Design de Catálogo | Mario Cravo Junior Revisitado

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São vastos os caminhos da criatividade. Os artistas mais prolíferos recolhem das artes visuais um número limitado de encontros nas suas experiências com as distintas técnicas utilizadas como instrumentos de comunicação.

emana do fato de nascermos, amarmos, sofrermos, produzirmos, envelhecermos e morrermos. Este ciclo representa algo além da procura e da definição de conquistas e resultados situados apenas no campo estético.

Há momentos de entrega e euforia na dança dos hábitos culturais, que por sua vez geram sinais de energia, filtrada nos ritmos e forças que traspassam a alma do artista. A procura da nossa personalidade, da nossa maneira de ser e do nosso caráter como indivíduos ao longo da existência conforma e plasma cada um de nós através daquilo que produzimos. Reeditamos através da arte e da criatividade nossas pretensões e alvos que estão além das opiniões, dos juízos críticos, aprovações e condenações, permanecendo a validade da tentativa de auto-superação. A arte consegue captar e registrar a fantástica energia que

A longevidade não brinda o artista apenas com a experiência, pois ela, com sua complexidade, aprisiona-o também. A criatividade é um estado de posse, de convicção e de fé, diria mais próxima da fé de oficio que da fé religiosa, mais para a paixão dionisíaca do lúdico, da exaltação ao prazer que da expiação transcendental pelo sofrimento, praticado pelo fervor religioso.

A escultura adquire sua grandeza específica quando respira livre nos espaços abertos, sob o sol e sob a chuva.

estas esculturas, com a esperança de termos podido, através delas, enriquecer nossa percepção de valores eternos, não importam as características de transitoriedade da técnica utilizada e sim da intenção maior que a utiliza.

Quanto mais acessível ao homem e ao uso destes estiverem as artes e em específico a escultura, estarão estas cumprindo sua finalidade concreta. (...) disciplina à criatividade, constancia, dedicação e paciência temperadas pela fé de oficio e pela crença de que a arte é uma das poucas maneiras que ainda nos restam para dignificar e engrandecer o homem. Ao observador, ao transeunte, dedicamos

A criatividade me parece, atua em profundidade na dimensão sensorial. Exalta a emotividade aos limites do possível, não se exercitando no campo do raciocínio analítico-comparativo. Circula desenvolta no lado complexo do homem,

Um momento de beleza é um momento de encontro e os reencontros constroem o sentido de nossa vida, porque nos falam de compromissos existenciais e perenes.

Mario Cravo Junior

Esculturas ao ar livre 1980, Catálogo, Salvador, dezembro de 1979.

em banda desconhecida e misteriosa da intuição, na rica e fecunda área da sensibilidade, na inebriante vocação do homem, em sua máxima pretensão, de sentir e interpretar o mundo recriando-o. (...) os materiais, sejam naturais ou artificiais, têm vida própria, e esta energia implícita é ampliada com o toque do artista, do homem, que incorpora à matéria um componente fundamental: a carga emotiva. Através do toque, das mãos, do suor e, mais que tudo, de sua sensibilidade apurada, insere na matéria um certo espírito, diria, uma aura. Criatividade é associação, empenho, inventividade e paixão, na seiva infindável do espírito da matéria.

Mario Cravo Junior, Texto do Catálogo do Espaço Cravo, Salvador, 4 de julho de 1993.


sentei na cadeira do astronauta, mas fugi eletrocutado de pedra-sab達o.


Vi a terra ficar pequena e rechonchuda, com um sexo enorme embaixo.


Fe r r e i r o s a í d o dos infernos, c o b e r t o d e f ogo e aço, comido d e g o i v a e á cido, os bigodes a r r o g a n t e s , devassos, quase a g r e s s i v o s , os olhos de insônia, a b o c a e m g argalhada, eis o g u e r r e i r o M ario Cravo em luta c o m o f e r r o bruto, a madeira p e s a d a e i l u stre, a pedra morta, p a r a s e m p r e morta, mas, de r e p e n t e v i v a em sua mão, em s e u t a l h o , e m sua forja, em seu d e s t i n o d e s l umbrado e louco, e m s e u c r i a r sem descanso. O f e r r o j á n ã o é mineral bruto, é o O r i x á m ais poderoso, a f o n t e c r i s t a l i na, a mão de onde b r o t a a á g u a e se derrama na b o c a d o s s e dentos. Da madeira a d u s t a n a s c e o Mistério de I e m a n j á , s e n hora do mar da B a h i a , n a s c e o Cangaceiro d o b a n d o d e Lampião e do l a t i f ú n d i o f e udal, nasce Antonio C o n s e l h e i r o , capitão da guerra d o s p o b r e s boca de praga, b r a ç o d e a c usação. A pedra s e t r a n s f o r m a em flor, a flor m a i s s u a v e e delicada, a mais t e r n a f l o r, a flor bem amada. A m a d e i r a , a pedra, o ferro, na f o r j a d o s i n f ernos, nas mãos do v e r d a d e i r o E xu da Bahia são a f l o r, a á g u a , a poesia, a vida m a i s v i v i d a e mais profunda. u m a f o r ç a d a natureza por u m c a p r i c h o dos deuses d e s e n c a d e o u- se na Bahia: M a r i o C r a v o , o escultor. Jorge Amado O Ferreiro de Exú Salvador, 1961.

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Como é que você descobriu em si me s m o o artista e, particular m e n t e o escultor? “... me senti escult o r quando descobri um imenso amor pelos materiais e pelas fo r m a s . Tenho uma espécie d e necessidade do con t a t o com a matéria que s e r á o instrumento de m i n h a comunicação. Entre o escultor e a matéria , t e m que haver um dialo g o , antes que o resulta n t e venha a se transfor m a r e m mensagem”. ...“o dedão grande d o p é pode ser mais expre s s i v o do que a mais linda f a c e de uma donzela...” . Entrevista de Clarice Lispector

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A o s v i n t e anos ele a c r e d i t ava que seu d e s t i n o era a astronomia. Fr e q ü e ntou o observatório n a c i o n al durante seis m e s e s , para desvendar o s m i s t érios do céu. D e s c o b riu que seu futuro s e r i a f a zer cálculos de m a r é s , única atividade p o s s í v e l aos astrônomos b r a s i l e i ros da época. D e s a p o ntado, voltou á B a h i a , isolou- se na f a z e n d a do pai e começou a p l a s mar formas e seres c o m o barro da borda dos r i o s . D e pois, quis dominar m a t é r i a s mais resistentes, c o m o madeira, pedra, f e r r o . Foi trabalhar com Pe d r o Ferreira, a quem e v o c a c omo “o último g r a n d e santeiro da Bahia”. “ To d o s er humano t e m a c hance de, no m í n i m o , nascer duas v e z e s ” , afirma Cravo. “A p r i m eira acontece q u a n d o surgimos. A s e g u n d a, quando podemos e s c o l h e r onde viver e q u e l i n guagem, ofício ou m i s s ã o eleger para nos m a n i f e s tarmos e ganhar a v i d a . Eu escolhi ser a r t i s t a e escolhi Salvador p a r a e x ercer minha t a r e f a , assim como muitos e s c o l h e m a França e a E s c o l a de Paris. Penso ter f e i t o b o a escolha.”... C a r l o s Soulié do Amaral A ferro, fogo e facão Veja , 31 de março de 1999

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Jovem, queria ser a s t r ô n o m o . . . , d e siderato u t ó p i c o n u m a p r ovíncia a m e n a , p e r s p e c t i va grada a t o d o s o n h a d o r ; a todo c é r e b r o i n q u i s i d o r que se d e b r u ç a s o b r e o s mistérios da v i d a e d o u n i v e r s o. Lo g o , p o r e m , s o breveio a s u a v e r d a d e i r a v ocação, a d e c r i a r d a n d o n ovas formas, r e d i m e n s i o n a n d o a realidade o u a g r e g a n d o n o vos seres à r e a l i d a d e p r é - existente. S e o m u n d o p e r d eu um e n g e n h o s o p e s q uisador d o c é u , g a n h o u , por outra i n s t a n c i a , u m e s cultor, um d e s s e s q u e s a b e transportar o c é u p a r a a t e r r a, pois q u e s ã o s u a s e s c ulturas s e n ã o a m a t e r i a l i zação dos s e u s s o n h o s d a j uventude? Q u e s ã o s u a s p e ças senão c o n s t e l a ç õ e s e n t relaçadas n u m a g a l á x i a e s t ética h a r m o n i o s a ? L á está Cetus, à b e i r a d o R i o E r ídano, não m a i s a m e a ç a n d o Andrômeda, p o i s u m n o v o Pe r seu já d o m o u s e u s m o n stros, i m o b i l i z a n d o - o s em pedra, e m m a d e i r a , e m ferro, em p o l i é s t e r, c o n t u d o, dando -lhes n o v o s r i t m o s , n o va vida. . . . r e a l i z o u n a e s cultura s u a a n s i a d a v o c a ção de m a g n i t u d e . N o p au, na pedra, n o f e r r o , n o a l u mínio, no p o l i é s t e r, i n v e r t e u o caminho d e Pi g m a l i ã o ; t e r renalizou o f i r m a m e n t o , r e duzindo - o à c o n d i ç ã o h u m ana (pois é a a r t e o ú n i c o código do i n f i n i t o ) , r e a l i z a n do seus s o n h o s i n a c e s s í v eis de adolescente. I l d á s i o Ta v a r e s



“Se deparar com um Mário Cravo é tomar uma posição libertária, sim, mais definidas como as armas de uma orixá. Mário, acho você o maior escultor brasileiro vivo. O mais próximo daquilo que Lezama Lima chamava de paisagens em movimento. Tua trajetória pelos exus nos dá a dimensão do loucaminho até o ynconsciente liberto do mundo 3. Ferro que te quero fértil, eis aí.“ Goffredo Telles Neto S a l v a d o r, 2 5 / 0 3 / 2 0 0 6

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( . . . ) Suas expressões plásticas, f r e q ü entemente objetivas e e x p r essionistas, aliam- se à s e n s i bilidade do artista anônimo c u j a força vinda de sobrevivências r e m o tas é sempre tocada por uma v i d a dócil nos seus fins, que ele t r a n s forma e exalta na emoção do s e u f ervor. Wi l s o n Rocha

Mario Cravo Jr., O Momento, Salvador, 1955

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A treze de abril de 1923, na Ribeira de Itapagipe, Salvador, Bahia, lugar festeiro, trafegado por marinhagem e operárias das fabricas de Periperi, habitado por pacatas familias de comerciantes e empregados públicos, nasceu Mario Cravo. O menino tinha os olhos azuis que nem o mar. sua mãe-preta foi Mariá, em cujos fartos peitos mamava bem. Nas festas de Oxalá, digo, do Senhor do Bonfim, e na Segunda-feira da Ribeira, entrava em determinadas rodas de samba escanchado nos quartos de Mariá e sacolejava com grande contento e bom compasso, chorava para que Mariá lhe desse o peito e aí dormia, sereno. Seus tenros anos passaram com o mar pela cara, o mar e o céu azul, dourando à tardinha que nem os altares de São Francisco ou os acarajés de Vitu. Quando Seu Cravo foi eleito Prefeito de Alagoinhas, a familia toda se mudou. Mario brincava agora nos enormes barracões de fumo, escalando as montanhas de fardos, aprendendo nome feio ou voando pelos ares agarrado nas varas da prensa. Também espantava cabras e roubava cajaranas dos quintais. Na idade escolar, veio à Bahia para estudar no Colegio Antonio Vieira. Ali, chefiou duas revoluções e, durante sete anos, tornou impossivel a vida do Irmão Castanha (velho portugues que pedia, por todos os santos, não jogassem gelo na pia para que não entupisse), fez teatro improvisado e, secretamente, virou Flash Gordon (herói de sua geração). Desenhava máquinas interplanetárias e vivia a olhar o céu das janelas do internato, à procura do planeta Mongo. O Padre Torrand, velho cientista, aproveitou esse entusiasmo para despertar-lhe o interesse pela astronomia.

Na fazenda que o pai comprou em Catú, no cocuruto de um morro, montou um observatório. Ali passava as noites, perdido nos vastos campos siderais, a imaginação viajando por galaxias e planetas em máquinas engendradas na hora, munidas de tentaculos, antenas ou formas específicas, proprias para alunizar ou flutuar nas turbulencias de uma nebulosa qualquer.

corotes de cachaça. Rasga o tempo e o espaço, preso ao guidom da motocicleta como se fosse à rabiça de um arado, e vai semeando-se de geografia, que é a escultura mais extensa que há.

Em Catú e Cipó, começa o adolescente a modelar com as argilas do Itapicuru.

As pedras de milagres o deslumbram, são bizarrias geologicas, quase esculturas feitas pelo vento, lagedos enormes, figuras gigantescas, caras, cidades, colunas, bichos, castelos, tudo entre o real e o faz de conta; e cavernas de boca escancarada e desenhos de indios na barriga. Em Mario, surge uma idéia que até hoje o acompanha – transformar essa zona em parque nacional e esculpir nessas pedras, não só ele, mas todos os escultores do mundo que tiverem vontade e força para tanto.

Com surpresa, percebe que suas mãos condensam, dão forma, fixam gestos, linhas, superficies que seus olhos enxergam nas coisas que o deslumbram. Faz escultura realista. Bustos de mulher, figuras e o retrato de Maria do Galo, mulata de cadeirame maciço e coração velhaco. No subconsciente, o arsenal de máquinas celestes dormirá por muitos anos.

Sente necessidade, fome de esculpir, a argila é mansa demais, procura novos caminhos e, para isso, vem a salvador para estudar com Pedro Ferreira, mestre santeiro da melhor qualidade, com quem aprende regras gerais de anatomia e proporções, trava combates com o cedro e o jacarandá, aprende os segredos do oficio e a dificilima técnica de afiar goivas e guidavis.

As formas brotam, seu tato se refina, é quase tato de cego, seus olhos espiam a vida e vão para a gema dos dedos, que afundam na argila com a mesma veemencia que no colo das cabrochas de beira-rio. Às vêzes, o ataca uma necessidade explosiva de ver, correr, voar, expandir-se. Sua motocicleta, cabra-pégaso de chifres niquelados, minotauro dos ventos, que, com seu ronco medonho, espalha o terror entre os frangos e meninos das povoações, engole as estradas do sertão e as verte na mesma hora entre detonações e nuvens de poeira, que encardem mais os couros dos vaqueiros, as bruacas e os

Nesse tempo, ainda havia Mestre Artur Costa Lima, no Taboão, Mestre Aloisio, no Terreiro de Jesus, Mestre Vicente, com metade do escudo do imperio tatuado no braço (trabalho inconcluso devido ao 15 de novembro de 1889, que o obrigou a andar muito tempo de camisa de mangas compridas) e Pedro Ferreira e Alfredo Simões: os dois ainda vivos e trabalhando.

De madrugada, no entressono, as máquinas voltavam e aterissavam, mansas, em seu subconsciente. Penso que, nas esculturas atuais do Mario, fragmentos desses engenhos voltam das profundas de seu ser.

Para Mario, esse horizonte de altares e oratórios era limitado demais: Cristos, Conceições, Santantonios, Lázaros e Gabrieis, mas já sem o voo de um Chagas, “O Cabra”. Tudo acontecendo num ambiente crepuscular, submisso a


cânones, afogado em rotinas, acanhado. Por contrastes, começa a estudar o mundo em que vive, o afro-baiano que começou nos seios fartos de Mariá. Mundo abstrato no qual um deus pode ser uma pedra, uma árvore ou um conjunto de palha, contas e búzios, mundo cujo epicentro é a lua de couro dos atabaques. Os europeus nos trouxeram coisas concretas, palpaveis, arquitetura, pintura e escultura; e os africanos, metafisica, além da sua presença e certos gostos, sons, sabores, cheiros e aromas que são o cerne da Bahia. Mas, a não ser umas poucas peças de escultura, nada palpavel, de solido, só uma tremenda força espiritual que impregnou a cidade. Nisso andava o Mario, quando Lucia, com sua doçura, tomou conta de sua vida. Casam e partem para o Rio, onde Mario passou a trabalhar no atelier do escultor Humberto Cozzo. Lida já com outros materiais, familiariza-se com novas ferramentas e técnicas, discute, lê, assimila. Sentindo-se já dono do oficio, escreve para o escultor Ivan Mestrovic, manda-lhe fotos de trabalhos, e o yugoslavo o aceita como aluno especial de seu curso, na Universidade de Syracuse. Mario trabalha em esculturas em gesso, de grandes proporções, e vive a vida a vida carunchada e torta do Village, dos beach cobra (hoje beatiniks), dos porões das jam-sessions, das madrugadas de nova iorque, onde, em vez de galos, cantam Billie Holliday ou trompetes mal-assombrados. Ai ele afundou-se e se esponjou no melaço gordo do jazz, viu museus, trabalhou e deixou crescer a barba. Foi já barbudo que o conheci. Seu atelier era numa obra abandonada

no Porto da Barra, itinerário de todos os artistas, o quartel general da renovação das artes na Bahia. Ali havia sempre arquitetos, pintores, escultores, críticos, curiosos gravadores, cineastas, grandes bate-papos e café. O mais importante era a generosidade de Mario quanto ao local, ferramentas, diálogos e materiais de que os artistas necessitassem. Se fossem principiantes, recebiam, também gratis, doses maciças de entusiasmo e orientação. Dos muitos que ali aportaram , como eu, lembro-me de Poty, que veio ensinar água-forte e produziu uma série magnífica de gravuras da Bahia e de um rapaz escuro, que o Mario contratou como machadeiro, para desbastar troncos enormes. Fazia carvão em Itaparica e, manejando o machado, era um verdadeiro artista. Sem o machado, também. tratava-se de Agnaldo dos Santos, que, graças ao Mario, pôde abrir as comportas do enorme potencial de sua sensibilidade. Mary Vieira, Rubem Valentim, Lenio Braga, Aldemir Martins, Marcelo Grassman e muitos outros usaram o casarão, uns para trabalhar, outros para encontrar seu caminho. Quanto a Mario, trabalhava sem tregua, desenhava, esculpia e ria muito. Do seu subconsciente decolavam as misterosas maquinas da adolescencia para integrarse em formas vegetais, animais ou puras, numa confirmação do barroco, não digo como estilo, mas como estado que deliberadamente exaure, ou pretende exaurir, todas as possibilidades de uma forma. O homem parecia um possesso: pedra, madeira, mármore, ferro, chumbo e cobre se transformavam em suas mãos; e essa vitalidade, essa força e alegria de trabalho nos contagiava. Não era uma escola ou um grupo; erámos homens com vontade de fazer arte e a

faziamos, cada qual a seu modo, e como podiamos, mas respirando amizade e compreensão. Do sul chegaram Pancetti e Djanira; do norte Jenner e José Cláudio; da Alemanha, chegou Hansen (hoje HansenBahia); da França, Pierre Verger; da Argentina, eu; da América, Dick Menocal. A Roma Negra, como Bastide a batizou, a Velha, como a gente a chama, enfim, a Bahia aromosa, clara, esotérica a todos dava paz e o alimento preciso. Fizemos muitas viagens de resgate pelo Nordeste todo, ora num subversivo Skoda, ora num jipe com caçamba, cuja figura de proa era um Exu vermelho, de ferro. Em geral, a tripulação era: Mario, Agnaldo, Jenner, Verger e eu. A volta se dava na maior das incomodidades, pois o espaço, já por si acanhado, era disputado por sacos de ex-votos, santos salvos de morrer nas torturas do cupim, cerâmica popular, enfim, tudo o que, para nós, tivesse interesse artístico ou nos revelasse uma forma nova. Numa dessas viagens, fomos a Caruaru especialmente para visitar o Vitalino, fizemos uma compra grande e ele se prontificou a embalar as peças. Pôs tudo direitinho dentro de dois caçuás socados de palha de bananeira, que é como ele levava, em seu cavalo, as peças para a feira distante oito quilômetros. O diabo é que nós tínhamos que percorrer trezentos, e de jipe. Não chegou nada inteiro. As peças, com a trepidação, foram-se limando umas contra as outras, e ainda me lembro de um vaqueiro montado, surrealista, com meia cara na vertical do lado esquerdo e o cavalo comido no lado direito e na horizontal, peça que teria feito Salvador Dali estremecer de gozo. Destas viagens, regressávamos empoeirados e fedorentos como cruzados


e, como eles, com a sensação do dever cumprido, o dever de preservar o patrimônio nacional. Entre viagem e viagem, Mario trabalhava como um dínamo, uma erupção. Para confirmar isto, transcrevo o trecho de um artigo do crítico mais sóbrio em palavras que conheci, o José Valladares: “...indicar convenientemente a escola de arte a que Mario Cravo pertence, Blitzkunst, ou seja, arte relâmpago, arte ultra-rápida, vertiginosamente criada para ser vista com rapidez, ofuscante, às vezes temível, mas, é mister salientar, tão respeitável como as forças da natureza...Neste ponto, ele é o legítimo herdeiro das tradições de sua terra natal e herdeiro daquilo que o barroco possui de mais profundo, que é a conquista do espaço e usa elaboração num plano dinâmico, e não, como muita gente pensa e desafortunadamente pratica, a opulência e extravagância decorativa...” A Bahia deve a Mario a recuperação do Solar do Unhão e a instalação nele dos Museus de Arte Moderna e de Arte Popular. Foi por insistência dele que a arquiteta Lina Bo Bardi desistiu da construção de um prédio especifico e tratou da restauração do solar. Só a escada que criou vale o gesto. Em 1964, o Senado de Berlim e a Ford Foundation o convidam como artistaresidente. Parte com a família toda e se instala em Spandau. É-lhe concedido um atelier, na Zitadelle, antiga fortaleza onde, na Segunda Guerra Mundial, era guardado o tesouro do III Reich e alguns presos importantes. Foi um ano de exposições e viagens. Já não era o centauro solitário da motocicleta nem o Mario da Trigésima Bienalle di Venezia, onde representou a escultura do Brasil, e quando, em

apenas quatro meses, fez milhares de quilômetros e viu tanta coisa que voltou com esgotamento nervoso. Agora, fende os ares num poderoso Taurus, com Lucia e os meninos: Itália, França, Espanha e Portugal, onde nos encontramos. Foram memoráveis dias de vinhaça, sardinhas assadas e figos maduros. Juntos fomos a Coimbra, Óbidos e ao Porto e, em Braga, nos separamos, ele ávido de pinturas rupestres e eu doido para ver o Grego em sua Toledo. Convidado pelo Departamento de Estado Norte-Americano, lá se vai com a família para os EUA: mais exposições e conferencias e, no meio disso tudo, a pedido de amigos, aceita a direção dos Museus de Arte Moderna e de Arte Popular, que haviam ficado acéfalos. Voltou. Dois anos de trabalhar e viver, de ver e sentir a Europa de coração aberto, do bisonte de Altamira ao Vedova, das autobahns aos mosaicos de Ravena, da bouillabaisse ao chucrute, do recolhimento da Zitadelle ao traquejo diário com artistas vindos de todo o mundo para Berlim. Houve sempre uma grande peleja entre Mario e a Bahia. Algo desafinava entre os dois, no Unhão: enquanto ele pensava, a Velha jogava-lhe na cara o céu azul-mar. Mario ruminava planificações monótonas (canoas passando nas janelas azuis), burocracia lerda (canto de lavadeira chegando da Gamboa, fartum de maresia e a dourada feminilidade dos mamoeiros), paciência e discussões sem fim (poentes de imensa paz incendiada), conferencias, audiências às dezessete e trinta, requerimentos (o barroco modesto da igrejinha, as mangueiras testiculares e os muros caiados e leprentos de musgo), aporrinhações ministeriais (Lucia e os

meninos, fruta-pão, carne-de-sol, aipim e munguzá na mesa do jantar). A Velha ganhou. Ganhou, mas foi um tempo turbulento, de harmonizar, de corrigir dissonâncias. No profundo lá dele, tudo ia-se somando, formulando um novo ímpeto que brotou na ponta do maçarico. Em fins de 66, fês três exposições quase simultâneas: Brasília, Rio e são Paulo. Para a Primeira Bienal Nacional de Artes Plásticas, aprontou sete esculturas, criadas em intenção às proporções do claustro do Convento do Carmo – uma formulação toda nova em conceito e forma, com peças que vão dos três aos sete metros de altura. Agora terminou uma fonte nos jardins da Bolandeira, que tem a altura de um prédio de sete andares. É feita de enormes válvulas, junções que mais parecem joelhos de fósseis, tubulações gigantescas, registros, barras, parafusos e tubos. Para quem vinha do lado esquerdo, do lado da praia, dava a impressão de uma Torre de Babel, o andaime emaranhado de madeira e ferro subindo pelos ares e, lá em cima, uns homenzinhos contra o céu, gesticulando, escorando peças, pregando, puxando correntes de talhas: e, entre eles, Mario, com uma flor de fogo na mão, milagreava, unindo toneladas de ferro em equilíbrio dentro do ar. A fonte lembra, sugere um Paxorô, cajado de prata que sustenta a imaculada brancura do Orixá da criação. E nela a água dos esguinchos e repuxos pode ser as contas que lhe cobrem o rosto. Há também pequenos arco-iris. Será Oxumaré? Carybé


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(...) trabalhador incansável, dominalhe o espírito um desejo assoberbante de investigação. Não sabe suportar o desafio de um material ainda inexplorado, nem sofrer a tentação dos resultados novos. ...Não pensava em ser escultor: Pensou em ser astrônomo. As harmonias e mistérios cósmicos exerciam fascinação na alma... Das harmonias cósmicas, passou o artista em gestação de singularidades telúricas. Aprendiz de fazendeiro internou-se pelo sertão nordestino, no dorso de motocicleta, para um contato íntimo com a natureza da região. Seus caprichos, metamorfoses súbitas, alternações de crueldade e doçura, deixaram-lhe uma impressão que para sempre ficou. Só depois dos banhos lustrais – o do universo e o da natureza – foi que a escultura apareceu. 51 53

(...), mas em tudo que faz deixa a marca de sua personalidade – o grandioso, dinâmico e torturado de sua interpretação barroca do mundo. A respeito dos estudos feitos pelo artista, cremos que os de maior importância foram os realizados consigo mesmo. Quer pela observação, quer pela meditação, quer no exercício da escultura. José Valladares

O Escultor Mario Cravo Diário de Notícias, Salvador, 18 junho de 1950


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“O Conselheiro” de Mario Cravo ao Mamb É ainda cedo para estabelecer qual foi a influencia das tendencias européias na arte brasileira. Estava visitando nestes dias o atelier de Mario Cravo, pensando numa pintura atribuida a Giorgine: Vulcão que martela um ferro em frente a uma bela figura femenina que, na minha imaginação, invés de ser Venus é a arte. Cravo é como se fosse lançado no espaço das possibilidades plásticas. Procura mil encontros com uma das exuberancias mais fortes que jamais vi num artista, a sua inquietação é indefinivel, e para um critico de educação européia inclassificável no jogo das tendências. a sua ultima fase de sintetizar em formas rígidas as delicadas estruturas de insetos é um aspecto daquela inquietação. Vai-se ver depois, em dez anos, o que resistirá ao tempo de tudo que hoje chamamos de

“arte moderna”; a avalanche um dia vai se precipitar - eu gosto dum Mario Cravo figurativo-expressionista, agitado, escultor que fez sua educação plástica na riqueza da fantasia popular dos ex-votos, das cabeças de animais, dos barcos do rio São Francisco na compostura trágica dos cristos da contra-reforma, nas grandiosas solenidades das estátuas das fachadas de nossas igrejas barrocas, nas primitivas ingenuidades dos pretos ajudantes dos portugueses na preparação das talhas, isto é, gosto de um Cravo cantor das coisas baianas que o povo sabe apreciar. Pietro Maria Bardi

P. M. Bardi justifica a doação de “O Conselheiro” de Mario Cravo ao Mamb. Diário de Noticias, Salvador, 11 de janeiro de 1960

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E X P O S I Ç Õ E S I N D I V I D UA I S

ANO

REFERÊNCIAS

LOCAL

1963

Rathus Spandau

Berlim - Alemanha

Institute of Contemporary Arts

Washington - U.S.A.

ANO

REFERÊNCIAS

LOCAL

1964

1947

Esculturas e desenhos - Associação Cultural BrasilEstados Unidos

Salvador - BA

1964

Brazilian American Cultural Institute

Washington - U.S.A.

1964

“Cravo”

Washington - U.S.A.

1947

Edifício Oceania

Salvador - BA

1965

Jardim da Embaixada Brasileira

Washington - U.S.A.

1949

Norlist Gallery

New York - U.S.A.

1965

Galeria Convivium

Salvador - BA

1949

Edifício Sulacap

Salvador - BA

1966

Galeria Bonino

Rio de Janeiro - RJ

1950

Museu de Arte de São Paulo

São Paulo - SP

1966

Galeria Astréia

São Paulo - SP

1950

Ministério de Educação e Saúde

Rio de Janeiro - RJ

1966

Hall do Hotel Nacional

Brasília - DF

1968

“Cravo” / A Galeria

São Paulo - SP

1971

“Cravo” / Galeria Recanto de Ouro Preto

Fortaleza - CE

1971

Mario Cravo Junior / Galeria Círculo

Salvador - BA

1971

Paço das Artes

São Paulo - SP

1972

“Cravo” / Galeria Documenta

São Paulo - SP

1972

“Cravo” / Galeria Bonino

Rio de Janeiro - RJ

1972

Exposição A Galeria

São Paulo - SP

1976

Mario Cravo / Galeria Ami

Belo Horizonte - MG

1977

Exposição Galeria Scultura 1977

São Paulo - SP

1979

Galeria Scultura

São Paulo - SP

1980

“Cravo 80” - Farol da Barra

Salvador - BA

1951

Galeria Oxumaré

Salvador - BA

1954

Esculturas e Desenhos - Rua Chile

Salvador - BA

1955

Belvedere da Sé - ar livre

Salvador - BA

1955

Associação Cultural BrasilEstados Unidos

Porto Alegre - RS

1955

Amigos del Arte

Montevideo - Uruguai

1956

Casa Dariano

Porto Alegre - RS

1958

Belvedere da Sé - ar livre

Salvador - BA

1959

Praça da República - ar livre

São Paulo - SP

1959

Saguão do Edifício Guinle

São Paulo - SP

1959

Museu de Arte Moderna

Rio de Janeiro - RJ

1959

Museu de Arte Moderna de Pampulha

Belo Horizonte - MG

1959

Colóquio Luso-Brasileiro Escola de Teatro da UFBA

Salvador - BA

1960

Diretório Acadêmico da Escola de Belas Artes

Salvador - BA

1960

Museu de Arte Moderna da Bahia

Salvador - BA

1961

Petite Galerie

Rio de Janeiro - RJ

1962

Petite Galerie

São Paulo - SP

1983 a 3 Exposições nos Lançamentos do livro “Cravo” 1984

Salvador - BA Rio de Janeiro - RJ São Paulo - SP

1984

Galeria Múltipla

São Paulo - SP

1984

CRAVO, linha, forma e volume (Núcleo de Artes do Desenbanco)

Salvador - BA

1986

Galeria Ammann & Misteli, esculturas e desenhos

Zurich - Suiça

1987

Galeria ÉPOCA - esculturas e desenhos

Salvador - BA


01 “Cristo Baiano”, ferro em fusão, 1955, Bahia.

23 “Exú de Villa Lobos”, (detalhe da cabeça com um ninho de passarinho), vergas de ferro soldadas, 1962, Bahia.

48 Auto retrato com o mestre Ivan Mestrovic, na Universidade de Syracuse, Nova Iorque, 1947.

24 “Personagem”, relêvo em alumínio, 1980, Bahia.

49 Primeiro Atelier no Largo da Barra, 1949, Salvador, Bahia.

03 “Cristo em Ascensão”, madeira pintada, sucata de peças de madeira do incêndio do Mercado Modelo, 1987, Bahia.

25 “Saturno”, resina poliéster pigmentada translúcida, 1976, Bahia.

50 Atelier no Rio Vermelho, 1950.

04 “Cristo Crucificado”, ferro revestido de latão, 1955.

27 “Painclup”, computação, déc.90.

05 Os “Orixás dos Correios”, chapas de cobre e latão, 1984, Sede dos Correios e Telégrafos, Salvador, Bahia.

29 “Lucia2”, computação, déc.90. 30 “Figuras”, computação, déc.90.

06 “Assento”, pedra sabão, 1994, Bahia.

31 “Arabesco”, computação, déc.90.

07 “Maternidade”, pedra sabão, 1994, Bahia.

33 “Cabeça15”, computação, déc.90.

02 “Cristo Amarrado”, madeira pintada, sucata de peças de madeira do incêndio do Mercado Modelo, 1987.

08 “Exú dos Ventos”, aço cortain pintado, 1998, atualmente no Campus do Fundão, Rio de Janeiro. 09 “Grande Exu Sentado”, aço inox, 2002, Bahia. 10 “Cristo de Vitória da Conquista”, fibra de vidro, 1980. 11 “Cruz Caída”, aço inox, 2000, Praça da Sé, Salvador, Bahia. 12 “São Jorge Matando o Dragão”, ferro retorcido, 1958, Bahia. 13 “Energia em Expansão”, fibra de vidro, resina poliéster pigmentada translúcida e concreto, 1975, Copec, Salvador, Bahia. 14 “Figura”, prata, 1961, Bahia. 15 “Áries”, resina poliéster translúcida pigmentada, 1976. 16 “Forma Marinha”, fibra de vidro, 1971, Bahia.

26 “Autoret4”, computação, déc.90. 28 “Opoeta3”, computação, déc.90.

32 “Autore05”, computação, déc.90. 34 “Painel01”, computação, déc.90. 35 “Boiade”, computação, déc.90.

51 Mario Cravo na II Bienal de São Paulo, com as esculturas, “Tocador de Berimbau e o Cangaceiro”, 1953, São Paulo, SP. 52 Mario Cravo no Atelier do Rio Vermelho com a escultura “Rapto de Yemanjá”, 1956/57, Salvador, Bahia. 53 Maestro Heitor Villa Lobos posando para o escultor no seu apartamento em Nova Iorque, 1948. 54 O escultor na Defesa de Tese na Escola de Belas Artes, Osvaldo Goeldi na Banca Examinadora, 1953, Salvador, Bahia.

36 “Pairando”, computação, déc.90.

55 Mario Cravo com José Valladares, no Bar Anjo Azul, 1954/56, Salvador, Bahia.

37 Detalhe da cabeça do “Exú dos Correios”, 1984, Sede dos Correios e Telégrafos, Salvador, Bahia.

56 Mural Escola Classe, “Animais préhistóricos”, pintura em têmpera a ovo, 1953, Salvador, Bahia.

38 “Exú dos Correios”, 1984, Sede dos Correios e Telégrafos, Salvador, Bahia.

57 Mural da Escola Carneiro Ribeiro, “O homem e a máquina”, pintura em têmpera a ovo, 1953, Salvador, Bahia.

39 Detalhe do pé do “Exú dos Correios”, 1984, Sede dos Correios e Telégrafos, Salvador, Bahia. 40 Gravura em água-forte e água-tinta, P/A, estudo dos “Profetas do Aleijadinho”, 1954. 41 Gravura em água-forte e água-tinta, P/A, 1/4, “Cristo Bahiano”, 1954. 42 Gravura monotipia, “Ex-voto feminino”, 1951.

17 “Exú na folhagem”, sucata de ferro, 1958, Bahia.

43 “Fonte da Rampa do Mercado Modelo” vista do mar, fibra de vidro, 1970, Praça Cairú, Salvador, Bahia.

18 Detalhe da cabeça do “Antonio Conselheiro”.

44 “Fonte da Rampa do Mercado Modelo”, em construção, 1970, Salvador, Bahia.

19 “Bailarina”, madeira policromada, 1995. 20 “Anjo”, sucata de ferro, 1967, Núcleo de Arte Desenbanco, Salvador, Bahia.

45 “Fonte de Oxalá”, sucata de tubos, roscas e peças soldadas, 1966/67, Estação de Águas da Bolandeira, Salvador, Bahia.

21 “Cometa”, ferro revestido de latão, 1962, Bahia.

46 Observatório de Astronomia, 1943/45, Fazenda Conceição, Bahia.

22 “Cabeça de Negra”, bronze, 1949, Bahia.

47 Mario e Lucia Cravo, 1946, Bahia.

58 Mario Cravo na 1ª Exposição ao ar livre no Belvedere da Sé, com o “Antonio Conselheiro”, 1955, Salvador, Bahia. 59 Mario Cravo com o “Exú Mola de Jeep”, sucata de ferro, 1958, Parque Ibirapuera, São Paulo, SP. 60 Vista da 1ª Exposição ao ar livre no Belvedere da Sé, 1955, Salvador, Bahia. 61 Mario Cravo e Carybé no alto sertão de Pernambuco, 1956/57, foto de Renato Ferraz. 62 2ª Exposição ao ar livre no Belvedere da Sé, Mario Cravo com Agnaldo dos Santos, 1958, Salvador, Bahia. 63 Cópias heliográfica de desenho em lápis sobre papel manteiga para o Projeto “Orixás dos Correios”, detalhes de montagem e recorte de cabeça e membros, 20/7/1984.




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