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Opinião, Miguel Vassalo
Opinião
Miguel Vassalo
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COUNTRY MANAGER AUTOROLA
Os primórdios da eletrónica na indústria automóvel
Em Outubro de 2006, um antigo funcionário da Bosch, agora reformado, visitou uma exposição sobre a história da companhia, perto da fábrica em Estugarda, e entregou um pedaço de papel com um valor histórico extraordinário. O Dr. Heinrich Knapp, físico e engenheiro, guardara todos estes anos o esquema original de um sistema de injeção eletrónica para um motor a gasolina, que ele próprio tinha desenhado em 1959, e agora pretendia doá-lo aos arquivos da conhecida multinacional fornecedora da indústria automóvel.
Knapp foi uma das pessoas chave envolvidas num projeto inovador, que consistia em tirar partido das recentes descobertas na área da eletrónica e colocá-las ao serviço do controlo da injeção de combustível num motor de combustão a gasolina. O arrojo desta abordagem é tanto mais incrível, se nos recordarmos que o circuito integrado só foi inventado em 1958, portanto, apenas alguns meses antes.
Com o objetivo de desenvolver os primeiros protótipos, o jovem Knapp e os seus colegas convenceram a empresa a comprar um Mercedes-Benz 300. A proposta foi bem acolhida e, assim que este chegou, converteram-no de imediato num veículo de testes.
Mais tarde, o engenheiro confidenciou com graça que sempre que este Mercedes tinha de ir à revisão na marca, eles desmontavam o protótipo do novo sistema de injeção eletrónica e voltavam a montar o carburador de série, para que a investigação permanecesse em segredo.
Apesar dos progressos técnicos conseguidos por esta equipa, os anos que se seguiram seriam marcados pelo ceticismo de uma indústria que, em grande medida, tinha evoluído assente nas áreas da mecânica, hidráulica, pneumática e eletricidade e cujo resultado seguro se traduzia em automóveis produzidos em massa com alguma fiabilidade. Ainda que a eletrónica começasse a afirmar-se em equipamentos como o rádio e a televisão, ainda faltariam muitos anos para que os fabricantes se mostrassem preparados para sair da sua área de conforto.
No entanto, algo iria fazer mudar o curso desta história.
Durante o início da década de 60, os Estados Unidos reconheceram pela primeira vez a necessidade de combater a crescente poluição atmosférica. O smog de verão em Los Angeles representava um grande perigo para a saúde e, em 1963, deu origem à Lei Federal do Ar Limpo (Clean Air Act), uma das primeiras leis de proteção ambiental do mundo. O anúncio subsequente da Lei da Qualidade do Ar (Air Quality Act), ainda mais rigorosa, para automóveis produzidos a partir de 1968, deixou muitos fabricantes de automóveis com um problema nas mãos.
Era obrigatório fazer baixar o nível de emissões dos motores e foi aqui que a tecnologia desenvolvida pela equipa da Bosch mostrou ser uma boa candidata, pois tinha-se provado que o novo sistema de injeção eletrónica tinha um impacto positivo nesta matéria.
A 14 de Setembro de 1967, a Bosch revelou o "Jetronic" controlado eletronicamente, no Salão Internacional do Automóvel (IAA) em Frankfurt. Foi inicialmente comercializado nos Estados Unidos, como forma de os fabricantes responderem às novas exigências, mas demorou algum tempo até que os seus congéneres na Europa e na Ásia seguissem o exemplo, uma vez que as normas ambientais nestas geografias ainda não eram tão exigentes e o convencional carburador continuava imbativelmente competitivo em termos de preço.
Contudo, a tecnologia revelou também outras vantagens. Apresentava impactos positivos assinaláveis no consumo de combustível e no desempenho geral do motor. Isto levou construtores de automóveis como a BMW, Citroën, Jaguar, Lancia, Mercedes-Benz, Opel, Renault, Saab e Volvo a instalar esta tecnologia Bosch em alguns dos seus modelos topo de gama, a partir de 1969.
À medida que mais países foram adotando legislações ambientais e de segurança mais rigorosas, não só a injeção eletrónica se tornou
Unidade de controlo eletrónico de um sistema D-Jetronic para motores de seis cilindros (arquivos Bosch)
incontornável, como foi necessário incorporar mais eletrónica em outros domínios do automóvel.
A sofisticação do sistema de injeção eletrónica é emblemática e, o facto de remontar às origens da própria disciplina, marcará para sempre o momento em que a digitalização cruza o caminho com a indústria automóvel. O ABS, o controlo de tração, o sistema common-rail, os airbags e todas as outras inovações tecnológicas, assentes na eletrónica, que lhe sucederam são testemunho do sucesso da digitalização nesta indústria.
Ironicamente a proliferação de componentes como os semicondutores explica, em grande medida, a atual interdependência e algumas das limitações que enfrentamos nos dias de hoje.
Ao revisitar este acontecimento, não podemos também deixar de reconhecer o papel das exigências ambientais enquanto motor de saltos tecnológicos e a tensão causada pela necessidade de mudança. Notem-se as semelhanças com o momento atual da transição para o elétrico e os desafios que envolvem a sua adoção plena.
Parece que, mais uma vez, a História se repete...
Por volta de 1980, imagem da realização de um teste com uma válvula de injeção L-Jetronic. Centro Técnico Schwieberdingen, Alemanha (arquivos Bosch)