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Opinião, Ana Carvalho e Marta Brazão

OPINIÃO ANA CARVALHO

PROFESSORA ASSOCIADA NO INSTITUTO SUPERIOR TÉCNICO

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OPINIÃO MARTA BRAZÃO

GESTORA DE PROJETOS NA CIRCULAR ECONOMY PORTUGAL

Economia circular na indústria automóvel

Aindústria automóvel encontra-se atualmente a ultrapassar os valores estimados de emissões de carbono e consumo de recursos. Simultaneamente, a mobilidade baseada em veículos ligeiros deve crescer globalmente cerca de 70% até 2030, o que acentuará a situação (World Economic Forum and Accenture, 2021).

O conceito de Economia Circular aparece como um fator chave na redução deste impacto. O modelo de Economia Circular visa a criação de um sistema mais resiliente a longo prazo, abrindo novas oportunidades de negócio e providenciando benefícios ambientais e sociais (Ellen MacArthur Foundation, 2015).

Baseia-se em três princípios (Ellen MacArthur Foundation, 2015): • Acabar com o desperdício e com a poluição; • Manter produtos e materiais em uso; • Regenerar os sistemas naturais.

Para tal, estabelece a divisão dos processos, ou ciclos, em dois tipos: o biológico e o técnico, como demonstra a figura da direita.

O ciclo técnico (aplicado à indústria automóvel e referenciado a azul na imagem) refere-se aos processos que recuperam e restauram produtos e materiais, através de estratégias como a reutilização, reparação, remanufatura e, por último, a reciclagem.

De modo a incorporar a economia circular neste sector, é necessário pensar em soluções que melhorem o desempenho do sistema em termos ambientais. Para tal, é essencial olhar para todo o ciclo de vida do produto, desde os processos de extração dos materiais, processos de componentes, montagem, utilização dos veículos e destino dos veículos em fim de vida.

Esta observação integrada, denominada "Análise de Ciclo de Vida”, é uma ferramenta fundamental para avaliar a implementação de sistemas de economia circular.

Um exemplo claro é a polémica relativa aos veículos elétricos serem a solução para o elevado impacte ambiental deste sector. Verma, et. al. (2022), examinaram vários estudos de análise de ciclo de vida que comparam o impacto ambiental ao longo de todo o ciclo de vida dos veículos elétricos vs veículos a combustão, concluindo que os estudos demonstram uma diminuição das emissões de gases de efeito estufa (pegada de carbono) nos veículos elétricos, maioritariamente derivado das suas menores emissões na fase de utilização.

No entanto, os veículos elétricos contribuem mais para a toxicidade humana, devido ao maior uso de metais, produtos químicos e energia para a produção de baterias. Isto significa que não é possível dizer qual das soluções é a melhor, pois os carros elétricos ajudam a alcançar metas de descarbonização, mas criam todo um novo problema, que pode ser tão ou mais grave que o aquecimento global.

Ana Carvalho é Prof. Associada no Departamento de Engenharia e Gestão do Instituto Superior Técnico e investigadora no CEG-IST. É coordenadora do curso de formação avançada de Economia Circular do Técnico+. Trabalha em investigação na área de Economia Circular e Análise de Ciclo de Vida, tendo publicado mais de 50 artigos em revistas e conferências científicas. Foi galardoada com mais de 20 prémios científicos e pedagógicos nacionais e internacionais. • Marta Brazão trabalha na Circular Economy Portugal (CEP) e co-coordena o curso de formação avançada de Economia Circular do Técnico+. Na CEP trabalha na implementação de projetos demonstradores de Economia Circular nas áreas de partilha, reparação e reutilização.

Devido a estas questões, atualmente, várias empresas já começaram a integrar princípios de economia circular nas suas cadeias de valor, de modo a diminuir o impacte dos seus ciclos de vida.

Numa economia circular, a partilha é uma das estratégias de mais alto valor, porque promove o prolongamento do tempo de vida útil dos bens, sem necessitar (ou em quantidades residuais) de novos inputs (energia, materiais). A partilha de veículos é das estratégias que faz mais sentido, visto que, em média, um carro na Europa encontra-se 96% do seu tempo parado; ou seja, existe um grande potencial de partilha deste bem por mais pessoas.

Já existem várias plataformas digitais que promovem o “match” entre proprietários de carros e pessoas que necessitam fazer viagens, juntando o útil – um carro subutilizado – ao agradável – conseguir monetizar a viagem, diminuindo os custos para todos.

Foi também essa a ideia base de plataformas como a Uber, utilizando carros inativos e pô-los a andar pela cidade através da sua utilização para múltiplas viagens entre várias pessoas, o que levaria a que existissem menos carros a circular.

Ao nível da produção, também existem casos (re)conhecidos pelo seu esforço em integrar os princípios de eco-design da Economia Circular, como, por exemplo, a Renault em França. Segundo a marca, 36% da massa de um veículo novo provém de materiais reciclados e, nos veículos Renault e Dacia, 85% dos materiais utilizados são recicláveis e 95% dos mesmos são recuperáveis.

A recuperação de materiais e partes dos veículos em fim de vida e a sua transformação em recursos a serem utilizados em novos veículos também apresenta resultados bastante positivos: uma poupança de 80% de energia, água e produtos químicos. Igualmente, a empresa parece bastante transparente quanto ao complexo problema de reutilização e reciclagem das baterias dos seus carros elétricos, referindo que já estão a trabalhar e desenvolver diversas propostas para solucionar este problema.

Outra abordagem da Economia Circular é o aumento da reparação e remanufatura. No entanto, no sector automóvel, estas dimensões ainda se encontram subdesenvolvidas.

A CAT Reman é líder de mercado na remanufactura de componentes para grandes máquinas, evitando a reciclagem dos materiais e conseguindo ter um modelo de negócio rentável. Este exemplo demonstra que é viável transpor esta abordagem para o sector automóvel.

As boas práticas de Economia Circular devem ser seguidas por este sector, expandindo as suas oportunidades de implementação de práticas mais amigas do ambiente.

Em resumo, de modo a minimizar o impacto deste sector e potenciar a expansão da implementação da Economia Circular, é necessário considerar a utilização de energia (incluindo combustível) ao longo de todo o ciclo de vida de forma eficiente e renovável, utilizar materiais de maneira a diminuir o desperdício (reduzindo a sua quantidade, materiais reutilizados, reciclados e/ou renovados), durante a vida útil do veículo, a sua utilização deve ser otimizada para garantir a eficiência de recursos (eco-design, reutilização, reparo, remanufatura, etc.) e as taxas de utilização dos veículos devem ser otimizadas (considerando os requisitos de resiliência).

Referências:

World Economic Forum and Accenture. (2021). A new roadmap for the automotive circular economy.

BeeCircular. Diagrama de Borboleta: No caminho de Circularidade. (2020). Disponível em: https://www. beecircular.org/post/borboleta

Ellen MacArthur Foundation. (2015). Towards a Circular Economy: Economic and business rationale for an accelerated transition. Disponível em: https:// www.ellenmacarthurfoundation.org/assets/downloads/ publications/Ellen-MacArthur-Foundation-Towardsthe-Circular-Economy-vol.1.pdf

Verma, S. Dwivedi, G., Verma, P. (2022). “Life cycle assessment of electric vehicles in comparison to combustion engine vehicles: A review”, Materials Today: Proceedings 49, 217-222. De modo a minimizar o impacto do automóvel e potenciar a expansão da implementação da Economia Circular, é necessário considerar a utilização da energia, ao longo de todo o ciclo de vida, de forma eficiente e renovável, utilizar materiais de maneira a diminuir o desperdício, durante a vida útil do veículo a sua utilização deve ser otimizada para garantir a eficiência de recursos e as taxas de utilização dos veículos devem ser otimizadas, considerando os requisitos de resiliência

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