que agora vivenciamos a primeira catástrofe infecciosa após a tragédia da Gripe Espanhola (HUREMOVIĆ, 2019), é mais fácil se explicar muitas das incertezas e receios dessa experiência que vivemos em tempo real. A constatação dos inúmeros desafios psicossociais introduzidos e potencializados pela COVID-19 justifica a preocupação com uma fase da pandemia, caracterizado pelo predomínio de sofrimento psíquico e questões emocionais, com eventual repercussão física e imunológica (FEGERT et al, 2020). Destaca-se, contudo, que a maioria dessas manifestações tende a se atenuar ao longo do tempo, não demandando cuidados específicos, sendo compreendidas como “reações normais a uma situação anormal”. Ao mesmo tempo, em se tratando da magnitude da pandemia, é crítico que se reconheça o provável aumento na demanda de serviços especializados em atenção psicossocial (FIOCRUZ, 2020). Em crianças e adolescentes, o conhecimento sobre o desenvolvimento esperado torna-se um grande aliado nessa avaliação, em que alguns desvios e regressões podem ocorrer como reações agudas às adversidades ambientais. A proposição de Bronfenbrenner (1996) do modelo bioecológico para o desenvolvimento ilustra como os diferentes ambientes e relações sociais no tempo e no espaço se interrelacionam e são constituintes fundamentais na equação fatores de risco x fatores de proteção para o entendimento da influência dos estressores ambientais em nossa espécie. O estresse pode ser um desafio importante para o desenvolvimento - estresse positivo -, pode ser um estresse tolerável ou ainda aquele que ultrapassa nossa capacidade de lidar - estresse tóxico (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2017). Ninguém é forte o tempo todo e os momentos emocionais difíceis devem ser compreendidos e respeitados. Existe um processo de luto pela perda da liberdade, pela ausência da escola, dos amigos que é necessário ser vivido. Medos, preocupações, alterações de sono, apetite e no humor são esperados em algum momento durante esse período (FEGERT et al, 2020. FIOCRUZ, 2020a).
2.3. Pandemia e Transtornos Mentais A etiologia dos transtornos mentais na infância e adolescência se constituí um objeto de estudo com algumas controvérsias. De forma simples, podemos assumir que o fenótipo ou as manifestações clínicas de uma síndrome psiquiátrica são o somatório das vulnerabilidades biológicas/genéticas com o impacto dos estressores ambientais. Por esse modelo, sugerimos que uma maior vulnerabilidade biológica depende menos dos fatores ambientais para que haja o surgimento de um transtorno mental; de igual modo, na presença de muitos estressores ambientais, uma menor vulnerabilidade genética é necessária (THAPAR et al, 2015). Considerando o ambiente estressor da COVID-19, podemos reconhecer três grupos de fatores de risco: a infecção viral pelo Sars-Cov-2, tratamentos antivirais e os efeitos diretos e indiretos do confinamento social e da experiência coletiva da pandemia (VIGO et al, 2020). Os dois primeiros grupos possuem efeitos
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