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A história de Jane
Ana Carol
Ana Carol da Silva, tem 17 anos, mora atualmente na cidade de Porto Belo – SC, gosta de escrever desde criança, e por muitas vezes a escrita a salvou, onde conseguiu transpassar escrevendo o que não conseguia expressar falando.
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Jane, nossa história vai ser sobre essa menina alegre, que com seus 14 anos já tinha uma vontade de lutar pelos seus sonhos, deixando todos admirados, sonhava se tornar uma médica, e fundar uma ONG para cachorrinhos de rua. Mas por que ela queria ser médica? Para poder ir a fundo na anatomia humana e entender porque sempre diziam que as mulheres eram o “sexo frágil”, Jane não conseguia aceitar tal fato como verdade, e por variadas vezes se pegou questionando seus pais, e a resposta era sempre a mesma, que é assim e pronto, e que ela não devia falar desses assuntos, e como sempre, era calada, sem ter o direito de questionar, e voltando a ser a menina quietinha que tanto lutaram para ser, pois alegavam ser mais bonito uma mulher quieta e que não fica incomodando os outros com perguntas que não se deve.
Nossa Jane tem personalidade grande, mas não é tão grande na altura, e isso não a incomodava, pois o que os outros citavam como algo ruim, que era o fato do seu corpo se desenvolver mais lentamente que o das outras garotas, para ela era uma alegria, pois podia fazer as atividades na escola sem que alguém estivesse a olhando, já suas amigas não tiveram a mesma sorte, não praticavam mais esportes na quadra por se sentirem incomodadas com os olhares dos adultos sobre seus corpos.
Jane sempre gostou de jogar, aliás ela sempre gostou de tudo voltado a escola, aprender era sua coisa preferida, e aproveitava ao máximo as suas 4 horas de aula, sem piscar os olhos para não perder nenhuma informação, sabia que cada minuto era valioso, aliás, em casa não era dado a ela a oportunidade de aprender matérias, pois sua família estava ocupada ensinado como se cozinha, e como limpar a casa excepcionalmente bem, pois era muito importante, um passaporte para um bom casamento, eles diziam.
E uma menina que sempre tira 10 em todas as matérias, não conseguia se dar bem na matéria de ser uma boa dona de casa, o que deixava seus pais horrorizados, tinham medo de ficar com uma solteirona dentro de casa, pois ninguém iria querer uma menina que fala demais, pensa demais e pouco obedece, mas essa era o último item na lista de preocupações de Jane, para ser sincera, nem na lista estava, mas tinha que fingir para seus pais deixarem ela continuar frequentando a escola.
A escola já não era suficiente para a curiosidade de nossa menina Jane, mas quando começou a ter aulas sobre informática ela se sentiu realizada, nas aulas vagas pesquisava tudo que a deixava curiosa sobre o mundo ao seu redor. Em uma de suas buscas, pesquisou sobre as mulheres e seus direitos, por que tão poucos? O que nos difere dos homens? E então ela se deparou com a melhor resposta que poderia encontrar, que nada á diferenciava, poderia ser quem quisesse e ser mulher não era um empecilho.
As aulas vagas na sala de informática eram inspiradoras, cada dia mais profundas no assunto dos direitos que as mulheres têm, e lendo sobre mulheres incríveis que mostraram sua inteligência e criatividade ao mundo, a deixando inspirada. Ela poderia ler sobre Marie Curie e seus estudos sem cansar, e sempre sonhando com o dia em que assim como ela ganharia um prêmio
Nobel, por algum grande feito em suas pesquisas como médica. E a vontade de participar da educação física só aumentava ao ler a história de Kathrine Switer que foi a primeira mulher a participar da maratona de Boston em 1967, onde os homens tentaram impedi-la de correr, Jane ficava sem entender porque os homens se preocupavam tanto me deixa-la correr, já que sempre insinuavam sobre como as mulheres são um “sexo frágil” sendo assim não deveriam ter medo de perder.
As aulas nesse dia terminaram mais cedo e nossa querida Jane estava entusiasmada para chegar em casa, talvez se sua mãe soubesse sobre grandes mulheres que conquistaram grandes coisas não iria pensar que mulheres nasceram para ser boas esposas, que na verdade há um mundo de possibilidades dentro de suas escolhas, e se a mãe dela escolheu ser uma boa esposa, dona de casa, tudo bem mas Jane não, e lutaria para ser o que queria.
O que ela não sabia é que esse dia em que estava tão feliz sobre suas descobertas não era realmente um bom dia, e ela não esqueceria por dois grandes motivos, o primeiro ela viu logo que adentrou em casa, sua mãe no chão e seu pai a agredindo, sua mãe chorava desesperadamente, e seu pai não parecia ligar para isso ao desferir socos, chutes e gritar palavras grosseiras.
Jane após sair de seu choque inicial corre para rua e grita por socorro, mas as casas estão fechadas, janelas, portas, nenhuma alma viva na rua, o que ela não sabia era que os vizinhos sabiam o que estava acontecendo, era algo comum, todos os dias pela manhã ouviam a mãe de Jane gritar. E todos os dias se calavam e fingiam não escutar. E foi ali que Jane soube e entendeu como nunca a importância da luta das mulheres sobre qual tanto lia.
Como seus vizinhos não iriam ajudar ela teria que entrar e ligar para a polícia, mas notou que os gritos cessaram, sua casa estava silenciosa como quando chegava da escola, entrou determinada a chamar ajuda, e viu sua mãe no lugar que sempre a via quando Jane vinha da escola, e isso doeu, pois notou que ela soube daquilo porque chegou antes em casa, mas era um fato recorrente o que sua mãe passava.
Caminhou até sua mãe e a abraçou e disse que iria chamar a polícia, mas sua mãe a repreendeu e não deixou que ligasse, Jane se revoltou, e a perguntou porque ela não iria querer ajuda, e foi quando sua mãe a contou que a polícia nunca veio as vezes que ela ligou, pois palavras deles “não se envolviam em problemas familiares”.
Mãe de Jane já havia desistido, pois nunca recebeu ajuda, não tinha coragem, tinha medo, e acima de tudo tinha Jane, sabia que precisava ficar, para proteger Jane da ira de seu pai, e que as vezes que ensinava Jane a ser uma boa esposa, era porque essa era a ideia do marido, e se fosse contra, apanhava.
Mas ao contrário de sua mãe Jane estava determinada a lutar pela sua liberdade, seus direitos, sua igualdade no mundo, e não lutar só por ela, mas pela sua mãe e todas as mulheres que passavam pela mesma coisa. Deitada na cama, Jane chorava, e suas lágrimas a davam poder, dentro de si escorriam
Mas não podemos esquecer que ver sua mãe ser agredida não foi a única parte ruim do dia de Jane, aliás naquele mesmo dia, na parte da noite, Jane teve algo anatomicamente normal, que não deveria causar desespero ou medo, mas foi tudo isso que Jane sentiu ao menstruar pela primeira vez, para Jane isso era uma porta aberta para ser assediada mais do que já era, pois, seu corpo iria se desenvolver, e ela não queria aquilo. Pobre Jane, nada estava errado em se desenvolver, estava errado os olhares asquerosos em cima dela, e ela ia entender isso em suas pesquisas pela internet na escola, vendo mulheres falarem sobre seus corpos e direitos sobre eles, e ela as amava. Jane como muitas outras garotas precisou ser ensinada sobre as transformações de seu corpo e direitos sobre cada pedacinho dele fora de casa, mas que bom que existem pessoas para explicar a ela que o corpo é dela e nada nem ninguém podem tocar sem sua permissão.
O tempo foi passando e o que Jane mais temia foi acontecendo, o seu corpo estava sendo observado de forma indesejada. Dentro da escola, na rua, em sua vizinhança, ela estava triste e revoltada, queria poder sair sem sofrer nenhum tipo de assédio no caminho e principalmente sem sentir medo.
Medo, essa palavra Jane conhecia perfeitamente bem, mas outra palavra entrou em seu dicionário, terror, quando ela notou estar sendo perseguida na volta e ida a sua escola, um carro sempre a acompanhava, e o cara sempre a olhava com um olhar ao qual ameaçava Jane, ela sabia que conhecia ele de algum lugar, mas não sabia de onde, sabia que ele sabia quem ela era. Em casa seu pai fez pouco caso, disse que com certeza era loucura de sua filha, e que deveria ir mais vestida na escola então, pois palavras de seu pai “ se não quiser que olhem, não deve mostrar, “ mas Jane não compreendia, ela apenas mostrava seus braços, pescoço e rosto, e mesmo que fosse mostrado mais, ela sabia que ele estava errado e não era um bom homem. Já a mãe de Jane se preocupou, mas tinha uma vida controlada pelo marido e suas vontades.
Jane não conseguia simplesmente aceitar que o caminho de sua escola para casa era o mesmo que ele fazia para o trabalho, e as pessoas não estavam escutando ela, dando soluções de como ela se comportar ao invés de ajudar Jane a denunciá-lo, marcou o número da placa, tentou contatar a polícia, mas parece que ele tinha que fazer mais do que apenas perseguir Jane para eles agirem.
Mesmo em casa, os olhares ao redor para ver quem estava ali se tornaram algo normal, tinha medo de sair sozinha, e qualquer barulho ao redor de sua casa a assustava de forma grandiosa, mas ela tinha que aceitar que as pessoas não iriam ajudar, pois não davam voz a uma criança, mesmo que ela estivesse correndo perigo.
Um local que Jane amava era a biblioteca, sua mãe começou a permitir que ela fosse escondida, já que estavam mais próximas agora que Jane entendia as dores de sua mãe, e sua mãe entendia sua luta e sonhos. Foi na biblioteca e na sua volta para casa foi trazendo livros.
Seguia ela pelas ruas, bem movimentadas da cidade, até que para chegar em casa teve que pegar uma rua que a circulação de pessoas era menor, e consequentemente o medo de Jane aumentou, tentou tirar aquilo de sua cabeça e caminhar o mais rápido possível até sua casa, mas quando estava indo um carro parou em sua frente, e Jane conhecia aquele carro, ele estava perseguindo ela por muito tempo, o homem saí do carro rapidamente e fala algo que particularmente Jane não ouviu, seu coração estava a mil, e forçou suas pernas a correrem no sentido contrário, as casas estavam fechadas, não conseguiria adentrar em uma delas, e seus gritos de socorro não pareciam chamar a atenção de alguém, já estava cansada mas quando olhou para trás o carro ainda lhe perseguia, e ali Jane sentiu um pavor que nem se reunissem todos os dicionários do mundo poderiam definir com perfeição seu sentimento.
Se ouviu um barulho que mesmo sendo normal por algum motivo soou extremamente ruim, o telefone tocando na casa de Jane, sua mãe atendeu, ela sempre ligou para polícia tentando ajuda para os abusos que sofria pelo marido mas pela primeira em anos quem ligou para ela foi a polícia, não da forma que ele desejava, a mulher do outro lado da linha informou que sua filha Jane havia sido encontrada morta, e que ela precisava ir até a delegacia, algo que nenhuma mãe deseja ouvir, a dor no peito de mãe de Jane foi incontrolável, e mesmo que não tivessem dito ela sabia o que havia acontecido, e se sentia culpada por não ter tido forças de lutar pelos direitos como sua filha lutou, mas não seria mais assim. Arrumou suas coisas para ir embora.
Foi a delegacia para os procedimentos, e lá, ouvindo tudo que foi lhe contado, onde ela foi encontrada, como, e com o que, falaram também que perto da cena do crime foi encontrado livros que por ter a assinatura de Jane logo ligaram a ela, sua mãe pegou os livros na mão e leu os títulos, que eram eles, ” feminismo é para todo mundo: Políticas arrebatadoras” de Bell Hooks e “ O segundo Sexo “ de Simone de Beauvoir.
Jane foi morta em 22 de julho de 2001. Seu pai foi preso, o homem que a matou também, a mãe da nossa querida Jane conseguiu uma medida protetiva e teve sua filha como um símbolo para sua luta e agora ajuda mulheres que se encontram nas mesmas situações que ela.
Devo esclarecer algumas coisas a você caro leitor da história de Jane, nenhum personagem tinha uma característica física definida, porque essa história é a realidade de muitas pessoas no mundo todo, e a luta pelo feminismo, pelos direitos das mulheres vem para que isso não se torne algo normal e aceitável em nosso meio.