Fechamento
Jornalismo UEPG · Dezembro · 2018 · n° 207
06/12/18 16h30
Beneficiada em canalização de arroio fez doação para campanha de Rangel A irregularidade na canalização do arroio Charqueado, que beneficiou a Construtora Ilhabela, atual LF22, foi denunciada em 2015 ao Ministério Público por lideranças locais. Especial | p.8 e 9
Terreno próximo a Avenida Visconde de Taunay, onde foi realizada a drenagem do arroio, pertence a Construtora LF22. | Foto: Hellen Scheidt
"O grande problema é essa subserviência que a política brasileira tem ao discurso religioso"
CONFIRA O ENSAIO NA ÚLTIMA PÁGINA
Afirmação é de Felipe Soares, professor da rede estadual de ensino, graduado e mestre em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, em entrevista exclusiva ao jornal Foca Livre. Soares debate a influência da religião no cenário político e social em nosso país, discussão que ganhou força após as eleições deste ano. Por fim, o professor também analisa o atual cenário de ameaça aos Direitos Humanos com a ascensão de discursos de ódio no Brasil.
Entrevista | p.7
Cidade | p.5
Negros temem ataques após eleição de Bolsonaro
UEPG | p.3
Reitoria mantém instalação de posto da PM no Campus Uvaranas
Política | p.10
Decreto de Cida Borghetti coloca em risco preservação ambiental no Paraná
Economia | p.11
Especialistas debatem presença do Brasil no Mercosul após eleições presidenciais 1
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FOCA LIVRE · EXPEDIENTE · Nº 207 · DEZEMBRO · 2018
| Editorial
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EM PAUTA: OS DIREITOS HUMANOS!
o dia 10 de dezembro, a Declaração de Direitos Humanos completa 70 anos. O Foca Livre se mantém vigilante frente ao desgaste democrático do país. Continuaremos enfrentando a ignorância e a desinformação. Que não se percam as conquistas dos cidadãos ao longo dessas sete décadas. Em tempos de intolerância e preconceito, o jornal também dedica esta última edição do ano à Primeira Parada Cultu-
ral LGBTQ+ dos Campos Gerais. A luta por igualdade, respeito e liberdade é imprescindível para o futuro do país, que passa por um tempestuoso período de retrocesso. Como exemplo, a manifestação de setores ultraconservadores ao discurso de abertura do Festival Nacional de Teatro (Fenata), proferido pelo reitor da UEPG Miguel Sanches Neto, ameaça a liberdade de expressão. Surgido há 45 anos, ainda durante o regime dita-
| Ombudsman
| Charge
torial militar, o evento é o mais antigo festival ininterrupto de teatro do país. A equipe do Foca Livre, composta pelos alunos da Turma 32 do curso de Jornalismo, se despede em tom de resistência e defesa da liberdade de expressão necessários ao exercício da profissão. Agradecemos aos leitores e aos ombudsmans que nos acompanharam nesta jornada! | Seção Memória
Boa Leitura!
Na eleição, Foca publicou editorial na capa e esqueceu da cobertura
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ublicar um editorial na capa é uma decisão muito importante. Com ela, o jornal sinaliza que, diante dos acontecimentos recentes, julga mais importante dar espaço para sua opinião e posicionamento do que para o relato distanciado dos fatos. Foi isso que o Foca Livre fez na edição de outubro, publicada ainda antes do 2º turno das eleições de 2018. Ainda que de forma implícita, o veículo denunciou a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência, apontando os retrocessos no processo democrático e na garantia dos direitos de minorias que ele representa. Diante do histórico da publicação, que há décadas fala de direitos humanos e justiça social, a atitude é louvável. O Jornalismo preza pela objetividade e pelo relato factual acima da opinião e do levantar de bandeiras, é certo. Porém, também é verdade que o Código de Ética da profissão nos impõe o dever de enfrentar o autoritarismo e defender os direitos do
homem. Opor-se à candidatura do PSL e ao que ela simboliza é, na prática, lutar por uma sociedade democrática – condição sem a qual a própria profissão não pode existir. Entretanto, o ato de reportar se mantém essencial mesmo em tempos de exceção. Em uma época onde as contradições ideológicas e materiais estão tão presentes no cotidiano, relatá-las também é uma forma de defender os valores que o texto opinativo encampa. Nesse aspecto, a edição deixou a desejar. Enquanto leitor, vi o tema eleitoral destacado na capa e esperava ver um conteúdo condizente, mas há pouco esforço de reportagem sobre o tema. O jornal terceirizou a interpretação do bolsonarismo para especialistas, pesquisadores e sindicalistas que apenas ecoaram o veredito anunciado no lugar da manchete. Ainda que a edição tenha sido concluída antes do pleito, havia tópicos de sobra para abordar. Sei, no exemplo
Edição Geral : Allyson Santos, Gabriella Vasco, Gustavo Camargo. Edição de texto: Ane Rafaely Rebelato, Bruna Kosmenko, João Pedro
mais óbvio, que repórteres do Foca Livre acompanharam atos à esquerda e à direita na cidade, já que esse foi o tema do ensaio fotográfico deste mês. Por que não contar o aconteceu por lá? Como se organiza o campo progressista em uma das regiões mais conservadores do país? Como as lideranças conservadoras dessa região passaram do tucanismo para o fascismo indisfarçado? Material semelhante ao que o jornal publicou pode ser encontrado em quase todo lugar. Faltou pensar no que ninguém mais além do Foca Livre conseguiria fazer. Faltou valorizar o olhar do jornalista, profissional que se mostra competente não quando faz análises complexas ou discursos empolgantes, mas quando acompanha de perto as efervescências da realidade em que está inserido.
Rodrigo Menegat é jornalista formado pela UEPG, com espe cialização em jornalismo de dados pela Columbia University Contato:
rodrigoschuinski@gmail.com
Jornal Foca Livre de julho de 2017 | Foto: Matheus Rolim
N Livre
a edição de Julho de 2017, o jornal Foca trouxe o ensaio fotográfico ‘A beleza da arte Drag Queen’, que traz maquiagem e a mensagem das drags ponta-grossenses, Julie San Fierro e Morgana Firebomb. Além do ensaio, a edição trouxe outras temáticas LGBTQ+, como a escassez de políticos homossexuais no Brasil, a entrevista com a fundadora e coordenadora do Grupo Renascer e depoimentos de mães que acolheram os filhos homossexuais. Em 25 de novembro passado, aconteceu, em Ponta Grossa, a 1ª Parada Cultural LGBTQ+ dos Campos Gerais. O ensaio do Foca Livre 207 carrega fotos que marcam a luta por direitos civis básicos que, muitas vezes, são negados à população LGBTQ+.
| Errata
Na edição 206 do Foca Livre, a capa, onde se lê “políticas de 40”, o certo é políticas de 40 anos atrás. Ainda na capa, a chamada das eleições 2018 vai da página 8 a 10. Na página 2: no título, o certo seria à prova, com crase. Faltaram a palavra algum e o ponto final no encerramento do texto do ombudsman. Foi ocultado o complemento do currículo do ombudsman. No expediente, o número do MTB da professora Hebe Gonçalves tem o complemento MG 5.204. Na página 7, o título “Desistência no curso é alta” traz um erro de informação já que, na realidade, a evasão vem decaindo. Na página 15, faltou um “s” na palavra tarde, na legenda da foto.
Pauli. Repórteres: Consulte a autoria das reportagens diretamente na página da notícia.
Teixeira, Luiz Zak, Mariana Santos, Milena Oliveira, Nataly Vrisman, Thaiz Rubik. Edição de Imagem: Francielle Ampolini, Natália Barbosa e Veridiane Parize. Revisores: Arieta de Almeida, Fabiana Manganotti,
Foca Livre é um jornal laboratorial do segundo ano do curso de Jornalismo da UEPG. Contato: focalivre.t32@gmail.com
Hygor dos Santos, Luiza Sampaio, Maria Fernanda Laravia, Matheus Rolim, Rafael Santos e Teodoro dos Anjos. Diagramadores: Alexandre Douvan, Amanda Dombrowski, Cícero Goytacaz, Erica Fernanda, Hellen Scheidt, Letícia Gomes, Nadine Sansana, Raylane Martins, Thailan de
Os textos de opinião são de responsabilidade de seus autores e não expressam o ponto de vista do jornal.
Departamento de Jornalismo
UEPG - Campus Central - Praça Santos Andrade, n°01- Centro CEP: 84010-790 - Ponta Grossa - PR - Telefone:+55 42 3220-3389 Professores Responsáveis: Angela de Aguiar Araújo (MTB MG 05914 JP) Cibele Abdo Rodella (MTB 22.156 SP) Hebe Gonçalves (MTB MG 5204) Impressão: Grafinorte, Apucarana (PR) | 2000 exemplares
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| Atraso
Usuário de ônibus gasta uma hora e 30 minutos para chegar ao trabalho no Gralha Azul
| Por Maria Fernanda Laravia e Matheus Rolim
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bairro Gralha Azul, localizado a cerca de 10 quilômetros do Centro, enfrenta a falta de linhas de ônibus diretas a partir do Terminal Central. Atualmente para se deslocar do Centro ao bairro, é necessário a baldeação para outro terminal, que pode demorar cerca de uma hora e meia. A coordenadora pedagógica da Escola Municipal Egdar Zanoni, Ane Caroline Gomes, mora no bairro Ronda e precisa fazer este percurso todos os dias através do transporte público. A coordenadora acorda às 5h, sai de casa às 6h, pega o primeiro ônibus até o Terminal Central e faz baldeação para o terminal Nova Rússia. Pega o terceiro ônibus em sentido ao Gralha azul, onde fica
a escola dos filhos e seu local de trabalho. Se pega o primeiro ônibus às 6h20, chega ao destino às 7h55. Qualquer atraso do ônibus quebra a rotina das crianças na escola. “As crianças chegam atrasadas. A gente, que é funcionário, acaba batendo o ponto atrasado”, relata Gomes. A professora Marilene Lucof conta que precisou mudar de casa pela falta de linhas. “Eu teria que levantar sempre 5h15 da manhã, para chegar aqui às 7h10. Tenho uma filha no 3º ano [fundamental] que estuda aqui também. O que dificultava muito”, comenta. A diretora da escola, Romilda Meyer Santana, relata que o problema existe há muito tempo. A dificuldade de deslocamento impac-
ta até mesmo na contratação de funcionários. Santana afirma que já notificou a Prefeitura e a Câmara Municipal. A Autarquia Municipal explica que, para ter uma nova linha, é necessário protocolar pedido na Autarquia ou na Prefeitura para haver estudos de demanda. A equipe do Foca Livre fez a viagem do Terminal Nova Rússia até o bairro Gralha Azul, trajeto onde há cerca de quatro pontos sem sinalização e estrutura. Os passageiros embarcam e desembarcam em locais inapropriados. Faltam acostamentos e pavimentação adequados. De acordo com a Assessoria de Imprensa da Prefeitura, o município conta com cerca de 3,5 mil paradas de ônibus. Aproximadamente
Poste de luz é usado como ponto de ônibus. | Foto: Matheus Rolim
1,2 mil possuem sinalizações e coberturas instaladas. No ponto em frente à Unidade de Saúde Alfredo Levandoski não há sinalização e nem asfalto. Graciane Ribeiro mora na região do Contorno há sete anos. “Quando vai descer no ponto é muito confuso. A única sinalização que tem é a pintura azul no poste”, relata. Ribeiro tem três filhas e afirma que o transtorno é mai-
or em época de chuva. “A gente se molha, se suja. É muito complicado segurar a criança no colo”, relata. Em nota, a Prefeitura, que é responsável pela licitação dos pontos de ônibus e linhas, informa que, em 2018, não houve a conclusão de nenhum processo para a implantação das estruturas necessárias.
| Emprego
Trabalho ambulante torna-se opção ao desemprego
| Por Rafael Santos
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falta de opção de emprego tem levado as pessoas ao trabalho ambulante como alternativa para o próprio sustento. No Centro de Ponta Grossa, os ambulantes armam barracas, tendas, carrinhos ou simplesmente uma bancada no chão para a exposição de produtos. Na Praça Barão do Rio Branco, encontram-se 15 ambulantes, desde pipoqueiros até vendedores de relógios. No Calçadão da Rua Coronel Cláudio, estimamse mais de 20 barracas, vendedores ambulantes e carrinhos de alimentos, na maioria balas. Há três anos, Solange Aparecida Janisch e seu marido Márcio Janisch vendem caldo de cana na Praça Barão do Rio Branco de segunda a sexta-feira. Antes, o marido de Janisch
Para Janisch, a baixa escolaridade é a principal dificuldade para conseguir emprego. | Foto: Rafael Santos
tinha emprego fixo como motorista, mas teve que deixar o trabalho por conta de problemas na família. “Ele teve que sair para cuidar do pai e não voltou mais a trabalhar como motorista. Não contrataram mais ele. Então, a gente decidiu abrir o carrinho de caldo de cana”. Com a venda, fazem R$ 1.500,00 por mês e garantem que esse salário é suficiente
para o sustento. “No verão dá muito bem. No inverno, se chover, a gente não vem porque daí não sai lucro”. Na esquina da Praça, se encontra o carrinho de pipoca de Raquel de Fátima de Lima que, há um ano e meio, trabalha com a venda de pipoca. “Fiquei desempregada e meu pai vende pipoca há mais de 40 anos. Ele comprou o carrinho e, agora, eu tô trabalhan-
do”, conta Raquel. Lima trabalhou como atendente de loja, mas diz que a falta de experiência a prejudica em achar um emprego. “Consegui uns empregos temporários, mas acabou não dando certo. Fiz algumas entrevistas, mas acabou não dando certo também e, agora, só estou vendendo pipoca mesmo”. A venda garante o salário de R$ 1.300,00 complementado com a ajuda do Programa Bolsa Família, pela atenção social ao filho de 6 anos. Valdevina Trindade trabalha há 20 anos como vendedora ambulante e, hoje, vende pipoca, em frente ao Colégio Regente Feijó, para garantia da renda mensal. Trindade nunca trabalhou em um emprego com carteira assinada. Seus três filhos moram com ela e tam-
bém trabalham em empregos alternativos. Como vendedora ambulante, a renda é instável. Por isso, ela monta um bazar na própria casa. Trindade contribui para a aposentadoria, mas está insegura por ter recolhido para a previdência muito tarde. “Até estou pagando, mas não vou ter oportunidade porque já comecei muito tarde. Pago, mas acho que não vou conseguir”, declara. Lydia Starin trabalhou com fabricação de sapatos por 10 anos e como costureira em uma fábrica de uniformes. Atualmente vendedora ambulante perdeu o emprego depois que a empresa mudou de ramo. Aposentada há 4 anos, Starin complementa o salário da aposentadoria com a venda de calçados de con4 fecção própria.
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| Saúde
Câncer de mama masculino representa 1% nos casos da doença entre homens e mulheres
| Por Ane Rebelato
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inda pouco falado, o câncer de mama masculino atinge homens de todas as idades e representa cerca de 1% do total de casos registrados. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), o Paraná tem a estimativa de 3.730 novos casos da doença em 2018, entre mulheres e homens. Segundo o mastologista Fábio Mansani não há diferença entre o câncer de mama nos homens e nas mulheres. Os dois provêm de alterações genéticas na mama. A quantidade de tecido glandular é maior na mulher, mas também está presente nos homens apesar do atrofiamento da mama durante o período intrauterino.
"Estatísticas mostram que, a cada 100 casos de câncer de mama, um é masculino. Este ano, nós tratamos três homens que estavam com a doença. Não é uma incidência alta, mas não pode ser desprezada", declara o mastologista. Ao contrário do câncer feminino, não existe exame de rastrea-
mento nos homens, segundo Mansani. Os sintomas da doença são inchaços no seio e nas glândulas da axila, pele ondulada ou enrugada ao redor do mamilo, contração e secreções. Além dos sinais, o homem também deve fazer o exame do toque e perceber se há modificações no mamilo.
A faixa etária no câncer masculino é geralmente entre os 50 e 60 anos. “Depois de uma certa idade o homem acaba tendo uma regressão na produção do hormônio masculino e aumento na produção do hormônio feminino. Isso acontece principalmente em homens que apresentam sobrepeso ou obesidade, em que há uma quantidade maior de hormônios sendo transformados em células gordurosas. Por isso, eles [casos de obesidade] têm uma chance maior de desenvolver o câncer”, completa. O Instituto Oncoguia é uma organização sem fins lucrativos. “Temos o objetivo de ajudar o paciente com cân-
cer a viver melhor por meio de projetos e ações de informação”. O Instituto afirma que “ainda existe um certo tabu, nos homens de exporem em relação à doença”.
Tratamento O tratamento do câncer de mama masculino acontece da mesma maneira que o da mulher: cirurgia, tratamento com quimioterapia ou hormonioterapia e a radioterapia. Mas qualquer tratamento depende da extensão da doença e da característica de cada caso. Na maioria deles, a cirurgia é obrigatória.
| Eleições 2018
Negros temem ataques após eleição de Bolsonaro
| Por Veridiane Parize
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a campanha para presidente da República neste ano, os direitos humanos e das minorias foram amplamente atacados pelo então candidato Jair Bolsonaro (PSL). Em agosto, o presidenciável declarou em uma coletiva de imprensa que se eleito o Brasil deixaria a Organização das Nações Unidas (ONU). De acordo com ele, o órgão “não serve para nada”. Em julho, durante uma entrevista no programa Roda Viva, o já eleito defendeu a ditadura militar e afirmou que não abriria os arquivos do regime. No 2º turno das eleições, Bolsonaro obteve 73,75% dos votos em Ponta Grossa, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Lideranças da população negra na cidade expressam preocupação com o resultado das eleições. “O presidente [eleito]
José Luiz Teixeira | Foto: Veridiane Parize
não está lá com o meu voto e não votaria até pelas condições de fala dele”, aponta José Luiz Teixeira, representante do Instituto Sorriso Negro dos Campos Gerais. Em relação aos ataques aos direitos humanos Teixeira declara: “Acho que vai ser muito pior. Esse governo não veio para moldar a sociedade de união. Veio para desamparar mesmo. Nós somos invisíveis por essa sociedade fascista, preconceituosa, onde só os brancos po-
dem ter direitos e a gente fica a mercê de tudo isso há anos”. Uma das intenções de Bolsonaro dita em campanha é acabar com as cotas raciais. “O maior ataque que a gente já sofreu foi a eleição do atual candidato, porque isso demonstra a forma que a população considera as minorias, pensando na população negra, nas mulheres e na comunidade LGBT em geral”, relata Merylin Ricieli, professora de História
da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e ativista das questões étnico-raciais. Ricieli teme ataques às liberdades de ensino em sala de aula. “A partir do momento que um candidato que prega isso é eleito, essa propagação do ódio, da violência contra as minorias, acaba sendo autorizada mesmo que de forma indireta.” Para o coordenador do Núcleo Regional de Educação, Saulo Rosa, é necessário que a população negra tenha conhecimento dos seus direitos. “A partir do momento que você tem conhecimento das leis, em espaços como em sala de aula, você começa a adquirir uma posição de empoderamento. Ninguém escolhe ser negro. Mas se eu souber os direitos que eu tenho, isso causa empoderamento”, explica Saulo Rosa.
A população negra corresponde a 54,7% dos brasileiros, com 97 milhões de pessoas, segundo dados do IBGE de 2010. A nação com mais afrodescendentes, fora do continente africano, é o Brasil. A taxa de crescimento da população negra na última década foi de 2,5% ao ano, enquanto que a da população branca se aproximou de zero. A cada 100 pessoas que são assassinadas no Brasil, 71 são negras. De acordo com informações do Atlas da Violência 2017, o índice de chances da população negra ser assassinada é 23,5% maior em relação a outras raças. A população negra corresponde à maioria (78,9%) dos 10% dos indivíduos com mais chances de serem vítimas de homicídios, de acordo com o Atlas. 5
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| Serviço à comunidade
Atendimentos de violência infantil contabilizam 500 casos
| Por Rafael Santos
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Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crimes (Nucria) registrou 480 a 500 casos instaurados desde outubro de 2015, quando o órgão foi implantado em Ponta Grossa. O órgão atende especificamente criança e adolescente vítimas de crimes, como casos de violência sexual, pedofilia, lesão corporal envolvendo violência doméstica, abandono de incapaz e maus tratos.
A primeira atitude é sempre ouvir a vítima. A partir da versão dela que, como delegada, autoridade policial, vou definir os próximos passos que serão dados A delegada de Polícia do Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crimes (Nucria), Ana Paula Cunha Carvalho, explica que, nos casos de violência contra criança ou o adolescente, um adulto deve formalizar o boletim de ocorrência. A criança e o adolescente precisam estar representados por alguém maior de idade. “A primeira atitude é sempre ouvir a vítima. A partir da versão dela que, como delegada, autoridade policial, vou definir os próximos passos que serão dados. Sendo uma declaração consistente, que tenha indicativos da prática de crime contra a criança ou adolescente, a gente instaura o inquérito policial, onde nós iniciamos nossas investigações de maneira formal”. Ana Paula ainda comenta porque a Delegacia é especializada e quais características permitem que o atendimento seja tão es-
pecífico. “Existe aqui uma psicóloga que atende também as crianças e adolescentes, mas ela não faz o tratamento psicológico das vítimas, ela serve apenas para a escuta diferenciada e especializada dessas crianças e adolescentes onde, em uma forma de entrevista, ela conversa sem nenhuma intervenção, nem minha, dos pais, ninguém, é apenas a psicóloga e a vítima”. Mas nem todas as vítimas passam por essa entrevista com a psicóloga, conta Carvalho.“Somente crianças pequenas que, muitas vezes, não conseguem falar efetivamente o que aconteceu e, em casos que a violência deixou um trauma tão grande que não conseguem contar”, completa. O Nucria ouve a vítima e testemunhas. Em casos de denúncias vindas de escolas ou colégios, o órgão ouve professoras e conselheiros tutelares. Se a criança foi atendida em um hospital, o Nucria também ouve os médicos. Tudo que se refere ao atendimento da criança e adolescente nessas situações é ouvido pelo Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crimes. Após todo o processo de atendimento da criança ou adolescente, a Delegacia ouve o acusado da prática de crime. Depois do inquérito, o caso é encaminhado para o Ministério Público Na cidade, os Conselhos Tutelar Norte, Oeste e Leste também recebem denúncias de violência contra crianças e adolescentes. De janeiro a outubro deste ano, no Conselho Tutelar Oeste, foram contabilizados 97 casos de violência física e 183 .
casos de violência psicológica. No total, durante os dez meses foram atendidos 7.104 casos de algum tipo de violência contra a criança ou adolescente.
Antes não tinha o Nucria. Era muito complicado porque vitimizava a criança. Agora a gente atende os casos e já encaminha para o Nucria que tem uma equipe técnica Já no Conselho Tutelar Norte, de janeiro a agosto deste ano foram registrados 89 casos de violência física e 127 de violência psicológica. Apenas o Conselho Tutelar Leste não disponibilizou os dados. Quando o Conselho Tutelar recebe uma denúncia, são designados, para o local, os agentes e conselheiros para realizar a visita e ver se o caso é procedente ou não. Se for procedente, o Conselho toma as medidas cabíveis que estão elencadas no artigo 136 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que são as atribuições do conselheiro tutelar. Camila de Bortoli formada em Direito, que atua há 8 anos como conselheira no Conselho Tutelar Oeste comenta como são feitos os encaminhamentos se for o caso de violência contra a criança e o adolescente. “Se ela [criança ou adolescente] está com hematomas, nós informamos aos responsáveis. Depois eles são encaminhados até a Delegacia Especializada para realizar o boletim de ocorrência. Depois a criança passa pelo IML e encaminhamos para o Ministério Público a notícia de fato, do que aconteceu”.
O Nucria é uma delegacia especializada para atendimento de crianças e de adolescentes vítimas de crimes | Foto: Rafael Santos
Bortoli conta que, com a Delegacia Especializada, o Nucria, o trabalho ficou mais efetivado. “Antes não tinha o Nucria. Era muito complicado porque vitimizava a criança. Agora a gente atende os casos e já encaminha para o Nucria que tem uma equipe técnica”. De acordo com o Departamento de Proteção Social Especializada, os números estão longe de representar a real situação de violência infantil e muitos casos acontecem dentro da própria família. Em 2017, os dois Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas) do município atenderam juntos 267 casos de violência infantil. Até outubro, foram atendidos 264 casos. Os três conselhos atendem cerca de 117 bairros da cidade. O Conselho Tutelar Oeste atende 36 bairros; o
Conselho Tutelar Leste, 56 bairros; e o Norte, 25 bairros. O Nucria se encontra na Rua Rodrigues Alves, 950 - Jardim Carvalho, Ponta Grossa.
Denúncias podem ser feitas pelos telefones Delegacia Especializada Nucria:
3225-3856.
Conselho Tutelar Norte: 3901-7070,
3901-7065, 32297500, 3225-4945 ou plantão 9155-4110.
Conselho Tutelar Leste:
3223-6949, 39011567, 3225-2340 ou plantão 99144-6127.
Conselho Tutelar Oeste: 3225-2037,
3224-2032 ou plantão 9144-1343. Disque 100 ou 181. 6
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FOCA LIVRE · ENTREVISTA · Nº 207 · DEZEMBRO · 2018 | Direitos Humanos
“ O grande problema é essa subserviência que a política brasileira tem ao discurso religioso” Felipe Soares é professor da rede estadual de ensino, graduado e mestre em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa
| Por Thaiz Rubik
aos direiO toseataque das mulheres ao casamento
candidatos que se aliaram à lideranças religiosas ou lideranças mais tradicionais conservadoras, especialmente a figura do atual presidente eleito.
gay estão na ordem do dia de discursos de alguns grupos religiosos. Isso exige uma resposta mais firme do movimento de direitos humanos?
Eu não sei se é uma resposta mais firme acerca dos direitos humanos ou da própria sociedade. Os direitos humanos são limites do ponto de vista moral e ético feitos depois da Segunda Guerra mundial, da convivência mínima da sociedade. Acho que no Brasil atual vivemos um problema grande que é o do fundamentalismo religioso. Queria ser bem direto aqui, especialmente o evangélico, o crescimento dos movimentos neopentecostais dos anos [19]80 e [19]90 no Brasil e uma ideia de teologia da prosperidade. Vemos hoje, no Congresso Brasileiro, a bancada da bala, do boi e da bíblia, que é uma frente de resistência absurdamente organizada, com um discurso bem pautado dentro da lógica religiosa que impede avanços do ponto de vista do casamento gay, da identidade LGBT e também da legalização das drogas, que é uma política que esbarra essencialmente no discurso religioso. Esses movimentos que se sentem afetados diretamente com esse discurso fundamentalista religioso têm que se organizar. Digo mais, se eles não se organizarem, vem chumbo grosso por aí, porque as políticas conservadoras estão avançando em todas as esferas (legislativo e executivo) e também na sociedade.
Entrevista concedida na redação do Foca Livre pelo professor Felipe Soares | Foto: Arieta de Almeida
como naturais nos espaços públicos, é um desafio para a garantia de direitos humanos?
O Brasil tem vários mitos. Um deles é o Estado Laico. Até mesmo no Estado Imperial do Século XIX, quando o Brasil conseguiu sua independência em relação a Portugal, a primeira Constituição do Brasil falava que a religião oficial era a católica. A primeira vez que vai ter uma Constituição que fala sobre a laicidade do Estado vai ser com o advento da República. Se pegarmos toda a história do século até agora, os abusos e usos da religião (especialmente cristã) se fazem presentes em várias esferas do poder público. É a uma lógica que coloca o cristianismo como natural, a ideia da naturalização. Quer dizer que o praticante do budismo, do hinduísmo ou das religiões afrobrasileiras, é dado como uma coisa que não é natural, que é diferente, errado. Acho que é um desafio para os direitos humanos e não somente A permeabilida- do ponto de vista de de de valores reli- tentar laicizar o Estado giosos num Estado numa maneira prática, que se professa laico, ou tentar isolar o dissempre aceitou mani- curso religioso das confestações da fé cristã dições de políticas
públicas. Mas também de garantir as religiões que não são predominantemente hegemônicas no Brasil.
Foram retiradas do Plano Nacional de Educação menções ao ensino de cidadania com recortes de gênero, raça, orientação sexual e identidade de gênero. Isso retrocede a função do Estado em assegurar a criação de uma cultura de respeito aos direitos humanos e a diversidade?
Isso é uma manifestação clara do avanço do fundamentalismo religioso na política. É bom deixar claro que os representantes políticos podem manifestar suas religiões livremente. O problema é quando esse discurso religioso começa a interferir diretamente na construção de políticas públicas e ataca diretamente minorias. Esse discurso fundamentalista não só barra que, pautas progressistas avancem do ponto de vista de políticas públicas, como também faz com que as coisas retrocedam. A escola sem partido entra nessa lógica, onde os professores não podem contrariar as verdades e dogmas dos seus alunos. É um
A Constituição Federal assegura a liberdade de consciência e de crença, todas elas dimensões dos Direitos Humanos. Se essa foi uma importante conquista histórica, não é suficiente a ampliação desses direitos de modo a não privilegiar uma religião em relação a outras?
Quando falamos ataque às ciências de de cidadania, as pessoas modo geral. estão acostumadas a Os discursos re- pensar em cidadania ligiosos disseminados como algo fixo. Cidadania por políticos nas elei- é uma luta constante por ções 2018 configuram direitos. Por mais que a um cenário político constituição de [19]88 onde as sociedades fale da liberdade de religiosas acabam se culto, acho que o Brasil beneficiando das en- tem muito a avançar tidades estatais para nesse quesito ainda. Eu, o exercício de sua enquanto professor de atividade própria? História, tenho muitos Nenhum político alunos que perguntam se que já esteve na lideran- a aula sobre religião ença deste país bateu de globa todas as religiões. frente com os dogmas O ideal deveria ser enreligiosos. Se pensarmos tender o pensamento rena ditadura militar, a ligioso, a relação do ideia de que a Igreja era sagrado com as pessoas. importante no combate Infelizmente se tem a ao comunismo e até transmissão de valores mesmo na Nova Repú- morais para uma geração blica, todos os líderes futura. Diante do tentaram conciliar reli- aumento desse discurso gião e Estado. Com isso, dogmático, vejo as pesssurge a ideia de dizer que oas se apropriarem do a religião cumpre um pa- conceito de democracia pel fundamental na ques- para defender que uma tão da comunidade, no religião deve se sobrescoletivo e na educação. É sair sobre a outra enbom lembrar que a liber- quanto política públi-ca. dade religiosa está asse- As pessoas usam do disgurada na Constituição. curso da maioria, mas O grande problema é esquecem a outra face da essa subserviência que a democracia, que é levar política brasileira tem ao em consideração a esdiscurso religioso. Não colha da maioria sem vejo nesse futuro uma desconsiderar o direito mudança de postura em de existência, manifesrelação à política e reli- tação e liberdade da gião, pois estamos vi- minoria. vendo um Estado quase teocrático no Brasil. Basta analisarmos o resul7 tado das eleições, os
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Decreto de Cida Borghetti coloca em risco preservação ambiental no Paraná
| Por Allyson Santos
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tal vigente. “Quem desmatou e destruiu a vegetação nativa em território nacional, teve suas ações perdoadas”, critica Pontes. “As multas aplicadas a grandes produtores, que desmataram centenas de hectares em vegetação, foram reduzidas a zero”, lamenta. Pontes ainda critica a exclusão de nascentes e veredas de rios intermitentes (que se mantêm ativas apenas em épocas chuvosas) do processo de preservação ambiental. O artigo 3º do Código Florestal define como nascente o afloramento do lençol freático que apresenta perenidade e dá início a um curso d’agua, ou seja, considerou-se apenas as nascentes que apresentam fluxo contínuo. “Estas áreas podem ser ocupadas, mesmo que em certos momentos do ano apresentem afloramento de água”, afirma Pontes. “A medida abre brechas para a instalação de empreendimentos imobiliários nesses locais, o que tende a gerar graves problemas econômicos, sociais e ambientais”, alerta. Outro aspecto que dá base ao decreto da governadora do Paraná está no artigo nº54 do Código Florestal reformado em 2012. De acordo com a Lei, para cumprimento da maQuem desmanutenção da área de retou ou desserva legal nos imóveis, truiu a vegepoderão ser computados tação nativa em os plantios de árvores território nacional, frutíferas, ornamentais teve suas ações ou industriais, composperdoadas tos por espécies exóticcultivadas em Para o geógrafo e as, sistema intercalar ou em membro do Grupo Universitário de Pesquisas consórcio com espécies Espeleológicas (Gupe), nativas da região em Henrique Pontes, a anis- sistemas agroflorestais. tia aos crimes ambien- Ou seja, o reflorestatais cometidos antes de mento será realizado 2008 é o principal retro- sem o plantio de cesso do Código Flores- espécies nativas.
o dia 29 de outubro deste ano, a governadora do Estado do Paraná, Cida Borghetti (PP), assinou um decreto que regulamenta a Lei nº 18.295, aprovada em 2014. A medida estabelece prazos e procedimentos que os proprietários devem seguir para a regularização ambiental de pequenas áreas rurais no Paraná. O artigo 1º da lei institui o Programa de Regularização Ambiental (PRA) em âmbito estadual ao prever um conjunto de ações e iniciativas a serem desenvolvidas por posseiros rurais nos termos propostos pelo novo Código Florestal, reformado em maio de 2012 pela Lei Federal nº 12.651. De acordo com o inciso 4º do artigo nº59 do Código, no período entre a publicação da Lei e a implantação do PRA em cada Estado e no Distrito Federal, bem como após a adesão do interessado ao Programa e enquanto estiver sendo cumprido o termo de compromisso, o proprietário ou possuidor não poderá ser autuado por infrações cometidas antes de 22 de julho de 2008, relativas à supressão irregular de vegetação em Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito.
O atual Código Florestal põe em risco a vegetação nacional e facilita o corte de árvores nativas em prol do desenvolvimento do agronegócio| Foto: Hygor Santos
Um país de dimensões continentais como o Brasil, não deve estabelecer as mesmas leis de preservação “ para todos os biomas
"Poderíamos minimizar os impactos ecológicos que causamos à natureza, mas infelizmente, nossa legislação opta por esse tipo de retrocesso”, afirma o professor de Educação Ambiental da Universidade Estadual de Ponta Grossa e doutor em Geografia, Isonel Meneguzzo. O professor afirma que o plantio de espécies arbóreas traz um sério problema para a vegetação nativa. De acordo com Meneguzzo, um bom exemplo disso é o Pinus, uma espécie invasora que se dissemina agressivamente contaminando grandes áreas, caso visível na região dos Campos Gerais. Meneguzzo também acredita que a legislação ambiental prevista no Código Florestal vigente é muito genérica, já que a vegetação brasileira é repleta de peculiaridades específicas. “Um país de dimensões continentais como o Brasil, não deve estabelecer as mesmas
leis de preservação para todos os biomas”, critica. Para o professor, o perdão das infrações ambientais do passado certamente foi algo problemático. "Eu acredito
que, a curto e longo prazo, isso possa estar abrindo precedente para que tenhamos danos ambientais graves no futuro", lamenta Meneguzzo.
O futuro da preservação ambiental O decreto assinado em outubro pela governadora determina, no artigo 31, que nos imóveis rurais que detinham, em 22 de julho de 2008, área de até quatro módulos fiscais e que possuam porcentagem de vegetação nativa inferior a 20%, a Reserva Legal será constituída com a área ocupada pela vegetação nativa existente nessa data, vedadas novas conversões para uso alternativo do solo. Ou seja, proprietários rurais não são mais obrigados a manter as reservas legais no valor mínimo previsto na primeira versão do Código Florestal de 2012. O advogado e representante do Fórum das Águas dos Campos Gerais, João Luis Stefaniak, acredita que tanto o decreto assinado recentemente, quanto o Código Florestal, são o reflexo de uma disputa política na
qual prevalece os interesses do agronegócio. “A legislação atual não condiz com a história de nosso país, que sempre compactuou com os direitos da terra”, comenta Stefaniak. “O decreto assinado apenas regulamenta as mazelas propostas pelo atual código”, lamenta. Stefaniak também afirma que as previsões para o futuro da legislação ambiental também não são boas frente aos interesses do novo governo. “Existe uma tendência, principalmente após o resultado das eleições presidenciais, de um crescimento dos interesses corporativos em detrimento do meio ambiente”, critica. “A tentativa de redução da Escarpa Devoniana aqui na região dos Campos Gerais foi apenas uma prova dessa situação”, destaca Stefaniak. 9
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| Projeto Social
Academias de capoeira preservam cultura negra em PG
| Por Natália Barbosa
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capoeira, que tem origem na cultura negra e criada como forma de resistência pelos escravos, é uma mistura de arte marcial com dança e música, sendo considerada atualmente também como esporte. Proibida no Brasil até 1930, foi reconhecida como símbolo da identidade brasileira, graças ao Mestre Bimba, fundador da capoeira regional na Bahia. A capoeira é dividida em três estilos, sendo eles a angola, a regional e a contemporânea. A capoeira angola, sem data exata da sua criação, se caracteriza pelos movimentos mais lentos, rasteiros e lúdicos. O ritmo musical utilizado na capoeira angola é mais lento e, iniciado com uma ladainha, como uma espécie de lamento sobre a escravidão e a vida do escravo. Oito instrumentos são usados, sendo eles o agogô, pandeiro, atabaque, berimbau gunga ou berra-boi, berimbau médio, berimbau viola e reco-reco.
Se tornou só um esporte e perdeu a parte cultural. É essa parte cultural que estou tentando trazer O professor de filosofia e capoeirista de 30 anos, Bruno dos Santos Grube, teve seu primeiro contato com a capoeira em 1998, aos 10 anos de idade, mas há apenas quatro meses começou um trabalho independente, ministrando aulas de capoeira angola. “Faz alguns anos que estava com isso em mente. No tempo que fiquei parado comecei a estudar bastante, me aprofundar na parte teórica da capoeira”, afirma. Santos diz que a capoeira não é só a práti-
Alunos ensaiam ginga em escola de Ponta Grossa| Foto: Natália Barbosa
ca corporal, mas um conjunto com a parte mental e a espiritual. “Às vezes é deixada de lado. Pensei que era um conhecimento que precisava ser resgatado e colocado à disposição novamente das pessoas, porque está se perdendo”. O capoeirista lamenta que esses rituais foram deixados de lado com o passar do tempo. “A capoeira acabou se tornando acessível a muita gente, mas se perdeu em alguns detalhes. Se tornou só um esporte e perdeu a parte cultural. É essa parte cultural que estou tentando trazer”. A capoeira regional criada pelo Mestre Bimba, chamada por um bom tempo de luta regional baiana, é uma mistura de elementos da capoeira angola com o batuque. Esse estilo tem como característica movimentos mais rápidos, e também é acompanhado de música, além de ser considerada uma luta, diferente da angola. Os instrumentos usados nessa capoeira são o pandeiro e o berimbau médio. O professor de capoeira, Robson Luiz de Paula, mais conhecido como “Miudinho”, entrou na capoeira aos 11 anos e há três meses dá aula em
Jackson Fernando Fidêncio da Silva, que começou com a capoeira aos nove anos, atualmente é professor de capoeira do seu projeto social Capoeira Cristã há mais de três anos e também do grupo Guerreiros dos Palmares que acontece na Associação de Moradores do Parque Nossa Senhora das Graças, iniciado há dois anos. Silva viu na capoeira uma forma de superar as dificuldades durante a infância. “Foi o que me deu um caminho, uma luz”. Ele, repassa para os seus alunos aprendizado e conhecimento. “É uma transformação que você vê dentro da capoeira”.
sua própria casa como Foi o que me projeto social, juntadeu um mente com mais um procaminho, fessor. Sem custo para uma luz os participantes, conta com 100 alunos, com Denis possui 25 idade entre 4 e pouco alunos em sua academia. mais de 20 anos. No projeto social ensina Desde 2014, a 52 crianças, de 4 a 16 Retorno às origens anos. “A capoeira tem Unesco reconhece a participação na formação capoeira como PatriRobson de Paula carac- do cidadão. A gente mônio Cultural Imaterial teriza o estilo da capoeira sempre cobra disciplina, da Humanidade. Este que ministra como con- respeito, educação”. Para reconhecimento garante temporânea, que mistura Souza, a capoeira englo- a preservação e a lia regional com a angola. ba a arte marcial, o artes- berdade da prática da Os instrumentos usados anato, na fabricação dos capoeira não só no são três berimbaus, instrumentos, música e Brasil, mas em todo o tendo cada um uma fun- teatro. “A história da ca- mundo. ção. “Temos o berra-boi, poeira é a história do o médio e o violinha”, diz. Brasil”. Além do reco-reco, agoProcedimento de entradana capoeira gô, atabaque e pandeiro. Para praticar horas e do grupo Para Robson, a capoeira é uma herança deixada capoeira angola com o Guerreiros dos Palmapara o povo. “A gente professor Bruno, a res, que acontece na tenta seguir à risca as academia fica na rua rua Cel. Alcebíades de tradições da capoeira Aleixo Garcia, número Miranda, na Associação para não deixar morrer 313, no bairro Oficinas. de Moradores do Parque As aulas aconte-cem Nossa Senhora das Graaquela raiz lá de trás”. Professor de Edu- terça e quinta-feira das ças em frente ao mercado da família no Boa cação Física, Denis Cesar 20 às 21 horas. No projeto social Vista, aplica as aulas de Souza, também chade Robson, as aulas são ter-ça e quinta-feira das mado de Topete, teve seu primeiro contato com a em sua própria casa na 19 às 21h30. Com o professor capoeira aos 16 anos. Fili- rua Alfredo Pietrobelli, ado à Associação Bra- número 360, no bairro Denis Souza, as aulas sileira de Apoio e Desen- Jardim Esplanada, de de capoeira do projeto volvimento de Capoeira segunda a quarta-feira soci-al acontecem na rua Furiel, número 422, (Abadá Capoeira), desde das 20h30 às 21 horas. Jackson da Silva, na Colônia Dona Luiza, 2010, trabalha hoje com do projeto social Capo- na Escola Professora um projeto social na Escola Municipal Profes- eira Cristã, na capela Guitil Federmann, toda sora Guitil Federmann e Santa Edwiges na Rua sexta-feira a partir das também possui sua pró- Rio Paranapanema, a- 18h. 12 contece das 19 às 22 pria academia.
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Primeira Parada Cultural LGBT+ dos Campos Gerais 25 de novembro de 2018 Fotos: João Pedro Teixeira e Veridiane Parize
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