y of

a f r ic a na, b em como da h i s tór ia do

black people in Brazil.

p ovo ne gr o no Bra si l. KEY WORDS PAL AVRAS - CHAVE

black woman, body, health, self- esteem. mu l her negra, cor po, s aúde e auto est i ma.

|1| Coordenadora do Quilombo Asantewaa e do Projeto Ara Odára; Oficina Itinerante de Saúde para Mulheres Negras. Mestranda em Educação e Contemporaneidade (UNEB). Pesquisadora de Estudos Culturais e Identitários: Gênero e raça. e-mail: asantewaa@terra. com.br/iyadeta@ig.com.br

19


UMA CONCEPÇÃO DE CORPO, DE SAÚDE E

E lemento f u nda menta l do começo

DE AUTO -ESTIMA

de todos os começos, ma s sa de a r e de água ; or igi ná r io da s nova s

OJÓ ÌBÌ

for ma s de ex i stênc ia e de todos os

OJÓ ÌBÍ ÒRISÀ RE Ó

t ipos de c r iat u ra. O A lá, o gra nde

E YÉ GAN ÒRISÀ SERE.

pa no bra nco, emba i xo do qua l se

ARA ODÁRA: Corpo Sadio da Mulher Negra

abr iga a v ida e a mor te é o seu

Revista CEPAIA: Realidades Afro Indígenas, UNEB/CEPAIA, Salvador, ano 3, nº 4, p. 19-24, jan/dez 2006

20

O dia e o tempo de Orixá chegou

emblema. E m Obata lá, está o poder

Está na hora de parar a brincadeira

g en itor ma sc u l i no, por i s so nele está

Com o Orixá.

a fac u ldade da c r iação de todos os t ipos de c r iat u ra s, ta ntos os a rá- a íyé

Pa ra f ra sea ndo esta l i nda ca nção : O d ia e o tempo de res sigi n i f ica r a nos sa ex istênc ia chega ra m. Centena s de homens e mu l heres negra s, histor ica mente, fez a hora e não espera ra m acontecer. Agora ! Hoje é chegada a nos sa hora de red i mensiona r, bu sca r e fa zer acontecer a hora da s pol ít ica s públ ica s em favor do bem- esta r, da saúde e da v ida d igna do povo negro. Chegou o nos so tempo de restau ra r o sent ido da nos sa ex istênc ia, de resgata r e da r cont i nu idade ao projeto de v ida plena const r u ído pelos nos sos a ncest ra is.

qua nto os a rá- òr u n. Os da esquerda, ta mbém cha mados de ebora. São encabeçados por Oduduwa. E ste, ao cont rá r io de Obata lá, representa a metade de ba i xo do igbá- odú (cabaça cósm ica), o a íyé, a ter ra. Pos su i Oduduwa o poder g en itor fem i n i no, os vent res fec u ndados, a matér ia fem i n i na concebida pa ra a mater ia l i zação de nova s ent idades. D e s ta for ma, entend e - s e a c r iaç ão do mu ndo como a ju nç ão d a p a r te d e c i ma do ig b á - o dú – Ob ata lá – o p o d er g en itor ma s c u l i no, o a r a água e a p a r te d e b a i xo - O duduwa – o p o d er g en itor fem i n i no, a ter ra e o s s eu s elemento s que veic u la m

IGBÁ- ODÚ: A CABAÇA CÓSMICA DA EXISTÊNCIA

Pa ra o povo yor ubá a v ida está d iv id ida, pa ra lela mente, na ter ra (

o a xé. A u n id ad e d a s dua s p a r te s d a c ab aç a, at ravé s do a xé, é que d eter m i na, em ú lt i ma i n s tâ nc ia, o e qu i l í br io do u n iver s o. Compreende - se não haver

a íyé) e no a lém (òr u n). São cha mados

supremac ia do elemento ma sc u l i no

de a rá- a íyé os seres hu ma nos e

sobre o fem i n i no ou v ice -ver sa.

a rá- òr u n os que habita m no òr u n.

A ex i stênc ia de a mbos, de for ma

E stes são ta mbém denom i nados de

igua l ita r ia mente energ ét ica, é

Ir u nma lè. A eles, Obá- Oké (Olor u m

ra zão neces sá r ia e su f ic iente pa ra a

– Deu s Supremo ) t ra nsm it iu de si o

harmonia cósmica entre o òrun e o aiyê.

ìwà, a ex istênc ia, o a xé, a força da

E sta concepção de u n ião pode

rea l i zação e o aba, o propósito, a

ser cor roborada pela s pa lav ra s de

d i reção.

BA S T I DE (1978 ) “é o fato de o céu e

Conta- se que no òr u n hav ia

a ter ra se toca rem, reu n idos, colados

os Ir u n ma lè da d i reita e os da

pelos bordos da s dua s c u ia s ; efet ua m

esquerda. Os da d i reita representa m

u ma u n ião mat r i mon ia l...”

os f u nf u n, do bra nco, à f rente

Pa ra se repen sa r o cor po e a saúde

dos qua is encont ra mos Or i xa lá,

da mu l her negra, tor na- se opor t u no

Or i xa i nlá, Oxa lá ou Obata lá.

retoma r es se pr i nc ípio m ít ico da


Sendo a s si m, d i sc ut i r sobre

saúde, pois, como expres são de

saúde é ma i s u ma proc u ra de co -

cor po sad io e de fonte de v ida,

respon sabi l idade i nd iv idua l e

remete -nos à ha r monia gestada

colet iva com a v ida e de reencont ro

por Oduduwa (pr i nc ípio fem i n i no)

com nos sa s a f r ica n idades. É ,

e Obata lá (pr i nc ípio ma sc u l i no),

por ta nto, u m apelo ao exerc íc io do

nes se pr i nc ípio m ít ico a f r ica no da

nos so a sé (força v ita l, energia), como

ex istênc ia hu ma na.

poder de ação e de t ra n sfor mação. Neste sent ido, saúde i mpl ica em v ida,

negra s, a s soc iado ao cor po negro

É ma i s do que au sênc ia de doença.

fem i ni no, então, cont r ibu i pa ra

É ta mbém bu sca de auto - est i ma,

compreender a saúde da s mu l heres

de resgate, de restau ração e de

negra s no Bra si l h istor ica mente e na

a f i r mação da nos sa ident idade negra.

sua tota l idade. O cor po da mu l her

Ref let i r sobre saúde da mu l her

negra, cer ta mente, ca r rega a h i stór ia

negra é esc uta r e da r voz ao Cor po.

do povo negro, a s si m como nos sa s

E ste é si mu lta nea mente expres sivo,

a ncest ra l idades e hera nça s a f r ica na s.

pol ít ico, estét ico sen sível, v u l nerável

E ngend ra com is so u m projeto

e t ra n scendente. Isto se cont rapõe

pa ra o bem v iver e pa ra c u mpr i r

à s d iver sa s exper iênc ia s de exclu são

os desígnios de Olor u m pa ra cada

e de negação da v ida. Fer na nda

u ma de nós. O sent ido de v iver de

Ca r nei ro (2 0 0 0, 22 ) sobre i sto já

toda s a s c r iat u ra s e, em espec ia l,

menc iona ra : “fa la r de saúde da

da mu l her negra se del i neia

mu l her negra é ta mbém fa la r do

na contempora nei zação e na

cor po estét ico -pol ít ico, poi s, é do

cont i nu idade da m is são, que E le

cor po – ma rcado por exper iênc ia s

designou à Oduduwa e à Obata lá :

pes soa i s si ngu la res de exclu são, pelos

const r u i r o mu ndo, ha r mon ica mente

poderes soc ia i s host i s – de onde pa r te

e na d iver sidade, pos sibi l ita ndo V I DA

o poder e a ét ica da mu l her negra...”

e a lca nce dos objet ivos t raçados por E le pa ra cada u ma de nós.

Repor tar-se à saúde da mulher negra, per mite-nos af ir mar a d iferença racial e não a desigualdade, assim como as múlt iplas for mas

REPENSANDO A SAÚDE DA MULHER NEGRA

de lutas das mulheres negras por d ireito à v ida, ao atend imento d igno

Refer i r- se à saúde, t ra nspõe a

à saúde na totalidade, à integr idade

oposição ent re ela e doença, a s si m

cor poral, à existência da d iver sidade

como a fa lsa relação ent re a mba s.

sexual, à autonomia e respeito a

É a f i r ma r o conceito de bem-

valores e crenças. (C A R N EIRO, 2 0 0 0,

esta r gera l: cor pora l, emoc iona l,

22). Isto, na verdade, conf igura

espi r it ua l, a fet ivo, ét ico, estét ico,

possibilidades de conquistas e de

menta l, pol ít ico e psicos soc ia l. É

inclusão. Per mite-nos, ainda, retomar

u ma tentat iva de bu sca r a d i men são

as ancest ralidades, as for mas de

ecológica, o projeto da nos sa a rché “

resistência que per passam e compõem

e o equ i l í br io d i nâ m ico com a v ida e

o nosso v iver e a nossa histór ia.

seu s elementos : seres v ivos, a n i ma i s,

Renova o nosso SIM dado à v ida.

seres hu ma nos, pla nta s, m i nera i s...”

Também opor t uniza resgatar os

( W E R N EC K , 2 0 02 , 10 ), que estão no

modos de expressão cor poral voltadas

a iyê (mu ndo v isível, u n iver so) e os

para o bem v iver, confor me Fer nanda

que estão no or u n (mu ndo i nv i sível).

Car neiro, 2 0 0 0, 22).

Ana Rita Santiago da Silva

O u n iver so si mból ico da s c u lt u ra s

21 Revista CEPAIA: Realidades Afro Indígenas, UNEB/CEPAIA, Salvador, ano 3, nº 4, p. 19-24, jan/dez 2006

c r iação da c u lt u ra ior uba na. A



Held ina Pereira Pinto 1

O Sistema Educativo nas Comunidades Negras Rurais

The Educational System in Rural Black Communities

RESUMO

SUMMARY

O ar t igo focali za as polít icas educat ivas

T his ar ticle focuses on the educational

adotadas após 115 anos da abolição

policies adopted 115 years af ter the

da esc rav idão, apontando para a

abolition of slaver y, pointing out the

c r ise educac ional c rônica por que

chronic educational crisis experienced by

pas sam as comu nidades negras r u rais,

r ural black communities, par ticularly in

par t ic u lar mente nos mu nic ípios que

the districts which constituted the object

foram objeto de pesqu isa de campo

of research car ried out by the author.

reali zada pela autora. A lém de

Besides providing infor mation on the

infor mar sobre a res semant i zação do

resemantization of the concept of the

conceito de qu ilombo, são também

qu i lombo (slave hideaway), the principal

apresentados os pr inc ipais debates da

debates on social theor y concer ning the

teor ia soc ial sobre as relações ent re

relation bet ween education and societ y are

educação e soc iedade, espec ialmente

also presented, especially concer ning the

as relações de poder e de reprodução

relations of power and the reproduction of

das desigualdades soc iais. A mudança é

social inequalit y. T he change is glimpsed

v islu mbrada na pos sibilidade de adoção

at through the possibilit y of adopting

do mu lt ic u lt u ralismo c r ít ico baseado na

critical multiculturalism based on the

ét ica de solidar iedade com o opr imido.

solidarit y ethics of the oppressed .

PAL AVRAS - CHAVE

KEY WORDS

E ducação – Q u i lombos – D esigua ldades

education, qu i lombos (slave hideaways),

soc ia i s

social inequalit y.

|1| Professora da UNEB, Campus XII, Mestre em educação pela PUC-SP e Doutoranda do programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo, PUC-SP.

25


INTRODUÇÃO

apresenta ndo si ntet ica mente os debates e luta s at ua i s em tor no des sa

A s vel ha s questões sobre a obv iedade da f u nção da escola não estão obsoleta s, nem fora m

questão. E m segu ida, foca l i za remos o conteúdo cent ra l a ser d i sc ut ido.

O Sistema Educativo nas Comunidades Negras Rurais

esgotada s. Agora, ma is do que nu nca, não se deve perder de v i sta ta is preoc upações. O debate é proem i nente, não apena s a nte o r isco da globa l i zação neol ibera l, como, ta mbém, d ia nte da s d isc u s sões sobre a i nclu são da s popu lações que, histor ica mente, est ivera m ma rgi na l i zada s do E stado bra si lei ro. A s comu nidades negra s r u ra i s não podem ser considerada s como u m fenômeno recente, mu ita s são rema nescentes dos qu i lombos. A s si m 26

que os /a s pr i mei ros /a s homens e

Revista CEPAIA: Realidades Afro Indígenas, UNEB/CEPAIA, Salvador, ano 3, nº 4, p. 25-42, jan/dez 2006

mu l heres a f r ica na s /os escapa ra m do t raba l ho forçado pa ra se ref ugia r no i nter ior do Bra si l, fora m c r iados os pr i mei ros espaços de l iberdade e de resistênc ia. E is so data do séc u lo X V I. Constata mos que es ses gr upos v ivem aqu i há ma is de t rês séc u los, ma s, efet iva mente, não são t ratados como membros da soc iedade nac iona l. Dia nte d is so, pretende - se d isc ut i r o sistema educat ivo no contexto dos qu i lombos contemporâ neos (comu nidades negra s r u ra is). Pa ra is so, emprega remos a lgu ns dados da nos sa pesqu isa de ca mpo, do t raba l ho do projeto de doutorado, pa ra mel hor ref let i r sobre a lgu ma s des sa s teor ia s soc iológica s. A na l isa remos, neste a r t igo, a s pol ít ica s educat iva s adotada s após 115 a nos da abol ição da esc rav idão,

UMA CRISE CRÔNICA

A s pesqu i sa s 2 at ua i s most ra m que, a i nda hoje, pa s sados 115 a nos da abol ição da esc rav idão, a s cha mada s comu n idades negra s r u ra i s, mesmo aquela s que estat i st ica mente con sta m nos P rogra ma s do M i n i stér io da Educação, l ida m com mu ita d i f ic u ldade pa ra ter aces so à educação. Se ver i f ica r mos a s i n for mações sobre a ex i stênc ia de pr éd ios escola res, de cla s ses em f u nc iona mento, de paga mento de profes sores pa ra at ua rem nes sa s loca l idades, cer ta mente, serão encont rados regi st ros, como por exemplo, o sen so escola r rea l i zado pelo I N E P ( In st it uto Nac iona l de E st udos e Pesqu i sa s Educac iona i s). Ma s, obser va ndo i n loco chega a ser desconcer ta nte o que acontece no cot id ia no da s escola s e dos t raba l hadores em educação que at ua m nes sa s regiões. At ua l mente, os mov i mentos soc ia i s a na l i sa m a sit uação, revela ndo os pr i nc ipa i s desa f ios. Mesmo que o aces so à educação ten ha se u n iver sa l i zado no Bra si l, per m it i ndo que ma i s de 95% da s c r ia nça s f reqüentem a escola (e a í estão i nclu ídos os negros), na prát ica,

qua ndo o E stado, lega l mente, dever ia

es sa conqu i sta não ga ra nte que

i nclu i r es ses gr upos soc ia is. Ca so

todos ten ha m o d i reito de pa r t ic ipa r

tenha m sido i nclu ídos, como o

plena mente na “produção si mból ica

sistema educat ivo bra si lei ro se fez

que se rea l i za no espaço educac iona l

presente, ou seja, qua is pol ít ica s de

( PU IGGRÓS,97/98,p.8 -13)”.

educação vêm sendo i mpla ntada s nes ses ter r itór ios? Pa ra is so def i n i remos o ter mo comu nidade negra r u ra l, sit ua ndo - a s brevemente na soc iedade nac iona l,

|2| Cf PINTO, Heldina (2000). Os saberes das práticas religiosas da comunidade negra rural de Barra do Parateca: uma articulação com a cultura escola. Dissertação de Mestrado, PUC-SP.


negros e pa rdos é mu ito d i ferente.

a mu nic ipa l i zação do ensi no,

Dent re a popu lação de 2 0 a 2 4

confor me d isposto na Const it u ição

a nos, enqua nto 56% dos bra ncos

de 198 8, a responsabi l idade com o

f reqüenta m a u n iver sidade, apena s

ensi no f u nda menta l, na ma ior ia dos

15,8 % são pretos e pa rdos. Nes sa

mu nic ípios, f u nc iona preca r ia mente.

fa i xa etá r ia, 4 4% dos negros e pa rdos

A s ad m i n ist rações loca is a i nda não

a i nda não ter m i na ra m o en si no

têm a est r ut u ra neces sá r ia pa ra

méd io e 3 4, 2 % c u r sa m o en si no

ga ra nt i r u m ensi no com pad rões

f u nda menta l. O atend i mento da dema nda

todo o i nvest i mento do M i n i stér io

educac iona l é u m dos pr i nc ipa i s

da Educação, dent ro do progra ma de

problema s en f rentados na s

u niver sa l i zação da educação bá sica,

comu n idades negra s r u ra i s 3 :

a sit uação a i nda é precá r ia. Isto signi f ica que, mesmo a ntes da

Deficiências no sistema educacional, resultando em baixo nível de

mu nic ipa l i zação e da const it u ição

escolaridade e alto índice de

de 198 8, no ca so da Ba hia, o estado

analfabetismo;

enqua nto u n idade federat iva, ta mbém não atend ia à dema nda do ensi no f u nda menta l e ja ma i s do ensi no méd io. Nos mu nic ípios de Ca r i n ha nha, Ma l hada e Bom Jesu s da L apa, por exemplo, a Sec reta r ia

Deficiente qualificação da mão-deobra e reduzido investimento em formação profissional; Decadência da cultura local, cuja única forma de transmissão do conhecimento se limita à oralidade,

E stadua l de Educação da Ba h ia fa z ia

tornando-a vulnerável às for tes

“v ista gros sa”. Nes ses mu n ic ípios o

inf luências externas;

aba ndono é comovente. São ma i s de 12 comu n idades negra s r u ra i s, que

Baixo aproveitamento das matérias primas locais e dos recursos nativos,

du ra nte cem a nos de abol ição ja ma i s

e pouco reconhecimento do valor dos

t ivera m escola s públ ica s ma nt ida s

saberes e fazeres das comunidades.

pelo gover no da Ba hia. E m Bar ra do Parateca, município

E m con sonâ nc ia com os dados

de Car inhanha, não existe, ainda,

estat íst icos, ver i f ica- se a d i storção

uma t ur ma que tenha concluído a

idade/sér ie, a lém de profes sores

educação básica. A pr imeira t ur ma

não habi l itados e desest i mu lados

que tenta concluir o ensino méd io

pa ra lec iona r nes sa s loca l idades ;

sof re d iar iamente para chegar à sede

d i f ic u ldade de per ma nênc ia

do município em um ônibus ced ido

do profes sor na loca l idade ;

pelo prefeito, sem a obr igação de

descon hec i mento da questão

garant ir o t ranspor te até o f im, já que

loca l; d i f ic u ldade de t ra n spor te

não recebe verbas para tal nem pode

pa ra profes sores, agravada pela

dest inar os rec ur sos da educação para

d i stâ nc ia e d i f íc i l aces so à s

o ensino méd io, pois essa obr igação

comu n idades ; i sola mento no que

cabe ao E stado da Bahia; e, pela lei

se refere ao acompa n ha mento pela

de responsabilidade f iscal, o prefeito não pode prestar contas de gastos que não sejam aqueles cont idos nos inst r umentos legais. Segu ndo dados do I BGE (2 0 02 ), o nível de escola r idade ent re bra ncos,

|3| Cf. COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBOS: contribuição para o Plano Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável, julho, 2002.

Heldina Pereira Pinto

m íni mos de qua l idade. Mesmo com

27 Revista CEPAIA: Realidades Afro Indígenas, UNEB/CEPAIA, Salvador, ano 3, nº 4, p. 25-42, jan/dez 2006

E nt regues à s prefeit u ra s, após



Mar ia Nazaré Mota de L ima 1

O Discurso de uma Professora sobre Identidade e Globalização

A Professor’s Discussion on Identity and Globalization

RESUMO

SUMMARY

O a r t ig o a na l i s a o d i sc u r so de

T he ar ticle analyzes the discussion of

u ma profes sora em for mação sobr e

a professor specializing in Cultural

Plu ra l idade Cu lt u ra l r ea l i zada pelo

Pluralit y at CE A FRO, in par tnership with

C E A F RO, em pa r cer ia com a Sec r eta r ia

the Municipal Depar tment of Education

Mu n ic ipa l de E ducação e Cu lt u ra –

and Culture – SMEC, considering the

S M EC , con sidera ndo o contexto em que

context in which the text on Identit y and

o texto sobr e Ident idade e G loba l i zação

Globalization is produced by the professor,

é produ z ido pela profes sora, a s soc ia ndo

associating her teaching profession

a prof i s s ão de magi stér io ao seu

with her involvement with women and

exer c íc io por mu l her es e mu l her es

black women in Salvador, Bahia, and

negra s, em Sa lvador/ Ba e d i sc ut i ndo

discussing the relationship bet ween

a r elação ent r e d i sc u r so e con st r ução

discussion and the constr uction of social

de ident idades soc ia i s, de modo a

identities, in order to show that pedagogic

demon st ra r que o d i sc u r so pedag ógico

discussion, characteristic of this teaching

ca rac ter íst ico desta for mação de

specialization, deter mines the production

profes sor es /a s deter m i na a produção do

of the analyzed text.

texto a na l i s ado. KEY WORDS PAL AVRAS - CHAVE

discussion, identit y, teaching D i sc u r so, ident idade e for mação de profes sor es /a s.

|1| A autora é Mestre em Educação e Doutoranda em Letras e Lingüística, ambos pela UFBA, Professora da Universidade do Estado da Bahia e Coordenadora Pedagógica do CEAFRO.

specialization.

43


Neste texto a na l iso o d isc u r so de u ma profes sora do ensi no

O Discurso de uma Professora sobre Identidade e Globalização

f u nda menta l sobre a relação

Revista CEPAIA: Realidades Afro Indígenas, UNEB/CEPAIA, Salvador, ano 3, nº 4, p. 43-50, jan/dez 2006

44

pela presença dos joven s negros e negra s na sa la de au la. A for mação se dá no i nter ior

ent re ident idade e globa l i zação,

do P rojeto E SCOL A PLU R A L : A

no contexto de u ma for mação de

DI V E R SI DADE E S TÁ NA SA L A e

profes sores /a s, most ra ndo que o

ba seia- se na P roposta Pedagógica

fato de ser profes sora e esta r d ia nte

do C E A F RO. A proposta de for mação

de u ma for madora, sua profes sora

i n ic ia d i sc ut i ndo - se a s concepções

naquele momento, deter m i na a s

dos /a s educadores /a s sobre raça e

escol ha s de l i nguagem do texto que

g ênero, cont i nente a f r ica no, rac i smo

ela esc reve.

e sex i smo, seu s preconceitos, a

Pa ra is so, considero o contexto em

d i sc r i m i nação, em sua v ida e na

que o texto foi produ z ido, o sujeito do

soc iedade em g era l, sua s h i stór ia s e

d isc u r so, a relação ent re d isc u r so e

v ivênc ia s pes soa i s com estes tema s.

a const r ução da s ident idades soc ia i s

E m segu ida, d i sc ute - se a respeito de

e, a pa r t i r des ses a spec tos, a na l i so o

como es sa s questões são t ratada s

texto sob a ót ica d isc u r siva. Por f i m,

na escola, foca ndo a s pos sibi l idades

c r u zo a s i nfor mações d isc ut ida s nos

de sua a r t ic u lação à s á rea s do

itens precedentes, si ntet i za ndo a s

con hec i mento en si nada s /aprend ida s

a ná l ises feita s.

no en si no f u nda menta l. E s sa s

O d isc u r so da profes sora será

temát ica s per pa s sa m a s relações

a na l isado a pa r t i r de u m texto

cot id ia na s no espaço escola r, e a

produ z ido no contexto da For mação

profes sora ta mbém é u ma ag ente de

de P rofes sores /a s do C E A F RO/C E AO/

produção e reprodução de prát ica s e

U F BA 2 , em pa rcer ia com a SM EC 3 ,

d i sc u r sos que oc u lta m ou ma sca ra m

v isa ndo à i mplementação do Tema

sit uações de con f l itos relac ionados à

Tra ns ver sa l Plu ra l idade Cu lt u ra l na

d iver sidade c u lt u ra l presente na sa la

rede públ ica de Sa lvador.

de au la e na escola.

Desde que foi c r iado, em 1995, o

A s s i m, s ua s h i s tór ia s como

C E A F RO at ua no sent ido de reforça r

mu l her e s e mu l her e s ne g ra s

a ident idade negra a pa r t i r da

ac ab a m p or d eter m i na r cer ta s

rec uperação de ra ízes histór ico -

t rajetór ia s p e s s o a i s , s o c io c u lt u ra i s

c u lt u ra is e da el i m i nação da s

e pr of i s s iona i s que ex pl ic a m, d ent r e

i magens negat iva s do negro nos

out r o s , a pr e s enç a fem i n i na no

mater ia is d idát icos, na relação

mag i s tér io, pr of i s s ão d e s qua l i f ic ad a,

profes sor- a lu no, a lu no - a lu no, deste

d e s mer e c id a e p ouco r e con he c id a

com f u nc ioná r ios, etc.

em s eu s mér ito s . A for maç ão

O P rojeto de For mação de

não s e e s g ota na aqu i s iç ão d e

P rofes sora s em Plu ra l idade Cu lt u ra l

con he c i mento s s obr e o s tema s d e

vem sendo desenvolv ido a pa r t i r do

Plu ra l id ad e Cu lt u ra l, d ei xa ndo d e

a no 2 0 0 0 e v isa i nst r u menta l i za r

con s id era r a pr of i s s ão d e mag i s tér io

a s educadora s at ua ntes no ensi no

e a s id ent id ad e s d a s pr ofe s s ora s

f u nda menta l que, de modo gera l,

em for maç ão. Pelo cont r á r io,

neces sita m de debr uça r- se sobre a

que s tõ e s r elat iva s à s ubjet iv id ad e

questão da ident idade rac ia l e de gênero sua e de seu s /sua s a lu nos / a s, considera ndo que a for mação em magistér io não a s prepa ra pa ra t raba l ha r com dema nda s colocada s

|2| O CEAFRO é um programa de educação de negros do CEAO – Centro de Estudos Afro-Orientais da UFBA - Universidade Federal da Bahia. |3| Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Salvador/Ba.


d a s pr ofe s s ora s p a r t ic ip a nte s s ão

estereót ipos e preconceitos. E m

s empr e con sid erad a s , t rab a l had a s e

relação à cond ição rac ia l, repete - se a

r elac ionad a s ao s tema s d i s c ut ido s ,

sit uação. E m out ra s pa lav ra s t rata-

d e mo do que p er ceb a m s ua

se de profes sora s mu l heres negra s,

i mp or tâ nc ia e s e d ê em conta d e

em sua gra nde ma ior ia, ma s que

como é pr ejud ic ia l a for ma como a

não relac iona m i sto ao fato de que

e s cola t rad ic iona l mente l id a com

a popu lação negra oc upa a s piores

e s s e a s p e c to.

posições no mercado de t raba l ho.

d isc u s sões rea l i zada s e t raba l hos

a ser t raba l hada s com os /a s profes -

propostos em tor no do tema ident i-

sores /a s em for mação, con sidera ndo

dade (de gênero e de raça, pr i nc ipa l-

seu papel na con st r ução da s refe -

mente), tendo sido apresentado à s

rênc ia s ident itá r ia s da s c r ia nça s e

profes sora s após o módu lo acerca de

joven s, negra s em sua ma ior ia, que

Á f r ica, como mote pa ra a produção

oc upa m a s vaga s na s escola s públ ica s

de u m texto i nd iv idua l, deseja ndo -

de ba i r ros per i fér icos de Sa lvador.

se compreender a v i nc u lação que a s

D u ra nte a for mação, em meio a

profes sora s já consegu ia m fa zer ent re

su stos, cata r ses e descober ta s, ela s

a s temát ica s do Cu r so de For mação.

adent ra m em tema s como Hi stór ia

Dos textos produ z idos, selec iona mos

da Á f r ica, descor t i na ndo quem são

1 pa ra a na l isa r neste a r t igo, produ-

os a ncest ra i s dos negros e negra s

z ido a pa r t i r do enu nc iado : Só se sa l-

no Bra si l, por que es se gr upo é

va rá na globa l i zação quem gua rda r

i n fer ior i zado na soc iedade bra si lei ra

4

sua ident idade [com a Á f r ica] . Ma s, quem é a profes sora, sujeito

e o que tem feito pa ra descon st r u i r os est igma s que pesa m sobre si e sobre

do d isc u r so aqu i a na l isado? A

seu povo, en f i m, qua i s a s for ma s de

exper iênc ia de for mação per m it iu

resi stênc ia de que negros e negra s

v isibi l i za r ma is conc reta mente a

têm pa r t ic ipado, até compreenderem

sit uação do profes sorado bra si lei ro

a educação públ ica como u m des ses

e nordest i no, confor me Apl le (1995),

espaços de resi stênc ia.

que aponta a predom i nâ nc ia do gênero fem i ni no no magistér io, sobret udo na s pr i mei ra s sér ies,

O DISCURSO E A CONSTRUÇÃO DAS

d i m i nu i ndo nos níveis e grau s ma i s

IDENTIDADES SOCIAIS

a ltos, de modo que na Univer sidade, a s si m como em ca rgos de d i reção,

O d i sc u r so é u m conceito, ma s

a pa r t ic ipação ma sc u l i na é ma i s

ta mbém u ma categor ia de a ná l i se em

expres siva. E sta sit uação não é

Ciênc ia s Soc ia i s, segu ndo a qua l os

espec íf ica do magistér io, ma s da

sujeitos ex i stem e se relac iona m por

própr ia i nserção da mu l her no

meio da l i nguag em, con st it u i ndo -

mercado de t raba l ho em gera l, em

a e con st it u i ndo - se a pa r t i r des sa s

oc upações pouco prest igiada s, na s

relações, nem sempre ha r mon iosa s e

sit uações de ma is suba lter n idade e

nu nca desideologi zada s.

com ma is ba i xos sa lá r ios, em relação aos homens.

O conceito de d iscur so, por tanto, remete a língua para um lugar de

E sta d isc u s são sobre o magi stér io a i nda é nova, pa ra mu ita s profes sora s, ou coi nc idente com o senso comu m, este ma rcado por

|4| Júlio Braga, em depoimento no filme Atlântico Negro, discutido no processo de formação.

Maria Nazaré Mota de Lima

São es sa s d i men sões que pa s sa m

45 Revista CEPAIA: Realidades Afro Indígenas, UNEB/CEPAIA, Salvador, ano 3, nº 4, p. 43-50, jan/dez 2006

O texto em questão i nsere - se na s


complexidade, porque entendida

O Discurso de uma Professora sobre Identidade e Globalização

como espaço de interação, de relações

Revista CEPAIA: Realidades Afro Indígenas, UNEB/CEPAIA, Salvador, ano 3, nº 4, p. 43-50, jan/dez 2006

46

profes sor ou a lu no, etc ” (p.45). Deste modo, o autor recon hece que

de poder, de ideologia, às vezes de

a s ident idades - no plu ra l - que u ma

conf lito ent re interesses antagônicos,

mesma pes soa exerce, são mú lt ipla s,

mas também de negociação, de

e se at ua l i za m nos d i sc u r sos de

camuf lagem de idéias, de revelações

que es sa s pes soa s pa r t ic ipa m,

de ident idades... Enf im, t udo se é ou

con st it u i ndo - o e con st it u i ndo - se, na

se faz por meio da linguagem, o que

i nteração com i nterloc utores /a s rea i s

signif ica dizer que as ident idades

e conc retos /a s, i mer sos /a s em eventos

sociais são const r uídas ao agir mos no

d i sc u r sivos onde se posic iona m como

mundo, por inter médio da linguagem.

são pa ra o/a out ro/a. Di z o autor :

Lopes (2 0 02 ) most ra a propr iedade

“Os pa r t ic ipa ntes d i sc u r sivos

da ut i l i zação do conceito de d i sc u r so

con st roem o sign i f icado ao se

como ação soc ia l, at ravés do qua l

envolverem e ao envolverem out ros

d isc ute como se dá a const r ução

no d i sc u r so em c i rc u n stâ nc ia s

da s ident idades de raça, gênero e

c u lt u ra i s, h i stór ica s e i n st it uc iona i s

sexua l idade em au la s de l íngua

pa r t ic u la res. Isto quer d i zer que

por t uguesa. Por ta nto, a per spec t iva

a lter idade e contexto são categor ia s

de a na l isa r o d isc u r so pedagógico,

bá sica s pa ra compreender como o

de modo a apreender como se

sign i f icado é elaborado na soc iedade

const it uem a s ident idades de g ênero e

já que, como d i z Ba k ht i n (1981,

raça em au la s de c u r so de for mação,

p.12 ), ‘u ma pa lav ra é d i r igida a

é o tema deste t raba l ho, que

u m i nterloc utor : ela é f u nção deste

encont ra no autor d iver sa s pista s,

i nterloc utor ’”(p.6 4).

já que ele segu iu esta t r i l ha em seu l iv ro Ident idades Fragmentada s : a const r ução d isc u r siva da raça, g ênero

ANALISANDO O TEX TO ENQUANTO

e sexua l idade em sa la de au la.

MATERIALIDADE DO DISCURSO

A const r ução da ident idade soc ia l é v ista pelo autor como

O texto selec ionado será explorado

esta ndo sempre em proces so, poi s

sob a ót ica da a ná l i se do d i sc u r so,

depende da rea l i zação d isc u r siva

á rea de est udo que dei xa de cent ra r-

em c i rc u nstâ nc ia s pa r t ic u la res,

se exclu siva mente no texto em si

engloba ndo d iver sos signi f icados que

pa ra abra ng er a s sua s cond ições de

os pa r t ic ipa ntes dão a si mesmos e

produção : quem enu nc ia, pa ra quem,

aos out ros, engajados no d isc u r so,

o que é enu nc iado, como, em que

destaca ndo que “A s ident idades

sit uação, ca rac ter i za ndo o que se

soc ia is de cla s se soc ia l, gênero,

denom i na f u nc iona mento d i sc u r sivo :

sexua l idade, raça, idade, prof i s são,

“A at iv idade est r ut u ra nte de u m

etc. são si mu lta nea mente exerc ida s

d i sc u r so deter m i nado, por u m fa la nte

pela s mesma s pes soa s na s mesma s

deter m i nado, pa ra u m i nterloc utor

ou em prát ica s d isc u r siva s d i ferentes.

deter m i nado, com f i na l idades

Uma pes soa pobre não é só pobre,

espec íf ica s” (OR L A N DI, GU I M A R ÃE S

ma s ta mbém é u ma mu l her ou u m

E TA R A L LO, 1989, p. 2 4).

homem, heteros sexua l ou gay/

O texto sob apreciação foi produzido

lésbica, preto ou bra nco, jovem ou

no contexto da for mação, por uma

vel ho, def ic iente f ísico ou não, nor te -

professora de E nsino Fundamental,

a mer ica no ou su l- a mer ica no, fa la nte

com o objet ivo de demonst rar a

de u ma va r ia nte hegemônica ou não,

apreensão de conceitos t rabalhados


no módulo sobre Á f r ica e const r ução

autor itár io, cujas for mações

de ident idade racial por negros e

imaginár ias podem ser representadas

negras brasileiros. Integra, por isso, o

como se segue, de acordo com Pêcheu x

discur so pedagógico, essencialmente

(In OR L A N DI, 1987 p.16) 5

ENSINA

O QUÊ

PARA QUEM

ONDE

IMAGEM DO PROFESSOR

INCULC A

IMAGEM DO REFERENTE

IMAGEM DO ALUNO

ESCOLA

R

B

X

A

O s “i nterlo c utor e s” do s tex to s

a representação que os a lu nos

a na l i s ado s s ão for mador e s

fa zem daqu i lo que o profes sor l hes

( pr ofe s s ora, na sit uaç ão a na l i s ad a)

designa é que dom i na o d i sc u r so...”

e pr ofe s s ora s (a lu na s , na sit uaç ão

( PÊC H EU X, 199 0, p. 86) .

a na l i s ad a) . O tex to pr o du z ido

Pela mater ia l idade dos textos em

em sit uaç ão p e d ag ó g ic a tem

questão, f ica ev idente o empen ho

c a rac ter ís t ic a s que o d eter m i na m.

da s esc r itora s pa ra most ra r u m

E le é e s c r ito não p a ra comu n ic a r,

con hec i mento d i spon ibi l i zado

i n for ma r, d i z er a lg o que o out r o não

du ra nte a for mação, devolvendo - o à

s ab e, como na s sit uaçõ e s s o c ia i s

for madora. A si mu lação, por ta nto,

em g era l, ma s p a ra mo s t ra r ao

preva lece sobre a autor ia dos

out r o que s e s ab e ( S T U BB S , 1987 ) .

textos, denu nc ia ndo a s cond ições

C on for me Ha r p er et a l. (c itado p or

em que fora m produ z idos. Neles,

COR AC I N I, 19 91) :

predom i na u ma i magem soc ia l do

“a maior par te das perguntas que

profes sor/for mador - aquele que

o professor faz, a maior par te dos

sabe : tem a pos se do saber que é

exercícios de expressão que pede

legit i mado pela esfera do en si no ; e

se inscrevem num contexto de

u ma i magem soc ia l do a lu no - aquele

comunicação ar tificial: não se trata

que não sabe : não pos su i este saber

de perguntas de verdade, uma vez que quem pergunta sabe as respostas; não se trata de mensagens com um sentido autêntico - pois o destinatário já conhece o conteúdo” (p. 177).

A c r ít ica que fa zem G era ld i (1994),

legit i mado e prec i sa dele pa ra se legit i ma r soc ia l mente. No texto selec ionado, a s si m fa la a profes sora sobre o enu nc iado d i spon ibi l i zado pa ra or ienta r a

Orla nd i (1987,198 8 ), Corac i n i (1991),

produção do texto : “Só se sa lva rá na

dent re out ros, é que a at iv idade

globa l i zação quem souber gua rda r

de produ z i r textos na relação

sua ident idade [ com a Á f r ica]”.

pedagógica, porque exces siva mente cercada de c u idados, perde sua es sênc ia e f u nção, de per m it i r a expres são de u ma idéia, sent i mento, emoção, pa ra tor na r- se u m mero pretexto. “Na relação pedagógica

|5| No discurso autoritário a reversibilidade de papéis entre locutor e ouvinte tende a zero; o objeto do discurso é oculto pelo dizer; há um agente exclusivo do discurso e a polissemia é contida (Orlandi; 1987).

47 Revista CEPAIA: Realidades Afro Indígenas, UNEB/CEPAIA, Salvador, ano 3, nº 4, p. 43-50, jan/dez 2006

QUEM

Maria Nazaré Mota de Lima

Figura 01



Leonardo Rangel dos Reis 1

“Tapuias” – Índios sem “história”: xamanismo entre os Kiriri

“Tapuias” – Indians without a History: “Xamanism” Among the Kiriri

RESUMO

SUMMARY

O pr esente t raba l ho pr etende su sc ita r

T his research intends to point out

questões r efer entes ao contexto

questions concer ning the cultural context

c u lt u ra l da fa m í l ia l i ngü íst ica Ka r i r i.

belonging to the linguistic family of the

A f i na l idade é proceder de acordo

Kiriri Indians. T he objective is to proceed

com o que pr econ i za a et nologia

according to that which praises classical

c lá s sica, i sto é, a u m est udo conc r eto

ethnology. In other words, it is a concrete,

e i nd iv idua l i zado, si mu lta nea mente

individualized study, simultaneously

et nográ f ico e et nológico, do si stema

ethnographic and ethnologic, of the

xa ma n íst ico dos índ ios K i r i r i,

“xamanistic” s ystem of the Kiriri Indians,

loca l i zados no ser tão ba ia no, no

who inhabit the dr y inland area of the

decor r er do qua l se bu sca rá demon st ra r

state of Bahia . During this study, an

a r elação de cont i nu idade d i nâ m ica

attempt will be made to demonstrate

ent r e o xa ma n i smo r egi st rado pelos

the relationship of dynamic continuit y

c ron i sta s dos séc u los X V II, X V III e X I X

bet ween the “xamanism” registered by

e sua per si stênc ia no contexto ét n ico

chronics in the 17 th , 18 th , and 19 th centuries

K i r i r i at ua l. O si stema xa ma n íst ico

and its persistence in the ethnic context

entend ido como u m med iador

of the present- day Kiriri Indians. T he

epi stemológico que r ea l i za a ponte

“xamantistic” s ystem, understood as an

ent r e os vá r ios n ívei s de ob ser vação da

epistemological mediator which links the

r ea l idade soc ioc u lt u ra l é aqu i abordado

various levels of obser vation of socio -

em sua d i men s ão h i stór ica, no i nt u ito

cultural realit y, is discussed here in its

de ev idenc ia r a sua per ma nênc ia e a

historical dimension, aiming at showing

t ra n sfor mação de seu s sign i f icados.

evidence of its per manence and the transfor mation of its meanings.

PAL AVRAS - CHAVE KEY WORDS

K i r i r i, xa ma n i smo, c r ença s, ser tão, augú r ios .

Kiriri, “xamanism”, beliefs, dr y inland area, auguries. * “Xamanism” is the set of beliefs and practices associated with the activities of a “xamã” (medicine man f rom an indigenous

|1| Graduado em Ciências Sociais (Antropologia) pela UFBA e pesquisador do PINEB-Programa de Pesquisa sobre os Povos Indígenas do Nordeste Brasileiro (FFCH/ UFBA).

tribe).

51


INTRODUÇÃO

ESTRUTURA VERSUS HISTÓRIA: CAMINHOS COMPLEMENTARES

O campo da et nohistór ia dos povos

“Tapuias” – Índios sem “história”: ...

indígenas do nordeste é de extrema

Revista CEPAIA: Realidades Afro Indígenas, UNEB/CEPAIA, Salvador, ano 3, nº 4, p. 51-60, jan/dez 2006

52

Ao longo dos tempos, na s c iênc ia s

impor tância na compreensão de uma

a nt ropológica s, a problemát ica

alter idade relegada pela histor iograf ia

relação ent re est r ut u ra e h i stór ia

tradicional, que só recentemente

sempre foi posta de lado, ou mereceu

desper tou o interesse de pesquisadores

pouca con sideração por pa r te

preocupados em intensif icar o

dos teór icos. Até mesmo Eva n s -

conhecimento relativo à dinâmica

P r itcha rd, o qua se exclu sivo defen sor

estabelecida entre estes agentes.

do método h i stór ico, a f i r ma que

O est udo, ora em c u r so, tem como

os a nt ropólogos soc ia i s enqua nto

objeto a a ná l ise e i nter pretação da

est ives sem i nvest iga ndo os abor ígi nes

per spec t iva dos c ronista s sobre o

au st ra l ia nos ou os nat ivos da s i l ha s

xa ma nismo dos índ ios da fa m í l ia

dos ma res do su l, os qua i s não ter ia m

l i ngü íst ica Ka r i r i, à lu z da l iterat u ra

h i stór ia regi st rada, poder ia m ignora r

produ z ida nos séc u los X V II, X V III

a h i stór ia ( SA HL I N S ; 1987 ). O método

e X I X. O recor te i nc id i rá sobre a

f u nc iona l i sta de Ma l i nowsk i, - o pa i

et nia K i r i r i, u m gr upo i nd ígena que

da pesqu i sa de ca mpo - a s soc iou à

v ive, a i nda hoje, na a nt iga a ldeia

idéia de que a s c u lt u ra s dever ia m

jesu ít ica de Saco dos Morcegos

ser est udada s e representada s

(at ua l M i ra ndela), c r iada no séc u lo

si nc ron ica mente e no presente,

X V II. Os supostos que condu zem

como pacotes de u n idades d i sc reta s,

a i nvest igação são : i) o de que a

ex i stentes sob for ma u n itá r ia,

i ntensi f icação do contato provocado

acabada e pa s sívei s de serem

pela coloni zação não el i m i nou

obser vada s e con hec ida s at ravés dos

a s d i ferença s c u lt u ra is ; i i) a ntes,

ol hos t rei nados dos a nt ropólogos.

c r iou u m hor i zonte de d iá logo

Claude Lév i- St rauss, o grande

ent re m is sioná r ios e i nd ígena s, no

sintet izador das ciências et nológicas

â mbito do qua l os d isc u r sos fora m

e teór ico do est r ut uralismo, foi

relat iv i zados e reava l iados na s

acusado de for malismo, por tentar

prát ica s cot id ia na s ( SA HL I N S ; 1987 );

enr ijecer as relações sociais em

i i i) med ia nte a t ra nsfor mação da s

modelos matemát icos, buscando leis

exper iênc ia s e percepções da s pa r tes

invar iáveis e univer sais. Segundo ele,

envolv ida s, a s i nst it u ições c u lt u ra i s

a at iv idade inconsciente do espír ito

ta mbém fora m se mod i f ica ndo ;

consiste em impor for mas a um

iv) o xa ma nismo enqua nto u ma

conteúdo, sendo estas as mesmas para

i nst it u ição c u lt u ra l cent ra l, que

todos os espír itos, ant igos e moder nos,

at ravés do r ito, u ni f ica o pa s sado

pr imit ivos e civ ilizados ( LÉV I- STAUSS ;

m ít ico com a v isão de mu ndo, e

1952). O autor subord ina a d imensão

os projeta na s at iv idades da v ida

histór ica à análise sincrônica das

cot id ia na ( L A NGDON, 1996,p. 2 8 ),

est r ut uras, buscando cr iar um método

a i nda cont i nua opera ndo ent re os

seguro de análise, onde o pesquisador

índ ios K i r i r i; e v) é pos sível a f i r ma r,

buscar ia as relações especif icas aos

a s si m, prel i m i na r mente, que o

sistemas est udados.

xa ma nismo sempre esteve presente no complexo desta c u lt u ra.

Caber ia a out ro est r ut u ra l i sta, Ma r sha l l Sa h l i n s, teór ico nor te -


desa f io de problemat i za r e a mpl ia r

ca mpo escol h ido pa ra esta pesqu i sa

a s d isc u s sões concer nentes à

é o rel igioso. Por ser u m espaço

problemát ica relação ent re a ordem

espec ia l mente d i nâ m ico, i remos

d iac rônica e a ordem si nc rôn ica.

foca r a a ná l i se na s t ra n sfor mações

Pa ra este, a histór ia é ordenada

e adaptações ocor r ida s com o

c u lt u ra l mente de d i ferentes for ma s,

xa ma n i smo dos povos i nd íg ena s

na s d iver sa s soc iedades, a s si m como

per tencentes à fa m í l ia l i ngü íst ica

os esquema s c u lt u ra is ta mbém são

Ka r i r i (contempora nea mente

ordenados histor ica mente, poi s os

con hec idos como K i r i r i), ta l como

sign i f icados são, em ma ior ou menor

regi st rado pelos c ron i sta s dos séc u los

grau, reava l iados qua ndo rea l i zados

X V II, X V III e X I X .

na prát ica ( SA HL I N S ; 1987 ).

A a ná l i se ora em c u r so pretende

A síntese desses contrários desdobra-

most ra r como o contato ent re estes

se nas ações criativas dos sujeitos

índ ios e os m i s sioná r ios produ z iu

históricos, ou seja, as pessoas

u m proces so de complex i f icação do

envolvidas. Porque, por um lado, as

si stema xa mâ n ico, oca siona ndo u m

pessoas organizam seus projetos e

verdadei ro encont ro de elementos

dão sentido aos objetos par tindo das compreensões preexistentes da ordem

heterócl itos, que abr iu espaço

cultural. Nesses termos, a cultura é

pa ra u ma verdadei ra si n fon ia de

historicamente reproduzida na ação”

mov i mentos : si nc r ét icos, a nt i-

(SAHLINS 1987: 7).

si nc ret icos e, por que não fa la r? em pa ra a lém do si nc r ét ico...

E sta abordagem a na l ít ica é de f u nda menta l i mpor tâ nc ia pa ra a compreensão e a ná l ise dos proces sos

BREVE REL ATO: HISTÓRIA E LÍNGUA

ocor r idos com os povos i nd íg ena s compreend idos no contexto et nográ f i-

Os regi st ros dos c ron i sta s

co do nordeste bra si lei ro, na med ida

menc iona m a já fa lada fa m í l ia

em que per m ite most ra r a d i nâ m ica

l i ngü íst ica Ka r i r i, que por sua vez ,

espec i f ica da s cha mada s “c u lt u ra s

engloba u ma d iver sidade de gr upos

f rágeis”, e expl ic ita r os meca n i smos

soc ioc u lt u ra i s que, não obsta nte

de resistênc ia e res signi f icações pre -

sua s d i ferença s pos suem u ma cer ta

sentes nesta s c u lt u ra s.

homog eneidade, es ses gr upos fora m

A s su m i ndo este ponto de v i sta,

h i stor ica mente designados pelo

pretendo most ra r como o contato

et nôn i mo g enér ico de “tapu ia s”. O s

ocor r ido no ser tão colon ia l, ent re

índ ios per tencentes a esta fa m í l ia

os povos i nd ígena s da fa m í l ia

con st it u ía m nu merosos gr upos que se

l i ngü íst ica Ka r i r i (ta mbém

espa l hava m pelo i nter ior dos E stados

denom i nados K i r i r i) do t ronco

do Ma ra n hão, P iau í, R io Gra nde

Mac ro -Jê e os agentes da colon i zação

do Nor te, Cea rá, Per na mbuco,

– i nclu i ndo aqu i, os m is sioná r ios,

Pa ra í ba, c u r so i n fer ior do r io São

os donos de ter ra, os c ron ista s etc,

Fra nc i sco, Sergipe e Ba h ia. O s Ka r i r i

- produ z iu u m encont ro i nterc u lt u ra l,

se d i ferenc iava m, l i ngü i st ica mente,

u m proces so de t radução rec íproco,

por quat ro d ia letos – ka ma r ú,

em que os símbolos de u m e de out ro

sapúya, d z ubu kuá e k ipeá, dos qua i s

são reelaborados, nu ma l i nguag em

apena s t rês estão doc u mentados. O s

de med iação, produ z i ndo u m

catec i smos em d z ubu kuá e em k ipeá,

verdadei ro d iá logo da s d i ferença s.

respec t iva mente de 1698 e 170 9,

Leonardo Rangel dos Reis

Como demon st rado ac i ma, o

53 Revista CEPAIA: Realidades Afro Indígenas, UNEB/CEPAIA, Salvador, ano 3, nº 4, p. 51-60, jan/dez 2006

a mer ica no na sc ido em 193 0, o



Salma Dias A lmeida Sá 1

Variações em torno da Cerâmica Kiriri

Variation in Kiriri Pottery

RESUMO

SUMMARY

Na con f luênc ia ent r e a nt ropologia e

In the conf luence bet ween anthropology

a r te, neste t raba l ho s ão a na l i s ada s

and ar t, this paper analyzes the raw

matér ia s -pr i ma s, téc n ica s, for ma s de

materials, techniques, graphic for ms, and

gra f i smo e at iv idades da s cera m i sta s

activities car ried out by the Kiriri Indian

( loucei ra s) ent r e os K i r i r i de

potter y makers f rom Mirandela ( Banzaê,

M i ra ndela ( Ba n zaê - BA), como f r uto

Bahia), as a product of workshops and

de of ic i na s e de u ma exper iênc ia de

f ield experience. T his theoretical horizon

ca mpo. O hor i zonte teór ico r efer ido

is that of the reelaboration and cultural

é o dos proces sos de r eelaboração e

hybridization processes, with special

h ibr id i zação c u lt u ra i s, com espec ia l

emphasis on adapting to the consumer

ên fa se à adaptação ao mer cado de

market.

con su mo. KEY WORDS PAL AVRAS - CHAVE

ar t, anthropology, potter y. A r te - A nt ropologia - Cerâ m ica

|1| Salma Dias Almeida Sá é Bacharel em Artes Plásticas pela Universidade Federal da Bahia

61


INTRODUÇÃO

1998, p. 155) vem sendo a s su nto pa ra os pesqu i sadores, h i stor iadores e

Os K i r i r i são u m gr upo i nd íg ena

rompendo a lgu n s pres supostos e

Ba n zaê, próx i mo a R ibei ra do

t rad ições.

Variações em torno da Cerâmica Kiriri

Pomba l, na região su l do estado

Revista CEPAIA: Realidades Afro Indígenas, UNEB/CEPAIA, Salvador, ano 3, nº 4, p. 61-68, jan/dez 2006

Os K i r i r i ta mbém v ivem esta

da Ba hia. E ste t raba l ho é f r uto da

rea l idade de re - elaboração c u lt u ra l

exper iênc ia em ca mpo do projeto

em sua s comu n idades. Dent ro

ACC (At iv idade Cu r r ic u la r em

do longo proces so de contato dos

Comu n idade) - A r te Ind ígena na

povos i nd íg ena s nestes ma i s de

Ba hia, no per íodo de 2 0 02 a 2 0 03,

50 0 a nos, este gr upo ma ntém a

tendo como cent ro da pesqu isa a

sua t rad ição e c u lt u ra v iva, como

a ldeia M i ra ndela.. Nesta s v iag en s,

meio de a f i r ma rem sua cond ição

proc u rei mater ia l de est udo pa ra

de índ ios. Nota- se, ta mbém, u ma

o projeto e pa ra o Cent ro Cu lt u ra l

gra nde preoc upação de i ntegra r sua s

K i r i r i, pr i nc ipa l mente no que se

espec i f ic idades c u lt u ra i s e a r t íst ica s

refer ia à cerâ m ica desta comu n idade.

à s ex ig ênc ia s do mercado, embora

Quando t rabalhamos com gr upos 62

a nt ropólogos pela for ma como vem

residente em vá r ios núcleos em

ét nicos, tal como foi colocado por

sem perder seu referenc ia l i nd íg ena. Neste sent ido, os novos objetos e

Freder ik Bar t h ( PHOU T IGNAT,

gra f i smos, i nclu i ndo a í a cerâ m ica,

S T RE IF F-F E NA RT, 1998, p. 185 - 6) é

com mot ivos ev identemente est ra n hos

prec iso entender que suas f ronteiras

à a r te K i r i r i, proc u ra m atender à s

não estão delimitadas de for ma r ígida

ex ig ênc ia s mercadológica s cent rada s

e estát ica, mas sim que elas d ialogam

no con su m idor, ma s demon st ra ndo

com out ros gr upos em um proces so

ta mbém u m proces so de h ibr id i zação

d inâmico e renovador ao longo do

c u lt u ra l, ter mo já colocado por Ja n

tempo. É dent ro deste quad ro que

P ieter se (apud BA RBOSA ,1998,155)

analisamos aqui a ar te da cerâmica

e ba sta nte desenvolv ido por Nestor

K ir ir i, a par t ir de uma relação

Cacl i n i (C A NC L I N I, 1997, p. 2 83 - 4),

ent re ant ropologia e ar te onde esta

que já i ndagava como se a na l i sa r

pretende signif icar e não apenas

gr upos popu la res que já não

representar, expres sando concepções

ca m i n ha m pelo t rad ic iona l. Como

consideradas relevantes para es ses

est uda r ma n i festações que não cabem

gr upos ( V IDA L , 2 0 0 0, p. 279 - 81).

no c u lto ou popu la r, ma s t ra n sita m

A lgu ma s noções a nt ropológica s são

em sua s f rontei ra s, mescla ndo

i mpor ta ntes pa ra a abordagem da

t rad ições de cla s ses, et n ia s e nações

a r te produ z ida pelos K i r i r i que será

em u ma c u lt u ra h í br ida? Como l ida r

ut i l i zada no presente a r t igo, já que

com es sa s f rontei ra s, lembra ndo -

se t rata m de soc iedades com va lores

se aqu i ta mbém Ba r t h em sua

e orga ni zação soc ia l e c u lt u ra l

problemát ica da s f rontei ra s dos

própr ios, onde a s a r tes e os ta lentos

gr upos ét n icos?

ma nua is são compa r t i l hados pela popu lação ( V I DA L , 2 0 0 0, p. 2 81). O mov i mento de rea f i r mação ét n ica

É dent ro desta s con siderações que a cerâ m ica K i r i r i será abordada. A na l i so neste a r t igo desde a

dos gr upos i nd ígena s no Nordeste

matér ia-pr i ma da cerâ m ica até a s

do Bra si l fa z- se acompa nha r de u m

i mpl icações que ela tem no mercado,

i ntenso proces so de reelaboração

pa s sa ndo pela s téc n ica s, proces so de

c u lt u ra l. E sta luta si mból ica por u m

quei ma e at iv idades da s cera m i sta s

reconhec i mento ét nico ( BA RBOSA ,

( loucei ra s), f i na l i za ndo com a lgu ma s


considerações sobre a produção at ua l

posit ivos para o ceramista, retomando

da cerâ m ica K i r i r i.

as ant igas t rad ições ar tesanais de preparar a própr ia pasta, buscando seu bar ro (o que equivaler ia à busca

A ARGIL A

de si mesmo). À s vezes, só o índ io tem a int uição necessár ia para detec tar

a lu m ín io, sí l ica e água l ig ado s

os depósitos de argila, af ir ma o autor (CHI T I, 1989, p. 24). A a rgi la u sada pelos K i r i r i é

qu i m ica mente. Sua s moléc u la s têm

u m ba r ro loca l, com qua l idades e

a r r u mação la m i na r, desl i z a ndo

ca rac ter íst ica s própr ia s. O ba r rei ro é

u ma s sobr e a s out ra s, da í sua

bem d i sta nte da a ldeia de M i ra ndela,

pla st ic idade e ma leabi l idade. É u m

esta ndo sit uado ent re a s ser ra s

m i nera l encont rável em qua nt idade

c i rc u nda ntes. A a rgi la tem u ma cor

abu nda nte r ecobr i ndo qua s e a

ter rosa e esc u ra, adqu i r i ndo u m tom

ma ior pa r te da c r osta ter r es t r e,

c reme cla ro após a quei ma.

v i ndo a con st it u i r- s e na s ter ra s

A s c i n za s que sobra m da madei ra

que pi s a mos. Concent ra- s e em

ut i l i zada du ra nte a quei ma da s

dep ósitos explorávei s e a lgu n s

peça s de cerâ m ica ser vem como

deles vêm a ofer ecer cont i nu idade

a nt iplá st ico, o que é u m cost u me

e con stâ nc ia pr odut iva. D es de s eu

t rad ic iona l dos K i r i r i, como ta mbém

pr oces so de for mação, elemento s

de a lgu n s índ ios do Bra si l ( R I BE IRO

d i fer enc iados ta i s como hú mu s,

,1997,x x) 2 . P rovavel mente, esta é a

a r eia, ca l e pa r t íc u la s sí l ica s vão

ra zão da gra nde ma leabi l idade da

s endo m i s t u rados e/ou dep o sitado s

ma s sa cerâ m ica, que é ext rema mente

em ca mada s, em ma ior ou menor

plá st ica e de u ma ót i ma

grau, ao long o dos temp os, o que

ma n ipu lação. Os própr ios índ ios

vem a expl ica r a s d i fer entes esp éc ies

a f i r ma m que o ba r ro em seu estado

de a rgi la.

nat u ra l é “mu ito for te” e quebra no

Cha ma- se ba r ro gordo a a rgi la exces siva mente plá st ica e

for no, da í a i mpor tâ nc ia da s c i n za s que au menta m a resi stênc ia da peça.

ba r ro magro a a rgi la de pouca pla st ic idade, que quebra fac i l mente. A nt iplá st icos são mater ia is que

CRIAÇÃO E TÉCNICAS

tor na m a s ma s sa s cerâ m ica s ma i s r ica s e ma is resistentes ao coz i mento

A cerâmica K ir ir i apresenta d iver sas

e poster ior u so. O a nt iplá st ico redu z

for mas. A téc nica ut ilizada é a de

o encol h i mento da ma s sa du ra nte a

rolinho 3 , além das c inzas os K ir ir i

secagem, mel hora o ma nu seio, eleva

usavam como ant iplást ico cacos

a temperat u ra de coz i mento, fac i l ita

moídos, como já infor mava Mar ia

a secagem e au menta a resi stênc ia ao

de Lou rdes R ibeiro (1972 , p.60 ) em

choque tér m ico, a lém de d i m i nu i r o

seu est udo. A lisam a cerâmica com

per igo de quebra r a peça no for no. E m seu Cur so de esc ult ura cerâmica y mural, Chit i (CHI T I, 1989, p. 24) considera que os bar ros locais, entend idos como bar ros encont rados no campo, podem proporcionar inesperadas sat isfações e resultados

|2| O chamote (restos de cerâmica cozida e triturada) também é usado como antiplástico por alguns povos indígenas brasileiros. |3| Rolinho é a técnica de se montar uma peça cerâmica superpondo tiras de argila enroladas nas mãos para adquirir formato arredondado umas spobre as outras como que formando filetes.

Salma Dias Almeida Sá

h id ratado, ou s eja, contém

63 Revista CEPAIA: Realidades Afro Indígenas, UNEB/CEPAIA, Salvador, ano 3, nº 4, p. 61-68, jan/dez 2006

A a rgi la é u m si l icato de a lu m ín io



Celene Fonseca 1

Classe e Etnia na Batalha dos 500 Anos

Class and Ethnicity in the Five-hundredyear Battle

RESUMO

SUMMARY

A par t ir da condensação dos t rês

From the condensation of the three

momentos que compuseram a chamada

moments which composed the so - called

“Batalha dos 50 0 A nos”, ocor r ida em

“Five-hundred -year Battle”, occur ring in

Por to Seguro/ Santa Cr uz Cabrália/

Por to Seguro, Santa Cr uz, and Eunapolis,

Eunápolis-BA, em 22 de abr il de

Bahia on A pril 22, 20 0 0, a concise

2 0 0 0, é feita uma análise concisa

documented analysis was made on the

e documentada sobre as condições

foregoing conditions which paved the

antecedentes que lhe deram or igem,

way for its origin, on the political climate

sobre o clima polít ico que a precedeu e

which preceded it, and the immediate

os desdobramentos imediatos do evento...

unfolding of the event. At the end, a

No f inal, é feita uma apreciação geral

general appreciation is declared for the

do alcance do acontecimento e de como

occur rence of the event and for how it

ele foi apreendido pelos integrantes/

was apprehended by the par ticipants

apoiadores do mov imento Brasil Out ros

and suppor ters of the Bra si l O ut ros 50 0

50 0, com base na v isão e testemunho

Moviment, based on the perspective and

par t icular da autora. Remete-se para

personal testimony of the author. A more

out ra opor t unidade um est udo teór ico

detailed theoretical study will be lef t for a

aprof undado, do qual se deixa ent rever,

f uture oppor tunit y, in order to catch, yet, a

todav ia, algumas clivagens.

glimpse at some of its cleavages.

PAL AVRAS - CHAVE

KEY WORDS

H i stór ia do Bra si l - Ident idade -

Brazilian histor y, identit y, cultural

Resi stênc ia Cu lt u ra l

resistance.

|1| Antropóloga, mestre em História e Civilizações pela École des Hautes Études em Sciences Sociales (Paris), foi ativa militante do Movimento Brasil Outros 500 – Resistência Indígena, Negra e Popular; ela fez as primeiras críticas ao principal projeto governamental para os 500 anos (MADE- Museu Aberto do Descobrimento), o que lhe valeu um processo judicial. Atualmente é pesquisadora do CEPAIA/ UNEB. E-mail: tupinamba.01@uol.com.br

69


O que ter ia acontec ido no d ia 22 de abr i l de 2 0 0 0 ? Um jor na l de

de Por to Segu ro. Ataque pol ic ia l

c i rc u lação nac iona l t it u lou: “Bata l ha

aos índ ios e ma n i festa ntes do

Classe e Etnia na Batalha dos 500 Anos

2

Revista CEPAIA: Realidades Afro Indígenas, UNEB/CEPAIA, Salvador, ano 3, nº 4, p. 69-86, jan/dez 2006

70

próx i ma à d iv i sa com o mu n ic ípio

na Festa dos 50 0” . Ou seja, ao i nvés

mov i mento Bra si l Out ros 50 0, que

da festa prev ista houve “bata l ha”.

se d i r igia m, em ma rcha forçada,

A lgu ns eventos of ic ia is acontecera m,

pa ra Por to Segu ro. Di sper sos na

ma s eles fora m of u scados pela s

pr i mei ra bata l ha, negros e popu la res

i magens de índ ios, negros e

con segu i ra m se ju nta r aos índ ios, o

popu la res sendo atacados por força s

que, segu ndo depoi mento do própr io

pol ic ia is. A ref lexão sobre u m evento

coma nda nte da operação, Coronel PM

com ta ma nha ca rga si mból ica é

Wel l i ngton Mu l ler, foi deter m i na nte

f u nda menta l pa ra a const r ução/

pa ra a i nter venção da s t ropa s – ou

consol idação do Bra si l-nação.

seja, se est ives sem soz i n hos os índ ios

Comecemos por u m resu mo desc r it ivo

não ser ia m atacados 4 . Des sa vez ,

do ocor r ido.

hav ia mu itos repór teres no loca l (at ra ídos pela pr i mei ra bata l ha) e a s i mag en s cor rera m o mu ndo ; a s

RESUMO DA BATALHA

que ma i s se sobres sa íra m fora m a s i mag en s de índ ios sendo espa ncados

A Bata l ha, na verdade, teve t rês gra ndes momentos : 1. Coroa Ver mel ha, c. 8h3 0, i med iações do R io Muta r i. Ataque

e, sobret udo, a i mag em de Gi ldo Terena sendo pi soteado por pol ic ia i s da t ropa de choque da PM. 3. Eu nápol i s, BR s 367 e 101, ao

pol ic ia l aos ma ni festa ntes do

longo do d ia. Choque ent re pol ic ia i s

“Qu i lombo Pa l ma res”, aca mpa mento

e i ntegra ntes do M S T ( Mov i mento

do Mov i mento Bra si l Out ros 50 0

dos Traba l hadores Ru ra i s Sem-Ter ra)

– Resistênc ia Ind ígena, Negra

/ i ntegra ntes de out ra s ent idades

e Popu la r que, em pa s seata, se

que compu n ha m o Bra si l Out ros

d i r igia m pa ra o aca mpa mento

50 0. A rodov ia foi fechada na s

i nt it u lado “Conferênc ia Ind ígena”.

prox i m idades do t revo/ rodov iá r ia e

Os ma ni festa ntes pretend ia m se

os ma n i festa ntes fora m i mped idos de

ju nta r aos índ ios a f i m de rea l i za r

ma rcha r pa ra Por to Segu ro. Note - se

u ma jor nada de protestos cont ra os

que os sem-ter ra tentava m volta r à

festejos dos 50 0 a nos. Os pol ic ia i s

c idade que eles hav ia m aba ndonado

u sa ra m bomba s de gá s lac r i mog êneo,

logo após o ato de rememoração do

ba la s de bor racha e out ra s a r ma s ;

ma s sac re de E ldorado do Ca rajá s (d ia

houve espa nca mentos, pr isões, cerco

17 ); a rea l i zação deste ato estava

e contenção de u m gr upo de 141

cond ic ionada à i med iata evac uação

pes soa s, d isper são e f uga do ma ior

da c idade, segu ndo acordo ent re o

cont i ngente. Su r preendente : a lgu n s

M S T e o G over no da Ba h ia.

poucos índ ios apoia ra m o ataque, ao lado dos pol ic ia is. No loca l hav ia poucos repór teres, ma s a s i mag en s des sa pr i mei ra bata l ha - c ujo ícone é o espa nca mento de u m m i l ita nte 3

ra sta fá r i - ga nha ra m a i nter net e, depois, os pr i nc ipa is jor na is no Bra si l e no E xter ior. 2 . Coroa Ver mel ha, c. 11h3 0, zona

|2| O GLOBO, 23/04/2000. |3| Edmilton Cerqueira, também integrante do MNU - Movimento Negro Unificado. |4| “Os índios são nossos amigos, não poderíamos agredi-los. Os policiais agiram contra as pessoas que vieram de fora para provocar arruaça [... ] e manipular os índios. Tanto estávamos do lado dos índios que não houve um deles detido sequer.” - O Globo, 24/04/2000, Título da reportagem: ACM defende atuação da PM, mas OAB critica violência contra índios.


PRIMEIRA LEITURA DO ACONTECIMENTO

su stentada pela cla s se dom i na nte, herdei ra dos colon i zadores, e pelos

Qua l a pr i mei ra leit u ra que os

suces sivos gover nos ; no gover no do

fatos su sc ita m? No “a niver sá r io”

presidente - soc iólogo a coi sa não foi

do pa ís índ ios, negros e popu la res

d i ferente. Do out ro lado, a v i são rela-

são repr i m idos pelo gover no. São

t iv i sta que vê o Bra si l como pa ís mu l-

repr i m idos por esta rem promovendo

t i r rac ia l e c u lt u ra l mente i ndependen-

bader na? Não. Por ma ni festa rem

te. E s sa posição foi su stentada pelos

sua d iscordâ nc ia em relação à s

mov i mentos i nd ígena e negro e rece -

comemorações da data h istór ica.

beu apoio moderado do mov i mento

Qua l a conclu são su sc itada pelo fato?

soc ia l e dos pa r t idos de esquerda. ent re es sa s dua s v i sões ocor reu

o que sabemos sobre o rac ismo no

qua ndo da a meaça de desapropr iação

Bra si l, não é d i f íc i l conclu i r que a

da Coroa Ver mel ha pa ra da r luga r

questão soc ia l está per meada pela

ao pr i nc ipa l projeto gover na menta l

questão ét nico -rac ia l. Tendo em

pa ra os 50 0 a nos, o cha mado

v ista a nat u reza da s comemorações

Mu seu Aber to do Descobr i mento

– o suposto na sc i mento do Bra si l -,

( M ADE ). Apesa r da oposição

a s dua s questões são pa r te de u ma

dos Pata xó, do C I M I (Con sel ho

ma ior : a ident idade nac iona l, sua

Ind ig en i sta M i s sioná r io) e da

fa lta de consol idação. O mu ndo

A NA I – BA (A s soc iação Nac iona l

i ntei ro v iu e a s si m regist rou.

de Ação Ind ig en i sta), u m dec reto

Uma ent re a s mu ita s ma nchetes

foi publ icado (1996) e a ret i rada

de publ icações est ra ngei ra s sobre

dos índ ios era dada como cer ta.

o acontec i mento é eluc idat iva :

Somente após a denú nc ia v igorosa

“A bata l ha não -ter m i nada pela

da s comemorações eu ro -t r iu n fa l i sta s

democ rac ia rac ia l” ( T he Econom i st,

que se pretend ia fa zer, o gover no

c itada pela Fol ha de São Pau lo,

rec uou. E s se t raba l ho teve por ba se

2 5/ 0 4/2 0 0 0 ).

u ma a ná l i se do M ADE , elaborada por m i m, então colaboradora do ca mpo i nd ig en i sta ; eu publ iquei ta mbém

CONDIÇÕES ANTECEDENTES

A a ná l ise da s cond ições a ntece dentes dá u ma boa idéia da s a r t ic u lações e do coquetel ét n ico -rac ia l que, de cer ta for ma, “prepa ra ra m” a Bata l ha. Percebe - se à pr i mei ra v i sta, e como que pa i ra ndo sobre o todo, o con f ronto ent re dua s v isões de mu ndo. De u m lado, a v isão eu rocent r i sta

a r t igos em jor na i s 5 e ma ndei ca r ta s pa ra d iver sa s autor idades, o que me va leu u m proces so jud ic ia l, que teve como autor o empresá r io Rober to Costa P i n ho, idea l i zador do M ADE 6 . Foi a s si m c r iado o núcleo i n ic ia l, a i nda u m ta nto qua nto i n for ma l, do mov i mento Bra si l Out ros 50 0. A for mação propr ia mente d ita só se

que vê o Bra si l como u ma espéc ie de apênd ice da Eu ropa, espec i f ica mente do mu ndo lu so ; em que pese a lgu ma s ga ra nt ia s retór ica s cont rá r ia s, t ratase mesmo da rea f i r mação do Bra si l como pa ís c u lt u ra l mente dependente. E s sa é a posição t rad ic iona l mente

|5| Destaco entre esses: “O Descobrimento que não houve”, publicado no jornal ATARDE (Salvador-BA), em 1º/04/1997, e em muitos outros jornais do país – ele foi publicado originalmente em Recife, no Jornal do Commércio, em 07/02/1997, sob o título “Descobrimento?”; “Nós não falamos a língua dos lusitanos”, A TARDE, 20/11/1997. A relação completa encontra-se na bibliografia. |6| O processo, iniciado em 1997, foi arquivado em novembro de 2004.

Celene Fonseca

A mater ia l i zação do con f ronto

da s força s em con f ronto, e sabendo

71 Revista CEPAIA: Realidades Afro Indígenas, UNEB/CEPAIA, Salvador, ano 3, nº 4, p. 69-86, jan/dez 2006

A fa lta de coesão soc ia l. E m v i sta


O’G or ma n (1992 ) pa ra se repor ta r ao

[...] o texto é, no entanto, ainda

i magi ná r io c r iat ivo do conqu istador

limitado quanto às possibilidades de uma interpretação mais ampla,

20

em relação ao “Novo Mu ndo” . Mu itos podem ver a í u ma ma nei ra

Classe e Etnia na Batalha dos 500 Anos

fác i l de subst it u i r o conceito do

Revista CEPAIA: Realidades Afro Indígenas, UNEB/CEPAIA, Salvador, ano 3, nº 4, p. 69-86, jan/dez 2006

78

e por isso mesmo mais crítica do acontecimento. Conserva uma visão particularista, analisando 1492 na

descobr i mento, já denu nc iado

perspectiva meramente européia,

como desu ma ni zador dos índ ios e,

mais ainda espanhola, mantendo

mesmo do ponto de v ista eu ropeu,

em silêncio constrangedor, quase

empi r ica mente desca r tável. E s ses

que absoluto, o que se passava em

devem se acautela r. P r i mei ro porque na sua or igem

Portugal. O acontecimento é visto como um ato da vontade de um agente civilizador, que estabelece

o conceito é conser vador. sendo

uma identidade fatal entre a cultura

apena s o ponto de v ista eu ropeu

européia e o mundo, onde não

que é considerado, como bem d i z os

reconhece espaço para outras culturas.

t radutores e prefac iadores da ed ição |20| Ele diz, grosso modo, que para haver descobrimento é preciso ter consciência do que se descobre; como Colombo não tinha consciência disso ao chegar à América em 1492, não houve propriamente falando descobrimento; o que houve foi uma invenção da América no imaginário europeu, no qual predomina o fantástico, o fabuloso, o lendário, o mítico.

publ icada no Bra si l, A na Ma r ia Ma r t i nez Cor rêa e Ma noel Lel lo Belot to (1992 ) :

MADE, UM PROJETO INDEFENSÁVEL

21

O Museu Aberto do Descobrimento (MADE)

entidades do movimento social, inclusive

surgiu como iniciativa de uma recém-criada

a antropóloga Celene Fonseca, vieram em

ONG, a Fundação Quadrilátero do

apoio aos Pata xó.

Descobrimento, que o apresenta ao público em 1994, através de um bonito livro: Museu aberto do descobrimento: o Brasil renasce onde nasce. Somente no final de 1995 há sinais de que ele tinha se transformado em projeto público, porém até hoje não se sabe em que condições isto se deu. O fato é que o “museu”, englobando uma área imensa (1,2 mil Km2, quase do tamanho do município de São Paulo, com 21 subprojetos), foi pessoalmente criado pelo Presidente da República em 22/04/1996, em Porto Seguro.

A filosofia colonialista do projeto aparece também na série de equipamentos histórico-culturais: quase todos, dos onze inicialmente previstos, seriam voltados para a homenagem à colonização portuguesa. Os donatários, os jesuítas e até Portugal teriam direito a museus e memoriais. Isto sem falar no Portal do Avistamento, construído no meio do mar, uma forma de cristalizar a “visão de fora”. Enquanto isto a história indígena e a dos africanos é relegada a “Centros de Referência”. Depois do primeiro bombardeio de críticas que o

A ntes disso, porém, em janeiro de 19 9 6, o

projeto sofreu algumas modificações foram

então governador Paulo Souto já havia

introduzidas, mas elas não conseguiram

baixado uma lei desapropriando a terra

mascarar o vício de origem. Uma delas foi a

indígena da Coroa Vermelha, para a

tentativa de implantação do Memorial do

implantação do projeto. Ou seja, uma das

Encontro, onde se tentava passar a idéia de

primeiras medidas do M A DE foi a

uma visão idílica do contato entre as três

expulsão dos índios, primeiros habitantes

raças formadoras.

do Brasil, de suas terras! Isso dá bem a medida do caráter eurocêntrico / lusocêntrico da empreitada, em que pese retórica contrária. A desapropriação felizmente ficou no papel. Ela foi a muito custo rever tida, depois que pessoas e

|21| Esta análise reproduz, com ligeiras modificações, outra já incluída no documento “O Processo do 5º Centenário: Paroxismos do Brasil Arcaico”, 2002.


def i n ição aponta pa ra o caos. O s tempos favorecem o mu ndo v i r t ua l

com “const r ução” tendo como

e a volat i l idade da s i n for mações,

protagonista s os vá r ios povos que

ma s i sto não quer d i zer que não

aqu i estava m ela t ra z embut ida s

se pos sa m c i rc u n sc rever fatos ; em

tensões metodológica s e f i losóf ica s

out ra s pa lav ra s, que não pos sa

graves e que estão longe de ser

haver i ntel igibi l idade. No contexto

resolv ida s - a adesão ao relat iv i smo

do neol ibera l i smo t r iu n fa nte, t rata r

c u lt u ra l absoluto. Ou seja, à

a h i stór ia como na r rat iva s pode

a f i r mação de que a compreen são

t ra zer prest ígio acadêm ico, ma s não

da s c u lt u ra s só pode ser feita do

atende a dema nda da ma ior ia dos

i nter ior dela s mesma s, todo o resto

bra si lei ros pela compreen são dos

ser ia “i nvenção” ou tentat iva s de

ei xos nor teadores des sa “i nvenção”. Celene Fonseca

substa nt iva r fenômenos que são, por def i nição, i nta ngíveis. Neste ca so, nós esta r ía mos d ia nte de u ma d i f ic u ldade lógica sem sa ída. A lém d is so, há u m problema pol ít ico - a

79

O acinte fica muito claro quando se sabe

convencionais; no caso de parques

que o livro em que o projeto é apresentado

industriais obsoletos e/ou outros

tem como núcleo a História de Portugal.

equipamentos, a população tem que

Não é o Brasil que está no centro do debate

participar de todas as fases de implantação

e sim Portugal! E mais: o Brasil é visto

do museu. Ora, na área imensa - de

como produto de um megaprojeto

dimensões inusitadas segundo museólogos

português de fundo místico, tendo o

- onde o MADE seria implantado não há

sebastianismo como principal vetor. Chega

nada disso; e mais: a população das

a ser constrangedor…

cidades de Porto Seguro, de Santa Cruz

Um Brasil passivo e secundário, é essa a visão embutida em todo o discurso do MADE: o colonizado tendo que assistir, e pagar, a uma festa que homenagearia o colonizador. Fica difícil imaginar insolência maior: é como se os assassinos quisessem fa zer festa na casa dos parentes do mor to. Para completar o quadro, a fundação encarregada do projeto carecia de tradição e representatividade. Mais: o seu presidente era acusado de irregularidades com recursos públicos.

Cabrália e dos distritos, tampouco foi informada que estava morando dentro de um “museu”. Falou-se muito no “santuário ecológico” que a área representaria (cerca de 10 subprojetos iniciais tinham este cunho), mas o fato é que a região estava em pleno boom turístico: cheia de loteamentos, um dos quais – milionário – foi associado ao MADE apenas 23 dias após a criação do “museu” pelo presidente da República (Isto é, 15/05/1996 – ver publicidade sobre o empreendimento Outeiro das Brisas). Impressionante, tamanha a esquisitice. A imprensa ironizou

E, a última pérola do descaso: o nome do

chamando-o de “Museu de Loteamentos”.

projeto é equivocado. Em termos técnicos,

Chegou-se também a evocar a figura de um

museus ao ar livre estão normalmente

certo “General Menosprezo”. Uma coisa é

associados a sítios arqueológicos e a

certa: se não se pusesse fim à impostura o

grandes monumentos da natureza, que não

Brasil seria ridicularizado.

podem ser aprisionados em museus

Revista CEPAIA: Realidades Afro Indígenas, UNEB/CEPAIA, Salvador, ano 3, nº 4, p. 69-86, jan/dez 2006

Segu ndo, em que pese a at ua l ver são ( bra si lei ra) bu sca r si non ím ia



Gilvan Barbosa da Silva 1

A Bancada Evangélica e as Novas Cruzadas Religiosas: Estratégias

para a manutenção das tendências conservadoras do poder político no Brasil.

The Evangelical Community and the New Religious Crusades SUMMARY

T his ar ticle analyzes the Brazilian socio political conjuncture of today, disclosing RESUMO

O pr esente a r t ig o a na l i s a at ua l conju nt u ra sóc io -pol ít ica bra si lei ra, denu nc ia ndo a s est ratégia s pa ra a ma nutenção da s tendênc ia s con ser vadora s no cená r io pol ít ico at ravés da est r ut u ra da s igr eja s eva ng él ica s que, con f ronta ndo - se com

the strategies for maintaining conser vative tendencies on the political scene, through the str ucture of evangelical churches which, having been conf ronted by the progressive wings of the Catholic Church, dispute, besides their devout followers, inf luence along with instituted powers, above all legislative.

a s a la s progr es siva s da igr eja catól ica, d i sputa m, a lém de f iéi s, i n f luênc ia ju nto aos poder es i n st it u ídos, sobr et udo o legi slat ivo.

PAL AVRAS - CHAVE

pol ít ica, i ntolerâ nc ia, r el igiosidade.

|1| Professor Licenciado em História (UNEB) e pós-graduando em História Política (UNEB); pesquisador da Língua e Cultura Yorubana; membro do Núcleo do Estudo da Oralidade (NEO-UNEB).

KEY WORDS

political, intolerance, religiosit y.

87


A Bancada Evangélica e as Novas Cruzadas Religiosas: ...

O breve séc u lo X X foi ma rcado

Revista CEPAIA: Realidades Afro Indígenas, UNEB/CEPAIA, Salvador, ano 3, nº 4, p. 87-92, jan/dez 2006

88

se de u m pólo ( bipa r t ida r i smo)

pelos embates ideológicos do

a out ro (mu lt ipa r t ida r i smo, com

soc ia l ismo ver su s capita l ismo

ma i s de 70 pa r t idos) sem a ltera r

que fez mu lt ipl ica r a s d itadu ra s

substa nc ia l mente a tendênc ia

conser vadora s de d i reita por toda

con ser vadora na pol ít ica nac iona l.

A mér ica L at i na ( HOBSBAW N, 1995).

A a scen são do Pa r t ido dos

No ca so do Bra si l, es se per íodo

Traba l hadores ao poder, com a

(196 4 -198 5) só veio reforça r a

eleição de Lu ís Inác io Lu la da

histór ica t rad ição plutoc rát ica da s

Si lva, na s ú lt i ma s eleições, a ntes

el ites nac iona is na ma nutenção do

de u ma negação, é u m reforço

poder. Com o i níc io do proces so de

des sa tendênc ia. A Ca r ta ao Povo

Aber t u ra (1979 -198 5) que a ntec ipou

Bra si lei ro, selou o pac to de “cent ro -

o f i m da Ditadu ra M i l ita r, su rgia

esquerda” e a nu nc iou, de for ma

u ma pos sibi l idade de a lteração des sa

i nequ ívoca, o aba ndono do seu

lógica a pa r t i r da soc iedade c iv i l

h i stór ico per f i l revoluc ioná r io do

orga ni zada, ma s o que se v iu foi

P T. Hoje, quem d i r ia !? O s cha mados

ju sta mente o cont rá r io.

rad ica i s pa s sa ra m a ser per sona s non

O f i m do esquema bipa r t ida r i sta dos m i l ita res – Lei nº 6.767 de

grata dent ro do pa r t ido. A per si stênc ia des sa tendênc ia

2 0.12 .1979 – fez su rgi r, no luga r da

con ser vadora da pol ít ica bra si lei ra

A RE NA e do M DB, meia dú z ia de

pode ser a na l i sada e expl icada sob

“novos” pa r t idos que, na s década s

d iver sos pr i sma s. Cha ma à atenção,

segu i ntes – a pa r t i r da E menda

em pa r t ic u la r, o v iés pol ít ico -

Const it uc iona l nº 2 5 (de 15.05.198 5)

rel igioso que mu ita s vezes é ignorado

– ser ia m desdobrados em dezena s

pelos est ud iosos da c iênc ia pol ít ica.

de out ros ( SC HI M I T T,2 0 0 0 ), na sua ma ior ia, a l i nhados com a ideologia de d i reita. A i ntenção dos

E o que de fato a rel igião tem a ver com pol ít ica? Tudo. É s abido que o E s tado

m i l ita res era f rac iona r a oposição

mo d er no, d e s d e s ua or ig em, e s tá

tendo em v ista a ma nutenção do

pr e s o à s quer ela s r el ig io s a s que

poder e prolonga r a pa ntom i ma de

i n f luenc ia ra m d i r eta mente no

democ rac ia consent ida. O fato dos

or d ena mento e na ma nutenç ão

conser vadores ta mbém se d i lu i r

do p o d er. No Bra s i l, d e s d e o

em d iver sa s legenda s em nada

p er ío do colon ia l, ta mb ém não foi

comprometeu o resu ltado des sa

d i fer ente. A l heio à s luta s r el ig io s a s

est ratégia v isto que a capac idade

que g ra s s ava m a Eu r op a, aqu i o

de coa l i zão deste superava (e

c atol ic i s mo foi he g emôn ico, o que

a i nda supera) a s a r t ic u lações de

ex pl ic a o at ua l t ít u lo d e ma ior

seu s opositores reféns dos ent raves

naç ão c atól ic a do mu ndo. Ma s

ideológicos.

d ia nte d a at ua l conju nt u ra não s e

A s si m, giga ntes como o PDS e PM DB dom i na ra m o cená r io pol ít ico

s ab e até qua ndo. Como u ma espéc ie de ref lu xo

du ra nte os a nos 8 0, sendo a meaçados

da h i stór ia, na s ú lt i ma s década s,

apena s por sua s a la s, os própr ios

ev idenc iou- se u ma osten siva d i sputa

d is sidentes que dera m or igem a

ent re catól icos e protesta ntes

pa r t idos congêneres, PF L e P SDB, que

(eva ng él icos) que a lém da conver são

rei na r ia m absolutos na década de

de novos adeptos, bu sca m ga n ha r

199 0 a mpa rados por u ma i mbat ível

espaço no cent ro de tomada

coa l i zão de d i reita. E m su ma : sa iu-

de dec i são do poder pol ít ico : o


lembra r que, rema ndo cont ra es sa

rel igiosa da pol ít ica se fez sent i r,

ma r é, ex i ste a m i n i st ra pet i sta

sobret udo após a promu lgação da

Bened ita da Si lva que é eva ng él ica e

Const it u ição de 198 8, qua ndo o

a i nda o demagogo A ntony G a rot i n ho

Catol ic ismo dei xou de ser a rel igião

i ndef i n ido do ponto de v i sta pol ít ico

of ic ia l do Bra si l. Desde então, como

e rel igioso.

que reabi l ita ndo os mov i mentos

No ca so dos catól icos, volta r- se

de Refor ma e Cont ra-Refor ma, a s

pa ra a s ca mada s ca rentes con st it u i-

d isputa s ent re catól icos e eva ng él icos

se nu m i mperat ivo h i stór ico, poi s

ga nha ra m ma ior v isibi l idade : a s

o desenvolv i mento da soc iedade

Ba nca s Eva ngél ica s que bu sca m em

capita l i sta se deve ma i s a lógica

toda s esfera s da u nião (mu n ic ipa l,

de u ma ét ica protesta nte do que

estadua l e federa l) seu qu i n hão de

propr ia mente ao dogmat i smo que

poder na estei ra conser vadora dos

condenava u su ra ( leia- se luc ro).

pa r t idos de d i reita, sobret udo no PL

A “onda Eva ng él ica” que ora

e PF L . E m cont raposição, os catól icos

va r re o pa ís, não é tão recente

cont rover sa mente progres si sta s,

como pa rece. Já nos a nos 60 legiões

at ravés da for te est r ut u ra da

m i s sioná r ia s eva ng el i zadora

Con ferênc ia Nac iona l dos Bi spos

esquad r i n hava m pontos ext remos do

do Bra si l e dos pa r t idos d itos de

pa ís a s soc ia ndo a ma rgi na l i zação

esquerda, sobret udo o P T, bu sca m

soc ia l aos desígn ios celest ia i s bem

aprox i ma r- se senão condu z i r os

como prega ndo o ca m i n ho da

mov i mentos soc ia is.

sa lvação, que por cer to só se da r ia

Longe de u ma a meaça de

pós -mor te e at ravés da conver são.

for mação de u m E stado teoc rát ico

Foi a s si m, por exemplo, que a s

f u nda menta l ista, ou da em i nênc ia de

comu n idades i nd íg ena s do Cent ro -

u ma out ra Noite de São Ba r tolomeu,

Oeste e do Nor te do pa ís recebera m

es sa sit uação denu nc ia u ma nova

a segu nda onda eva ng el i zadora – a

faceta da vel ha luta por fat ia s

pr i mei ra foi catól ica – nu m c r i m i noso

do poder. Os catól icos (clér igos e

proces so de ac u lt u ração at ravés de

f ieis), d iv id ido ent re progres si sta s

u m l i ncha mento ét n ico.

e conser vadores, v ivem o d i lema de

Ao i n st it u i r a a la de “Renovação

i r ma na r- se aos mov i mentos soc ia i s

Ca r i smát ica” (Cont ra-Refor ma),

ou acomoda r- se ju nto à s vel ha s

ma i s que f rea r a eva são de f iéi s, os

força s conser vadora s do poder. Tudo

catól icos bu sca m explora r o f i lão –

leva c rer que a a la ca r ismát ica e a s

soc ia l e comerc ia l – que em tempo de

d iver sa s pa stora is já f i zera m sua

c r i ses econôm ica s cost u ma d i lata r-

opção. Cer ta mente a esca lada l ibera l

se. Sabe - se que a fé, em qua nto

dos eva ngél icos pesou nesta dec i são.

bem comerc ia l i zável, sempre g erou

Na verdade, es sa opção é

bon s d iv idendos aos que prega m

a nt iga. Não é a toa que vá r ia s

a pa lav ra do Sen hor. A gra nde

per sona l idades soc ia l ista s, a exemplo

nov idade é a feroz capita l i zação

de Vicent i no, João Ped ro Sted i le,

pol ít ica deste potenc ia l que c resce

Lu z ia E r u nd i na, Ma r i na Si lva, f r uto

proporc iona l mente à agudeza

da s Comu n idades Eclesia is de Ba ses (C EBs) – “est u fa s de for mação de l idera nça s popu la res” 2 – se a f i na m com os renovadores do catol ic i smo.

|2| FREI BETO. A Igreja dos Pobres. In. Caros Amigos. P. 39. nº 39. Junho 2000

Gilvan Barbosa da Silva

A prox i m idade da a mbiênc ia

Fugi ndo do ma n iqueísmo c u mpre

89 Revista CEPAIA: Realidades Afro Indígenas, UNEB/CEPAIA, Salvador, ano 3, nº 4, p. 87-92, jan/dez 2006

Congres so Nac iona l.


Esta publicação foi produzida em abril de 2007. Capa Papel Car tão Supremo 200g/m² Miolo Papel Off-set 90 g/m² Tipografia Mesouran Casual SSi, Percolator, Swis721




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