A Grande Missão

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Flรกvio Colombini Ilustrado por Rick Troula

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Copyright © 2012 by Flávio Colombini

Projeto gráfico e diagramação: Flávio Colombini Revisão de texto: Alcidema Torres Capa: Rick Troula

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Eduardo levantou alegre naquela manhã. Parecia uma quinta-feira como outra qualquer, mas era um dia muito especial. O seu aniversário. Estava com uma sensação de segurança e maturidade, pois era um menino mais velho agora. Completava quatorze anos. Geralmente a mãe de Edu saía para o trabalho antes dele acordar, mas, naquele dia, ela tinha saído da rotina e preparado um belo café da manhã para ele, com cereal, iogurte e frutas. Só depois de acompanhá-lo na refeição matinal é que ela saiu. Dudu estava com vontade de faltar na escola, mas não podia. Tinha uma bolsa de estudos em um colégio particular e não podia faltar à toa, nem tirar notas baixas. Se por um lado gostava de estudar em uma escola de alto nível, por outro detestava ser o único menino pobre em um colégio de classe média alta. Edu tomou um banho, vestiu-se e saiu. Estava caminhando para a escola quando seu celular tocou. Do outro lado da linha, uma voz grossa lhe perguntou: – Quem fala? – É o Eduardo. – É o seguinte: Nós sequestramos a sua mãe. – Quê? – Cala a boca e ouve! Dudu ficou assustado. Além da voz do homem, ouvia também uma mulher chorando ao fundo. – Eu e meus colegas sequestramos sua mãe. Agora você vai fazer o que eu disser, se não ela morre, cê tá me ouvindo? 3


– Tô... mas... como assim? – Sem perguntas! Só faz o que eu mandar ou então ela vai morrer. – Mas... – Agora vai pra escola, que eu vou ligar pro seu celular e dizer o que você tem que fazer. E nem pense em ligar pra polícia, que eu mato sua mãe na hora. Apavorado, Edu teve dificuldade de assimilar aquela informação. Sua mãe... sequestrada. Como? Ele foi andando a passos apressados para a escola e pensando: “Será que é verdade? E se for um trote?” Resolveu ligar para sua mãe. O celular dela tocou, tocou, tocou, mas ninguém atendeu. Caiu na caixa postal. Continuou caminhando e pensando em como sua mãe poderia ter sido sequestrada. Ela pegava condução para o trabalho. Ia até o ponto de ônibus a pé. Teria sido fácil um carro parar e puxarem ela pra dentro. Mas por quê? Sua mãe não era rica. Muito pelo contrário. Mal conseguia pagar 4


as contas. O que será que iam pedir de resgate? Eduardo tentou ligar para o trabalho da sua mãe. O telefone tocou um monte de vezes até que uma funcionária malhumorada atendeu. – Pois não? – Por favor, a Neide? – Aqui não tem nenhuma Neide. Isso aqui é um hospital da rede pública, não uma residência. – Mas a Neide é minha mãe. Ela trabalha aí como enfermeira, ou melhor, auxiliar de enfermagem. – Em que setor? – No pronto-socorro. – Eu vou transferir. Dudu esperou muito, ouvindo uma musiquinha chata, até que alguém atendeu e ele perguntou de novo por sua mãe. – Ela não chegou ainda. Está atrasada. – disse a atendente do pronto-socorro. “Então deve ser verdade... ela foi mesmo sequestrada”, pensou Edu. “Nessas horas é que seria bom ter um pai pra me ajudar.” Nunca conhecera seu pai, pois ele tinha morrido pouco antes de Eduardo nascer. – Acidente de carro – sua mãe dizia. Mas ela nunca queria falar sobre o assunto. Era muito traumático para ela lembrar de Jorge Ribeiro Crivella. Dudu só sabia o nome do pai porque achou um documento antigo dele, guardado em uma gaveta. Na carteira de identidade de Edu, porém, não constava o nome do pai. Só o da mãe. Eduardo chegou na escola vinte minutos antes de tocar o sinal da primeira aula. Ficou do lado de fora. Não sabia se devia entrar. Se entrasse não o deixariam mais sair. “O que será que esses sequestradores querem?” O celular tocou. O menino olhou pro identificador de chamadas para ver o número de quem estava ligando, mas só apareceram as palavras “sem identificação”. Então ele atendeu. – Escuta aqui... 5


Era o homem da voz grossa de novo. E ainda dava pra se ouvir ao fundo os gritos e choros de uma mulher. – Mãe!? Solta a minha mãe! – Cala a boca e ouve! Eduardo, eu vou te dar sua primeira missão. – Como assim? O que vocês querem de resgate pela minha mãe? Eu não tenho dinheiro. – Eu não quero dinheiro. Cê acha que eu não sei que você é pobre? – Mas, então, o que você quer? – Cala a boca e ouve! Eu quero ver se você é macho. – Hã?! Mas o que isso tem a ver com a minha mãe? – Eu tô cansado desse mundo cheio de gente fraca e covarde. Eu quero ver você virar homem de verdade. Se você fizer tudo o que eu mandar, eu vou deixar sua mãe viver. Agora, se você não me obedecer, a próxima vez que você ver sua mãe, ela vai estar num caixão.

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Caixão. Eduardo se assustou com essa palavra. Já tinha visto uma pessoa num caixão. O seu avô. Ele morrera um ano atrás. Porém, imaginar sua mãe, a pessoa que ele mais amava no mundo, estirada num caixão, doía demais. – Essa vai ser sua primeira missão... – avisou o sequestrador. Edu ouviu prontamente, prestando o máximo de atenção, pois a vida de sua mãe dependia disso. – A gente ouviu dizer que tem um menino na sua escola que é riquinho e esnobe. Ele vive exibindo um novo game portátil, de última geração, que ele carrega pra todo lugar. – Sei, o Paulo Pires. – Esse mesmo. Eu quero que você roube o videogame dele. – Mas eu não sou ladrão! – Você vai fazer isso, já! Rouba esse videogamezinho e não deixa ninguém perceber, se não sua mãe vai pro saco. Desligou. “O que eu vou fazer agora?”, Dudu pensou. Mas não havia opção. Ele tinha que fazer o que o cara havia mandado. Eduardo lembrou-se de uma vez, no primeiro ano da escola, quando entrou na sua sala durante o recreio, viu um lápis bonito, que estava sobre uma carteira, e o roubou. Quando descobriu que o lápis era do Pedrinho, seu amigo, Dudu se arrependeu. Ele viu o menino procurando o lápis desesperadamente e isso lhe cortou o coração. No dia seguinte, enquanto Pedrinho estava distraído, Edu colocou o lápis de volta na carteira dele. Depois disso, prometeu que 7


nunca mais roubaria nada. Mas agora era diferente. Precisava fazer aquilo, se não sua mãe morreria. Tinha que roubar o game do Paulo. Mas como? Naquele instante, Paulo desceu do carro luxuoso do pai e entrou na escola. Edu foi atrás dele. Paulo logo tirou o videogame da mochila pra mostrar um joguinho novo a seu amigo Adriano. Edu ficou olhando para o minigame com cobiça. Como conseguiria roubá-lo sem que ninguém percebesse? Impossível.

O sinal ia tocar a qualquer momento. Dudu sentou-se perto de Paulo e de Adriano, e ficou ouvindo a conversa deles. – Então eu dou uns tiros e mato aqueles guardas, pum, pum! – Que louco! – exclamou Adriano. Os alunos da escola iam chegando e passando por eles. Edu tentou bolar um plano até que, para seu desespero, 8


o sinal tocou. Paulo parou de jogar. Guardou o game no bolsinho externo da mochila e fechou o zíper. Foi então que Eduardo viu seu único amigo da escola, o Luiz, jogando bola com outros meninos ali perto. Foi até ele e lhe pediu um favor. Luiz não entendeu muito, mas fez o que Dudu tinha pedido. Chutou a bola bem na cara do Paulo. O menino riquinho ficou bravo, largou a mochila e foi pra cima de Luiz. Nisso, Eduardo largou sua mochila no chão, pegou a mochila do Paulo e saiu andando. Luiz se desculpou. – Calma, Paulo, foi sem querer. – Tá bom, até parece... Enquanto isso, Edu fez um plano rápido: “Vou entrar no banheiro, pegar o game e largar a mochila lá”. Mas logo alguém o chamou. – Dudu! Era Paulo. – Oi? – Aonde você vai com a minha mochila? – ele perguntou, indignado. – Hã? Caramba! – disse Eduardo, com a maior cara de pau. – Nem tinha percebido que peguei a mochila errada. Achei que era a minha. O problema é que a mochila velha e surrada do Edu não se parecia nem um pouco com a mochila nova e bonita do Paulo. Eduardo devolveu a mochila para o dono e pegou a sua do chão. Tinha perdido sua única chance. O que faria agora? Toda a molecada foi subindo as escadas em direção às salas de aula. Era uma bagunça. Todo mundo se espremendo pra subir ao mesmo tempo. Nisso, Dudu teve uma ideia. Ele ficou atrás de Paulo e aproveitou toda aquela baderna para abrir o zíper da mochila dele. Fez isso delicadamente, sem que Paulo percebesse. 9


No topo da escada, algumas meninas começaram a brigar com dois garotos que estavam fazendo gracinha com elas. Toda a escada parou. Edu aproveitou, enfiou a mão na mochila de Paulo e retirou o pequeno videogame de lá. Nessa hora, Paulo deu uma olhada pra trás. “Será que ele percebeu?”, Dudu pensou. Mas Paulo só resmungou: – Essas meninas são muito frescas! Edu escondeu o game na cintura da calça e pôs a camiseta por cima. Afastou-se de Paulo e foi para a classe. Entrou e se sentou. Disfarçadamente, guardou o game na mochila. Só então respirou aliviado. Felizmente Paulo era da outra classe. Provavelmente só daria pela falta do videogame no recreio. Dudu assustou-se quando recebeu uma mensagem de texto no seu celular, que dizia:

Quero ver o game. Ponha ele em cima de sua carteira e depois guarde de novo. “Mas onde está esse sequestrador? Como ele pode me ver?”, pensou Edu. Ele ficou olhando pelas grandes janelas da sua classe. Havia diversos prédios em volta da escola. Se o sequestrador ou seus comparsas estivessem em um daqueles prédios, teriam uma boa visão da sala de aula. Podiam também ter escondido em algum lugar uma minicâmera, que transmitia imagens da classe pela Internet. Edu olhou em volta da sala, mas não viu nada parecido com uma câmera. Mesmo assim decidiu fazer o que fora pedido. Esperou um momento adequado, que surgiu quando Henrique, um menino exibido, começou a cantar um pagode ridículo e todo mundo começou a zoar com ele. Edu aproveitou a distração geral e pôs o videogame em cima da carteira. Dois segundos depois, guardou-o de volta na mochila. Então espiou à sua volta. Ninguém estava olhando pra ele. Ótimo. Logo recebeu outra mensagem no seu celular: Parabéns! Você cumpriu sua primeira missão. Aguarde a próxima. 10


O Prof. Nelson entrou na sala e a aula de matemática começou. Mas Eduardo nem prestava atenção. Não conseguia parar de pensar em sua mãe. Será que estava ferida? Será que Edu conseguiria fazer tudo o que os sequestradores iriam pedir? E se pedissem para ele realizar uma missão durante a aula e ele não conseguisse cumprir? Mas eles não entraram em contato durante a primeira aula. E felizmente o professor não lhe perguntou nada sobre a matéria explicada na lousa. Dudu com certeza não saberia responder. A segunda aula foi com a professora Rosa, de português. – Eduardo? – chamou a professora. Ele demorou para se tocar que a professora estava falando com ele. – Hã? – Você parece disperso. Está tudo bem? – Tá. Mas é claro que não estava. – Então faça a análise sintática desta frase: “O menino está com medo”. Mas deu um branco e Dudu esqueceu tudo o que tinha aprendido da matéria. Ele ficou mudo. A professora continuou: – O que é “o menino”, na frase? – Eu... é... quer dizer... A frase era bem simples, mas Edu não soube responder. Seria ele esse menino? Ele certamente estava com medo. Apavorado com o que poderia acontecer com sua mãe se ele não fizesse tudo o que o sequestrador queria. Dudu ten11


tou falar alguma coisa. – O menino... hã... – Posso responder professora? – interrompeu Lívia, a menina mais inteligente da classe. – O que está acontecendo com você, Eduardo? – perguntou a professora. – Não sei. – Pois então preste mais atenção na aula. É inaceitável que um dos melhores alunos da sala não saiba analisar uma frase tão simples. Edu ficou quieto. A professora apontou para Lívia, que respondeu, com orgulho: – “ O menino” é o sujeito da frase. “Está” é verbo de ligação... Eduardo não conseguia focar seu pensamento na explicação. Só pensava na sua mãe e nos sequestradores. Mas, naquela aula, eles também não ligaram. Será que tinham matado sua mãe e não entrariam mais em contato? Na terceira aula, a diretora do colégio, Dona Rute, entrou na sala. Ela era muito séria e tinha fama de durona. Edu gelou quando viu quem estava ao lado dela. Era Paulo, com uma cara brava. Dona Rute deu um aviso para a classe: – O Paulo veio à minha sala comunicar o sumiço de seu videogame portátil. Ele acha que foi furtado. Mas a escola prefere pensar que todos os alunos aqui são honestos. Eu vim perguntar se, por acaso, alguém achou o videogame dele? Ninguém se manifestou. – Ele é pequeno. – completou Paulo, sem timidez. Depois ele olhou com desconfiança para Dudu, que desviou o olhar, com medo de ser descoberto. A diretora continuou: – Quem achar o videogame, por favor, devolva diretamente para o Paulo ou deixe comigo na diretoria. Agora, se a gente souber que esse brinquedo foi realmente furtado, e descobrirmos quem foi, essa pessoa vai ser expulsa da escola. 12


Ao finalizar seu pequeno discurso, a diretora saiu da sala. Apesar de achar o Paulo um riquinho exibido, Edu sentiu pena dele. “Coitado. Gosta tanto do seu game.” Dudu gostava de andar com a consciência limpa. Durante anos, tinha cumprido aquela promessa feita no primeiro ano e nunca mais roubara nada de ninguém (a não ser alguns doces do seu vizinho chato, mas isso não conta). Sentiase mal por ter quebrado sua promessa e feito aquilo com o Paulo. Pensou em tentar devolver o game, sem que ninguém percebesse. Mas e se o sequestrador pedisse o videogame e Dudu não o tivesse mais consigo? Ia ser o fim para sua mãe. Não. Ele não podia arriscar. Era melhor ficar com o game. Preferia o risco de ser pego e expulso da escola, ao risco de desagradar os sequestradores e perder sua mãe. Depois que a diretora saiu da sala, a aula passou rápido. Foi no recreio que o celular tocou novamente.

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A voz grossa, do outro lado da linha, disse: – Agora eu quero ver se você é macho mesmo! – Quê? – Escuta. Eu quero que você pegue a menina mais bonita da sua classe. – Como assim? – Você é surdo? Eu quero que você beije a garota mais gata da sua sala. Eduardo logo pensou em Júlia. Ela era linda. A menina mais bonita da classe, com certeza. Todos os meninos eram apaixonados por ela. Edu sentiu um certo prazer dentro de si. Nunca teria coragem de pedir para ficar com a Júlia. Mas, já que o sequestrador estava mandando... até que seria legal tentar cumprir essa nova missão. – Entendeu bem o que você precisa fazer? – Entendi, claro. Vocês querem que eu beije a Júlia. – Que Júlia? Que Júlia nada! Não sei quem é ela. Eu quero que você beije a mais linda de todas. – Quem? – A Lívia. – A Lívia? Mas ela é feia! – Me contaram que ela é a mais bonita. – Mas... – Ela mesma. Eu fiz uma pesquisa sobre a sua vida antes de sequestrar sua mãe. Eu sei tudo sobre você. Me disseram que você é um mariquinha, que nunca ficou com mulher. Eu tô te dando uma chance pra você provar que é macho. Pra você salvar sua mãe e se livrar dessa vergonha. Vai lá, agora, e beija essa menina! 14


– Mas... – Sem discutir! O sequestrador desligou o telefone. “Como ele sabe tanto sobre minha vida?”, pensou o garoto. Realmente, Edu nunca tinha ficado com nenhuma menina. Nunca tinha beijado na boca. Era BV. Boca virgem. Alguns meninos caçoavam dele por causa disso. Ele já tinha treinado dar beijos de língua nas costas da mão. Luiz tinha dito que era um bom treino. Dudu achava que, quando tivesse uma oportunidade de beijar, saberia mais ou menos como fazer. Era só encostar os seus lábios no da garota, abrir a boca (mas não muito) e mexer a língua suavemente, junto com a língua dela. Agora, Eduardo ia ter que dar seu primeiro beijo, na marra. Mas ele não queria que fosse com a Lívia. Ela era a melhor aluna da classe e Edu a admirava por isso. Ele também era estudioso, apesar de nunca conseguir tirar notas tão boas quanto as dela. O problema é que Lívia era feia, com aquela franja caindo na testa, aqueles óculos meio tortos, aquelas espinhas... sem contar que era gordinha. Definitivamente não sentia nenhuma atração por ela. Porém Dudu não podia falar muito. Seu cabelo era bagunçado, também tinha algumas espinhas e era meio feio. Quer dizer, às vezes se achava bonitinho, às vezes feinho, dependendo do dia. É claro que ele sabia que nunca conseguiria ficar com a Júlia, mas também a Lívia... ninguém merece. Podia ser pelo menos a Mariana... Mas isso não importava agora. Eduardo tinha que beijar a Lívia. Era isso que os sequestradores queriam e a vida de sua mãe dependia disso. Sem perder mais tempo, Edu avistou Lívia do outro lado do pátio e começou a andar em sua direção. Mas foi interrompido por Luiz, que lhe deu um grande abraço. – Parabéns, Edu! Hoje é seu aniversário. Só agora eu me lembrei. – Valeu, Luiz! Valeu, mesmo! Você foi a única pessoa que 15


lembrou. Você e a minha mãe... – Cê acha que eu ia esquecer o níver do meu melhor amigo? – Obrigado! Só me dá licença, agora, que eu preciso beijar a Lívia. – O quê? “Não devia ter falado nada”, Dudu pensou. Luiz continuou: – Cê vai beijar a Lívia? Cê ficou maluco! – Claro que não. Eu só quero beijar alguém hoje, e acho que com ela eu tenho chance. – Por quê? – indagou Luiz. – Porque ela é feia. – Quem é feia? – perguntou uma voz feminina. Era Lívia. Bem do lado deles.

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Eduardo tinha se distraído com Luiz e nem percebeu que já tinha chegado perto da Lívia. Sem graça, tentou corrigir seu erro. – Ninguém é feia – disse Dudu para ela. Então virou-se e dispensou o Luiz: – Depois eu te explico melhor. Deixa eu falar com ela agora. – Tá bom, mas eu acho que cê tá doidinho. Luiz saiu de perto e Dudu voltou-se para a menina. – Lívia... – Oi. – Eu posso falar um negócio com você? – Pode. – Não, mas... só com você. – Como assim? Lívia e suas duas amigas, Perla e Letícia, olharam curiosas para Edu. – Vem comigo, que eu quero te falar uma coisa em particular. Lívia estranhou, mas foi com ele para um canto do pátio. – Que foi? – perguntou ela. Eduardo foi bem direto. – Você quer ficar comigo? – Quê? – Cê quer ficar comigo? – Como assim? – Eu quero te dar um beijo. – Mas você gosta de mim? – Não. – Então por que você quer ficar comigo? 17


– Eu não preciso tá apaixonado pra querer ficar com você. – Mas... – Eu só tô com vontade de te beijar. Posso? Edu aproximou sua boca da dela, mas ela se afastou. – Mas aqui, no meio de todo mundo? – protestou Lívia. – E daí, ninguém tá vendo. – Ninguém!?

Dudu olhou pros lados e viu um monte de gente no pátio olhando para eles. As amigas da Lívia, o Luiz e várias outras pessoas do colégio. Ficou com muita vergonha. Todo mundo olhando ele tentar ficar com uma das meninas mais feias da classe. E ele nem tava conseguindo. Mas Eduardo não ia desistir. A vida de sua mãe dependia disso. Ele continuou seu xaveco. – E daí que eles tão olhando? Eu não tenho vergonha! – Mas eu tenho. – disse ela – Eles vão ficar gozando da gente. – Não vão. Por favor, me dá só um beijo! 18


– Não. – Por quê? – Não sei – disse ela. – Como assim? – Edu perguntou, já perdendo a paciência. – Se eu te falar uma coisa, cê não conta pra ninguém? – pediu Lívia. – Tá, pode falar. – Promete? – Prometo – garantiu ele. Ela hesitou um pouco, mas falou. – Eu sou BV. – E daí? – perguntou Dudu. – Eu não sei beijar. – continuou Lívia. – Eu também não. – Quê? – Eu também nunca beijei ninguém. – Eduardo confessou. – Mas então... – Deixa eu te dar um beijo! Vamos aprender juntos! Lívia pensou, pensou... – Por favor... – insistiu Edu. – Você não vai ficar espalhando pra todo mundo que eu beijo mal? – Claro que não. Até aí, eu também acho que eu beijo mal. Quer dizer, eu devo beijar mal, pois não tenho nenhuma experiência. Faz isso por mim! Hoje é meu aniversário... – Sério? – É. – Tá. – Tá o quê? Lívia ficou olhando para Eduardo. Ela deu um sorrisinho tímido. Era um “sim” sem palavras. Ele entendeu que era hora de tomar a iniciativa. Olhou para Lívia com carinho e foi aproximando seu rosto. Estava curiosíssimo para dar seu primeiro beijo e, a essa altura, já estava realmente com vontade de beijá-la. Mas ela afastou-se de novo e não se deixou beijar. – Que foi, agora? – perguntou Dudu. – Vamos esperar a hora da saída e a gente vai num lugar 19


onde não tem ninguém vendo. – Não. Sem perder mais tempo, Eduardo avançou e deu um beijo na boca dela. Ficaram com os lábios encostados por alguns instantes, sentindo aquela sensação estranha e gostosa que um beijo traz. Depois seus lábios se abriram, suas línguas se tocaram e começaram a brincar uma com a outra. “Até que não é tão difícil beijar”, pensou Edu. E era uma delícia! Por um momento, Eduardo esqueceu de tudo o que estava passando naquela manhã infernal e sentiu um gostinho de céu, de paraíso. Mas foi só por um momento. Logo a imagem de sua mãe, sofrendo nas mãos de sequestradores, atormentou seu pensamento. Ele parou de beijar Lívia. Ficou sem jeito. Desfez-se do abraço. Ela ficou com uma carinha de quem queria mais. Tinha sido um ótimo beijo. Um presente de Deus, ou melhor, dos sequestradores, naquele dia dos diabos. – Obrigado! – disse Edu. Então virou as costas e saiu andando. Lívia ficou sem entender por que ele saiu de perto dela tão rápido. Eduardo foi cruzando o pátio. Viu Luiz e outros colegas vindo em sua direção, mas desviou-se e foi para outro lado. Não queria ouvir comentários, nem piadinhas sobre o seu grande feito. Mas não adiantou. – Que bom gosto você tem, hein, Dudu! Beijou a Lívia. Eca! Ela é mó feia! Foi um comentário do Alan, um loirinho chato, que vivia enchendo o saco do Edu. – Acho que ele tem problema de vista. Precisa usar óculos – comentou Fred, o melhor amigo de Alan e tão pentelho quanto ele. – Vai ver ele não tem dinheiro pra comprar. – completou o chato do Cleiton. – Além de pobre, é cegueta. Outros meninos que estavam ali perto começaram a rir. Nisso, o celular de Eduardo apitou. Era uma mensagem de texto do sequestrador, que dizia: Só um beijo é pouco... Volte

lá, agora!

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Edu ficou superbravo e gritou: – DROGA! Os meninos até se assustaram. Eduardo voltou por onde tinha vindo, andando rápido em direção a Lívia, que, a esta altura, já estava rodeada de amigas perguntando-lhe sobre o beijo. Dudu puxou Lívia pela mão, tirando-a do meio das outras meninas e deu-lhe mais um beijo. Um beijo demorado. Tão demorado que se formou uma rodinha em volta deles. Demorou tanto que até Souza, o inspetor de alunos, veio separá-los. Ele chegou falando: – Não pode ficar se agarrando na escola! Mas Edu nem deu ouvidos e continuou beijando Lívia. Souza colocou as mãos nos ombros dos dois, para terem certeza de que era com eles que estava falando. – Por favor, parem de se beijar! É a nova política da escola. A diretora proibiu beijos e amassos aqui dentro. Muitos pais acham que isso é uma indecência. Eduardo continuou beijando Lívia, indiferente à ordem do inspetor. Lívia ia parar de beijá-lo, mas Edu abraçou-a com mais força e continuou a beijá-la. Até que o inspetor teve que se enfiar no meio dos dois para separá-los à força. Quando isso aconteceu, Dudu olhou com satisfação para Lívia, que estava com cara de que tinha entendido pouco, mas gostado muito. O inspetor mandou cada um para um lado, dizendo: – Eu não quero que isso aconteça de novo! O sinal tocou. Em meio a todos os alunos que voltavam para as salas, Eduardo caminhava sem falar com ninguém. Alan e Fred vieram pentelhar de novo, mas Edu nem deu bola. Estava com uma sensação de vitória por ter cumprido a missão e, ainda por cima, tinha gostado de beijar Lívia. Na quarta aula, nada ocorreu. Nenhuma pergunta da professora de inglês. Nenhuma ligação do sequestrador. Graças a Deus! A professora saiu da classe e, antes de entrar o Sérgio, o professor de Ciências, a classe ficou bagunçada, com todo mundo falando. Foi então que o celular de Edu tocou.

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“Sem identificação” aparecia no visor. Era o sequestrador de novo. “Por que nunca aparece o número dele no identificador?”, pensou Eduardo, antes de atender. – Alô. – Eu quero ver você trazer pra sua classe um saquinho de batatinha frita. – Quê? – Você me ouviu. – Como assim? Batata frita na hora, tipo de lanchonete? – Não, seu molenga! Batatinha chips, de saquinho. Eu quero que você apareça com um saco de batatas na sua sala, antes de acabar a aula! – Mas é impossível! – replicou Edu, em desespero. – Não quero saber. Você tem 45 minutos. Arranja isso ou sua mãe morre! – Batatinha chips, pra quê? Cê tá louco! – Louco é você, de deixar sua mãe morrer por causa de um saquinho de batatas. Consegue isso agora e não discute! Desligou. Eduardo olhou pro seu celular sem acreditar no que tinha ouvido. Por que o cara iria pedir uma coisa dessas? Só para testá-lo, mesmo. Como ele conseguiria um saquinho de batatinha? Ele poderia tentar sair da sala e comprar na cantina... Não. A escola não vendia mais salgadinhos desse tipo. São muito gordurosos. Era a nova política por uma alimentação mais saudável para as crianças. Mas de que adiantava? Quando saíam da escola, os alunos compravam salgadinhos na vendinha da esquina. É isso! A vendinha da esquina. Edu tinha que ir até lá comprar as batatinhas. Mas como sairia da 22


aula? Como sairia da escola com os inspetores chatos vigiando tudo? “Calma, uma coisa de cada vez”, ele pensou. “Vou primeiro sair da sala...” Mas, antes que pudesse sair, chegou o professor Sérgio. “Tinha que ser bem ele!” Edu se levantou e foi até a porta, aproveitando que o professor mal entrara na sala. – Onde você vai, garoto? – repreendeu-lhe o professor. – Vou no banheiro – respondeu Dudu. – Vou ao banheiro – replicou o professor. – Você também vai? – Não. Eu estou te corrigindo. O correto é dizer “vou ao banheiro”. – Tá bom. Posso ir ao banheiro? – Não. Agora você não vai. Por que você não foi no intervalo entre uma aula e outra? – Eu só tive vontade agora. – Tarde demais. Agora só no final da aula. – Não, professor, eu tô muito apertado. – Vai ter que esperar até o final da aula. Não quero saber. Não gosto de alunos saindo e entrando na sala. – Mas, professor... – Volta pro seu lugar! Edu voltou pra sua carteira, indignado. Ficou com tanta raiva que era capaz de explodir. “Vou sair de qualquer jeito. Vou correr até a porta, abrir rápido e me mandar. Não quero nem saber. Posso levar advertência ou até ser suspenso, mas isso não importa. O que importa é salvar minha mãe”, ele pensou. Dudu se preparou psicologicamente para sair correndo da classe. Só que, quando ia fazer isso, ele ouviu um barulho de peido. “Que será isso?” Ele olhou para trás. Era Cleiton, o menino que sentava logo atrás dele. Tinha posto a mão na boca e assoprado, simulando um barulho de pum, bem alto. O professor ficou bravo e perguntou: – O que é isso? Cleiton respondeu, zoando: – É o Dudu, professor. Deixa ele ir no banheiro, se não é a gente que vai ter que aguentar o fedor. 23


A classe toda deu risada. Edu ficou bravo e já ia xingar Cleiton, quando o professor falou: – Tá bom Eduardo! Vou fazer uma exceção. Pode ir no... quer dizer, ao banheiro. Mas volte rápido! Edu nem acreditou. Cleiton era o terceiro cara mais chato da sala (só perdia pro Alan e o Fred). Ele sempre atrapalhava Edu. Mas agora, sem querer, o ajudou.

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Eduardo saiu rápido da sala, fingindo que ia ao banheiro. “Não tenho tempo a perder”, pensou. “Mas como vou sair da escola?” Edu não sabia a resposta. Foi descendo as escadas e caminhando até a saída. Mas topou com o inspetor Souza. Ele logo o parou e lhe perguntou: – Aonde você pensa que vai? – Ao banheiro – respondeu Dudu. – Mas tem um banheiro no seu andar, por que você desceu até aqui? – O banheiro lá de cima tá muito fedido. – Hmm, sei. Vou mandar a faxineira limpar. Anda logo! Eduardo entrou no banheiro. Espiou até Souza ir embora. Depois saiu correndo até o portão principal. Mas estava fechado. Olhou para todos os lados para ver se tinha um jeito de pular o muro da escola, mas era inútil. O muro tinha 3 metros de altura e não havia nenhum ponto para escalar. Dudu não sabia o que fazer. Correu para os fundos da escola pra ver se tinha alguma outra opção de saída. Foi então que notou que Celina, a dona da cantina, ainda estava lá, fechando o caixa. Todos a chamavam de tia. Edu foi falar com ela, apressado. – Tia, você tem batatinha chips? – Não, a escola não deixa mais vender. Engorda muito. – Eu não acho. – discordou Edu – Eu sempre como salgadinhos e não sou gordo. – Eu concordo com você. O que engorda é assistir tevê o dia inteiro e não fazer nenhuma atividade física. Mas vai falar isso pra diretora. Ontem mesmo eu conversei com ela sobre isso... 25


Eduardo não prestou mais atenção no papo dela. Ficou olhando para os muros da escola. Viu a quadra de esportes, com suas grades de ferro, que iam até o alto para impedir que as bolas escapassem. A grade ficava bem rente ao muro lateral da escola. Sem vacilar, Edu saiu correndo, escalou as grades e chegou até o topo do muro alto. A tia Celina gritou: – Desce daí, menino! Dudu nem deu ouvidos. Ele olhou para o outro lado do muro. Era um prédio residencial. Tinha um chão de concreto. Se pulasse daquela altura ia se estropiar todo. Mas tinha um jardinzinho com grama e umas plantas. Foi para lá que Edu pulou, sem hesitar. Foi um belo pulo. Parecia um dublê de cinema. Caiu direitinho no jardim. A grama amorteceu a queda e ele não se machucou. Porém enfiou a mão em algo nojento e logo percebeu para que o jardim era usado. Banheiro de cachorro. Felizmente esses cachorros de prédio chique comem ração e têm um cocô durinho, que não meleca tanto. Mesmo assim, a sensação não era boa. Nem o cheiro. Edu ouviu a tia da cantina gritando, desesperada: – O menino pulou o muro! Socorro! Eduardo saiu andando apressado. Não viu nenhuma torneira para lavar a mão suja de cocô. Teve de limpá-la nas folhas de uma planta. Dudu chegou à portaria do prédio. Fingiu que era um morador que estava saindo. Um porteiro geralmente não faz perguntas a quem está saindo de um prédio, mas aquele fez: – Onde você tava, menino? Eu não vi você entrar. Edu improvisou rápido. – Eu tava no João... – Ah, tá bom. O porteiro lhe abriu o portão. Mas aí perguntou: – Que João? Dudu não respondeu. Saiu correndo dali. 26


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Num instante, Eduardo estava na vendinha da esquina. Pegou um saquinho de batata frita e foi pagar. Pôs a mão no bolso. “Cadê minha carteira? Droga!” Tinha deixado sua carteira na mochila, e a mochila estava na classe. E agora? O dono da venda estava atrás do balcão. Os meninos o chamavam de Turco, porque tinha um bigodão enorme e falava com um sotaque esquisito. Edu foi até ele, mostrou o saquinho de batata e lhe perguntou: – Posso te pagar depois? – Non! Eu non vendo fiado. Eduardo examinou seus bolsos. Achou uma moeda de um real, que tinha esquecido no bolso da calça. “Que legal!”, pensou. Ele deu a moeda pro Turco. – Eu tenho isso. – Non dá. Custa três e cinquenta. Falta dois e cinquenta. – Por favor, é uma questão de vida ou morte. Eu preciso dessa batata. Minha mãe foi sequestrada. – Sequestrada? Rá, rá! Já ouvi muitas desculpas de quem pede fiado, mas esta... O que tem a ver uma mãe sequestrada com batatinhas? – Eu juro que te pago a diferença amanhã. Eu estudo ali na escola. – Non. – Eu tô por aqui todo dia, por favor! – insistia Edu. – Non. – Eu tenho que levar essa batata. – Non. – Por favor, não chama a polícia! Eu não sou ladrão. – Ei! 28


Dudu fugiu dali, com a batatinha na mão, e gritou: – Eu juro que te pago depois. Ele correu o mais rápido que pôde. Depois de uns quarenta metros, olhou e viu que ninguém estava atrás dele, nem ouviu gritos de “pega ladrão”. Então acalmou-se e parou de correr. Foi aí que ele ouviu um berro: – Pega ladron! – Era o Turco, vindo atrás dele, com uma vassoura nas mãos. – Pega ladron!

Dudu saiu em disparada e virou na próxima esquina para despistar o homem. Entrou numa padaria e escondeu-se no banheiro. Aproveitou pra lavar a mão, que ainda estava suja com cocô de cachorro. Esperou um pouco e resolveu sair. Mas, bem nessa hora, ele viu o Turco passar. Rapidamente, Edu escondeu-se atrás de um refrigerador de sorvetes. Esperou mais um pouco, viu 29


que o homem já estava longe e saiu da padaria. Correu na direção oposta ao Turco e voltou até a porta da escola. O menino olhou para aqueles muros grandes e ficou desconsolado. “E agora, como vou entrar de volta no colégio?” Os portões só iriam abrir-se na saída, mas ele tinha que chegar na sua classe, com as batatas, ainda naquela aula. Não podia esperar. – Malditos! Quem são esses débeis mentais que raptaram minha mãe e estão me mandando fazer essas coisas ridículas? Onde os sequestradores estariam? Será que estavam vendo Edu agora? Será que estavam rindo dele? Será que sua mãe estava bem? Quando o dono da venda estava voltando, Dudu agachouse atrás de um carro para se esconder. Felizmente o Turco não o viu. Passou xingando em voz alta e voltou pra sua lojinha.

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Eduardo sentou-se no chão, aliviado por não ter sido pego pelo Turco, mas desesperado para conseguir entrar de volta na escola. Pensou em entrar do mesmo jeito que tinha saído. Pelo prédio. Mas o porteiro nunca o deixaria entrar. Mesmo que entrasse pela garagem, escondendo-se atrás de um carro, não tinha como escalar o muro do prédio e voltar para a escola. Edu perdeu as esperanças. – Vocês ganharam, seus otários! Sequestradores idiotas, retardados! Eu não vou conseguir entrar na escola. Eu perdi. Não vou cumprir a missão. Mas, se vocês matarem a minha mãe, eu mato vocês! Edu quase chorou de tanta raiva. – Booostaaa! E tudo isso bem no meu aniversário! Foi então que ele viu uma família, com pai, mãe e dois filhos, tocarem a campainha da escola. Dudu ficou olhando, curioso. Chegou seu Alcino, o velhinho, porteiro da escola, para os atender. Edu se levantou e foi pra perto da família. O pai falou com seu Alcino. – Nós acabamos de mudar pra perto daqui. Estamos procurando escola pros nossos filhos. – Pois não – disse seu Alcino. – Eu vou mostrar o colégio pra vocês. Ele abriu a porta para a família. Eduardo grudou atrás deles. – Três filhos. – afirmou seu Alcino. – Não, só dois. – corrigiu o pai. – Mas então quem é... Antes que seu Alcino completasse a frase, Dudu saiu em 31


disparada, correndo pra dentro da escola. Subiu as escadas, escondeu o saquinho de batatas por baixo da camiseta e entrou na sua sala. O professor estava bravo. – Por que você demorou tanto? – Eu tava mal, psor. Disenteria. A classe toda deu risada. Edu estava suado, com cara assustada. Parecia que ele tinha passado maus bocados no banheiro. – Tá bom, vai sentar! – mandou o professor. Eduardo obedeceu. Ficou satisfeito por ter conseguido voltar pra sala. Mesmo assim, continuava receoso. Achava que seu Alcino o tinha reconhecido e iria aparecer a qualquer momento, para levá-lo à diretoria. Nisso, alguém bateu na porta da classe. Edu abaixou a cabeça, tentando se esconder inutilmente. – Com licença, professor. O Eduardo está aí? – perguntou uma voz. Edu olhou. Era Souza, o inspetor. – Tá sim – respondeu o professor. Souza cravou os olhos em Edu. Celina, a tia da cantina, estava ao lado do inspetor. Ela olhou pra Dudu, espantada, não acreditando no que via. – Mas eu juro que vi ele pulando o muro! – A senhora deve estar delirando. – disse Souza – Como ele pulou o muro, se ele está aí? – Mas, eu juro... – Desculpe a interrupção, professor. Souza e Celina se retiraram, fechando a porta. O professor continuou a aula. Eduardo relaxou na sua cadeira e conseguiu sentir-se aliviado por alguns momentos. Mas logo preocupou-se de novo. “Será que os sequestradores viram que eu consegui cumprir a missão? Espero que sim.” No entanto, cinco minutos depois, Edu recebeu uma mensagem de texto em seu celular: Mostre as batatinhas. Eduardo já estava tão alucinado com tudo aquilo que nem pensou duas vezes. Abriu o pacote e começou a jogar as ba32


tatinhas para o ar, bem no meio da classe. Todos os alunos se alegraram com essa manifestação repentina de loucura.

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O pessoal se levantou, começou a pegar e a comer as batatas jogadas por Dudu. O professor, que escrevia na lousa, olhou pra trás e se assustou com aquela balbúrdia. – O que é isso? – Ele gritou. A classe congelou, inclusive Eduardo. “E agora?”, ele pensou. Mas, naquele instante, o sinal tocou. Era o fim da última aula e todo mundo começou a arrumar o material para ir embora. Lívia, que sentava na primeira fileira, se deu ao trabalho de responder ao professor: – Foi um protesto contra a proibição dos salgadinhos na escola. O professor, que tinha sido ativo nos movimentos estudantis de sua época, comentou: – Uma manifestação de democracia. Nada mais justo. Mas precisava ser na minha aula?

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Enquanto caminhava em direção à saída da escola, Eduardo sentiu-se satisfeito. Tinha conseguido cumprir mais uma missão. Estava mais próximo de salvar sua mãe. Mas a sensação boa foi logo interrompida quando ele passou pela porta da diretoria e viu o pai do Paulo discutindo com Dona Rute. – Que espécie de escola é essa, cheia de ladrões? – reclamava ele. Eduardo cruzou o olhar com Paulo. “Será que ele desconfia de mim?”, pensou e continuou andando. Logo, Paulo apontou para Dudu e falou alto para a diretora: – Eu acho que foi ele, Dona Rute. Ele tentou pegar minha mochila e depois ficou atrás de mim quando a gente subia pra classe. Edu assustou-se e apressou o passo. Ele ouviu a diretora perguntando a Paulo: – Mas você viu o Eduardo pegando o videogame da sua mochila? Sem ouvir a resposta, Dudu sumiu dali. Saiu rápido pelo portão da escola e começou a caminhar pela calçada, sem se despedir de ninguém. Foi então que seu celular tocou de novo. Ele atendeu. Desta vez o sequestrador parecia feliz e empolgado. – A última missão foi batata. É agora que eu vou ver se você é homem mesmo! – Tá, o que eu tenho que fazer dessa vez? – perguntou Edu, de saco cheio. – Brigar com o Gustavo. 35


– Quê? – É isso que você ouviu. Vai agora arrumar uma briga com o Gustavo! – Mas ele é o cara mais forte da escola! – E daí? – E ele luta jiu-jitsu, caratê e não sei mais o quê. – E daí? Cê não é macho? – Eu não sou macho. Você é que quer que eu seja macho. – Pois é isso mesmo, você vai ter que virar macho agora! Se não, sua mãe vai virar comida de verme. Cê tá me entendendo? O homem desligou o telefone. Eduardo ficou muito irado. Dizem que Gustavo, sozinho, já bateu em três moleques de uma só vez. Eles tinham feito a besteira de mexer com ele. Agora era Dudu quem tinha que fazer essa besteira. “Que ótimo!”, ele pensou. “Vou apanhar pra caramba.” Ele já tinha levado um soco na cara uma vez, quando estava no quinto ano. Um valentãozinho da escola o provocou, provocou e, quando Edu não aguentou mais, xingou o menino. Aí levou um belo soco na cara e começou a chorar. Não tinha gostado nada daquela experiência e sempre tomava cuidado para não se meter em encrenca. Nunca caía em provocações. Se estavam enchendo o saco dele, ele saía de perto e evitava brigar a todo custo. Agora tinha que se transformar no seu oposto. Mas era por uma boa causa. Salvar a pessoa que ele mais gostava neste planeta. A pessoa que o amara desde que era um feto. Que acompanhara com ternura cada passo de seu desenvolvimento. Sua mãe sempre falava para ele não brigar. Agora, tinha que brigar por ela. Apesar de tudo, a ideia de provocar um valentão deu-lhe uma certa satisfação interior por forçá-lo a ser ousado e um tanto louco. Já que ele ia apanhar muito e se ferrar bonito, pelo menos podia se divertir no processo. Edu aproximou-se corajosamente de Gustavo e lhe disse: 36


– Gustavo, eu quero brigar com você. – Como assim, brigar comigo? – Brigar com você, sair na mão, cair na porrada, lutar... – Mas eu te fiz alguma coisa? Cê tá bravo comigo? – Não, cê não me fez nada. Mas eu quero brigar com você. – Eu não tô entendendo. Cê quer brigar comigo a troco de nada? – É, sem razão nenhuma. Eu só quero brigar por brigar. – Mas cê sabe que eu luto jiu-jitsu, caratê e muay thai? Edu não entendeu muito o último nome, mas respondeu: – Sei, claro que sei. Todo mundo sabe. – Mas então você deve saber que os praticantes de artes marciais seguem as filosofias orientais e são proibidos de brigar, ou usar suas habilidades, sem um motivo justo. Edu foi perdendo a paciência. – Que história é essa de motivo justo? Eu quero brigar com você! Eu preciso brigar com você! Ele passou a falar alto, e a galera que saía do colégio começou a se aglomerar e fazer uma rodinha em volta de Gustavo e Eduardo. – Como assim, precisa brigar comigo? Cê tá louco? – Tô, tô louco, biruta, lelé da cuca. Por favor, briga comigo! – Não. Eu não tenho nada contra você. Não vou brigar sem motivo. Aquilo estava ficando bem mais difícil do que Eduardo esperava. Achava que logo ia levar uns belos sopapos e cumprir sua missão. Mas Gustavo era um cara muito mais pacífico e sensato do que aparentava ser. Fazia panca de durão mas, na verdade, tinha uma boa cabeça e um ótimo coração. Felizmente apareceram o Fred e o Alan, que não tinham boa cabeça, nem coração, e começaram a provocar o Gustavo. – Ih, Gustavo, tá com medo do Dudu? – Ele é muito forte pra você? 37


– Tô achando que você nem sabe lutar. – Cala a boca! – respondeu Gustavo. – Eu não vou bater no Dudu à toa. Vocês sim, é que mereciam umas porradas. Mais uma vez, Eduardo pensou na sua mãe sequestrada e ganhou coragem para cumprir essa missão tão ingrata. – Cala a boca você, Gustavo! Edu jogou sua mochila no chão, fez posição de briga e continuou: – Não é com eles que você tem que brigar, é comigo. – Ih, eu num deixava! – provocou Alan. – Humilhou! – disse Fred. Gustavo finalmente se convenceu. – Tá bom, Dudu. Se você quer tanto brigar comigo, então vem pra cima de mim. Eu faço artes marciais pra autodefesa. Eu só posso brigar se você me atacar primeiro. “Chegou a hora da verdade”, Eduardo pensou. Agora tinha que brigar. Por mais que doesse em seu coração ter que agredir alguém tão bacana, Edu partiu pra cima do Gustavo. Empurrou-o e deu um soco na cara dele. Mas Gustavo defendeu o soco facilmente, levantando o antebraço na altura do rosto. Dudu deu outro soco, que foi defendido da mesma maneira. Afastou-se um pouco e deu um chute no saco de Gustavo. Mas ele defendeu o chute com a mão espalmada. Nisso, Luiz, o amigão do Edu, chegou por ali, viu a cena e se enfiou no meio, tentando separar a briga. – Por favor, Gustavo, não bate no Dudu! Ele é meu amigo. – Eu não quero bater nele... – Quer sim! – Interrompeu Edu. – Luiz, sai daqui! Não atrapalha! Eduardo conduziu seu amigo para fora da briga. Luiz ficou sem entender nada. Então Edu atacou de novo. Deu mais um monte de chutes e socos em Gustavo, mas não acertou nenhum. O menino 38


lutador defendeu-se ou desviou-se de todos. E o pior é que ele não revidava. Será que aquilo era uma briga de verdade? Será que o sequestrador e seus comparsas, que deviam estar vendo aquilo de alguma maneira, iam ficar satisfeitos? Dudu achou que não. Por isso ele segurou Gustavo pela roupa e falou baixo em seu ouvido. – Já que você não quer me bater, pelo menos finge que bate. – Como assim? – gritou Gustavo. – Cê tá maluco?! – Tô. Quero ver se você tem coragem de me bater! Vai! Eduardo sentiu satisfação por ser tão destemido nesse momento. Não se importava mais em apanhar. Era pela sua mãe. Ele deu um empurrão em Gustavo, que ficou bravo e, pela primeira vez, revidou. Empurrou Edu de volta e gritou: – Seu louco! – Então bate no louco, bate! Finalmente Gustavo resolveu mostrar seu poder. Deu um chute lateral na barriga de Eduardo. Depois pulou e deu um chute circular giratório bem na cara dele. Então passou-lhe uma bela rasteira, que o fez cair estatelado no chão. Eduardo ficou tontinho. Mas deu um sorriso. Estava satisfeito com aquela sova e achou que os sequestradores, a essa altura, também estariam. Aquilo, sim, foi uma briga! Dudu apanhou bonito. Nem quis se levantar, indicando assim que tinha aceitado a derrota. Então Gustavo aproximouse dele e disse: – Eu não queria te bater, mas você mereceu. Eduardo olhou Gustavo nos olhos e disse: – Obrigado! Gustavo foi embora e Luiz ajudou Edu a se levantar. – Cê apanha dele a ainda diz obrigado? – Claro! Ele podia ter acabado comigo, mas me poupou. Luiz realmente não entendeu nada. Achou que seu amigo tinha pirado de vez. Primeiro beijou a Lívia e agora isso. 39


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Quando Eduardo foi pegar sua mochila do chão, teve uma surpresa. Ela estava aberta e Paulo estava na frente dela, com seu minigame na mão. – Eu sabia que tinha sido você! – disse ele. Então o menino rico foi para junto de seu pai, que estava saindo da escola com a diretora. Edu viu que ia sobrar pra ele e saiu correndo dali. Paulo ia contar tudo pra diretora, e Dudu provavelmente seria expulso do colégio. Mas preferiu não pensar nisso. O importante, naquele momento, era salvar sua mãe.

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Enquanto caminhava de volta pra casa, Eduardo pensava em muitas coisas. “Será que os sequestradores ficaram satisfeitos com o jeito que cumpri a missão? Quando eles vão ligar de novo? Será que eles estão me vendo agora, mesmo longe da escola?” Ele olhou à sua volta e viu uma cabeça escondendo-se atrás de uma árvore. “Será que é um deles me seguindo?” Edu foi andando, virou uma esquina e, rapidamente, correu para um pet shop. Dentro da loja, ele fingiu que apreciava os filhotes de cachorro na vitrine. Na verdade, estava olhando para a rua, através do vidro da vitrine. Queria ver quem o estava seguindo. Mas ficou preocupado. “E se o cara ficar bravo quando perceber que eu o descobri?” Uma pessoa virou a esquina correndo e se escondeu atrás de uma árvore próxima à loja de animais. Essa pessoa espiou, não viu ninguém e saiu de trás da árvore. “Ufa!”, pensou Dudu. Logo saiu da loja e foi falar com ela. – Lívia, por que você tá me seguindo? – Hã! Eu não tô te seguindo. – Você tem algo a ver com o sequestro da minha mãe? – Quê? Sua mãe foi sequestrada? “Droga, não devia ter falado isso”, pensou Edu. – Eu percebi que tinha alguma coisa errada com você e te segui, pra ver se eu podia ajudar. – disse Lívia. – Eu não preciso de ajuda. – Tem certeza? Eduardo ficou quieto. Não podia contar do sequestro pra ninguém. Ainda temia estar sendo seguido. Lívia continuou. – Você tá triste por causa da sua mãe? Então é por isso 42


que você tá doidão, me beijando, brigando e tudo mais? – Não quero falar sobre isso. – Como sua mãe foi sequestrada? – Já disse que não quero falar... Por alguns momentos eles ficaram em silêncio, andando pela calçada, um ao lado do outro. – Obrigada por você ter me beijado! – De nada. – respondeu Edu, meio sem graça. – Eu sempre ficava pensando como seria o meu primeiro beijo. Mas, do jeito que aconteceu, foi bem melhor do que imaginava. Edu ficou ainda mais sem graça. Lívia continuou. – Eu nem sabia que você queria ficar comigo. Você nunca demonstrou nada. – Mas eu não queria ficar com você. – Então por que você ficou? – Não posso contar. – Conta, por favor! Eu tô curiosa. Dudu ficou quieto e continuou a caminhar. Pouco tempo depois, no entanto, ele ficou nervoso e exclamou: – Aquele sequestrador filho da... Eduardo não aguentou mais ficar guardando toda aquela angústia dentro de si. “Que se dane se os sequestradores estiverem me vigiando!”, ele pensou. Resolveu desabafar. Em alguns minutos, ele contou tudo para Lívia. Falou sobre as ligações e sobre as missões que tinha de cumprir para salvar sua mãe. Inclusive a missão de beijar Lívia. Quando ela ouviu isso, ficou triste e não se conteve. – Só assim, pra alguém ficar comigo! Ninguém gosta de mim. Eu sou feia. Por que algumas pessoas têm que nascer feias e outras bonitas? Por que bem eu fui nascer feia? – Você não é feia, Lívia. Larga mão de ser egoísta! Minha mãe pode morrer a qualquer momento e você fica se lamentando por bobeira. – Bobeira? – Eu também me acho feio. Eu também tenho baixa au43


toestima. Mas e daí? Eu quero ser um feio com mãe. Quero salvá-la! Quando tudo isso acabar, eu fico com você, se você quiser. Dois feios juntos. Combina. – Mas você acabou de falar que eu não sou feia. – Mas também não é nenhuma top model. Eu também não sou tão feio assim. Mas sou um mongo, que nunca teve coragem de ficar com ninguém. Pelo menos hoje eu fiquei com você. E gostei. – Que bom que você gostou, porque eu também... Desculpa por eu ter essa crise! Mas já acabou. Agora eu quero ajudar você a salvar sua mãe. – Obrigado! Mas acho que não tem como você me ajudar. – Tem certeza? – Tenho. Quer dizer... talvez você possa me ajudar, sim. Você sabe por que nunca aparece o número do telefone do sequestrador quando ele me liga? Só aparece “sem identificação”. – Eu sei. Qualquer um pode configurar o celular assim. É fácil. Só apertar alguns botões ou pedir pra operadora ativar esse serviço. Daí, quando você liga pra uma pessoa, em vez de aparecer o seu número, aparece escrito “sem identificação”, “bloqueado”, “restrito” ou qualquer coisa parecida. – E não tem um jeito de descobrir o número? – Acho que não. – Droga! – Dudu, você já tentou ligar pra sua mãe? – Claro que já, mas ela não atendeu. – Então tenta de novo! Edu tentou, mas descobriu que seu celular não tinha mais crédito. – Droga de pré-pago! Lívia ofereceu o celular dela. – Liga do meu, é de conta. Mas não fala muito, se não meu pai vai me matar. Eduardo pegou o celular dela, digitou o número de sua mãe e passou-o de volta pra Lívia. 44


– Fala você. – Como assim? – Se o sequestrador atender, ele vai reconhecer minha voz. Lívia pegou o celular, esperou, mas logo disse: – Ficou tocando e caiu na caixa postal. Deixo recado? Edu pegou o celular e falou: – Mãe, aguenta firme! Eu te amo! Dudu desligou e logo depois ligou para o hospital em que sua mãe trabalhava. Após esperar muito e ser transferido várias vezes, ele implorou: – Por favor, isso é uma emergência! – Que espécie de emergência? Quais são os sintomas do paciente? – Não é paciente, é enfermeira. Minha mãe trabalha aí, como auxiliar de enfermagem. Me ligaram falando que ela foi sequestrada. – Então você tem que ligar pra polícia, não pra cá. – Mas eu quero saber se ela foi trabalhar hoje. – Como ela pode ter vindo trabalhar, se você mesmo disse que ela foi sequestrada? – Por favor, só me confirma se a Neide, do pronto-socorro, foi trabalhar hoje? – Aguarde. Edu aguardou, ouvindo uma musiquinha chata, até que a mulher voltou. – Me informaram que ela não veio hoje. Eduardo desligou e devolveu o celular pra Lívia. Depois começou a surtar. – Droga! Eu ainda tinha uma esperança que tudo isso não passasse de um trote. Mas não tem jeito. É tudo real. Tá acontecendo mesmo. Minha mãe foi sequestrada. Não acredito! Por que isso foi acontecer bem comigo? Bem no meu aniversário! O que foi que eu fiz pra merecer isso? – Calma, Du! – Por favor, meu Deus, meu Pai do céu, não deixa minha 45


mãe morrer! Me ajuda a salvá-la! Eu prometo que vou ser um bom menino... – Calma, Edu! Você já é um bom menino – insistia Lívia. – Eu vou ajudar minha mãe a limpar a casa, a cozinhar, a lavar roupa; eu vou estudar mais, só vou tirar nota boa na escola... – Você já tira nota boa, Eduardo! Agora presta atenção que seu celular tá tocando!

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Eduardo ouviu seu celular tocando e voltou a si. Olhou no visor e teve uma surpresa. Nele estava escrito “Mãe”. Era sua mãe ligando. Naquele instante, ele teve uma sensação maravilhosa. Sua mãe não fora sequestrada. Tudo aquilo não passava de um pesadelo. Sua mãe estava bem e tentava se comunicar com ele. Dudu atendeu. – Mãe? Uma voz de homem, grossa, começou a falar: – Não, eu não sou sua mamãezinha. Era o sequestrador. A última esperança de que sua mãe pudesse estar bem se desvaneceu. – Tem gente tentando ligar pro celular da sua mãe. Mas ela não vai atender. Não enquanto ela estiver bem protegida aqui com a gente. – Droga, deixa eu falar com ela! – É bom que você fique sabendo que eu não gostei daquela briguinha patética. Se você continuar cumprindo as missões desse jeito, eu vou estourar os miolos da sua mãe, cê tá entendendo? Eduardo ficou quieto. O cara continuou: – Sua mãe tava triste aqui e falou que queria ver você antes de morrer. Então eu disse pra ela: ver o Dudu, só se for na tevê. Aí eu tive a ideia pra sua próxima missão. Cê vai ter que aparecer na televisão. – Como? – Se vira, mané! Eu vou ficar rodando os canais até te ver. Mas eu não tenho muita paciência. Se você não aparecer na telinha em uma hora, sua mãe vai pras cucuias. 47


O sequestrador desligou. Edu ficou possesso e desabafou com Lívia. – Como esse cara pode me passar um missão dessas? Filho da maaaãe! Como eu vou aparecer na televisão? Eu não sou famoso. Não sou artista. – Mas não é só artista que aparece na tevê. – Tem também apresentador, dançarina de auditório. Eu podia me apresentar num show de calouros, cantar uma música brega, levar um tombo e mandar para as vídeo cacetadas, cair em uma pegadinha ou fazer alguma besteira num programa de variedades. Mas como eu vou achar um programa desses em uma hora? – Cê vai ter que virar notícia. – Como assim? – Não tem como você entrar na programação normal. Quase todas as coisas que aparecem na tevê são gravadas muito antes de irem pro ar. Mas diversos canais interrompem a programação pra dar uma notícia urgente. – Mas como eu posso virar uma notícia urgente? – Ele pensou um pouco. – Já sei. Vou assaltar um banco. – Mas como? Você tem uma arma? – Não. Mas eu posso usar uma de brinquedo. – Cê tem uma de brinquedo? – Não. – Então não dá. Ainda mais... é perigoso. E se um segurança der um tiro em você? Daí, em vez de salvar sua mãe da morte, você é quem acaba morrendo. – Tem razão. Não é uma boa ideia. – Já sei! – disse Lívia, empolgada. – Você pode subir num prédio alto e fingir que vai se suicidar. – Acho que ia dar certo. Talvez atraísse as câmeras desses programas sensacionalistas. Mas e se eu me desequilibrasse e caísse do prédio? – É mesmo... não ia ser legal. – Lívia comentou. Depois pensou mais um pouco até que seu rosto se encheu de entusiasmo. – Tive outra ideia... Essa é boa! 48


Ela contou pra Edu, que ouviu, atento, e concluiu: – Não dá pra ficar embaçando muito. Vamos ter que fazer isso mesmo. Espero que funcione.

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Eduardo e Lívia foram correndo para a casa dela. O pai e a mãe dela estavam no trabalho. A casa estava vazia. Tudo perfeito para realizarem o plano. Lívia pegou o telefone e digitou 190. Quando foi atendida, fingiu estar com medo, ou melhor, desesperada. – Alô? – Polícia Militar... – Tem um ladrão invadindo minha casa. Socorro! Edu deu umas pancadas na porta, fingindo ser o invasor. – Aaaahh! – gritou Lívia – Ele tá querendo entrar aqui. – Qual é o seu endereço? – A telefonista perguntou. Lívia deu o endereço e suplicou: – Por favor, vem rápido! – Tenta ficar calma! Uma viatura já vai ser encaminhada para sua residência! – Como você quer que eu fique calma? Ele tá entrando aqui. Entrou. Sai daqui! Sai! Aaaaahhh! Lívia desligou. – Espero que eles venham rápido – disse Edu. – E que tragam junto os repórteres da tevê. – Eu detesto fazer isso. Passar um trote pra polícia... é imperdoável. Eles têm tantos casos reais pra atender. – É, mas nas nossas circunstâncias... acho que, quando tudo isso acabar, eles vão entender. – Espero que dê certo. Se não, além de perder minha mãe, eu ainda vou passar um tempo na cadeia. – Não. Você é menor de idade. Se te prenderem, você vai parar numa instituição pra menores infratores. – Grande diferença! Eu vou estar preso do mesmo jeito. 50


Mas eu prefiro não pensar no pior. É melhor acreditar que vai dar tudo certo. Logo os dois começaram a ouvir um barulho fraco de sirenes ao longe. – Du, posso te pedir uma coisa? – perguntou Lívia. – Pode. – Eu não sei no que tudo isso vai dar. Não sei se você vai ser preso, ou alguma coisa pior... é que eu gostei de te beijar e... não sei se vou ter outra oportunidade ou se você vai querer... é que... eu não tô conseguindo me explicar... – Não se preocupa. Eu entendi. Eduardo aproximou-se dela, abraçou-a e deu-lhe um beijo na boca. Foi um beijo carinhoso e gostoso. Depois ficaram um pouco abraçados, até que Lívia falou: – Parabéns! – Pelo quê? – Eu tava esquecendo de te desejar um feliz aniversário! – Obrigado! Apesar de que, hoje, o dia tá mais pra “infeliz aniversário”. – Não fala assim. Vai dar tudo certo! As sirenes ficaram mais altas. Os dois ouviram carros chegando e parando em frente à casa da Lívia. – Cadê a faca? – perguntou Edu. – Aqui. – Lívia abriu uma gaveta da cozinha e deu a ele uma faca enorme. – É de churrasco. Do meu pai. Dudu pegou a faca, foi pra sala e abriu a janela que dava para a rua. Ele deu uma espiada e viu dois carros de polícia parados no meio da rua e alguns policiais olhando para dentro da casa. – Droga! Nenhuma câmera – reclamou Dudu. – A gente tem que armar um show. Se não, nenhuma tevê vai aparecer. – Cê tá pronta? – ele perguntou para Lívia. – Tô. – Seja o que Deus quiser! Eduardo agarrou Lívia por trás, pôs a faca no pescoço 51


dela, apareceu na janela e começou a gritar: – Vão embora, todos vocês! Eu não quero polícia aqui!

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Os policiais se assustaram, esconderam-se atrás das viaturas e sacaram suas armas, apontando-as para Dudu. Ele gelou. Ver aquelas armas apontadas para ele não era nada legal. Mas o menino continuou: – O negócio aqui é entre mim e ela. Vocês não têm nada a ver com isso. Vão embora, se não eu mato essa menina! Então Eduardo e Lívia se abaixaram, saindo da frente da janela e da vista dos policiais. – Agora é só esperar mais um pouco. Eles ouviram os policiais chamando reforços pelo rádio. Em pouco tempo chegaram mais carros. Edu deu uma olhada pelo canto da janela e viu uns furgões pretos. Eram viaturas do GATE, o Grupo de Ações Táticas Especiais da Polícia Militar. – Que louco! – exclamou ele, entusiasmado. Depois viu alguns atiradores de elite tomando posições em lugares estratégicos e mirando seus rifles para a janela em que ele estava. Dudu começou a tremer de medo. – Eu vou morrer. E agora? A gente não devia ter feito isso. Os caras vão me matar, eu tô sentindo. – Deixa disso! Eles não vão te matar. Eu já vi um documentário sobre a polícia. Eles só atiram como última opção. Eles vão tentar primeiro negociar. Não fica com medo! Vai dar tudo certo. Pensa na sua mãe. Eduardo pensou nela e assim conseguiu sentir um pouco mais de coragem. Lívia deu uma olhadinha pela janela também. – Droga! Chega um monte de gente e nem sinal dos repórteres. Cadê as câmeras? Nisso, eles começaram a ouvir uma voz estranha vinda de um megafone da polícia. – Aqui é o tenente Rodrigues, e eu vim pra te ajudar. Vamos conversar! A gente quer que essa situação se resolva sem violência. Eduardo e Lívia levantaram-se. Ele continuou por trás dela, ameaçando-a com a faca, e gritou: 53


– Eu também não quero violência. Por isso, saiam daqui todos vocês, se não eu corto o pescoço dela! Enquanto falava, Edu procurava esconder-se atrás de Lívia, para não levar um tiro na testa. O tenente continuou: – Por favor, menino, você é jovem, não vai fazer besteira! Vamos conversar. – Conversar sobre o quê? – Sobre você e a menina. Pra começar, por que você está com a faca no pescoço dela? Foi aí que Eduardo teve uma grande ideia. – Não. Eu não vou conversar. Vocês só estão esperando uma oportunidade pra me dar um tiro. Eu só converso se vocês trouxerem os repórteres e as câmeras de televisão. Se tiverem filmando, vocês não vão ter coragem de me matar. – Mas menino, a gente não pode chamar a tevê pra cá... – Pode sim! – gritou Edu – Sem tevê não tem negociação. Dudu e Lívia saíram da janela e se agacharam. Ela estava feliz. – É isso aí! Boa estratégia! – Vamos ligar a televisão! – Tá. Lívia engatinhou até o sofá, pegou o controle remoto da televisão e ligou-a, deixando o volume baixo. – Agora é só esperar. E eles esperaram. – É bom que eles cheguem rápido. O tempo que o sequestrador me deu já tá acabando. Esperaram. – Droga! Eles não chegam nunca! E esperaram. – Se eu não aparecer na tevê em cinco minutos, eles matam minha mãe. E agora, o que a gente faz? Lívia mudava os canais desesperadamente, até que ela achou uma imagem de uma viatura de polícia entrando em um lugar conhecido. – É a minha rua! – falou Lívia. 54


Os dois ouviram um helicóptero chegando e sobrevoando o local. – Eles chegaram. Viram na TV uma imagem aérea da casa de Lívia. – Deu certo. A gente conseguiu! – disse Edu, todo alegre. – Não, Eduardo. Você ainda tem que aparecer na tevê. E não pode correr o risco de te mostrarem só por um instante. Precisa inventar alguma coisa pra atrair a atenção dos repórteres. Você tem que ficar o maior tempo possível no ar, pra gente ter certeza de que os sequestradores vão te ver. Se não eles matam... – Minha mãe. Eu sei. – Eduardo ficou quieto e se concentrou um pouco. Depois disse: – Vamos! Eu vou fazer o possível pra atrair essas câmeras.

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A TV já mostrava a janela da casa de Lívia. Então ela e Edu se levantaram na mesma posição que estavam antes. A cena que viram foi estarrecedora. Havia uma pequena multidão de curiosos tentando ver alguma coisa, sendo afastada por policiais. Os atiradores de elite continuavam em seus postos. Mas agora não eram só as armas que estavam apontadas para Edu e Lívia, as câmeras de TV também estavam.

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De novo, o tenente Rodrigues tentou conversar com Dudu. – A tevê já chegou. Agora, por favor, larga essa faca e vamos conversar! Eduardo respondeu, falando bem alto: – Eu não vou largar a faca. Mas eu vou conversar. Aliás, eu vou contar a minha história. Edu deu uma olhadinha pra trás e viu sua imagem na televisão da sala. Ficou emocionado. Sempre sonhava em aparecer na TV, mas nunca pensou que seria dessa maneira. Dudu se concentrou e continuou a falar bem alto: – Meu nome é Eduardo e o dela é Lívia. Eu sou apaixonado por ela. Mas ela não quer namorar comigo. Eu vim aqui, e ela ficou com medo. Tentou fugir de mim. Mas eu só queria conversar. – Eu me assustei com você, Edu. Você tá fora de si. Você é louco! – Eu sou louco por você, Lívia. – Eduardo olhou para ela com carinho. Depois voltou a encarar a plateia – Eu vi que ela chamou a polícia e fiquei muito irado. Peguei essa faca e disse que ia matá-la. E vou matar mesmo! Já que ela não gosta de mim, não vai gostar de mais ninguém. – Mas, Edu, eu gosto de você. – Lívia afirmou. – Gosta nada! Você só tá falando isso porque eu tô com uma faca no seu pescoço. Depois ela gritou pra todo mundo ouvir: – Eu gosto dele, sim! Mas, como ele entrou em casa sem me avisar, eu fiquei assustada e chamei a polícia. Aí ele ficou bravo. – Fiquei mesmo! Que história é essa de vir tanta gente aqui querer me matar? Isso é entre ela e mim. O que vocês têm a ver com isso? Aí o tenente Rodrigues interveio. – Mas a polícia não quer te matar. – Então por que vocês estão com todas essas armas apontadas para mim? 57


– Porque você está com a faca no pescoço dela – respondeu o tenente. – Então pede pro pessoal abaixar as armas, que eu abaixo a minha faca. – Negativo. Você larga a faca primeiro e depois eles abaixam as armas. – Nada feito. Vocês tão querendo me enganar, eu sei. Nessa hora, Edu ouviu a televisão atrás de si, com a repórter falando: – Continue acompanhando essa fascinante história de amor e violência entre dois adolescentes... depois dos nossos comerciais. Eduardo subitamente abaixou-se, trazendo Lívia junto com ele. – Por que você se abaixou? – perguntou ela. – Porque entraram os comerciais. A gente ia ficar se arriscando e nem ia aparecer na tevê. – É bom a gente não demorar pra aparecer de novo, se não eles entram com uma matéria nova e largam a gente aqui. Temos que deixar isso interessante, pra continuar no ar. – Acabou o tempo que o sequestrador me deu. – Mas e se ele e os comparsas dele não te viram ainda? É melhor a gente aparecer mais. Se eles te virem, mesmo que atrasado, vão aceitar que você cumpriu a missão. Quando os comerciais já estavam acabando, Edu e Lívia apareceram de novo na janela. Então o tenente começou a falar: – Eduardo, mas se a Lívia disse que gosta de você e que você só a deixou assustada, por que você ainda está ameaçando a menina? – Por que você acha? Porque eu tô com medo de levar um tiro. Se eu largar ela, vocês podem atirar em mim ou invadir a casa. Ela é minha única segurança. – Não é verdade, Eduardo. A polícia não vai atirar em você, nem invadir a casa. A gente só quer que você pare de 58


ameaçar a menina. Lívia deu uma olhadinha pra trás e viu que eles já estavam aparecendo de novo na TV. Aí ela começou a improvisar. – Edu, larga essa faca! Eu gosto de você. – Gosta mesmo? – perguntou ele. – Gosto. – Você quer namorar comigo? – Quero. – Eu não acredito! Cê tá mentindo! – duvidou Eduardo. – Não, eu não tô mentindo. Eu te amo! – Quê? Cê tá falando que me ama? Isso é muito sério! Não se fala “eu te amo” pra qualquer um, a menos que você realmente sinta isso no coração. – Eu sinto. – Mesmo? – Mesmo. – Lívia, eu também te amo! Eduardo fingiu que estava todo emocionado e deu um lindo beijo em Lívia. As câmeras deram um close neles e os curiosos que assistiam à cena na rua começaram a aplaudir. Depois do beijo, Lívia deu uma olhadinha na TV da sua sala, viu que ainda estavam no ar e sussurrou para Dudu: – A gente deu um show! – Os sequestradores devem ter visto. Acho que a gente conseguiu. Obrigado por me ajudar! Edu deu um abraço apertado em Lívia. Nesse momento, escutaram um tiro. Eduardo foi atingido e caiu no chão. Em desespero, Lívia gritou: – Aaaahh! Ela abaixou-se ao lado de Edu. Ele estava inerte. Tinha sangue na sua camiseta. – Du, o que aconteceu? Cê tá bem? Depois de um longo silêncio, Eduardo se movimentou. Ele pôs a mão no ombro ferido e falou: – Filhos da mãe! Me acertaram. 59


– Cê tá machucado? – Tô... Ele examinou o ferimento. Tinha um belo corte no ombro. Não era profundo, mas doía bastante. – Você teve sorte. Pegou de raspão. Mas por que eles atiraram? – Eu não sei. Então eles olharam para a cena que reprisava na TV. Quando abraçou Lívia, Edu estava com a faca na mão. Pra quem olhava de fora deu a impressão de que ele ia passar a faca no pescoço dela. A repórter narrava as cenas. – Depois do beijo, parece que o menino mudou de ideia e ia matar a menina com a faca. Aí ele levou o tiro. Não dá pra saber se ele está vivo ou morto. Parece que a polícia vai invadir a casa. Dudu ficou com medo. – Eu tenho que fugir! – Mas como cê vai fazer isso? Eles cercaram a casa.

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– Eu tenho que fugir! Se me prenderem agora, os sequestradores vão achar que eu vou contar tudo pra polícia. Aí é que eles matam minha mãe de vez. – Então eu já sei. Vem comigo! Lívia o puxou pela mão. Edu pegou sua mochila e eles desceram as escadas, indo para o porão da casa. Enquanto isso, a menina ia falando: – A nossa casa é geminada com a casa vizinha. Na verdade, é uma casa dividida em duas. Essa metade é do meu pai e outra é da minha tia. Eles construíram uma porta, aqui no porão, que liga as duas casas. Eu vou abrir pra você. Agora entra na casa da minha tia e sai pelo quintal dela. Acho que a polícia não vai estar lá. Lívia abriu a porta e se despediu de Edu, dando-lhe um rápido beijo. – Tchau! Se cuida! Eduardo passou pra casa vizinha e Lívia fechou a porta. Ele foi subindo a escada, silenciosamente, em direção ao andar térreo. Ouviu duas vozes femininas. Devia ser a tia e a avó da Lívia. Parecia que tinham acabado de ligar a TV. – Não acredito! É a Lívia. – Quem? – A Livinha, sua neta. O que esse menino fez com ela? – Quem? – É por isso que a polícia tá lá fora. – Quem? Dudu andou de fininho e abriu a porta dos fundos. Foi fácil não ser ouvido. O helicóptero que sobrevoava o local fazia um barulhão. 61


Edu conseguiu sair para o quintal. Lá, ele viu uma camiseta preta, pendurada no varal. Tirou a sua camiseta branca, que estava suja de sangue, e trocou pela preta. Quando a vestiu, percebeu que ela tinha vários detalhes em rosa. Achou-a feminina demais, mas não podia encanar com esse tipo de coisa agora. Ele ainda pegou seu boné, que estava guardado na mochila, e vestiu-o para completar o disfarce. Nessa hora, ele ouviu um latido. Olhou para trás e viu um cachorrão vindo em sua direção. “A Lívia não me disse que a tia dela tinha um cachorro”, ele pensou e ficou paralisado.

O grande cão se aproximou dele e o cheirou. Depois levantou-se e colocou as patas em seus ombros. Edu sentiu dor no ferimento do tiro e quase caiu pra trás... mas conseguiu manter-se em pé. O cachorro era enorme, quase do tamanho do menino, mas, felizmente, era manso. Até deu uma lambida babada no rosto de Dudu, que retribuiu fazendo-lhe um carinho. Quando o cachorro voltou pro chão, Edu se virou para sair dali... mas levou outro susto enorme. 62


Deu de cara com um policial, que tinha acabado de entrar no quintal da casa. Eduardo congelou de medo. Então o policial pôs o dedo na frente da boca, indicando para Edu ficar em silêncio e sussurrou: – Nós vamos invadir a casa da sua vizinha. Eu tô indo por trás. Acho melhor você entrar e ficar agachado, porque pode ter tiro. E o policial continuou e pulou o muro para entrar no quintal da Lívia. Eduardo ficou pasmo. Como ele estava com uma camiseta diferente, boné e estava brincando com o cachorro, o policial nem suspeitou dele. Achou que era mesmo um vizinho de Lívia. Edu ouviu os policiais arrombando as portas e invadindo a casa da Lívia. “Por pouco não me pegam lá dentro”, pensou. Ele pulou o muro da casa vizinha à da tia da Lívia. Saiu pelo portão da frente dessa casa e misturou-se à pequena multidão de curiosos que via o espetáculo. Foi passando por entre as pessoas, sem ser notado, pois todos olhavam para a ação dos policiais na casa de Lívia. Tudo correu bem, até que um homem mais atento reconheceu Dudu e falou: – Você não é o maluco que tava sequestrando a menina? – Eu não! – replicou Edu. E procurou sair dali. Mas uma policial feminina, que mantinha a multidão de curiosos afastada, desconfiou dele. – Ei, você, moleque, parado aí! Eduardo continuou andando e saiu do meio da multidão. A policial foi atrás dele, tentando passar pelo meio dos curiosos. Dudu viu uma bicicleta encostada no muro. O dono provavelmente era o moço que estava ali ao lado, tentando ver o que estava acontecendo. Edu pegou a bike, montou nela e saiu em disparada. O rapaz e a policial saíram correndo atrás dele. – Seu folgado, devolve minha bike! – gritava o moço. – Parado aí! – mandava a policial. Edu fez muita força, mas estava difícil de pegar velocida63


de. Estavam quase o alcançando, quando ele deu um gás, pedalando o mais rápido possível, e conseguiu se distanciar. Os dois perseguidores continuaram correndo atrás dele, mas, quando viram que não dava mais pra pegá-lo, desistiram. Eduardo continuou pedalando e sentiu um grande alívio por ter escapado dali vivo. Ele sentiu o vento no rosto, sorriu e agradeceu a Deus por tê-lo livrado de mais uma. Mas ele sabia que aquela policial iria informar o ocorrido pelo rádio e, em alguns instantes, toda a polícia estaria atrás dele. Por isso, ele continuou correndo com a bicicleta. Foi pedalando pelas ruas e se distanciando do local. Quando não conseguia mais ouvir barulhos de sirene, ele parou um pouco pra descansar. Parecia que, enfim, estava a salvo. Mas um monstro barulhento com hélices acabou com sua curta paz. Era o helicóptero da emissora de TV, com aquela camerazinha na ponta, que o avistou e parou em cima dele, sinalizando sua posição para a polícia. Eduardo voltou a pedalar e a ouvir as sirenes da polícia. “Não tem mais jeito”, ele pensou. “Com esse helicóptero na minha cola, dizendo pra polícia onde estou, eu nunca vou conseguir escapar.” Apesar da falta de perspectivas, Dudu nem pensava em desistir. Tentaria escapar enquanto tivesse chances. Ele continuou em disparada, dirigindo-se ao centro da cidade. Então aconteceu o que ele menos queria. Em uma esquina, ele topou com um carro da polícia, que deu uma derrapada e passou a persegui-lo. Edu pedalou o mais rápido que pôde, mas não tinha jeito. O carro se aproximava rápido. Estava prestes a encostar na roda traseira da bicicleta, quando Eduardo dirigiu-se pra calçada. Desviou-se de alguns pedestres assustados, até que conseguiu virar em uma esquina e entrou numa rua que era contramão. A viatura tentou ficar na sua cola, mas o monte de carros que vinham na direção oposta impediram a polícia de continuar. O menino ficou livre daquela viatura e continuou a pedalar, com o helicóptero filmando tudo. 64


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Eduardo já imaginava o texto que ia embaixo das imagens que estavam sendo mostradas pela televisão. “Ao vivo: jovem delinquente é perseguido pela polícia.” Dudu detestava e nunca assistia a esses programas policiais. A TV tinha salvado a pele dele, aparecendo na hora certa e ajudando-o a cumprir sua missão perante os sequestradores. Mas agora ela só estava atrapalhando. Ia acabar sendo preso por causa daquele helicóptero. “Eu só tenho uma chance de fugir dele”, pensou. Depois de percorrer mais algumas ruas, conseguiu chegar a uma grande avenida. Por cima dela passava uma via elevada com tráfego intenso de carros. Edu ficou pedalando debaixo do viaduto. Ali o helicóptero não podia mais vê-lo. Também mudou de direção para despistar ainda mais a máquina voadora. Pedalou, pedalou e ouviu o barulho do helicóptero se distanciando. Antes que chegassem mais carros de polícia, Edu largou a bike e saiu correndo. Como os policiais estavam procurando um menino numa bicicleta, ele chamaria menos atenção fugindo a pé. Ele avistou um caminhão parado no farol. A carga do caminhão estava coberta por uma lona. Edu teve uma ideia. O sinal abriu e ele saiu em disparada, correndo no meio do trânsito, atrás do caminhão. Corria com dificuldade, pois estava cansado. Um motoboy, que trafegava no meio dos carros, quase o atropelou. O caminhão andava devagar comparado ao resto do trânsito, mas, mesmo assim, era difícil alcançá-lo correndo. Com muito esforço, Edu conseguiu. Agarrou-se no caminhão em movimento, subiu na caçamba e cobriu-se com a lona. Ali era um bom esconderijo. O helicóptero da TV ficou feito barata tonta, em cima da via elevada, sem conseguir ver nada do que Dudu tinha feito. Logo dezenas de carros de polícia chegaram ao local e acharam a bicicleta jogada, mas nenhum menino. Enquanto isso, Edu, que estava exausto, descansava na caçamba do caminhão, desfrutando da sua recém-alcançada liberdade. Finalmente tinha escapado. 66


Edu permaneceu na caçamba do caminhão por um bom tempo. Ficou pensando. “Será que a Lívia está bem? Será que ela se feriu quando os policiais entraram na casa dela? Será que os sequestradores me viram na tevê?” Lembrouse de sua mãe. Veio ao pensamento de Eduardo imagens de sua mãe lendo historinhas para ele quando era pequeno, ajudando-o a fazer a lição de casa, ensinando-o a andar de bicicleta, cuidando dele quando tinha se machucado e abraçando-o com muito amor. Sua mãe era maravilhosa! “Mas será que ela está viva?”, temeu ele. O caminhão não andava muito por causa do trânsito. Quando estava parado em um sinal, Edu resolveu descer do veículo. Ainda estava na região central da cidade, mas não viu nenhum policial. Assustou-se quando olhou para os seus braços. Estavam pretos. Sua calça também. “Como? Por quê?” Mas logo lembrou que o caminhão carregava sacos de carvão para churrasco. Por isso estava todo sujo. Passava a mão por cima da sujeira, mas era inútil. Só um banho poderia limpálo. Pensou que aquele era, com certeza, o pior aniversário de sua vida. E desejou um chuveiro de presente. Nesse momento, seu celular tocou. “Sem identificação.” De novo o sequestrador. O celular começou a acusar bateria fraca. Edu atendeu e logo ouviu: – Parabéns, Dudu! Virou astro de tevê! Eduardo já não aguentava mais aquela palhaçada. – Minha bateria tá acabando. Vocês não vão mais conseguir falar comigo. Cadê a minha mãe? – Tá aqui. Ela chorou quando viu você na tevê. 67


– Deixa eu falar com ela. – Nem pensar. – Deixa eu falar com ela, por favor! Eu fiz tudo que vocês pediram. Eu só quero ter certeza que ela tá viva. – Não me enche o saco! – Por favor! – Cala a boca! Já disse que não! – Se você não me deixar falar com ela, eu não vou fazer mais nada que você pedir. – Você não teria coragem! – Teria sim. E ainda vou me entregar pra polícia e contar tudo. Assim eles vão atrás de você. – Cala a boca, seu moleque! Você não sabe o que é ser perseguido pela polícia... – Sei sim. – Você não sabe o que é levar tiro. – Sei sim. – Você não sabe o que é passar anos na cadeia. – Ainda não, mas... – Cala a boca! Para de responder pra mim! – Cala a boca, você! – Olha o respeito... – Eu não aguento mais você! Seu filho da... – O quê? – Isso mesmo que você ouviu. – Não fala palavrão, moleque! – Eu falo se eu quiser. Mas “filho da...” não é palavrão. Eu não falei a última palavra. – Mal-educado! Sua mãe não te deu educação? – Claro que deu. Mais do que a sua mãe, que nem te ensinou a sequestrar alguém direito. Cê tem que sequestrar gente rica, não pobre. Agora deixa eu falar com a minha mãe! – Não vou deixar porcaria nenhuma. Eu vou é apagar ela, agora mesmo! – Não! 68


Edu ouviu pelo telefone o barulho de uma porta se abrindo e gritos abafados de uma mulher, que parecia estar amordaçada. – Vou mandar sua mamãezinha pro inferno! – Não! Eduardo ouviu um tiro e o sequestrador desligou o telefone. – Naaaaaaaaaaaaaaaaaão! Edu largou o celular, desabou no chão e começou a chorar. Sua mãe tinha sido morta. Por mais de uma hora, ele ficou desolado, encolhido em um canto da calçada, chorando. O celular apitava, acusando bateria fraca, até que se desligou sozinho. As pessoas que passavam por Dudu nem o notavam. Como estava muito sujo, parecia um moleque de rua. Anoitecia. De tanta tristeza e cansaço, Eduardo acabou adormecendo ali no chão.

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Edu acordou no meio da madrugada, com frio e fome. Sentiu-se de verdade como um menino de rua. Nunca teve pai e agora não tinha mais mãe. Não sobrara ninguém. Seus avós tinham morrido. Nem conhecia os tios, pois eram do norte. Realmente, ele não tinha mais ninguém. Nem como pagar o aluguel. Teria que morar nas ruas. Ou num orfanato. Sentiu-se culpado pela morte da mãe. Se pelo menos tivesse sido mais paciente com o sequestrador. Naquele momento, Eduardo quis morrer também. Queria encontrar sua mãe. Onde será que ela estava? Para onde as pessoas vão quando morrem? Será que ela estava no céu? Edu teve um impulso de se suicidar. Se morresse, será que encontraria sua mãe no além? Não, era melhor viver. Só vivo ele poderia ajudar a capturar o assassino dela. O menino levantou-se e foi caminhar pela cidade. Sua barriga reclamou. Ele se lembrou que não tinha comido nada desde o café da manhã. Algum tempo depois, ele se deparou com uma barraquinha que vendia yakisoba em um ponto de ônibus noturno. Parou para admirar o chinês fazendo o macarrão com legumes e pedacinhos de frango. Ficou morrendo de vontade de comer aquilo. Mas não tinha dinheiro. Reparou em um homem grande e forte, que parecia um segurança de boate recém-saído do trabalho. Ele devorava um prato de yakissoba. Sem querer, Edu ficou de olho gordo, com cara de cachorro pidão. O homem olhou para Dudu, todo sujo e faminto, e ficou com dó. Deu-lhe metade da sua porção. O menino comeu feito um desesperado e enganou um pouco a sua fome. 70


Depois ele continuou caminhando pelas ruas do centro. Estava com medo de voltar pra casa. Medo de não ver sua mãe lá. Medo da polícia. Ele passou por uma loja de eletrodomésticos, com uma vitrine enorme, cheia de computadores, geladeiras e televisores. Estes estavam ligados em um mesmo canal. De repente, Eduardo se espantou quando viu a si mesmo na televisão, num noticiário da madrugada. Eram imagens dele na janela da casa de Lívia, ameaçando-a com uma faca, beijando-a, levando o tiro, fugindo de bicicleta e sendo perseguido. Ele tinha mesmo virado notícia e ficou abismado ao rever sua recente história na televisão. Todo aquele esforço para nada. No final, não tinha conseguido salvar sua mãe. Enquanto isso, um mendigo bêbado apareceu ao seu lado. Olhou pra televisão, olhou pra Dudu e perguntou: – Você é famoso? – Não – respondeu Edu, sem desgrudar o olho da TV. – Você é autista? – Artista? Não. – Então por que você ta-tá na tevelisão? – Não sou eu. – Claro que é. Eu s-sou bêbado, mas n-n-num sô cego. – Parecido comigo, mas não sou eu. – Ocê trabaia na Grobo? – Ssssshhh! Deixa eu prestar atenção! – Tá bom, num p-precisa ficá brabo! Nisso, Eduardo viu algo que o deixou surpreso. Era Lívia, sendo entrevistada. Ela estava bem. Edu ficou empolgado. Mas a TV estava sem som. Ele encostou seu rosto na vitrine pra tentar ouvir alguma coisa. Nada. Então tentou ler os lábios de Lívia. Ela dizia: – Dudu achava... sequestrada... mas... tava bem... trote. Foi aí que apareceu uma imagem que quase fez Edu desabar de emoção. Era sua mãe, dando uma entrevista. Ele não conseguia entender. Como tinham aquelas imagens dela? Ele leu os lábios dela e entendeu alguma coisa: – Meu 71


filho... bom menino... estou bem... volta pra casa. Eduardo pulou de alegria. Ele não conseguia se conter.

Sua mãe estava viva. Ele abraçou o mendigo e começou a dançar com ele, gritando: – Minha mãe tá viva! Minha mãe tá viva! 72


O mendigo não entendeu nada, mas entrou na dança. Edu estava tão alegre que nem reparou no fedor do homem. Só dançava e girava. Até que pensou: “O sequestro nem existiu. Foi só um trote de mau gosto. Mas quem poderia ter feito isso comigo?” Eduardo deixou o mendigo dançando sozinho com uma garrafa de cachaça e saiu andando. Não pretendia voltar pra casa, pois achou que a polícia estaria lá, à sua espera. Edu foi a um telefone público e ligou a cobrar para sua mãe. Ela logo atendeu. – Mãe? – Eduardo! – Cê tá bem, mãe? – Tô, meu filho. E você? Onde você tá? Eu tentei ligar no seu celular quando eu soube... – A bateria acabou. Mas onde você tava durante o dia? Eu te liguei no trabalho... – Hoje eu peguei folga. Tirei o dia todo pra achar o presente que você queria. – Um computador? – É. Eu ia fazer uma surpresa pra você... – Obrigado, mãe! Mas, e seu celular? Tentei ligar pra ele… – Sumiu. Acho que me roubaram sem eu perceber. – Que estranho! – Volta pra casa, meu filho! – A polícia tá aí? – Está. – Eu vou voltar. Mas não agora. – Onde você está? Eu posso te buscar... – Tenho que resolver uma coisa antes. Mas não se preocupa comigo. Eu tô bem. Mais tarde a gente se vê. Te amo, mãe! Tchau! Edu desligou, alegre por ter falado com a sua mãe, que estava vivinha da silva, mas triste por não poder abraçá-la naquele momento. 73


Estava amanhecendo quando Eduardo pegou um ônibus, pediu para passar por baixo da catraca e voltou pro seu bairro. Foi à casa de seu melhor amigo e ficou esperando. Quando Luiz saiu pra ir à escola, teve uma surpresa. – Edu! Onde você tava? Eu te vi na tevê. Tava preocupado. Tá todo mundo te procurando. Nossa, como cê tá sujo! – É mesmo, tinha esquecido. Eduardo lavou o rosto e os braços na torneira do quintal de Luiz. – Me empresta sua blusa? – Tá bom, mas pra quê? – Eu posso usar o capuz pra esconder meu rosto. É que eu vou entrar na escola e não quero chamar atenção. – Você tá brincando? Não tem como você passar desapercebido. Cê tá famoso! Aliás, por que você quer ir pra escola hoje? – Eu quero descobrir quem me passou os trotes. – Cê acha que foi alguém da escola? – Tem que ser. Como ele poderia saber tanta coisa sobre o Paulo, a Lívia, o Gustavo... – Mas quem você acha que poderia ter te ligado? – É claro que eu desconfio dos caras mais chatos da classe... – O Alan e o Fred? – É. – Mas como? – O Alan pode ter feito a voz grossa do sequestrador e o Fred os gritos de mulher. – Bem que eu acho o Fred um pouco efeminado. Mas 74


como eles te ligaram de dentro da classe? – A primeira vez que me ligaram eu tava na rua. Eles podiam estar em qualquer lugar. A segunda também, pois eu estava na entrada da escola. A mensagem pra eu mostrar o game eles podem ter mandado da classe mesmo. A outra vez foi no recreio. Eles puderam ligar pra mim sem problemas e mandar a mensagem pra eu beijar a Lívia de novo. Só na ligação seguinte, quando me mandaram achar batatas, é que eu estava na classe e eles também. – Como eles fizeram isso? – Já sei. Foi no intervalo entre as aulas. A classe tava uma bagunça e eles sentam no fundão. Podem ter me ligado sem ninguém perceber. – Será? – Depois eles mandaram uma mensagem pra eu mostrar as batatas... e a outra ligação já foi na saída da escola. – Então você acha que foram... – Acho que sim. Antes eu pensava que era alguém de um prédio com vista pra classe. No final, era alguém da própria classe. – O Alan e o Fred. Quem diria? Mas por que eles fariam isso? – Eles adoram me zoar... – Mas um trote desses já é demais. – Eu também acho. Mas só tem um jeito de ter certeza. – Qual? – Eu vou ter que entrar na escola, enfrentar o Alan e o Fred cara a cara e esclarecer isso de uma vez por todas.

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Eduardo e Luiz estavam chegando perto da escola quando viram uma viatura da polícia estacionada perto do portão principal. Edu se assustou e escondeu-se atrás de uma árvore. Espiou e viu que o tenente Rodrigues estava lá, de olho nos alunos que entravam no colégio. – E agora? – Não tem jeito, mesmo com o capuz e o boné escondendo parte do seu rosto, o cara vai te ver. – Mas eu tenho que entrar! – De que jeito? – Já sei, tive uma ideia. Mas você vai ter que me ajudar. Edu contou o plano. Luiz ouviu e imediatamente entrou em ação. Foi até lá falar com o tenente Rodrigues. – Oi, senhor policial! – Oi. – Eu sou amigo do Eduardo. – É? Então eu quero conversar com você. – Tá bom. Mas, rapidinho, porque eu vou ter que entrar na aula. – Pode deixar que você vai ser dispensado da aula hoje. – Mas eu não quero ser dispensado. Nem perder o conteúdo que os professores vão dar em aula. Eu sou um bom aluno. Não quero ficar defasado em relação aos demais. Se eu perder aula e deixar de aprender a matéria, eu não vou mais ser um bom aluno, o senhor me entende? Luiz falava esse monte de coisas pra tentar distrair o tenente, deixando-o de costas para o portão da escola, para Edu poder entrar. Mas era difícil. O policial sempre dava uma olhada nos alunos que entravam. Eduardo aproveitou 76


que cinco alunos estavam chegando ao mesmo tempo e se misturou com eles. Assim conseguiu passar desapercebido e entrar na escola sem que o tenente o visse. Porém, um menininho do primeiro ano o reconheceu. – Eduardo? – Não. – Você é o Eduardo, né? – Não. – É sim. – Cê tá se confundindo, moleque. Meu nome é João. – Mas eu te vi na tevê ontem. Eu falei pra todo mundo que você é do meu colégio. Mas ninguém acreditava. Cê pode ir no meu prédio pra falar com os meus amigos que você é mesmo da minha escola? – Não. – Ah, Eduardo, por favor? – Sssshhh! Não fala esse nome! – Eduardo... – Ssshhh! Logo outras crianças e jovens do colégio o reconheceram e foram tentar falar com ele. Uma menina até lhe pediu um autógrafo. O tenente percebeu o alvoroço e olhou pra dentro da escola. Viu Dudu e foi atrás dele. O menino conseguiu se desvencilhar dos novos fãs, subiu correndo as escadas e entrou na sua sala. Quando seus colegas de classe o viram, ficaram surpresos. Edu tinha pressa e foi direto encarar o Alan. – Foi você que me passou os trotes? – Cê tá maluco! Do que cê tá falando? – Só pode ter sido você. Você era o sequestrador e o Fred era a mulher. A galera da classe riu. – Que mulher? Eu não era mulher! – Fred gritou, preocupado e sem jeito, enquanto Alan se defendeu, dizendo: – Se liga, Dudu, cê tá viajando! Mas Edu continuou: 77


– Eu só não sei como vocês pegaram o celular da minha mãe. Nessa hora o tenente Rodrigues entrou na sala e gritou: – Eduardo, você vem comigo! – Espera só um pouco! – Agora! – Então eu quero que você prenda eles também. – Edu apontou para Alan e Fred – Foram eles que me passaram os trotes. Assustado com a presença do policial, Fred começou a chorar e a falar com Alan. – Não foi a gente. Eu disse que não era uma boa ideia! Agora a gente tá frito. Alan ficou irado e gritou para Fred. – Seu trouxa! Fica de bico calado! Seu débil mental! – Não é culpa nossa. Foi o cara que... – Cala a boca! – mandou Alan. Nessa hora, Fred deu uma olhadinha pela janela, em direção a um prédio na frente do colégio. Eduardo olhou para o mesmo lugar e viu um homem parcialmente escondido atrás de uma cortina, olhando para eles de uma janela do prédio. O homem notou que foi visto e logo saiu da janela. “Quem será aquele cara? Por que o Fred olhou pra lá?”, Edu pensou. – Então vocês três vão pra delegacia explicar tudo isso! – Mandou o policial. A sala tinha quatro fileiras de carteiras, formando três corredores entre elas. Edu estava no fundo. O tenente foi atrás dele pelo corredor da direita. O menino correu em direção à porta pelo corredor da esquerda. Então o tenente empurrou as carteiras em cima dele, para barrar sua passagem. Sem parar de correr, Edu pisou numa cadeira, deu um impulso e pulou por cima das carteiras. Logo alcançou a porta da sala, por onde fugiu em disparada.

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Eduardo desceu rapidamente as escadas pulando alguns degraus. O tenente foi atrás dele. O sinal tocou e seu Alcino já estava fechando o portão do colégio quando um menino passou voando por ele. Assim que saiu da escola, Edu correu em direção ao prédio onde tinha visto o homem na janela. Atravessou a rua sem olhar pros lados. Um carro passava bem naquela hora e deu uma freada brusca, cantando os pneus. Parou bem perto de Dudu, que se assustou, mas continuou correndo. Logo chegou na frente do edifício. Mas não sabia como entrar. Um portão de dois metros de altura, com lanças pontudas, barrava seu caminho. Dudu viu que o tenente estava vindo e começou a escalar. Pôs um pé na barra transversal, que ficava no meio do portão, subiu e pôs o outro pé no topo, por entre as lanças. Conseguiu equilibrar-se em cima do portão. Quando o tenente estava prestes a alcançá-lo, Edu pulou para a parte de dentro do edifício. O tenente Rodrigues olhou para a guarita do porteiro e começou a gritar para que abrissem pra ele, mas ninguém abriu. Eduardo correu pra dentro do prédio. Tentou calcular em que andar estava aquele homem da janela. Sétimo andar, provavelmente. Puxou a porta do elevador, mas ela não se abriu. O elevador não estava no térreo. Edu apertou várias vezes o botão e esperou. Depois olhou desesperado para o tenente, que estava tentando pular o portão. Finalmente o elevador chegou. Dudu foi abrir a porta, mas ela se abriu antes dele puxar. Era um homem que saía do elevador. Quando Eduardo olhou para ele, ficou paralisado. 80


Era como se estivesse vendo a si mesmo, só que bem mais velho. O homem também parou. Os dois ficaram se olhando com espanto. O tenente Rodrigues, desengonçado, rasgou sua farda nas lanças, mas finalmente conseguiu pular o portão. Nesse momento, o homem que estava na frente de Edu puxou da cintura um revólver, apontou-o para o tenente e gritou: – Sai desse prédio, agora! O policial não reagiu. Só falou pausadamente: – Calma! Vamos conversar. – Conversá uma pinóia! Sai desse prédio, já! O homem agarrou Eduardo por trás com uma chave de braço e apontou a arma para a cabeça dele.

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– Sai desse prédio, se não eu estouro os miolos desse moleque! O tenente finalmente resolveu obedecer. Tentou abrir o portão por dentro, mas não conseguiu. O homem misterioso viu que não tinha ninguém na guarita e gritou: – Onde tá o porteiro? No mesmo instante, ele apareceu, fechando o zíper da calça. Estava apressado, voltando do banheiro. – Abre essa droga de portão! – ordenou o homem. Mas o porteiro não obedeceu e começou a chorar. – Por favor, não me mata! – Cala a boca e obedece! – Por favor, eu tenho mulher e filhos! O porteiro ficou tremendo e foi incapaz de qualquer ação. Então o homem misterioso puxou Edu pra dentro da guarita e apertou um botão vermelho. Automaticamente o portão do edifício se abriu. O homem gritou de novo para o policial: – Sai agora, se não o Eduardo morre! “Como ele sabe meu nome?”, pensou Dudu. O tenente Rodrigues saiu do prédio e o porteiro medroso saiu correndo atrás dele. O portão fechou-se sozinho. O tenente foi depressa chamar reforços. O homem continuou com a arma apontada pra cabeça de Edu, e puxou-o para o chão da guarita, onde estariam fora da vista da polícia. – Olha no que você me meteu! – falou o homem. Eduardo tentou entender o que estava acontecendo, mas não ousou perguntar nada. A arma intimidou-o. O homem continuou: – Eu percebi que ia sujar quando você me viu pela janela. Quis sair fora, mas essa droga de elevador não chegava... e você chegou primeiro. Até que você tá ficando corajoso, hein! Me viu e logo correu pra averiguar. Nem teve medo. Até que essa lição te serviu pra alguma coisa. O homem abaixou a arma, segurou o rosto de Eduardo e olhou-o com carinho. 82


– A minha cara. Eu esperei tanto pra te conhecer. Me prenderam um dia antes de você nascer. Fiz a besteira de me juntar com uns amigos pra fazer um servicinho num banco, que ia render uma boa grana. Mas daí a gente foi pego. E ainda me acusaram de matar o gerente. Mas não fui eu, foi o Waldir, aquele traste, que ainda teve a sorte de escapar. Passei quase quatorze anos na cadeia e vocês nunca vieram me visitar. “Será que é verdade o que esse cara tá dizendo? Será que ele é meu pai?”, pensou Edu. – Minha mãe disse que você tinha morrido. – Pra Neide eu morri no dia em que fui preso. Eu via a família dos outros presos visitando eles, os filhos deles crescendo... e sonhava em te ver. Mas você nunca apareceu. Nem uma carta com uma foto sua a Neide me mandou! Quando eu finalmente saí da prisão, sua mãe não me deixou te conhecer. Ameaçou chamar a polícia se eu chegasse perto de você. Foi aí que eu tive a ideia de alugar esse apartamento na frente da sua escola, pra poder te ver todos os dias. Eu perguntei de você pros seus colegas de classe, o loirinho que mora aqui nesse prédio, o Alan e o... esqueci o nome do amigo dele, com cara de tonto. – Fred. – Esse mesmo. Eles me disseram que você era um mariquinha, um medroso que não brigava com ninguém, só queria saber de estudar... Aí eu tive a ideia de armar essa história de sequestro da sua mãe pra poder te ensinar a ser homem. Porque filho meu tem que ser macho! – Mas eu podia ter morrido. Bem no meu aniversário. Por que cê foi tão cruel comigo? – A vida é cruel, meu filho. Eu te dei o melhor presente que eu podia dar. Te ensinei a ser forte, pra você poder enfrentar melhor a vida. Vê o exemplo do teu pai, aqui. Se eu não fosse forte, eu não teria sobrevivido tanto tempo na cadeia. Lá é o inferno. Sirenes. Os dois espiaram e viram algumas viaturas pa83


rando em frente ao prédio. – Precisamos sair daqui – disse o homem. Os dois saíram da guarita, correndo agachados. Eduardo pensou em tentar fugir, mas algo o atraía naquele homem misterioso, que dizia ser seu pai. Queria saber mais sobre ele. Rapidamente, os dois chegaram ao elevador do prédio. Subiram até o sexto andar. O homem levou Edu para dentro do apartamento 68. O lugar estava uma bagunça. Por toda parte havia CDs e DVDs piratas de música, filmes e jogos. Também tinha tênis, roupas e perfumes falsificados, imitando marcas famosas. – Você é camelô? – Dudu perguntou. – Cê acha que é fácil largar o crime? É só a gente sair da cadeia que alguma facção criminosa te força a fazer alguns “favores”. Souberam que a polícia ia fazer uma operação contra a pirataria e me passaram essa mercadoria pra eu esconder até a coisa esfriar. – Você precisa fazer tudo que eles mandam? – Se eu quiser continuar vivo, sim. E se eu quiser proteger você, também. Eles sabem tudo da minha vida e podem querer matar meu filho, se eu não fizer o que eles mandam. Eduardo ficou chocado. Logo ouviram o tenente Rodrigues lá embaixo, falando com um megafone e tentando contato com eles. Mas o pai de Edu nem dava ouvidos. O menino tentou alertá-lo. – Jorge. – Você sabe meu nome, filho. – A polícia tá tentando falar com a gente. Por que você não tenta negociar com eles? Pode me usar como refém pra tentar escapar. – Eu não falo com polícia. Jorge revirava toda a bagunça procurando por algo. Enquanto isso, puxou outro assunto com Edu. – Eu fiquei feliz de te ver enfrentando todos os desafios que eu te passei, roubar o game do garoto, beijar a menina, pegar a batatinha... 84


– Mas como você teve essas ideias? – Os seus amigos... – O Alan e o Fred não são meus amigos. – Hã? Não?! Mas eles me falaram que eram. Foram eles que me deram as dicas do menino riquinho, da menina mais bonita da classe... – A Lívia não é... Acho que eles queriam me zoar, mas... não importa. – Eles me mandavam mensagens no celular contando o que eu não conseguia ver pela janela. Eles me ajudaram bastante. Só acho que eles deviam ter arrumado um menino do seu tamanho pra brigar com você. Aquele lá te bateu de um jeito que me doeu no coração! Se bem que homem macho tem que saber apanhar também. Nem sempre se ganha nessa vida. – Quem era a mulher que ficava chorando quando você ligava pra mim? – Era isso aqui... Jorge ligou um aparelho de som que reproduzia choros e gritos de uma mulher. – Eu gravei o seu ami... o Fred fingindo que era uma mulher chorando. Até que deu certo. – Bem que eu desconfiei que era ele – Edu falou. – Eu também tinha gravado um som de tiro, que usei naquela hora... A conversa foi interrompida por alguns barulhos estranhos vindos de fora do prédio. Os dois deram uma olhada pela janela. Viram um monte de policiais e de viaturas na rua. Havia também atiradores de elite se posicionando em toda a área em volta do prédio. Estavam totalmente cercados. Não tinham saída. Mas Jorge não parecia preocupado. Ele finalmente achou o que procurava. Uma grande sacola, comprida e pesada. – Vem comigo! Ele pegou a sacola e levou Eduardo até o elevador. Subiram até o vigésimo sétimo andar do prédio. 85


Saíram do elevador, subiram mais um lance de escadas e passaram por uma portinha que dava para um pequeno terraço. Depois subiram mais uma escadinha de ferro grudada na parede até o topo do prédio. Ali tinha um espaço vazio com algumas antenas e um para-raios. A vista dali era impressionante. Era o prédio mais alto da região. Eduardo pensou: “O que será que meu pai está planejando?” – Precisamos de espaço! – Jorge falou. Então ele arrancou à força as antenas do prédio e jogou-as logo abaixo, no terracinho. Chutou diversas vezes e conseguiu dobrar o para-raios, que ficou deitado rente ao chão. Depois ele abriu sua bolsa comprida e foi tirando uma série de tubos de alumínio, cabos de aço e um tecido de fibra sintética resistente. Começou a desdobrar, esticar e encaixar tudo enquanto continuava a conversar com Edu. – A ideia de fazer você aparecer na tevê eu tive sozinho. Adorei ver meu filho virar um astro da telinha! – Pra mim não foi nada bom. Aliás, como você pegou o celular da minha mãe? – Eu passei no hospital antes de ontem, pedi mais uma vez pra ela me apresentar pra você, mas ela disse que não. Eu fiquei bravo e, sem ela perceber, surrupiei o celular da bolsa dela. Daí que eu tive a ideia do trote do sequestro e pedi pros seus amigos me ajudarem. Eu fiz aquela voz grossa, ameaçadora. Mandei bem, né? Eduardo nem respondeu. Jorge continuou: – Eu pensei em tudo. Eu queria muito que você acreditasse no sequestro, pra você cumprir as missões com garra. E você foi um sucesso. Eu tô orgulhoso de você, meu filho! 86


– Por que você fingiu que matou a mamãe? Foi horrível... – Naquela hora você me desrespeitou no telefone. Eu fiquei bravo e quis te dar uma lição. Mas acho que exagerei. Apesar de tudo, Eduardo não conseguia sentir raiva de Jorge. A ideia de ter um pai o deixou tão emocionado que abrandou o sofrimento das últimas 25 horas. Ele foi para o canto do prédio e olhou para baixo. Só agora teve uma noção melhor de quão alto eles estavam. Ficou até meio tonto. Não gostava de alturas. Mesmo assim, conseguiu ver que uma equipe especial da polícia, usando fardas pretas, capacetes e metralhadoras, estava pulando os muros e invadindo o prédio. – Pai... os caras tão entrando. Eles vão chegar logo aqui em cima! – Pai? Você me chamou de pai? Jorge começou a chorar de emoção. Ele abraçou Edu com força. – Você significa muito pra mim, Dudu. O filho que eu tanto sonhei, agora é de verdade. Tá aqui, comigo. – Mas a gente tem que... Foi aí que Eduardo entendeu melhor o que seu pai estivera fazendo. Ele tinha montado uma grande asa delta. Jorge limpou as lágrimas do rosto e continuou a falar: – Teu pai já fez muita coisa nessa vida, antes de enveredar pro crime. Inclusive já trabalhei numa rampa de asa delta, montando essas bichinhas e checando os equipamentos dos pilotos. Com o tempo, eu também aprendi a voar. E tinha guardado essa asa delta como minha última opção de fuga. – Então pode ir. Eu vou descer e tentar despistar os policiais, pra te dar mais tempo. – Que isso? Você vem comigo, filho! Eu tenho equipamento pra duas pessoas. Eu piloto e você fica de carona. – Mas não é perigoso? – Menos do que ficar aqui, esperando a polícia nos fuzilar. 87


– Mas... – Eu demorei muito pra te conhecer. Agora não vou te largar na primeira dificuldade. Veste isso, Dudu! Ele lhe passou um colete cheio de correias e um capacete. Edu vestiu-os rapidamente enquanto o pai fazia o mesmo. – Pai, como que se voa com isso? – Eu vou te explicar, filho. Mas, por enquanto, é só me imitar. Ele enganchou as correias do colete no centro da asa. Edu fez o mesmo. Levantaram a asa delta, que pesava uns trinta quilos, e foram para um canto do prédio, para ter mais espaço pra correr. Nisso, eles ouviram a polícia ali debaixo deles, tentando abrir a porta do terracinho. Mas ela estava obstruída por causa das antenas que Jorge tinha jogado. – Não vai dar tempo, eles tão chegando! – Corre! A polícia conseguiu abrir a porta. Enquanto subiam a escadinha de ferro que dava para o topo, Eduardo e Jorge correram com tudo e se jogaram do prédio. Edu pensou que iam morrer, mas logo sentiu o ar encher a asa delta, que passou a planar. Os dois ficaram de bruços, deitados no ar, suspensos pelas correias. Jorge segurava na barra de controle, pilotando a asa delta, enquanto Dudu agarrava-se nele. Estavam voando! Era difícil de acreditar. Ainda assustado, Edu olhou para trás e viu os policiais, embasbacados, olhando para eles do topo do prédio. Jorge pilotava bem. Edu sentiu-se seguro ao seu lado. Relaxou e deixou-se envolver pelo prazer de voar. Era uma delícia! Sempre quis ter um pai, e agora tinha. Estava ao seu lado. E os dois estavam voando. Era como um sonho. Eduardo quis aproveitar ao máximo a realidade desse sonho. Sorveu o ar que batia no seu rosto. Curtiu a bela visão que estava diante de seus olhos. A cidade vista do alto era linda! 88


Porém a alegria do menino durou pouco. Ele viu carros de polícia lá embaixo seguindo o caminho que eles faziam pelo ar. Uma equipe de atiradores de elite desceu de uma grande viatura e começou a mirar para cima. Jorge desviou a rota, passou atrás de uns edifícios e saiu do campo de visão dos policiais. – Eu vou voar sobre essa região cheia de prédios, assim fica mais difícil pra polícia nos ver – disse ele. Conseguiram manter a altitude e voaram bastante. A polícia os tinha perdido de vista. Mas aí começou a soprar um vento contrário muito forte que os fez desviar de novo a rota. Foram levados a voar sobre um bairro cheio de casas. Assim, a polícia, em terra, conseguiu vê-los de novo. Além disso, a asa delta foi perdendo altitude. Um furgão parou e dois atiradores de elite desceram e tomaram posição, mirando na asa delta. 89


Eduardo ouviu o zunir de um tiro que passou do lado dele. Outro tiro acertou a asa delta e furou o tecido. Jorge passou a ter mais dificuldade para controlar a asa. Mesmo assim, conseguiu afastar-se dos atiradores. Edu ouviu mais um tiro e depois pareceu que estavam livres. Voaram mais um quilômetro, quando Dudu sentiu algo molhado em sua mão. Era sangue. Escorrendo do braço de seu pai. – Que é isso, pai? – Eles me atingiram. Edu viu uma mancha vermelha no peito de Jorge, perto do ombro direito. – Mas... – Eu já levei muito tiro nessa vida, filho. Não é agora que eu... Aaargh! Jorge soltou a asa. Eduardo segurou-a com força. Mas ela estava se desgovernando. – Pai! Jorge conseguiu forças para agarrar de novo a asa e ajudar a mantê-la estável. Então disse: – Acho que a gente já conseguiu despistar os caras. Vamos voar mais um pouco até achar um lugar pra pousar. Mas Edu ouviu um barulho que lhe era familiar. Olhou para trás e, para seu espanto, viu um helicóptero da polícia os perseguindo. Como se isso não bastasse, apareceu outro helicóptero, de uma rede de TV, filmando tudo. – Ah, não! Nisso seu pai sentiu fortes dores de novo. – Filho, eu não consigo mais pilotar. Não tenho forças. Pilota no meu lugar. – Quê? – Segura aqui! Eu vou te ensinar a pilotar. Jorge soltou e Eduardo segurou com força a barra de controle da asa delta. Era muito difícil controlá-la. – Já tô firme, pai, agora me ensina. Jorge não respondeu. Edu olhou para o lado e viu seu pai desmaiado, com sangue escorrendo pela boca. 90


– Paaaai! Eduardo ficou desesperado. Não sabia o que fazer. Tentou manter a asa delta sob controle, mas o helicóptero da polícia chegou perto e o vento das hélices fez com que a asa perdesse ainda mais a estabilidade. Edu segurou a barra de controle com toda a força para continuar planando, mas foi rapidamente perdendo altitude. Estava voando em direção a uma avenida movimentada, com carros indo e vindo em alta velocidade. Depois de escapar de tantos perigos, Edu não queria que ele e seu pai morressem banalmente atropelados. Com esforço, conseguiu desviar a asa delta em direção a uma praça. Ia tentar pousar lá. Mas lembrou que não sabia pousar. Ia cair com tudo. Ia morrer e acabar de matar seu pai. Viu que no meio da praça tinha um pequeno lago. Pareceu um bom lugar para cair. Tentou direcionar a asa delta para lá, da melhor maneira que pôde. Foi descendo. Desviou-se de uma torre de eletricidade. Passou por uma revoada de pombas. Quando estava quase chegando no lago, acabou caindo em cima de uma grande árvore. Os galhos e as folhas ajudaram a amortecer a queda. Felizmente, os dois estavam de capacete e não se machucaram. A asa delta ficou presa no alto da árvore e os dois ficaram com as pernas balançando no ar, como dois fantoches. Jorge ainda permanecia desacordado. Logo, um monte de gente apareceu para ver o ocorrido. Dudu começou a gritar: – Por favor, alguém chame uma ambulância! Meu pai tá ferido. O menino conseguiu soltar as correias do seu colete e livrar-se da asa delta. Queria achar um socorro para o pai. Agarrou-se nos galhos da árvore e foi descendo. Porém, antes que pusesse os pés no chão, já tinha um monte de armas apontadas para ele. A polícia havia chegado. Eduardo foi imobilizado por dois policiais. Prenderam suas mãos para trás e o algemaram. Puseram-no em uma viatura, de onde pôde ver os bombeiros chegando para 91


tentar resgatar seu pai. Mas não conseguiu ver se teriam sucesso. A viatura logo saiu dali, levando Edu direto para a delegacia. Ele estava desolado. Teve a felicidade de descobrir que tinha um pai, para logo depois ter a desgraça de vê-lo morrer ao seu lado.

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Na 17˚ Delegacia de Polícia, Eduardo foi interrogado sobre as ocorrências nas quais esteve envolvido. Contou tudo o que tinha se passado, com detalhes. Depois, Edu pôde finalmente ver sua mãe. Ele a abraçou, beijou e chorou nos seus braços.

– Você tá bem, mãe? – Tô. Que alegria ver você, meu filho! – Eu me esforcei tanto pra te salvar... É tão bom te ver bem! – Eu tava bem o tempo todo, filho! Foi só um trote que... 93


– Eu sei, mãe. Eu conheci meu pai hoje. – O Jorge é um criminoso. – É por isso que você escondeu ele de mim? Você não deixou ele me ver depois que ele saiu da cadeia... – Ele fugiu da cadeia, meu filho. – Quê? – Saiu no jornal, ele e mais cinco presos fugiram por um túnel no mês passado. – Mas ele falou... – Os criminosos como o Jorge são mentirosos compulsivos. Não dá pra confiar no que eles dizem. – Mas ele me disse tanta coisa... – O Jorge estava sendo procurado pela polícia. Isso é só uma das mil razões por que eu não deixei ele ver você. Ele não é uma boa influência pra você. Eu sei que crescer sem um pai foi ruim. Mas eu achava que era melhor ter um pai morto do que um pai bandido. Por isso eu contei aquela história do acidente. Não queria que você fosse visitar o Jorge na prisão. Aquilo não é ambiente pra um menino. Eu não queria que você se identificasse com seu pai e quisesse ser um ladrão também. O Jorge não significa nada pra mim. Foi só um romance, uma besteira que eu fiz na vida... – E eu nasci dessa besteira... – Foi a melhor besteira que eu fiz na vida. Por causa dela que eu tenho você. – Mas eu acho que você devia ter me contado a verdade. Eu tinha o direito de saber e de escolher por mim mesmo se eu queria ter contato com o meu pai ou não. – Agora você tem esse direito, filho. Pode ir visitar o Jorge quando quiser. – Se ele sobreviver... Dudu pensou que ia ser preso, mas não foi. Pôde esperar seu julgamento em liberdade e voltar pra casa. Lá ele comeu um enorme prato de comida e depois dormiu por 18 horas seguidas. 94


Felizmente, o pai de Eduardo resistiu aos ferimentos e se recuperou. Quando saiu do hospital, foi direto pra cadeia. Pela fuga, pelo crime de chantagem e pela posse de material pirateado, ele foi condenado a seis anos de reclusão, que se somaram aos dois anos que lhe faltavam da pena anterior, que cumpria antes de fugir. Edu decidiu visitá-lo de vez em quando e tentar cultivar uma amizade com o pai. Meses depois, chegou a vez de Eduardo. Ele foi julgado por um juiz da vara de menores, que o repreendeu severamente. Em seu discurso, o juiz enumerou os crimes que o menino tinha cometido: – Você furtou um videogame, roubou um saquinho de batatas, passou um trote para a polícia, fingiu ameaçar uma garota, afanou uma bicicleta e depois fugiu da polícia, não uma, mas duas vezes. Você merecia passar um bom tempo detido em regime fechado. Mas como você é réu primário e estava sendo ameaçado... Edu foi condenado a um ano de trabalhos comunitários, contando histórias e dando apoio escolar para crianças em creches, orfanatos e hospitais públicos. Na escola, também houve punições. Alan e Fred foram expulsos devido à assistência que deram ao pai de Edu e ao péssimo comportamento que normalmente tinham. Sobre Eduardo, a diretora Rute falou: – Você também devia ser expulso por tudo o que fez. Mas, como sempre teve bom comportamento e ótimas notas, eu vou lhe perdoar. Você continuará com sua bolsa de estudos, mas, como contrapartida, além de tirar notas excelentes, você terá que ajudar os alunos mais fracos no reforço escolar. Eduardo ficou muito feliz por continuar na mesma escola. Resolveu passar na vendinha do Turco e pagar o que devia. Achou que ia levar uma bronca, mas o Turco quis até tirar foto com ele, que agora era famoso. Quando Edu voltou às aulas, muita coisa tinha mudado. Todo mundo queria ser seu amigo e o bajulava. Ele se sen95


tiu bem com tudo isso, mas não se deixou iludir pela fama fugaz. Continuou sendo estudioso e manteve sua grande amizade com Luiz. Sua relação com Lívia, sim, ficou diferente. Eduardo achava que ela estava mais bonita. Mas a aparência dela não tinha mudado. O olhar dele é que mudou. Como a conhecia melhor, passou a reparar na sua beleza interior. Lívia era sensível, inteligente, bondosa, espontânea e alegre. Essas qualidades faziam dela uma pessoa linda. Edu também passou a ver beleza nos gestos dela, no seu olhar, no seu jeito de falar. Logo que teve uma oportunidade, foi conversar com ela. – Lívia, obrigado por ter me ajudado naquele dia! – De nada! – Desculpe ter feito você passar por tudo aquilo. – Não tem nada pra desculpar. Foi o dia mais emocionante da minha vida. Dei meu primeiro beijo, meu segundo beijo, ajudei você a atrair a polícia, dei meu terceiro beijo, enfrentamos policiais, aparecemos na tevê, dei meu quarto beijo, que foi visto pelo Brasil inteiro, ajudei você a escapar, depois vi minha casa invadida pela polícia, dei um monte de entrevistas pra televisão, jornais, revistas, tive meus 15 minutos de fama... Enquanto ela falava, Eduardo pensou que, afinal de contas, seu aniversário não tinha sido tão ruim assim. – Foi ótimo! – Lívia continuou. – Eu é que tenho que te agradecer por aquele dia... Obrigada! – De nada! – disse ele – Quando quiser, a gente repete a dose. – Não, tudo aquilo de novo, não. Só uma coisa eu queria repetir. – O quê? Lívia ficou olhando pra ele, com um sorrisinho no rosto. Eduardo entendeu a deixa. Ele aproximou seu rosto e a beijou. Foi um beijo maravilhoso! Souza, o inspetor de alunos, veio separar os dois. 96


– Com licença, mas vocês sabem a regra da escola. Beijos e amassos são proibidos. Edu e Lívia nem deram ouvidos. Logo apareceu Dona Rute, a diretora. Ela olhou a cena, suspirou, com saudades de seus tempos de juventude, e falou pra Souza deixar os dois sossegados. Eles continuaram se beijando durante o recreio inteiro. Foi o beijo mais bonito que aquela escola já viu.

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Eduardo pensou muito em sua aventura. Ele percebeu que, para enfrentar os desafios que surgiram, ele deixou de ser medroso, fraco e tímido, e passou a ser um menino mais corajoso, forte e extrovertido. Ele tentou resgatar sua mãe e depois salvar seu pai, mas sua grande missão foi resgatar a si mesmo. Trazer à tona o que ele tinha de melhor dentro de si, suas melhores qualidades. Ele nunca mais seria o mesmo. Seria um menino mais livre daqui em diante, mais feliz.

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Flávio Colombini

Eu adoro escrever histórias. Esta eu escrevi em sete dias. Mas depois eu reescrevi o final duas vezes e revisei o texto dezenas de vezes até ficar legal. Deu um trabalhão, mas eu fiz com muito amor. Sou formado em cinema. Já escrevi, produzi e dirigi filmes de curtametragem, videoclipes e uma peça de teatro infantil. Também já escrevi alguns livros para crianças. Este é meu primeiro livro para jovens. Se você quiser saber um pouco mais sobre mim, visite meu site: www.flavito.com.br Rick Troula Sou ilustrador, quadrinista, designer e professor. Também trabalho com concept art, storyboard e direção de arte. Meu site é www.ricktroula.com 99


No dia do aniversário de Eduardo, sua mãe é misteriosamente sequestrada. O menino passa a receber ligações do sequestrador, que o manda cumprir diversas missões malucas e perigosas que incluem roubos, fugas, beijos, brigas e muito mais. Se Edu não completar cada um de seus desafios com sucesso, sua mãe irá morrer.

A Grande Missão é uma história repleta de ação, suspense, romance e aventura, que irá prender sua atenção da primeira até a última página.

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