Catálogo forumdoc.bh.2015

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MINISTÉRIO DA CULTURA, ITAÚ e FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE CULTURA apresentam

19° festival do filme documentário e etnográfico | fórum de antropologia e cinema



Este festival ĂŠ dedicado a Chantal Akerman.



sumÁRIO

Apresentação  12 Sessão de Abertura  17 Mostra Retrospectiva Olney São Paulo  Mostra Contemporânea Brasileira  33 Mostra Contemporânea Internacional  Sessões especiais  51 Lançamentos de publicações  55 Circuito forumdoc  61 Ensaios  75

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Um nôvo do cinema baiano Ely Azeredo  77

O filme é O grito da terra Alex Viany  79

A moça e o muro

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O forte

Alberto Silva  87

Curtos de Olney São Paulo falam do teatro brasileiro  Entrevista com Olney São Paulo

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Imagens subversivas Patrícia Machado  97

Ocupar, resistir, ressurgir sobre Ressurgentes, de Dácia Ibiapina Amaranta Cesar  109

Amor e música em Yorimatã sobre filme de Rafael Saar Jair Tadeu da Fonseca  113

Orestes: luto incompleto e estética da elaboração sobre filme de Rodrigo Siqueira Cláudia Mesquita  119



Do retrato ao autorretrato: notas aleatórias do espaço imagético em Mais do que eu possa me reconhecer sobre filme de Allan Ribeiro Roberta Veiga  127

O que é a verdade para certos rapazes sobre A paixão de JL, de Carlos Nader Eduardo de Jesus  133

Futuro Junho sobre filme de Maria Augusta Ramos Carla Maia  137

Entre o trabalho e a deriva afetiva sobre Carregador 1118, de Eduardo Consonni e Rodrigo T. Marques Vinícius Andrade 143

Mostra contemporânea brasileira, curtas-metragens

Anna Flávia Dias Salles, Bruno Vasconcelos e Luís Felipe Flores  147

O cinema no olho do furacão sobre #73, de Rekesh Shahbaz, e Home, de Rafat Alzakout Victor Guimarães  157

O seio da falta sobre La fièvre (2014), de Safia Benhaim Dalila Martins  161

10949 femmes sobre filme de Nassima Guessouim Mariana Souto 163

Relatório de prisão de um desajustado bem comportado, por Chinpou sobre filme de Rikisaburo Sato Daniel Ribeiro Duarte 167

Os signos da rua sobre Cuerpo de letra, de Julián D’Angiolillo Roger Koza  171

O som depois do medo sobre O som antes da fúria, de Martin Sarrazac e Lola Frederich Ana Carolina Estrela da Costa  173

Kibuki: spirits in Zanzibar sobre filme de Elizabeth Brooks Leonardo Amaral  177

Greetings to the Ancestors sobre filme de Ben Russell Roberto Cotta  181

Na terra de Haidar sobre Homeland: Iraq Year Zero, de Abbas Fahdel Rafael Urban  185

Índices de filmes e diretores 192 Programação  195 Créditos  203

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Entre pássaros JACAmins e tamanduás vermelhos associação filmes de quintal

Nessa edição bastante especial do forumdoc.bh, que chega aos dezenove anos, existimos uma vez mais, por meio de metamorfoses, transformações para seguir sendo o que vimos sendo, resistindo junto ao cinema (aqui incluindo realizadores, espectadores, os textos que acompanham os filmes e nossos abrigos, as salas) criando ocasiões para encontros densos, mediados por sons e imagens e pelas relações que estes fazem existir no e sobre o mundo. Um grande e potente encontro fazemos junto da mostra Olhar: um ato de resistência, a nós apresentada ainda como ideia por Andrea Tonacci e que construímos junto a tantos, citados e agradecidos no belo texto que abre o volume integralmente dedicado a esta mostra/ encontro. Suas pegadas seguem os passos da viagem de Tonacci nos anos de 1970-80, 1 inspiração primeira, geográfica e existencial da mostra, viagem atualizada por um conjunto de mais de 80 títulos entre filmes históricos, finalizados e em processo, de autoria indígena e não indígena, que colocam nossa co-presença no centro da tela. Tal viagem se reconfigura, sobretudo, por ser a mostra ocasião para uma reunião entre pessoas de diferentes nações (o que estava na origem do empreendimento videográfico de Andrea, naqueles anos) que resistiram - e resistem - à América (Bolívia, Venezuela, México, Estados Unidos, Peru, Colômbia, Panamá, Guatemala, Costa Rica) e ao Brasil, a cada dia, como temos acompanhado nos noticiários, ou de perto. Navajo, Cherokee, Hopi, Aymara, Tzotzil, Tzeltal, Maya, Tarahumaras, Achuar, Panará, Xavante, Hunikui, Parakanã, Kulina, Yanomami, Yekuana, Guarani, Tikmu’un/Maxakali, Kalapalo, Kayapo, Krenak, Bororo, Krahô, Kuikuro,

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Mbya, Kaiowa, entre muitas outras etnias presentes no encontro e na mostra. Para abrigar uma programação tão significativa, o forumdoc ocupa pela primeira vez quase integralmente dois espaços: o Cine Humberto Mauro, já nosso antigo kupixawa, nossa casa coletiva e o Cine 104, novo lugar-oca do encontro indígena, abrigos afins a quem muito agradecemos. Assim como agradecemos imensamente a vinda, tantas vezes penosa por todos os deslocamentos e distâncias percorridas, dos realizadores e lideranças indígenas que nos dão a grande, grande honra de sua presença entre nós. Dádivas. A presença do xamã Davi Kopenawa e de Tonico Benites, liderança Kaiowa, dão a dimensão do quanto temos a aprender neste encontro. Metamorfoses internas (e um tanto canibais), o coletivo de organização do forumdoc, reunido em nosso quintal e não sem dissonância, como deve ser, optou por elidir a partir dessa edição o caráter competitivo das mostras contemporâneas, nas quais propomos um conjunto

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de documentários, e filmes realizados em suas fronteiras - finalizados nos dois últimos anos; aqui no patropi (Mostra Brasileira) e em outros países (Mostra Internacional). No lugar de escolher “o melhor filme” - e pensando que a reunião deste conjunto de títulos laboriosamente selecionados entre mais de 600 inscritos, confere por si só, um caráter mais que especial a cada um dos filmes aqui oferecidos - convidamos um conjunto de críticos que generosamente e com galhardia toparam o desafio, para que cada obra ganhasse uma breve resenha crítica. Pensamos ainda que competição e mercado não nos concernem. E é bom demarcar tais diferenças em todas as instâncias possíveis. A proposta de divisão do prêmio pelos realizadores do Festival de Brasília naquele ano-Adirley, em que a Ceilândia ganhou mais essa, também mexeu com a gente. Bem, sendo visto e sabido que nossa premiação se constituía em um abraço, preferimos estendê-lo a todos os filmes aqui apresentados nas mostras contemporâneas, em um total de 16 sessões nesta edição. Publicar os ensaios inéditos apresenta-se também como maneira de contribuir para o pensamento gerado por essas obras que acabam de nascer. Estamos orgulhosos não apenas da seleção, mas da qualidade dos textos aqui reunidos: realização e pensamento seguindo


juntos, no calor da hora em que os filmes são lançados, enfrentando juntos o mundo e nossos espectadores. Prestamos assim, ainda, homenagem à clássica Revista de Cinema do CEC, que publicada em Minas em décadas passadas, tornou-se referência da jovem crítica em todo o Brasil. Tentamos seguir as pegadas da tradição crítica que nos concerne, da mesma forma que as jovens realizadoras Navajo do curto filme exibido na mostra Olhar seguem os passos das “mulheres amarelas”, figuras da cosmologia desse povo que ainda resiste no centro da tragédia atual do capitalismo, os Estados Unidos. Navajo, povo em que também nasceu Arlene Bowman, autora dos filmes que abrirão o festival e que estará presente no forumdoc. A cineasta atualmente trabalha com intervenções tendo o vídeo como suporte artístico e ativista. Seguindo uma outra tradição, que se tornou também constitutiva do forumdoc, tiramos das gavetas da memória da cinematografia brasiliera um nome importante e pouquíssimo conhecido entre nós. Olney São Paulo foi um cineasta, escritor e ensaísta pertencente a mesma geração de realizadores baianos que Glauber Rocha, Roberto Pires, Luiz Paulino, Trigueirinho Neto, gênese do cinema novo brasileiro. Olney, no entanto, graças às suas origens sertanejas (residiu em uma série de cidades do sertão e do recôncavo baianos até sua vida adulta) permanece em grande medida à margem da cena que se construiu em torno desse realizadores, produzindo com recursos ínfimos seus documentários iniciais e consolidando sua carreira somente a partir do trabalho como assistente de Nelson Pereira dos Santos em Mandacaru Vermelho (1961). Sua trajetória é, portanto, homóloga a de seu amigo Fernando Coni Campos (cujo cinematografia já foi objeto de retrospectiva no forumdoc.bh.2011): dois cineastas de origens fortemente literárias, em grande medida outsiders às descrições habituais do cinema moderno brasileiro - o que resultou no amplo desconhecimento ainda hoje do trabalho de ambos. Esses caminhos paralelos terão como ponto de convergência a tentativa de filmar os embates na oposição à ditadura militar brasileira, que culminou, no caso de Olney São Paulo, na realização de Manhã Cinzenta (1969). Tal enfrentamento ocasionou a prisão e tortura de seu autor, além da cen-

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sura e tentativa de apreensão do filme, todavia premiado no Festival de curtas-metragem de Oberhausen na Alemanha em 1972. A tentativa de interpretar o presente histórico, os laços com a experiência sertaneja, a incorporação criativa da perene precariedade de recursos e o curto-circuito entre documentário e ficção compõem alguns dos traços da feição de um cineasta fortemente inventivo e que ainda carece de retrospectivas que situem seu trabalho. Esta mostra não é integral por problemas de preservação de cópias, mas ainda assim, é inédita e será acompanhada de um debate com Hernani Heffner e de um comentário do gigante Manhã Cinzenta por Rodrigo Siqueira, que em seu filme Orestes (2015) traça continuidades entre passado e presente nas ditas sociedades contemporâneas onde o biopoder - mas igualmente suas correlatas resistências rizomáticas - biopolíticas - não cansam de se instalar. Queremos ser mais uma vez, mais uma destas resistências. Junto aos filmes, seres com quem coexistimos e que a nós sobreviverão?

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O Circuito forumdoc.ufmg realizado junto às Ocupações Esperança, Eliana Silva e ao Morro do Cascalho é um jovem sopro de esperança. Leiam o porquê no breve e belo manifesto-afetivo escrito por uma nova geração que a seu modo escolheu ocupar esse festival (que o re-tomem e o levem adiante!). O relato está publicado nesse catálogo que oferecemos, junto a essa mais que uma centena de filmes. Por fim, a Ailton Krenak agradecemos a delicadeza das ilustrações, o pássaro ( jacamim) e o tamanduá vermelho.

Notas

1. Décadas chave para contatos (às vezes fatais) de muitos grupos com as sociedades nacionais hegemônicas em contexto amazônico e também para a instalação dos movimentos indígenas, como se pode ver em material do acervo de Andrea Tonacci, digitalizado e apresentado na Mostra.


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sessテグ DE ABERTURA comentada pela diretora Arlene Bowman e Andrea Tonacci


NAVAJO TALKING PICTURE

EUA, 1986, cor, 40’ direção director dirección Arlene Bowman fotografia cinematography Arlene Bowman, James Mulryan montagem editing montaje Arlene Bowman, James Mulryan, Lindy Laub & Beheroze Schroff som sound sonido Jeanine Moret, Bethlehem Tsehayu, Hiroko Yamazaki & Laura Elijaek produção producer producción Arlene Bowman contato contact contacto www.wmm.com, www.visualeye.wordpress.com

Um filme sobre o fazer fílmico. Uma realizadora indígena buscar redescobrir sua própria herança cultural filmando a vida de sua avó, Ann Ruth Biah. Apesar de ser uma realizadora Dine (Navajo), ela continua uma estranha na Reserva, pois está separada do povo Dine pela sua inabilidade em falar a língua e resolver os impasses oferecidos pelas câmera e pela falha de comunicação. Ao fim, a neta percebe a ruptura entre pessoas que estão separadas pela cultura e pela geografia. This film is about the making of a film. An assimilated American Indigenous filmmaker attempts to rediscover her own cultural heritage by filming the traditional life style of her grandmother, Ann Ruth Biah. Although she is Dine’ (Navajo) the filmmaker remains a stranger on the Reservation, separated from the Dine’(Navajo) people by her inability to speak their language and resolve the conflict about camera taboos and miscommunication. In the end the granddaughter gains a greater understanding of the rift that forms when people are separated by geographical and cultural differences. Esta película es acerca de la realización de películas. Una asimilada cineasta indígena americana intenta redescubrir su propio patrimonio cultural por el rodaje de la forma de vida tradicional de su abuela, Ann Ruth Biah. Aunque ella es Dine (Navajo), ella es una desconocida en la reserva, separada de los Dine (Navajo) por su incapacidad para hablar el idioma y resolver los conflictos generados por la cámara y la falta de comunicación. Al final, la nieta comprende la división entre personas separadas por cultura y geografía.


THE GRAFFITI

EUA, 2008, cor, 30’ direção director dirección Arlene Bowman fotografia cinematography Arlene Bowman montagem editing montaje Arlene Bowman som sound sonido Ryan Mitchell Morrison, John Burchat, Mark J. McLeod, Rhetty Freisen, Arlene Bowman produção producer producción Arlene Bowman contato contact contacto bluesky5videocamera@gmail.com

Apesar de Jean Biah Lee, uma mulheres Anishabe das primeiras nações, não ter sucesso em mudar o racismo de dois homens brancos que grafitaram contra os povos indígenas no entorno de Vancouver, ela recupera a injustiça através de sua escrita. Although Jean Biah Lee, an Anishinabe First Nations woman is unsuccessful in changing the racism of two white, redneck males who have spray-painted graffiti around Vancouver aimed at Indigenous people, she rebounds from the injustice by writing about it. Aunque Jean Biah Lee, una mujer Anishinabe de las primeras naciones no tiene éxito en cambiar el racismo de dos hombres blancos que tienen grafitis pintados con spray alrededor de Vancouver dirigidos a los pueblos indígenas. Ella se recupera de la injusticia cuando escribe al respecto.

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mostra olney sテグ PAULO



Nota Introdutória

Por que Olney São Paulo? ewerton belico

Poder-se-ia perguntar, por que, nesse momento, voltar a Olney São Paulo? Tudo parece apontar para a obsolescência de sua obra, desde uma concepção de cinema político fundada em uma pedagogia dos conteúdos, na necessidade da exposição dos fragmentos de uma luta de classe em um país ainda incompletamente capitalista, na relação identificatória com personagens que são como que individuações de forças históricas em conflito; até o ímpeto, que atravessa sua produção ficcional e documental, em representar os rastros de história e cultura doravante ameaçados por um modernização que mantém uma submissão já vista no passado destruindo todavia suas forças de resistência. Imaginemos uma hipótese: o que resiste é a cintilação de Manhã Cinzenta, 2 os ecos de uma resistência que ainda parece a nós, espectadores de classe média, vívida, e projetando sobre as formas de embate do presente suas sombras, constituindo uma narrativa minoritária que se repete, ao longo do tempo, nas formas diversas de confrontação com o autoritarismo do Estado; a figuração exemplar de uma obra-vida, a trajetória trágica de um cineasta e de um filme, premidos pelo esquecimento e pela morte na contenda com o estado de exceção. O que restaria então de Olney São Paulo seria uma alegoria envergonhada, que mal se assume como representação de nossa história recente, mas poderia manter uma relação apaziguadora com nossas expectativas em relação à memória da ditadura militar brasileira: teríamos um herói, uma história edificante, novos símbolos pátrios se substituindo àqueles que o inimigo tentou nos impor. Mas parece-me que devemos mais à memória das nossas formas de opressão e à memória do cinema brasileiro moderno. O que a mim

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interessa em Olney São Paulo – de uma história edificante, de uma hagiografia secularizada, mas a exumação dos paradoxos que nos foram legados pelo engajamento plasmado como obra, uma propedêutica possível das razões de uma derrota – é: Manhã Cinzenta como a síntese disjuntiva de uma hegemonia cultural que resulta em derrota política. O percurso em grande medida solitário de Olney São Paulo talvez possua uma exemplaridade incômoda, tanto no que se insinua como mera diluição das tentativas de cinema político que os cinemas novos brasileiros produziram a partir dos anos 50, quanto naquilo que o mesmo embaralha de referências, no que parece ultrapassar as muralhas confortáveis que nossas taxonomias estabeleceram entre as diversas poéticas e formas de interpelação do Brasil. Quanto ao presente, a obra-vida Olney São Paulo parece-me legar menos o inegável heroísmo, mas o enigma de um homem sem pertença (como também seu amigo Fernando Coni Campos), o intelectual e

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escritor de província, baiano de Riachão do Jacuípe, fora dos circuitos hegemônicos de produção e debate, que imaginou algum cinema e algum engajamento possíveis em um país periférico.

notas

1. Infelizmente não poderemos exibir nenhum dos documentários realizados por Olney São Paulo em Cachoeira e Feira de Santana. 2. Sobre o Manhã Cinzenta ver: ROCHA, Glauber. A Revolução do Cinema Novo. São Paulo: Cosac & Naify, 2004; JOSÉ, Ângela. Olney São Paulo e a peleja do cinema sertanejo: Quartet, 1999, JOSÉ, Ângela. “Cinema Marginal, Estética do Grotesco e Globalização da Miséria”, Revista Alceu, Rio de Janeiro, 2007 (disponível em: http://revistaalceu. com.puc-rio.br/media/Alceu_n15_Jose.pdf ) e ainda SANTOS, Maria David. “Esplendor e Maldição em Manhã Cinzenta”, CineCachoeira, Cachoeira/BA , 2011 (disponível em: http://w w w3 .ufrb.edu.br/ cinecachoeira/2011/06/olney-sao-paulo/). 3. Ver SCHWARZ, Roberto. “Cultura e Política, 1964-1969”. In: O Pai de Família e outros estudos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.




O Grito da Terra The scream of land

Manhã Cinzenta Grey Morning

Brasil, 1964, P&B, 83’ direção diretor Olney São Paulo fotografia cinematography Leonardo Bartucci montagem editing João Ramiro Mello

Brasil, 1968, P&B, 22’ direção diretor Olney São Paulo fotografia cinematography José Carlos Avellar montagem editing Luiz Tanim

Camponeses na luta pela terra e esfomeados sa- Um casal de estudantes segue para uma passeata queiam para sobreviver. onde o rapaz, um militante, lidera um comício. Eles são presos durante a manifestação, torturados na Peasents who fight for land and who loot starving prisão e sofrem um inquérito absurdo dirigido por to survive. um robô e um cérebro eletrônico. A couple of stundents who follow a prostest march where the boy, a militant, leads a political rally. They’re arrested during the demonstration, tortured in prison and suffer absurd investigations made by a robot and an electronic brain.

cine humberto mauro, 25 nov, 21h

cine humberto mauro, 20 nov, 19h

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O Forte The Fort

Teatro Brasileiro: Origem e Mudanças

Brasil, 1974, Cor, 90’ direção diretor Olney São Paulo fotografia cinematography Júlio Romitti, Marcos Bottino montagem editing Manfredo Caldas, Olney São Paulo som sound Vitor Raposeiro, José Tavares, Roberto Mello

Brasil, 1974, Cor, 12’ direção diretor Olney São Paulo

O engenheiro Jairo retorna a sua cidade – Salvador – para demolir o forte de São Marcelo. Para Jairo, essa destruição representa a aniquilação de todo o seu passado, pois foi naquele forte que ele um dia amou Tibiti e ouviu as histórias do velho Olegário, avô de Tibiti, que lá esteve preso por ter assassinado seu genro Michel. Ao chegar a Salvador, Jairo procura Tibiti, encontrando-a casada com Mário e mãe de quatro filhos. A paixão antiga é mais forte do que seu casamento de conveniência e a modesta e tranquila vida familiar da moça.

A evolução do teatro brasileiro desde início do século XX, os comediantes e as mudanças nas raízes do Teatro Brasileiro de tradição portuguesa. Depoimentos de Luiza Barreto Leite e Nelson Rodrigues sobre essas mudanças. A influência do Teatro Brasileiro de Comédia – TBC – Autran no processo de renovação. A contribuição do Teatro de Arena.

The engineer Jairo returns to his city – Salvador – to demolish the fort of São Marcelo. For Jairo, this destruction represents the annihiliation of all his past because one day, he had loved Tibiti in that fort and heard the stories of the old Olegário, grandfather of Tibiti, who was arrested there for killing his son-in-law Michel. Getting to Salvador, Jairo looks for Tibiti and finds her married with Mário and being mother of four children. The old passion is stronger than her familiar marriage and the girls’ modest and calm family life.

cine humberto mauro, 22 nov, 19h

Brazilian Theater: Origin and Changes

The evolution of the Brazilian Theater since the beginning of the 20th century, the comedians and its changes in the roots of the Brazilian Theater in the portuguese tradition. Statements of Luiza Barreto Leite and Nelson Rodrigues about these changes. The influence of the Brazilian Theater of Comedy – TBC – Autran in the progess of renovation. A contribution to the Theater of Arena.

cine humberto mauro, 25 NOV, 17H


Teatro Brasileiro: Novas Tendências Brazilian Theater: New Tendencies

Sob o Ditame de Rude Almajesto

Brasil, 1974, Cor, 11’ direção diretor Olney São Paulo fotografia cinematography Ronaldo Foster montagem editing Severino Dada

Brasil, 1976, Cor, 14’ direção diretor Olney São Paulo fotografia cinematography Edgar Moura som sound Lael Rodrigues montagem editing João Ramiro Mello

Desde 1957, com a peça O Auto da Compadecida de Ariano Suassuna, as tendências pelas quais o teatro brasileiro passou sempre buscaram a realidade brasileira. O moderno conceito de direção, de recursos de iluminação e cenografia. O novo ator brasileiro e o rompimento do estilo acadêmico.

Sobre as diversas experiências do homem do campo na maneira de pressagiar a chuva na região nordestina.

Under the Dictate of the Rude Almagest

About several experiences of farmers of how to foreshadow the rain in the northeastern region.

Since 1957 with the piece The Rogues’ Trial of Ariano Suassuna, tendencies which ocurred in the Brazilian Theater always seeking for the Brazilian reality. The modern concept of direction, of light installations and scenography. The new Brazilian actor and the break with the academic style.

cine humberto mauro, 25 nov, 17h

cine humberto mauro, 20 nov, 19h

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Pinto vem aí Pinto comes there

Dia de Erê Day of Erê

Brasil, 1977, P&B, 25’ direção diretor Olney São Paulo fotografia cinematography Edgar Moura som sound Cinthya Brito montagem editing Ricardo Miranda

Brasil, 1977, Cor, 22’ direção diretor Olney São Paulo fotografia cinematography Ronaldo Foster, Walter Carvalho som sound Ismael Cordeiro montagem editing Manfredo Caldas

A chegada do ex-deputado Francisco Pinto em Feira O filme documenta a comemoração do Dia de São de Santana, sua terra natal, depois de seis anos Cosme e Damião nos subúrbios do Rio de Janeiro. de ausência. Sua ligação com a população local. A inocência das crianças, as promessas, graças e homenagens aos santos The coming of rhe ex-deputy Francisco Pinto to Feira de Santana, his city of birth, after six years of The movie documents the celebration of the Day of absence. His connection with the local population. the Saints Cosmas and Damian in Rio de Janeiros’ suburbs. The childrens’ inocence, the promisses, grace and honors to the saints.

cine humberto mauro, 20 nov, 19h

cine humberto mauro, 25 NOV, 21H


Ciganos do Nordeste Gypsys of the Northeast

Sinais de Cinza, A Peleja de Olney contra o Dragão da Maldade

Brasil, 1977, Cor, 70’ fotografia cinematography Edgar Moura som sound Lael Rodrigues, Cinthya Brito, José Roberto montagem editing Luís Abendía, Mario Nuracame, Henrique Santos, Waldir Barreto

Brasil, Cor, 86', 2013 direção director Henrique Dantas fotografia cinematography Pedro Samanovisk montagem editing Henrique Dantas e Ilo Alves

Documenta a vida dos nômades do Nordeste.

O filme procura dar a dimensão da importância do cinema de Olney São Paulo e dos absurdos comeThe movie documents the life of nomads of the tidos pela ditadura militar na vida desse cineasta. Northeast. Caboclo e sertanejo, Olney tinha a ideia de mudar o mundo a partir do seu cinema revolucionário e morreu em um longo processo de tortura como vítima de sua corajosa postura. The film tries to give the dimension of the importance of Olney São Paulo's cinema and the absurds committed by the military dictatorship in the life of the filmmaker. Caboclo and sertanejo, Olney's intention was to change the world from his revolutionary cinema. He died from a long process of torture as a victim of his courageous posture.

cine humberto mauro, 25 NOV, 17H

cine humberto mauro, 23 NOV, 15H

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debate O cinema de Olney São Paulo quinta 26/11 - 21h hernani heffner

Crítico de cinema e conservador-chefe da Cinemateca do Museu de Arte Moderna, MAM-RJ. É professor de cinema na PUC-RJ e da FGV-RJ. Curou as mostras “Raízes do Século XXI” e “Miragens do Sertão”. ewerton belico

Curador e crítico de cinema, colabora, desde 2006, na organização e curadoria do forumdoc.bh, entre outros projetos da Associação Filmes de Quintal. É ainda colaborador do Festival Internacional de Curtas-Metragem de Belo Horizonte e do Fronteira. Está em processo de pré-produção de seu primeiro longa-metragem, Baixo Centro, projeto premiado pelo edital Filme em Minas de 2014, a ser realizado juntamente com Samuel Marotta.

sessão comentada Manhã cinzenta sexta 20/11 - 19h por rodrigo siqueira

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Cineasta, realizou, dentre outros filmes, Orestes (2015), Terra deu, terra come (2010), e, juntamente com Junia Torres, o documentário Aqui favela, o rap representa (2002).


mostra contemporÂnea BRASILEIRA



Aluguel: O filme Rent: The Movie

A Paixão de JL JL Passion

Brasil, 2014-2015, cor, 16’ direção director Lincoln Péricles fotografia cinematography Lincoln Péricles montagem editing Lincoln Péricles som sound Bruno Marra produção producer Lincoln Péricles contato contact rodrigo@complo.tv

Brasil, 2014, cor, 82’ direção director Carlos Nader fotografia cinematography Fernando Laszlo, Marcos Villas Boas, Renata Ursaia montagem editing Carlos Nader, Zuri Amaral som sound Daniel Zimmerman produção producer Kátia Nascimento, Flávio Botelho contato contact paula.bertola@itaucultural.org.br

A reunificação pacífica não acontecerá.

Em Janeiro de 1990, o artista plástico José Leonilson começou a gravar um diário em fitas cassete. Ele imaginava, desde o principio, deixar um registro público de suas memórias do cotidiano, em sintonia com seu trabalho na pintura. O que ele não imaginou foi a transformação deste cotidiano depois que descobriu ser portador do HIV.

The pacific reunification won’t happen.

In January 1990, visual artist José Leonilson starts recording a journal in cassette tapes. Since the beginning he has mainly thought in leaving a public record of his everyday thoughts synchronically to his paintings. What he didn’t imagine was the transformation of that everyday life after discovering that he was HIV positive.

cine humberto mauro, 29 NOV, 18H30

cine humberto mauro, 27 NOV, 19H

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Boa morte Good Death

Carregador 1118 Loader 1118

Brasil, 2014, p&b, 13’ direção director Débora de Oliveira fotografia cinematography Débora de Oliveira montagem editing Ralph Antunes som sound Pedro Aspahan produção producer Débora de Oliveira contato contact deboraoliveirat@gmail.com

Brasil, 2015, cor, 64’ direção director Eduardo Consonni, Rodrigo T. Marques fotografia cinematography Rodrigo T. Marques montagem editing Eduardo Consonni, Rodrigo T. Marques som sound Eduardo Consonni produção producer Eduardo Consonni, Rodrigo T. Marques contato contact rodrigo@comlo.tv

Pode ser um lugar, uma memória que ficou e não Tonho está se separando de sua mulher enquanse apaga. to precisa seguir sua rotina pesada de trabalho como carregador no CEAGESP, maior entreposto Could be a place, a memory what lasts and doesn’t da América go away. Tonho is getting divorced from his wife while he needs to continue with his hard work routine as a loader at the CEAGESP, the biggest warehouse of Latin America. The exhaustion of his body is full of memories and pain of a lost love.

cine humberto mauro, 26 NOV, 17H

cine humberto mauro, 27 NOV, 17H


Filme dos Outros Other’s Film

Futuro Junho Future June

Brasil, 2015, cor, 20’ direção director Lincoln Péricles fotografia cinematography Lincoln Péricles montagem editing Lincoln Péricles som sound Lincoln Péricles produção producer Lincoln Péricles contato contact astuciafilmes@gmail.com

Brasil/Holanda, 2015, co3, 93’ direção director Maria Augusta Ramos fotografia cinematography Camila Freitas, Lucas Barbi montagem editing Karen Akerman som sound Gabi Cunha, Ricardo Zollner produção producer Maria Augusta Ramos, Niek Koppen, Jan de Ruiter contato contact nofocofilmes@gmail.com

Primeiro Cinema.

O documentário Futuro Junho é um retrato de São Paulo através da vida de quatro de seus habitantes: um economista e analista do mercado financeiro, um metalúrgico da Volkswagen, um motoboy e um metroviário. Cada personagem destaca um aspecto da economia. O filme se passa em um período de tensão social: as três semanas que antecedem a abertura dos jogos da Copa do Mundo de futebol.

First Cinema.

The documentary Future June is a portrait of São Paulo through the life of four of its habitants: an economist and analyst at the financial market, a metalworker of Volkswagen, a motorcycle courier and a metroworker. Each character emphasizes an aspect of the economy. The movie is placed in a period of social tension: the last three weeks before the opening of the Football World Cup.

cine humberto mauro, 29 NOV, 18H30

cine humberto mauro, 24 NOV, 21H

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Imhotep

Índios no poder Native in power

Brasil, 2015, cor, 12’ direção direction Leo Pyrata fotografia cinematography Leo Pyrata montagem editing Leo Pyrata, Samuel Florindo contato contact leopyrata@gmail.com

Brasil, 2015, cor/p&b, 20’ direção director Rodrigo Arajeju fotografia cinematography André Carvalheira montagem editing Sergio Azevedo som sound Alisson Machado produção producer Alisson Machado contato contact rodrigo@7gdocumenta.com.br

Imhotep é a materialização pedagógica do desintegrar. A impossibilidade de permanência dos pixels contrastada com o grande projeto de civilização egípcio da antiguidade. Escorado pela tábua de esmeraldas de Hermes Trimegisto é um sigil que confirma a farsa dialética do tempo espaço pela costura limitada da linguagem inerte antes do hiperespaço.

Mario Juruna, único índio parlamentar na história do país, não consegue se reeleger para a Constituinte (1987/88). Sem representante no Congresso Nacional desde a redemocratização, as Nações Indígenas sofrem ataques aos seus direitos constitucionais pela Bancada Ruralista. O cacique Ládio Veron lança candidatura a deputado federal nas Eleições 2014, sob ameaças do Agronegócio, Imhotep is the pedagogic materialisation of the com o slogan “Terra, Vida, Justiça e Demarcação”. disintegrate. The impossibility of permanence of Mario Juruna, the only native in parliament in the pixels contrasts with the big project of civili- the history of the country, wasn’t reelected for zation of the Egyptian antiquity. Shoring up with the Constitutional Assembly (1987/88). Without the taboo of emeralds of Hermes Trismegistus, is a representative in the National Congress since a sigil which confirms the dialectic farse of time the redemocratization, the Indigenous Nations space by the limited seam of inert language before suffer attacks on their constitutional rights by the the hyperspace Ruralist wing. Indigenous chief Ládio Veron runs for the federal parliament at the 2014 elections, under threats by the agrocultural business, with the slogan “Land, Life, Justice and Demarcation”.

cine humberto mauro, 27 NOV, 19H

cine humberto mauro, 28 NOV, 16H30


Mais do que eu possa me reconhecer Beyond My Reflection

No caminho com Mário Walking with Mario

Brasil, 2015, cor, 72’ direção director Allan Ribeiro fotografia cinematography Allan Riberio, Darel Valença Lins montagem editing Will Domingos, Allan Ribeiro som sound Douglas Soares produção producer Cavi Borges, Allan Ribeiro contato contact faustogjr@yahoo.com.br

Brasil, 2014, cor, 21’ direção director Coletivo Mbya-Guarani de Cinema fotografia cinematography Aldo Ferreira, Ariel Ortega, Leo Ortega, Patrícia Ferreira, Ralf Ortega, Cláudia Oliveira, Gustavo Ortega montagem editing Ernesto de Carvalho som sound Aldo Ferreira, Ariel Ortega, Leo Ortega, Patrícia Ferreira, Ralf Ortega, Cláudia Oliveira, Gustavo Ortega produção producer Olívia Sabino contato contact olinda@videonasaldeias.org.br

Uma solidão de oitocentos metros quadrados, em Na Aldeia de Koenju, no Rio Grande do Sul, o joque o espelho já não lhe basta. Um artista plástico vem Mario tira onda com os desafios da realidade descobre na video-arte uma companheira insepa- Mbya-Guarani de hoje. rável. Darel não gosta de fazer cinema! In the hamlet of Koenju in Rio Grande do Sul, the A solitude of 800 square meters in which the the young Mario makes fun of the challenges of the mirror doesn’t serve you. A visual artist discovers Mbya-Guarani reality of today. an inseperable partner in the videoarts. Darel doesn’t like to make cinema.

cine humberto mauro, 26 NOV, 17H

cine humberto mauro, 24 NOV, 21H

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Orestes

Quintal Backyard

Brasil, 2015, cor, 93’ direção director Rodrigo Siqueira fotografia cinematography Leo Resende Ferreira montagem editing Lessandro Sócrates, Rodrigo Siqueira som sound Célio Dutra produção producer Rodrigo Siqueira contato contact rodrigo.7estrelo@gmail.com

Brasil, 2015, cor, 20’ direção director André Novais Oliveira fotografia cinematography Gabriel Martins montagem editing Thiago Ricarte som sound Maurílio Martins produção producer Thiago Macêdo Correia contato contact contato@filmesdeplastico.com.br

Híbrido de tragédia e documentário, o filme se desenvolve em torno do julgamento de Orestes, que matou o próprio pai – um agente da ditadura militar infiltrado nos movimentos de resistência – 37 anos após vê-lo matar sua mãe. Crime comum? Crime político? Qual a distância entre a justiça, a verdade e a subjetividade coletiva? Orestes é o ponto de partida para muitas perguntas.

Mais um dia na vida de um casal de idosos de periferia. Another day in the life of an eldery couple in the periphery.

A hybrid between tragedy and documentary, the film revolves around the trial of Orestes, who killed his father – an agent for the military dictatorship infiltrated in the resistance movement – 37 years after seen him kill his mother. A common crime? What is the distance between justice, truth and collective subjectivity? Orestes is the starting point for a lot of questions.

cine humberto mauro, 20 NOV, 21H

cine humberto mauro, 29 NOV, 18H30


Ressurgentes: Um filme de ação direta

Sem Título #2: la mer larme

Resurgents: a film about direct actions Brasil, 2014, cor, 75’ direção director Dácia Ibiapina fotografia cinematography Leonardo Feliciano montagem editing Guile Martins som sound Francisco Craesmeyer, Camila Machado produção producer Dácia Ibiapina contato contact dacia.ibiapina@gmail.com

Brasil, 2015, cor, 31 min direção director Carlos Adriano fotografia cinematography Carlos Adriano montagem editing Carlos Adriano som sound Carlos Adriano produção producer Carlos Adriano contato contact adriano.carlos.ca@gmail.com

Este filme tangencia ações diretas de manifestantes de movimentos autônomos do Distrito Federal do Brasil no período de 2005 a 2013: Movimento Passe Livre, Fora Arruda e Máfia, Marcha das Vadias, Santuário não se move. Além das gravações feitas pela equipe do filme, são utilizados como material de arquivo, os vídeos gravados pelos próprios militantes durante as manifestações. Assim, o filme traz os espectadores para dentro das manifestações.

O mar visto por atualidades do século XIX, produzidas em 1891, 1895, 1897 e 1900, no Brasil, Estados Unidos, França e Inglaterra. Da série “apontamentos para uma AutoCineBiografia (em Regresso)”. The sea seen by 19th century images, produced in 1891, 1895, 1897 and 1900 in Brazil, United States, France and England. From the series “Notes for a AutoFilmBiography (in Return).”

The film depicts direct actions from demonstrations of autonomous movements in the Federal District of Brazil in the period between 2005 and 2013: Movimento Passe Livre, Fora Arruda e Máfia, Marcha das Vadias, Santuário não se move. Beyond the crews’ records, the film also uses as archival material videos made by the militants during the demonstrations, so that the spectator feels like being inside the demonstration.

cine humberto mauro, 28 NOV, 16H30

cine humberto mauro, 29 NOV, 18H30

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Virgindade Virginity

Yorimatã

Brasil, 2015, cor, 16’ direção director Chico Lacerda fotografia cinematography Chico Lacerda montagem editing Chico Lacerda som sound Chico Lacerda produção producer Chico Lacerda contato contact luiz.francisco.lacerda@gmail.com

Brasil, 2014, cor/p&b, 116’ direção director Rafael Saar fotografia cinematography Lucas Barbi montagem editing Rafael Saar som sound Eduardo Silva produção producer Daniela Santos, Eduardo Ades, Eduardo Cantarino, Rafael Saar contato contact rafaelsaar@gmail.com

Se pudesse, eu voltaria a ser uma criança só pra po- Duas mulheres em meio ao movimento hippie der fazer mais do que eu já fiz quando era pequena! dos anos 70 se unem pelo sonho de liberdade. Luhli e Lucina vivem em seu cotidiano criativo de If I could, I’d become a child once again so I could uma comunidade alternativa a experimentação do more than I did when I was a little girl! musical radical e se tornam pioneiras no cenário independente brasileiro. Seu companheiro de um relacionamento a três, o fotógrafo Luiz Fernando Borges da Fonseca, registra tudo em filmes super 8mm. Um filme sobre a liberdade e a busca das raízes primitivas culturais brasileiras. Two women in the middle of the hippie movement in the 1970s get together in the dream of liberty. Luhli and Lucina live a radical musical experimentation in their everyday life in an alternative community, becoming pioneers in the Brazilian independent scene. Their partner in a relationship of three, the photographer Luiz Fernando Borges da Fonseca, documents everything in super 8mm. A film about liberty and the search for the primitive Brazilian cultural roots.

cine humberto mauro, 27 NOV, 17H

cine humberto mauro, 27 NOV, 21H


mostra contemporÂnea internacional



#73 #73

10949 FEMMES 10949 MULHERES

Iraque, 2015, cor, 23’ direção director Rekesh Shahbaz fotografia cinematography Rekesh Shahbaz montagem editing Rajab Ahmed som sound Rajab Ahmed produção producer Rajab Ahmed contato contact tetyana.korolchuk@gmail.com

França/Algélia, 2014, cor, 76’ direção director Nassima Guessouim fotografia cinematography Nassima Guessouim, Houssem Bokhari montagem editing Houssem Bokhari som sound Nassima Guessouim, Houssem Bokhari produção producer Joana Sitkowska contato contact nassima_g2002@yahoo.fr

Em sua pista pavimentada por genocídios, execuções em massa e escravidão, a ascensão do Estado Islâmico no Iraque e Síria deixou dispersas incontáveis famílias dos Yezedi, minoria do Curdistão. Acompanhamos um jovem de volta à sua vila sitiada para salvar seus parentes mais velhos, deixados para trás pela primeira onda de refugiados.

Em Algiers, conheci Nassima Hablal, uma heroína esquecida da Revolução Argelina. Como uma avó para sua neta, ela me conta sua história de uma mulher na Guerra, sua luta por uma Argélia independente. Através dos seus relatos, reconstruo uma parte da minha própria história. Ao questionar a Argélia do passado, entendo a Argélia do presente. Todos os anos eu retorno para visitá-la. Uma Their road paved by genocides, mass executions relação pessoal e carinhosa permite agora uma and enslavement, the rise of the Islamic State rara intimidade, e o filme ultrapassa a transmissão of Iraq and Syria left countless families of the oral da História. Yezidi minority in Kurdistan scattered. We follow a young man back to his besieged village to save In Algiers, I meet Nassima Hablal, a forgothis elderly parents who were left behind by the ten heroine of the Algerian Revolution. Like a first wave of refugees. grandmother with her granddaughter, she tells me her story of a woman in the war, her fight for an independent Algeria. Through her accounts, I reconstruct a part of my own history. Questioning Algeria of the past I understand the present Algeria. Every year I come back to visit her. A personal and lovely relationship allows now a rare intimacy, and the film goes beyond oral transmission of History.

cine humberto mauro, 22 NOV, 19H30

cine humberto mauro, 23 nov, 16H30

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Cuerpo de letra Corpo de Letra Argentina, 2015, cor, 77’ direção director Julián d’Angiolillo fotografia cinematography Matías Iaccarino montagem editing Lautaro Colace, Julián d’Angiolillo som sound Pablo Chimenti produção producer Laura Bruno contato contact elnuevomunicipio@gmail.com

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Gefängnisbericht eines AbnormenWohlerzogenen von Chinpou Relatório de prisão de um desajustado bem comportado, por Chinpou Alemanha, 2015, cor, 53’ direção director Rikisaburo Sato fotografia cinematography Rikisaburo Sato, Konrad Bohley montagem editing Rikisaburo Sato som sound Judith Nordbrock produção producer Christof Groos contato contact riki3ro@hotmail.co.jp

Eze está aprendendo a ler. A carta deve ter um passo de largura e um braço de altura. A palavra tem que ser legível da distância remota de uma rodovia. A cor fará o resto, identificando o nome com o partido político pintado na parede. Durante a campanha, todo espaço livre na cidade será disputado pelas equipes especializadas em grafite político, e cada artista talentoso será requisitado pela equipe rival.

Um prisioneiro japonês em Bangkok escreveu sobre sua vida na prisão durante 16 anos, de um modo estranho e humorado. Seus relatos foram publicados na internet. Em 2009, sua sentença foi reduzida pelo rei Thai. Em 2011, ele foi solto – logo depois do desastroso Tsunami atingir sua cidade natal. O filme documenta suas cartas, sua libertação e o seu retorno para o Japão.

Eze is learning to write. The letter has to be one step wide and one arm high. The word has to be legible from the fast distance of a highway. Color will do the rest, identifying the name with the political party painted on the wall. During the campaign, every free space in the city will be disputed by the crews specialized in commission political graffiti, and every skillful lettering artist will be demanded by the rival crew.

A Japanese prisoner at Bangkok wrote about his prison life for 16 years in a strange and humorous way, which were released on the internet. 2009, his sentence was reduced by the Thai king, 2011, he was released – shortly after the great tsunami disaster in his hometown. The film documents his letters, his release and return to Japan.

cine humberto mauro, 21 NOV, 21H30

cine humberto mauro, 29 NOV, 16H


Greetings to the Ancestors SAUDAÇÕES AOS ANCESTRAIS

Home Lar

EUA/África do Sul, 2015, cor, 29’ direção director Ben Russell fotografia cinematography Ben Russell montagem editing Ben Russell som sound Ben Russell produção producer Ben Russell contato contact br@dimeshow.com

Síria/Líbano, 2015, cor, 70’ direção director Rafat Alzakout fotografia cinematography Farah Kassem, Juma Hamdo, Joude Gorani, Rafat Alzakout montagem editing Zeina Aboul-Hosn som sound Joelle Abou-Chabke, Lara Zakhour produção producer Christin Luettich contato contact christin.luettich@gmail.com

Ambientado entre Suazilândia e África do Sul, numa região que ainda enfrenta as divisões produzidas por um regime de apartheid, Saudações aos ancestrais documenta as vidas sonhadas dos habitantes deste território conforme as fronteiras da consciência se dissolvem e expandem. Documentário simétrico, etnografia e cinema de sonho, Saudações aos ancestrais apresenta um mundo em que as fronteiras estão constantemente se desmaterializando.

Em meio aos tumultos na Síria, a paixão pelas artes e pelo teatro leva ao encontro Rafat, o diretor do filme, e um grupo de jovens amigos que aproveitam a nova frágil liberdade na cidade para criarem um espaço que eles chamam “Lar”. No “Lar”, o dançarino de balé Ahmed, o desertor do exército Mohammed e o ex-professor Taj compartilham suas esperanças para o futuro do seu país, mas à luz dos ataques aéreos e da ascensão iminente do Estado Islâmico, eles veem seus sonhos desmoronarem.

Set betweem Swaziland and South Africa, in a region still struggeling with the divisions produced by an apartheid government, Greetings to the ancestros documents the dream lives of territory’s inhabitants as the borders of consciousness dissolve and expand. Equal parts documentary, ethnography and dream cinema, Greetings to the ancestrospresents a world whose borders are constantly dematrializing.

In the midst of the Syrian turmoil, the joint passion for arts and theater leads to the encounter of Rafat, the director of this film, with a group of young friends who enjoy the new fragile freedom reigning in their city to create a space they call ‚Home‘. At ‚Home‘ ballet dancer Ahmed, army deserter Mohammed and former art teacher Taj share their hopes for the future of their country, but in the light of the random shelling by regime aircrafts and the impending rise of the Islamic State, they find their dreams shattered.

cine humberto mauro, 24 NOV, 17H

cine humberto mauro, 22 NOV, 19H30

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Homeland: Iraq Year Zero Terra natal: Iraque ano zero

Kibuki: spirits in Zanzibar KIBUKI: ESPÍRITOS EM ZANZIBAR

Iraque/França, 2015, cor, 334’ direção director Abbas Fahdel fotografia cinematography Abbas Fahdel montagem editing Abbas Fahdel som sound Abbas Fahdel produção producer Abbas Fahdel contato contact abbas-fahdel@wanadoo.fr

Tanzânia, 2014, cor, 24’ direção director Elizabeth Brooks fotografia cinematography Elizabeth Brooks montagem editing Winston Merchan,Heidi Petty som sound Richard Barley produção producer Elizabeth Brooks contato contact lizzy.brooks@gmail.com

Crônicas do cotidiano no Iraque antes e depois da Kibuki: Espíritos em Zanzibar examina práticas de cura baseadas no transe através de um olhar invasão norte-americana. transcultural. Filmado ao longo de 15 meses, o Parte I: Antes da queda (160 min.) Durante vários projeto explora a construção de crenças em torno meses o diretor filmou um grupo de iraquianos, do corpo físico, estrangeiridade, e a destruição e na sua maioria membros de sua própria família, transformação do “eu” num período de aflição. em suas expectativas para a guerra. Essa primeira parte do filme se encerra com o início dos ataques Kibuki: Spirits in Zanzibar examines trance-based norte-americanos à Bagdá. healing practices through a cross-cultural lens. Parte II: Após a batalha (174 min.) Os americanos Filmes over 15 months, the project explores belief invadem o Iraque, e o filme mostra as consequên- constructs surrounding the physical body, foreigncias dessa invasão no cotidiano dos personagens. ness, and the destruction and transformation of self in a period of grieving. Chronicles of the Iraqi daily life before and after north-american invasion Part 1: Before the fall (160 min.) During several months, the director filmed a group of Iraqis, mainly members of his own family, in their expectation for war. The first part of the film ends with the beginning of north-american attacks on Baghdad. Part 2: After the battle (174 min.) The Americans invaded the Iraq and the movie shows the consequences of it in the every day life of the characters.

cine humberto mauro, 23 NOV, 18H

cine humberto mauro, 24 NOV, 17H


LA FIÈVRE A Febre

The Sound Before the Fury O Som antes da Fúria

França, 2014, cor, 40’ direção director Safia Benhaim fotografia cinematography Safia Benhaim montagem editing Safia Benhaim som sound Mathieu Farnarier produção producer Arthur B. Gilette contato contact safiabenhaim@gmail.com

França, 2014, cor/p&b, 88’ direção director Martin Sarrazac, Lola Frederich fotografia cinematography Eric Legay, Chloé Blondeau, Martin Sarrazac, Jérémie Clement montagem editing Sylvain Piot, Martin Sarrazac som sound Fabrice Naud produção producer Monette Berthomier contato contact fury@archieball.com

Marrocos, 2011. Numa noite febril, uma criança percebe um fantasma, uma mulher que veio do mar, voltando para casa após um longo exílio político. Um conto silencioso, uma voz sem corpo e visões se misturam na escuridão da noite e da febre. A criança e a refugiada política são agora uma, viajando juntas para uma estranha construção, assombrada por memórias perdidas. A história da descolonização e as lutas políticas esquecidas aparecem e desaparecem. Mas uma nova luta, a Primavera Árabe do Marrocos, inunda o passado.

Em Janeiro de 1972, Archie Shepp gravou o álbum Attica Blues em homenagem à rebelião na prisão de Attica. 40 anos depois ele revisita essas músicas. Seguimos ele e seus 25 músicos durante dias de intensos ensaios para o concerto de abertura, em Paris. Testemunhamos a determinação de Shepp em transmitir, para além das notas, o sentido e o sentimento de sua música; descobrimos os laços, alguns íntimos, que os músicos possuem com os eventos de Attica.

Morocco, 2011. On a feverish night, a child perceives a ghost, a woman who has come from the sea, coming home after a long political exile. A silent tale, a bodyless voice and visions mingle in the dark of the night and the fever. The child of the present and the political refugee are now one, travelling together to a strange building haunted by lost memories. History of decolonization and forgotten political fights appear and disappear. But a new struggle, the Arab Spring of Morocco, floods the past.

cine humberto mauro, 24 NOV, 17H

In January 1972, Archie Shepp recorded the album Attica Blues as an hommage to the Attica prison rebellion, 40 years later he revisits this music. We follow him along with 25 musicians through days of intense rehearsal to the opening concert in Paris. We witness Shepp’s determination to transmit, beyond the notes, the meaning and feeling of his music; we discover the ties, some intimate, that the musicians have with the Attica events.

cine humberto mauro, 27 NOV, 15H

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SESSÕES ESPECIAIS


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TANÇA

Remanescentes Remainders

Brasil, 2015, cor, 31’ Realização Irmandade dos Atores da Pândega e Associação Quilombola Mato do Tição direção artística artistic direction Gercino Batista imagens camera Carolina Canguçu, Lenysson Cunha, Fabiana Santos, Lindomar Santos montagem editing Carolina Canguçu som sound Francys Raphael, Marcos Pierry, Bruno Alves Saci produção producer Luana Gonçalves contato contact irmandadedapandega@hotmail.com

França, 2015, cor, 104’ direção director Raphaël Grisey fotografia cinematography Raphaël Grisey som sound Raphaël Grisey produção production Olivier Marboeuf montagem editing Raphaël Grisey contato contact rgrisey@gmail.com

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Tança, africana escravizada na região da Serra do Cipó, Minas Gerais, é a matriarca ancestral do Quilombo do Matição, que teria vivido cerca de 130 anos. Constantina Augusta dos Santos, a tia Tança, renasce vigorosa na memória de seus descendentes mais velhos: 6 irmãos da família Siqueira, que mantém com impressionante lucidez e riqueza de detalhes a história do quilombo.

Um quilombo, comunidade de descendentes de antigos escravos, readquiri visibilidade em um vale ameaçado pelos interesses de uma mineradora multinacional. Na cidade, a especulação imobiliária invade outro quilombo, enquanto as mulheres lutam valentemente para preservar o que resta e lutar pelas terras que os foram roubadas. Remanescentes é um ensaio-documental sobre a questão quilombola Tança, an african slave in the region of Serra do e trata de como a política e a sociedade Brasileira Cipó, Minas Gerais, is the ancestral matriarch lida com a história de seus Afrodescendentes. of the Quilombo do Matição who lived about 130 A quilombo, a community of descendants of foryears. Constantina Augusta dos Santos, the aunt mer slaves, is about to be born, or rather to reaquire Tança, is reborn vigorously in the memory of her visibility, in a valley threatened by a multinational oldest descendants: 6 brothers of the Siqueira fam- mining concern. In town, real estate spectulation ily who keep the history of the quilombo with an is invading another quilombo, while the women impressive lucidity and richness of details. are valiantly fighting to preserve what remains and win back stolen lands. Remanescentes is documentary essay on the quilombola question and the complex relations the Brazilian people maintain with their origins.

cine humberto mauro, 29 NOV, 17H

cine humberto mauro, 22 NOV, 15H


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A estrangeira

Uma Família Ilustre Under the Radar

Brasil, 2015, cor, 98’ diretor director Rodrigo Moura fotografia cinematography Bernard Machado, Eungie Joo, Letícia Ramos, Lucas Barbi, Lucas Campolina montagem editing Luiz Pretti som sound Jonathan Macias, Juliano Zoppi, Pedro Aspahan produção producer Instituto Inhotim contato contact morgana.rissinger@inhotim.org.br

Brasil, 2015, cor, 15’ direção director Beth Formaggini fotografia cinematography Cleisson Vidal, Juarez Pavelak som sound Toninho Muricy montagem editing Marcia Medeiros produção producer Beth Formaggini contato contact 4ventos2007@gmail.com

Um filme se constrói de várias maneiras. No caso deste, com um nome e uma voz. A primeira entrevista aconteceu em junho de 2012, no apartamento de Claudia Andujar. Não havia filme nenhum no horizonte e a ideia era só coletar informações biográficas para um texto. Aí teve início o filme sobre a artista e ativista, que trabalhou por mais de 40 anos com os Yanomami, produzindo uma extensa obra fotográfica sobre sua cultura.

Conversa entre o Bispo evangélico Claudio Guerra, ex-chefe da polícia civil que assassinou e incinerou militantes que se opunham à ditadura e Eduardo Passos psicólogo militante dos direitos humanos. Suas motivações variam entre o orgulho em ser um cumpridor de ordens competente, um servo leal da luta contra o comunismo ao prazer de ser temido e o amor ao poder e ao dinheiro. Ora é um cristão arrependido ora um assassino orgulhoso de seu trabalho.

A film can be constructed in several ways. In this case, with a name and a voice. The first interview took place in June 2012, in Claudia Andujar´s apartment. There was no movie on the horizon and the idea was to collect biographical information for a text. This was the beginning of the film about the artist and activist who worked for more than 40 years with the Yanomami people, producing an extensive photographic oeuvre about their culture.

cine humberto mauro, 28 NOV, 21H

Conversation between the former head of the civil police who murdered and incinerated militants who opposed the dictatorship and a clinical psychologist who works with human rights. Tells of his love for power and pleasure to be feared.

cine humberto mauro, 29 NOV, 17H


LANÇAMENTOS


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REVISTA Devires V.11 N.2 Na continuidade de uma longa e profícua interlocução, a 19a. edição do forumdoc.bh abriga o lançamento do volume 11, numero 2 da Devires – Cinema e Humanidades, revista publicada conjuntamente pelos programas de Pós-Graduação em Comunicação e Antropologia da Fafich/UFMG. Em dossiê dedicado ao tema “O cinema e o animal”, os artigos procuram pensar o inquietante e produtivo desconcerto deste encontro: como, afinal, filmar esse outro radical cuja aparência não se endereça à câmera; cuja aparência, no limite, não se destina a um espectador? Na maior parte dos filmes abordados, trata-se de abalar a perspectiva humana emprestada à câmera, de modo que ela incorpore posições e perspectivas animais, ampliando-se com isso os limites da política do cinema. A revista Devires associa os estudos do cinema ao domínio das Humanidades, em abordagens que tratam a escritura do filme em sua relação com as múltiplas formas de vida. A publicação procura engajar-se nos debates teóricos e nas obras que refletem critica e intensamente o campo do cinema em sua longa tradição e nos dias de hoje. In the continuity of a long and prolific communication, forumdoc.bh’s 19th edition holds the launch of the second number of the 11th volume of Devires – Cinema and Humanities, a journal published by the pos-graduation programs of Communication and Anthropology of Fafich/UFMG. In a dossier dedicated to the theme “The cinema and the animal”, the articles debate the unsettling and productive uneasiness derived from this meeting: how to, finally, film this radical other whose appearance is not directed to the camera; whose appearance is not directed to a spectator? The majority of the films approached here deals with upsetting the human perspective loaned to the camera, in a way that it incorporates animal positions and perspectives, increasing with that the political boundaries of cinema. Devires associates the studies of cinema to the main field of Humanities, in approaches that deal with the writing of film in its relationship with the multiple forms of life. The publication seeks to engage itself in theoretical debates and the works that reflect critical and intensely the field of cinema in its long tradition in nowadays. ARENA FAFICH (CAMPUS UFMG), 17 NOV, 20H

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imagem e EXÍLIO O exílio como consequência de governos ditatoriais é uma experiência comum a quase todos os países do continente. Estudar como este tema foi tratado pelas artes é essencial para entender o trauma que marcou a nossa vivência de latino-americanos. O descaso com esta experiência traumática também se configura como uma parte de nós mesmos que exilamos. Os ensaios de Olgária Matos, Ismail Xavier e outros são uma pequena contribuição para a bibliografia brasileira deste assunto tão relevante para a nossa história. Exile as a result of dictatorial governments is an common experience to almost all countries of this continent. To study how this issue was handled by the arts is essential in order to understand the trauma that marked our experience as Latin Americans. The neglect this traumatic experience is also to exile a small part of ourselves. The essays by Olgária Matos, Ismail Xavier and others featured in this publication are a small contribution to the Brazilian literature on such a relevant subject of our history.

CINE 104, 27 NOV, 19H


PISEAGRAMA Lançamento do oitavo número da PISEAGRAMA, com o tema extinção. A edição, reune índios, ecologistas, biólogos, climatogistas, artistas e filósofos que discutem as várias formas de extinção que nos aproximam do fim do mundo, bem como algumas experiências e projetos que revertem processos de destruição. Contará com falas dos editores da revista, além de debate com Moysés Pinto Neto, Ailton Krenak, Tonico Benites e Yanet Aguillera, professora boliviana que lançará um livro sobre cinema indígena. The release of the eighth edition of PISEAGRAMA, with the topic of extinction. The edition unites indigenous people, ecologists, biologists, climatologists, artists and philosophers who discus the various forms of extinction which bring us closer to the end of the world, as well as some experiences and projects which revert the process of destruction.The event will have speeches from the journals’ editors, and debates with Moysés Pinto Neto, Ailton Krenak, Tonico Benites and Yanet Aguillera, a Bolivian professor who will release a book about indigenous cinema.

CINE 104, 27 NOV, 19H

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Circuito forumdoc



Circuito forumdoc: afirmação do negro na produção audiovisual

Esta edição do circuito forumdoc.bh surge do encontro de estudantes, produtores culturais e lideranças comunitárias, interessados na promoção de atividades culturais relacionadas ao mês de novembro – mês da celebração da consciência negra. Essa edição do Circuito forumdoc, aborda o tema: afirmação do negro na produção audiovisual e acontece em parceria com a Mostra Raízes, o Centro Cultural Flor do Cascalho, a Casa Aberta de Cultura e representantes de Ocupações Urbanas Esperança e Eliana Silva, em Belo Horizonte.

PROGRAMÇÃO 6 a 27/11 Oficina de vídeo com alunos da escola Municipal Hugo Wernek

Local: Morro do Cascalho Ministrantes: Luisa Lanna, Aiano Mineiro, Josélio Teixeira 9/11 Exibição do filme Tança

Local: Centro de Educação e Cultura Flor do Cascalho Horário: 20hs 10/11 MOSTRA RAÍZES: Exibição documentário Foice a Face

Sessão comentada: Diretor Ma Cca e a produtora Fernanda Lomba. Horário: 19hs 11/11 MOSTRA RAÍZES: Exibição dos curtas Fantasmas e Quintal

Sessão comentada: Diretor André Novais. Horário: 19hs

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12/11 MOSTRA RAÍZES: Exibição websérie Empoderadas

Sessão comentada: Diretora do filme Renata Martins Horário: 19hs 13/09 MOSTRA RAÍZES: Exibição do filme A Batalha do Passinho

Local: Ocupação Eliana Silva – Escola Municipal Presidente Itamar Franco Horário: 9hs 13/11 MOSTRA RAÍZES - Exibição documentário Tança

Sessão comentada: Lindomar dos Santos e Luana Gonçalves Horário: 19hs 14/09 Exibição do filme: Salve Maria

Local: Ocupação Esperança Horário: 20hs

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28 e 29/11 Mostra Território e a imagem de nós mesmos: das ocupações urbanas e periferias

Local: Cine Sesc Palladium Horário: 10hs

apoio

Mostra Raízes Centro Cultural Flor do Cascalho CAC - Casa Aberta de Cultura Espaço Comum Luís Estrela


Relatos afetivos sobre a experiência do 1º Circuito forumdoc.ufmg*

Se a quebrada não vai ao cinema, o jeito é levar o cinema até a quebrada. Até porque não tem preço essa sensação de ver o encontro de pessoas, que, em muitos dos casos, nunca se quer já foram ao cinema, vendo filmes que dialogam com seu cotidiano. Edinho Vieira

Para além do Festival anual, as exibições do forumdoc.bh se estendem no decorrer do ano em outras mostras e itinerâncias. Neste ano, o forumdoc.ufmg, programa de extensão universitária vinculado ao festival, realizou no primeiro semestre o 1º Circuito forumdoc.ufmg, mostra itinerante que tinha como temática a relação entre “Cinema e Território”. O projeto surgiu de uma iniciativa conjunta elaborada pelos bolsistas, coordenadores do programa, cineclubistas, voluntários e representantes de comunidades. Na primeira edição do circuito, foram exibidos diversos filmes brasileiros em escolas e faculdades da UFMG, e em comunidades, favelas e ocupações de Belo Horizonte. Um dos objetivos da mostra foi o de ocupar tais espaços em disputa na cidade, com o intuito de exibir e debater filmes que discutem im*fonte : O evento contou com 8 sessões que ocorreram entre os dias 9 de Junho e 4 de Julho no ano de 2015 na Fafich, na Escola de Arquitetura, na Faculdade de Direito da UFMG, nas ocupações três ocupações da região Izidora (Esperança, Vitória e Rosa Leão) e no Centro Cultural Lá da Favelinha (Aglomerado da Serra). Os filmes exibidos foram: Rapsódia para um homem negro de Gabriel Martins, Hiato de Vladmir Seixas, Em trânsito de Marcelo Pedroso, A vizinhança do tigre de Affonso Uchoa, O som ao redor de Kleber Mendonça Filho, Ressurgentes de Dácia Ibiapina, O céu sobre os ombros de Sérgio Borges, A cidade é uma só? de Adirley Queirós e A batalha do passinho de Emílio Domingos.

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portantes pautas políticas relacionadas com o território urbano, como por exemplo a moradia, a desigualdade social e de gênero e o racismo. Nesses encontros, o modelo tradicional de extensão universitária foi de alguma maneira tensionado. Sujeitos de dentro e de fora da instituição se misturaram, a construção da mostra se deu coletiva e horizontalmente. Cada sessão foi atravessada de uma maneira singular pelos afetos gerados nos espaços. Pessoas do ambiente acadêmico se deslocarem para fora dele e vice-versa. Como um exercício de reflexão sobre a iniciativa, que ainda está em processo de construção, pedimos para que os envolvidos na realização da mostra, cada um com o seu ponto de vista, escrevessem um breve parágrafo com suas impressões, comentários e incertezas sobre o projeto. 1.

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A diversidade de espaços percorridos resultou em uma experiên-

cia heterogênea. Se tratando principalmente das sessões externas, as exibições afetavam e – principalmente – eram afetadas pela vida das comunidades visitadas. Da mesma forma como os filmes escolhidos pela curadoria visavam dialogar com o contexto de cada região, elas mesmas se mostraram construtoras principais da experiência. As sessões nas comunidades eram muitas vezes acopladas às festividades locais ou seguidas de expressões artísticas que mantinham relações com a vivência ali. Aqui, se fez de grande importância a atuação de um representante, morador, ativista ou coordenador de espaço cultural nas comunidades. A proposta de articulação prevê a participação ativa desses mobilizadores na idealização e organização do evento. Eram eles os responsáveis não só pela mobilização do público dentro de suas respectivas comunidades como também por planejarem, em conjunto com o restante da equipe, o próprio formato da sessão para melhor dialogar com o contexto local. 2. Já devia beirar oito da noite mas a sessão, que estava marcada para

as sete, ainda não tinha começado: -“Távamos indo pagar uma promessa e resolvemos passar por aqui pra abençoar as pessoas desta


terra de luta!”, disse a senhora que carregava em suas mãos a bandeira daquela pequena Guarda de Congado. Com poucos instrumentos e um quépi, fazendo a vez de toda a farda, o cortejo atravessou as barricadas da entrada, costurou entre as bandeiras da festa junina, que apenas começava, e irrompeu no galpão comunitário que abrigava a sessão. Era sábado, dia do filme e da visita de Adirley Queiroz na Ocupação Esperança, um dos três corações da Izidora. “A Cidade é Uma Só?” uma boa pergunta para aquela noite…Uma semana antes, em mais um largo episódio da luta contra o despejo, muitas das pessoas ali sentadas haviam sido atacadas, perseguidas e presas pela PMMG enquanto marchavam rumo à Cidade Administrativa, sede do governo do estado. As luzes já estavam apagadas e foi entre o projetor e a tela que a Guarda tocou, cantou e se despediu, abrindo os caminhos para que começasse, enfim, o que seria a noite inaugural do cineclube comunitário Boca do Lixo.

67 3.

O transpor da tela, sair da sala de cinema para transbordar as fron-

teiras cinematográficas e levá-la a outros espaços, foi com essa máxima que começamos a organizar a experiência do primeiro Circuito forumdoc.ufmg. Pensar o fazer cinematográfico não somente no conteúdo que se transmite na película, mas onde ela é vista, com qual público ela dialoga, e quem recebe e tem acesso a esta obra. Ao iniciarmos este processo de transposição do local clássico do cinema “independente” que seria as salas de cinema (em Belo Horizonte mais especificamente as salas do Cine Humberto Mauro, Belas Artes, 104 e Sesc Palladium), passamos por dificuldades técnicas de como realizar sessões onde não há infraestrutura adequada para a exibição de uma película, e se a potência dos filmes atingiriam com a mesma potência este público estranho a estas linguagens (sendo que este não tem acesso a salas de cinema perto de suas moradias, este na verdade não tem a infraestrutura básica de uma moradia que seria garantido pela constituição brasileira). Após a realização de algumas destas sessões o que posso dizer desta transposição da sala para um local não adequado a exibição de película (segundo os puristas fílmicos),


é que o filme em si não perde sua potência exibido fora de seu local sacro, ele trabalha aqui com outros mecanismos de entendimento, a dinâmica da exibição se transforma, as sessões nunca eram silenciosas, como costuma ser dentro das salas de cinema, mas interferidas por diversos barulhos, música, vozes, comentários, risos. É a exibição dinâmica dos filmes que muda a relação deste público com os filmes. Não se perde com a exibição de longas ou curtas fora de seus espaços consagrados, mas se transforma a relação deste público que em geral é estranho a estes filmes que levamos com a imagem que lhes é transmitida. Esta já é reverberada em uma atitude espontânea de apoio ou crítica imediata a imagem que é transmitida. A imagem neste espaço marginal onde o dispositivo da sala de cinema não se encontra tão disponível quanto no centro da urbe ainda detém sua potencialidade de encantamento na forma como Benjamin nos falava em seu famoso texto “A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica”.

68 4.

Um processo para imergir na comunidade. Temos a conjuntura fíl-

mica que chega a quase ser pessoal, entendendo os gostos de cada comunidade. Vamos para a pré-produção de baixo do forte sol, da poeira singela e da ansiedade. A noite cai, a divulgação boca a boca já foi feita, a tela grande ocupa o espaço dentro da ocupação e dá lugar ao inusitado e ao bizarro dentro do cotidiano, é quando somos interrompidos por uma criança: “É para pagar?”. 5.

A experiência do 1º Circuito forumdoc.ufmg foi muito cara a minha

formação pessoal e intelectual, coisas que foram levemente tocadas, rapidamente postas em nossas discussões, ou como consequência de nossas ações reverberaram fortemente em minhas concepções políticas. Seja por quebrar as barreiras (espaciais e metafóricas) entre a academia e o resto da cidade, seja por promover uma ruptura com uma concepção inacessível de cinema, em sua essência, o evento tem claramente um carácter político em si. Porém, o carácter mais importante para mim foi a presença de promotores culturais ou simples indivíduos das comunidades nas quais exibiríamos, o que pode parecer


apenas lógico e trivial em um primeiro momento, mas tem um grande significado em si, que é a transformação daqueles que normalmente não têm suas opiniões e concepções consideradas, em atores e formadores de opinião. O que em minha opinião faz a ação perder seu carácter “filantrópico” (de caridade), e ganhar legitimidade e relevância nas experiências afetivas e políticas dos envolvidos, sejam esses espectadores ou realizadores. Outro tema muito caro a mim, aconteceu devido ao contexto que estavam evolvidas as exibições, nessa época, aumentara o cerco aos moradores da ocupação Izidora por empreiteiras imobiliárias, os governos estadual e municipal e pela polícia militar, logo o medo de um despejo era imanente a todas nossas discussões e atividades. Foi nesse cenário que se tornou perceptível outra forma política do cinema e das exibições; através de vinhetas projetadas antes dos filmes que representavam e as realidades e pautas das comunidades onde exibíamos, ou pelo próprio carácter dos filmes selecionados, podíamos repercutir e levar essa discussão em locais que não eram diretamente afetados por ela. Da mesma forma quando realizávamos exibições nessas comunidades, trazíamos pessoas não envolvidas nessas situações, o que retratava aos moradores o apoio que estavam recebendo, o que tem uma carga emocional forte. Esses dois movimentos, portanto, ajudaram a retratar e divulgar as pautas da comunidade. Principalmente no Izidora onde a situação era crítica e hoje encontra-se a grosso modo estabilizada, podemos perceber o poder que esse tipo de ação causa e que suas consequências não devem ser subestimadas. 6.

O Circuito forumdoc.ufmg foi o resultado de uma rede que tinha

seu eixo no território. Nesse processo, essa rede de pessoas, espaço se cinema, se fortaleceu ao longo de cada exibição e ganhou a contribuição de cada colaboradora e cada colaborador do projeto: bolsistas, professorxs, voluntárixs, cineclubistas, moradorxs da Izidora e da favelinha da Serra, espectadores e tantos outros sujeitos que de alguma forma passaram por ela. Nas inúmeras correrias e surpresas ganhamos aprendizados e muitas potencialidades: a realização do imedia-

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to, de descobrir o que vai ser aquela sessão e debate quando eles já aconteceram. Termos uma sessão “vazia” na Rosa Leão e, ao mesmo tempo, muito cheia em discussão. O debate não ficou centrado no diretor e em nenhum cineclubista, mas entre jovens: uma moradora da ocupação que se divertiu revendo as cenas de “A Vizinhança do Tigre” e se surpreendeu ao perceber que o personagem Neguinho ( justamente o outro jovem que foi centro do debate) estava na sua frente. Termos também uma sessão lotada justamente porque, após a atitude truculenta da PMMG na marcha realizada pelxs moradorxs da Izidora, eles se reuniram em assembleia antes de nossa sessão para discutir o ocorrido e ver as mulheres da comunidade associando personagens de “Rapsódia para um homem negro” aos personagens de nossa política. 7.

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O deslocamento é preciso e para mim o 1º Circuito forumdoc.ufmg

foi isto, um deslocar de territórios, mídias e relações. Visitar uma comunidade era algo novo para mim, porém, rapidamente percebi que independente de tela de projeção, o aprendizado e as relações que se formavam ali eram impossíveis dentro da academia. Não só entre moradores, mas também entre nós que estávamos no corre, rolou uma construção afetiva. Em uma das sessões, a comunidade estava em festa junina, eu estava de vestido e muitos brincavam com isto. Não consegui assistir toda sessão, a música e as conversas da festa me chamavam. No dia seguinte pensava que do filme em si pouco apreendi, mas a experiência do encontro fora incrível. Talvez este tenha sido o meu principal deslocamento pessoal: perceber que o cinema está além da imagem projetada, está também no encontro e na produção de novas relações. 8. O que se permite o movimento de acordo com os fluxos chega a um

território imprevisto. Chega a novas superfícies (não só aquela bidimensional), e a várias dimensões, várias estruturas, espaços de afeto, trocas de experiências e possibilidades. Todas as possibilidades. Os diálogos entre situações, os olhares para além da tela, os sons que se


fundem para além do projetado. E, no final, diante o imprevisível, resta a certeza de que os filmes são apenas ótimas desculpas para permitir-se. Enfim, no cinema o que menos importa é o próprio cinema. 9.

Tive uma breve participação no circuito forumdoc.ufmg, fui um

dos responsáveis pela criação da linguagem gráfica para o projeto. Mas, no entanto, essa experiência apresentou-se como emblemática. A criação dessa linguagem tinha de responder a demandas múltiplas – um circuito de cinema intimamente ligado à academia e a movimentos sociais e ocupações – e a solução tinha de ser apresentada em um curto período de tempo. Assim, nós, da equipe gráfica, partimos de um pressuposto de produção que possibilitasse tanto a execução – para facilitar a divulgação – quanto a replicação de forma rápida; isto é, uma linguagem que pudesse ser utilizada sem depender de um dado “autor”, apresentando-se livre, clara. Assim, adotamos três vertentes de linguagem, tratadas em consonância: 1. A lógica estêncil, que possibilita a reprodução da linguagem por quaisquer; 2. A adoção de cores básicas – verde, azul, rosa – possibilitando uma múltipla combinação de tons de forma simples; 3. E a utilização das curvas de nível topográficas enquanto signo do programa e do circuito. Esse elemento, retirado da cartografia e transposto para o design pretende, nesse deslocamento, levantar a questão do entendimento do espaço físico cartografado enquanto dinâmica estética, relacionando-se, assim, com o tema deste circuito: Territórios. Portanto, o desenvolvimento dessa linguagem nos foi de suma importância porque tivemos, nesse contexto, de entender como produzir uma linguagem que não dependesse de algum autor da equipe, mas sim que pertencesse a todos; e isso, num contexto contemporâneo ligado altamente à questões autorais, é um exercício social de suma importância para nós enquanto indivíduos. Espera-se, aqui, que os próximos circuitos (e as próximas equipes e colaboradores) possam dar continuidade a essas questões de forma ampla.

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10.

O que pode a universidade frente a sociedade? O que pode o cine-

ma? Debatíamos sobre tais questões a todo momento... Como ajudar o Outro do nosso lugar privilegiado na academia? Será que não podemos fazer nada, ou ao menos um pouco? Sim, não é fácil responder. Mas fomos. Nos jogamos com tudo, na aposta de provocar pequenas faíscas e afetos positivos. Nossa intervenção foi política. Tínhamos um lado. Queríamos ajudar, de alguma maneira, as populações que sofrem todos os dias pelas desigualdades da nossa sociedade preconceituosa. A intervenção pretendia também questionar a instituição universitária, mostrando que outras formas de agir na sociedade são possíveis. O evento começou, se desenvolveu, se disseminou, acabou. As dificuldades e cansaços foram várias. O projeto continua. No fundo parece que algo realmente aconteceu. Não sabemos ainda ao certo o quê. Ao menos saímos de lá mais fortes, sabendo que temos que continuar. A inércia acabou, a luta ainda não.

72 11.

O ato de ir a uma sala de cinema é um ritual coletivo. O circuito se

propõe então a potencializar esse momento comunitário deslocando tanto público quanto filmes de seu tradicional arranjo sala-tela. Valorizando o estar junto! Fizemos de tijolos cadeiras, bancos de igreja arquibancadas, e chão de barro nossa plateia. Entre sons de festas sobrepondo a diálogos, vivenciamos espaços institucionais, ocupações e favelas, sendo compartilhados por diretores, espectadores, universitários e moradores. Vimos Kombi virar tela e rua virar cinema: O cinema expandido – para além de outros formatos e espaços – aqui esticado e incorporado a esses outros territórios, corpos e histórias que (não só) no momento da sessão, ocupam, atuam e vivem os filmes! Por: Aiano Mineiro, André Victor, Cristiano Araújo. Edinho Vieira, Isabela Furtado, João Paulo Campos, Juliano Vitral, Luís Oliveira, Luísa Lanna, Luiz Malta, Octavio Mendes, Pedro Maia de Brito, Pedro Rena.




ensaios



UM NÔVO DO CINEMA BAIANO*1 ely azeredo

A cidade de Feira de Santana (Bahia), famosa pelas vaquejadas, negócios de gado, estórias de jagunços, cangaceiros e misticismo, cantados em “abecês” do romanceiro nordestino, foi escolhida para base de uma nova produtora, a Santana Filmes” – escreve o crítico Vladimir Carvalho, da Paraíba, especialmente para esta seção, informando sôbre a aventura cinematográfica do “Grito da Terra”. “A comuna feirense foi sacudida com rebuliço que fizeram Olney Alberto São Paulo diretor em potencial desde menino, que, anos atrás, fugira de casa para se juntar a uma equipe carioca que filmava nos sertões da Bahia, e Ciro de Carvalho Leite, romancista best-seller em Salvador, que reunia condições econômicas e disposição para mandar à tela o seu novo romance, “Grito da Terra”. A dupla de sertanejos inteligentes, irmanados na afinidade que repousa num profundo sentido da terra, estava formada e decidida (...)”. “Pequena jóia da epopeia nordestina” – prossegue Vladimir Carvalho – “Grito da Terra” conta, entre outros episódios de grande realismo, a estória da môça Lóli (Luty Carvalho) que, ora romântica, ora ambiciosa e cruel, sonha com dias melhores para sua vida de roceira, o que leva a pungente tragédia passional. O décor é a luta dos lavradores oprimidos debaixo do tratamento desumano que lhes dão naqueles ermos, onde não chegam a lei e a justiça. Na mesma trama, estão enredados Marlá (Helena Ignez vivendo um comovente idillo com

*fonte : Tribuna da Imprensa, 11/09/ 1964. De acordo com o original, respeitando a grafia da época.

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Raimundo Figueiredo) e o professor (Lídio Silva, o beato Sebastião de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, na pele de um mestre-escola rústico) e dão o melhor de si em magistrais desempenhos”. “O diretor Olney Alberto São Paulo, valendo-se da própria juventude e inquietação e apoiado no romance-argumento de Ciro de Carvalho Leite revela-se um regular e energético condutor de atôres, um melhor conhecedor de como tratar com a massa de atôres “naturais”, excelentemente dirigidos na fita, e avulta, finalmente, como o poeta dos grandes espaços abertos, um cineasta que soube argutamente captar a plasticidade, quase inédita do cinema, da paisagem de nossa hinterlândia sertaneja. A Câmara de Leonardo Bartucci segue vereda afora, envereda pela caatinga, desliza por entre a folhagem, sobe e desce colinas, acompanha as cavalgadas e – numa autodisciplina exemplar – nunca perde de vista os personagens no transe de seus conflitos. Se influências existem nessa estréia de mais um baiano de personalidade

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arisca porém de inata força criadora, não seria exagero lembrarmos John Ford (gôsto pelo mural, aproveitamento plástico da paisagem). Pietro Germi (o de “Caminho da Esperança”) e Giuseppe de Santis (a angústia social de “Arroz Amargo”)”. “Todavia, marcante compleição artística e criativa feita de uma inegável vivência das coisas do Nordeste e uma natural sensibilidade para perceber a sua humanidade, faz com que Olney São Paulo rompa com quaisquer tipos de influência que não sejam as que vêm do fundo do seu sêr telúrico; por isso, seu filme respira orvalho e sol e cheira a terra molhada”. “Grito da Terra” constitui uma nova faixa de otimismo no cômputo do cinema brasileiro atual, nunca tão vibrante e audacioso. Para isso, contou com um naipe de intérpretes do qual participam Helena Ignez, Lucy Carvalho, Lídio Silva, Branca Dlogulensky, João de Sordi e outros. Técnica e artisticamente está recebendo o melhor tratamento, tanto quanto à música a cargo de Remo Usal, orquestrando e arranjando composições de Fernando Lona e Orlando Senha, como na bem cuidada montagem de João Ramiro Bello. Essa nova produção tem ainda o mérito de restabelecer a linha do cinema baiano, que há meses se mantinha em compasso de espera”.


O filme é O GRITO DA TERRA*1 alex viany

Era êle ainda um garôto quando o conheci, em 1955, em Feira de Santana: já tomado pela febre do cinema, largou tudo para acompanhar as filmagens do episódio brasileiro de “Die Windrose” (A Rosa dos Ventos), produção internacional até hoje inédita entre nós. Passado algum tempo, recebi notícias dêle: mandava-me o primeiro número de uma revista chamada “Sertão”, feita por um grupo de jovens intelectuais de Feira de Santana. Em seguida, soube que, tornando a largar tudo, havia arranjado um lugarzinho na equipe de “Mandacaru Vermelho”, que Nélson Pereira dos Santos filmava nos confins da Bahia. Agora, nesta primeira produção de Feira de Santana, chega-nos o exame de admissão de Olnei Alberto São Paulo ao posto de diretor, de cineasta. E, sem qualquer benevolência de padrinho adventício, constato com prazer que êle é de fato um homem de cinema. Olnei São Paulo aprendeu bem o b-a-bá de nosso cineminha tatibitate: cão de caça é bicho de gente rica; o jeito é caçar com gato. Assim, caçando o tempo todo com gato – ou talvez com o jegue e a cabra de seu sertão –, foi fazendo seu filmezinho com o que tinha à mão. Em verdade, manufaturou-o, literalmente: fê-lo à mão. O que tinha e tem Olnei São Paulo está em seu exame de admissão: amor pelo cinema, amor por sua região e sua gente. O que ele é, como pessoa e como temperamento – modesto, contemplativo, sério –, está também no filme. E naturalmente, visíveis a ôlho nu, são as

*fonte : Ultima Hora, 14/12/1964. De acordo com o original, respeitando a grafia da época.

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marcas de um filme de estréia, realizado em precárias condições de preparação, produção e acabamento. Gastaram-se apenas 8.800 metros de negativo, por exemplo, e o coordenador João Ramiro Melo teve de aproveitar tudo o que era aproveitável. Há falta de imagem; e contribuindo ainda mais para isso, a censura houve por bem cortar coisas que eram importantes para a melhor compreensão das intenções do autor. Facílimo seria arrotar sapiência e arrolar as deficiências do filme. Parece-me, entretanto, que, nas condições atuais da produção cinematográfica no Brasil – sem dúvida, agravadíssimas, em Feira de Santana –, o que se deve examinar numa obra de estréia é a própria personalidade de cineasta de seu autor. E isso Olnei São Paulo tem. Suas influências mais flagrantes são ao mesmo tempo as mais brasileiras: Humberto Mauro e Nélson Pereira dos Santos (Mandacaru Vermelho). Como o veterano Mauro, Olnei São Paulo é um documentarista nato que teria pudor de alterar a realidade onde vive para servir

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à irrealidade de um cinema alienado. Por isso mesmo não obstante as insuficiências e as impropriedades da estória e das personagens, seu filme é um verdadeiro repositório de tipos e costumes de sua região. Nota-se também, que o diretor estreante mistura com bastante habilidade atôres profissionais e tipos colhidos no local de filmagem. A cinegrafia e a música, de outros estreantes, são em geral, de um bom nível, entrosando-se no espírito lírico de Olnei São Paulo, ajudando o público a compreender a ternura com que o cineasta fixa as paisagens e as gentes de Bonfim de Feira. ficha

Direção de Olnei São Paulo. Roteiro de Olnei São Paulo, baseado num romance de Ciro Carvalho Leite. Cinegrafia de Leonardo Barlucci. Música de Fernando Lona. Coordenação de João Ramiro Melo. Elenco: Helena Inês, Luci Carvalho, João Sordi, Lídio Silva, Branca Blugolensky, Raimundo Figueiredo, Marionel Martins, Heládio Freitas, Nestor Peixoto. Origem: Brasil, 1964. Prêto e branco.


A moça e o muro*1

olnei na manhã cinzenta

Baiano de Riachão de Jacuípe, Olnei São Paulo vem perseguindo o cinema desde seus tempos de garoto em Feira de Santana. Quando por lá passou êste escriba, em 1955, durante a realização do episódio brasileiro de Die Windrose (A Rosa dos Ventos), o bancário Olnei, que então não tinha ainda vinte anos, juntou-se à equipe como olheiro. Depois, lá mesmo em Feira de Santana, produziu um filmezinho em 16mm, Crime na Feira; e, em 1960, foi assistente de Nélson Pereira dos Santos nas filmagens de Mandacaru Vermelho, que tiveram lugar no interior da Bahia. Finalmente, em 1964, sempre em Feira de Santana, Olnei São Paulo produzia seu primeiro filme de longa metragem, O Grito da Terra. E, em seguida, viajava com a família para o Rio de Janeiro, continuando a trabalhar como bancário. Só agora é que Olnei voltou às atividades cinematográficas, escrevendo e dirigindo um dos episódios de um filme de jovens diretores, que já se chamou Os últimos Heróis mas que provavelmente chegará às telas com outro título. O primeiro episódio, já filmado, teve direção de Andrea Tonacci, foi feito em São Paulo, e conta a interpretação de Paulo Garcindo, Irma Alvarez e Nélson Xavier. O episódio de Olnei São Paulo chama-se Manhã Cinzenta, está em periodo de acabamento, e terá aproximadamente uns quarenta minutos de duração. Com a exceção dos cineastas Neville d’Almeida e Iberê Cavalcânti, em importantes papéis, e da atriz profissional Zena, todos os atôres *fonte : Diário de Notícias, 15/08/1968. De acordo com o original, respeitando a grafia da época.

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de Manhã Cinzenta são jovens estreantes. Janete Chermont, vinda do teatro, onde interpretou Capitães da Areia, de Jorge Amado, tem o principal papel feminino; e a seu lado estão Sonélio Costa, Jorge Dias, Maria Helena, Poty, Adnor Pitanga e os artistas plásticos Cláudio de Paiva e Antônio Manoel, colaborando êste com alguns trabalhos de sua autoria (desenhos sôbre flãs de jornal). A fotografia coube a José Carlos Avelar, paginador de jornal e crítico de cinema, que se revelou como fotógrafo em O Velho e O Nôvo, documentário de Mauricio Gomes Leite sôbre Otto Maria Carpeaux,e como cineasta em Trailer, fazendo ambas as experiências em 16mm. em Manhã Cinzenta, Avelar trabalhou pela primeira vez como profissional, usando a película de 35 mm. Com seu enorme talento, o jovem diretor de fotografia estudou e obteve um tom despojado que lembra o dos cinejornais de atualidades. Manhã Cinzenta focaliza a luta dos jovens ante a incompreensão

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das idéias velhas e estacionárias.






O FORTE*1 alberto silva

Sobre O Forte, prejudicado por vários fatores de uma produção difícil e com poucos recursos, agravada ainda com a repentina morte de Monsueto (responsável por um dos papéis centrais), Olney São Paulo, não obstante o acontecido, se acha otimista e acredita que em pouco tempo o filme será concluído, pois aguarda somente condições de produção para reiniciar os trabalhos. O Forte é um longa-metragem a cores, baseado no livro homônimo de Adonias Filho e produzido pela Julio Romiti Produções Cinematográficas, com financiamento parcial Embrafilme. Seu elenco é um dos mais valiosos do cinema brasileiro, apresentando nomes como Adriano Lisboa, Paulo Villaça, Léa Garcia, o falecido Monsueto, Emanoel Cavalcante, Jurema Pena, Milton Gaúcho, além de uma nova “estrela”, Santra Mara, no papel de Tibiti, “a mulata dos olhos de ferrugem”, como é descrita no romance de Adonias. Olney nega que considere o livro “hermético”. É uma obra belíssima e que há muito tempo está nos seus projetos de filmagem. Uma história de amor que tem a Bahia como cenário, e os personagens são envolvidos no mistério de um velho forte que serviu em seus quatro séculos de existência como hospital, trincheira e prisão. A fotografia foi dividida entre Marco Bottino e o produtor Júlio Romiti.

*fonte : Tribuna da Imprensa, 22/06/1973. De acordo com o original, respeitando a grafia da época.

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SINOPSES O Forte é a história do amor entre uma jovem baiana e um engenheiro que foi a Salvador dirigir o trabalho de destruição do Forte de São Marcelo. O engenheiro (Jairo) apaixonou-se por uma jovem de 13 anos (Tibiti). Essa moça era filho de um preto, Olegario, que fica preso no forte por ter assassinado o genro que castigava muito a esposa, filha do velho. Ao sair da prisão, Olegário conta toda sua existência no forte à neta. É nesse momento que a jovem começa o namoro com o futuro engenheiro, e resolve visitar o forte. Lá se amam pela primeira vez. Esta é a primeira parte do filme. Em seguida, o engenheiro parte para outra e lá organiza sua vida. A segunda parte mostra a volta do engenheiro à Bahia para dirigir o trabalho de destruição do forte, e

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construir no local um parque infantil. Ele já está casado, mas quando chega a Salvador tem como principal objetivo localizar a sua primeira namorada. Quando a encontra, ela também já está casada, mas isso não constitui obstáculo, e eles decidem reviver o seu primeiro amor no forte, e lá se amam novamente. Começa o drama dos dois, e quando chega o dia da destruição do forte eles fogem juntos. O filme segue a linha básica do romance de Adonias, fixandose na parte de 1940. Segundo o diretor Olney São Paulo, não houve condições financeiras para dar um tratamento mais perfeito à obra. Seriam necessários mais de mil figurantes, armamentos, fardas e capiral de .... Cr$ 1 milhão. Mesmo assim, o custo de produção está orçado em Cr$ 500 mil. A morte de Monsueto não trouxe problemas à direção porque o seu trabalho já estava praticamente concluído. Houve apenas necessidade de um resumo da história, da qual ele seria o intérprete. Foi mais prático conservar o que ele fez, resumindo a história, do que arranjar outro ator e recriar tudo, afirma Olney.


As sequências baianas foram rodadas no forte de São Marcelo, Pelourinho, Carmo, Terreiro de Jesus, Solar do Unhão, Cachoeira e Bonfim. O filme estabelece o suspense a partir do momento que vai se saber se o forte será destruído ou não. E, por trás disso, há a expectativa real da população de Salvador, quando se pensa na possibilidade de o forte de São Marcelo ser um dia arrasado em prol de mais uma construção. A essa perspectiva se sobrepõe a revolta do novo, que considera a possível destruição um dano causado à característica arquitetônica local.

TRAÇOS Nascido em 1936, em Riacho de Jacuípe Bahia, Olney São Paulo ingressou no cinema aos 19 anos, integrando a equipe de Alex Viany que filmou Rosa dos Ventos em Feira de Santana. Como cineasta, realizou inicialmente o curta-metragem Um Crime na rua, semi-documentário de 10 minutos. Acompanhou Nélson Pereira dos Santos na filmagem de Mandacaru vermelho. Nesse período escreveu um argumento, Lucas da Feira. Iniciou a realização de um média-metragem em 35mm, A Busca do vaqueiro incompleto. Tinha um projeto de longa-metragem em três episódios, O Nordestino, também irrealizado. Terminou rodando O Grito da terra, seu primeiro longa-metragem, baseado no livro de Ciro Carvalho Leite “Mulheres de vida fácil”, com Helena Inês. Fez também dois curtos: O profeta de Feira de Feira de Santana e Cachoeira, documento da história.

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Curtos de Olney São Paulo falam do teatro brasileiro*1

ACinemateca do Museu de Arte Moderna e a Associação Brasileira de Documentaristas (ABD), dando seqüência à programação de sessões especiais dedicadas aos filmes curtos de cineastas brasileiros (sessões que já apresentaram a obra de Antonio Carlos Fontoura, Walter Lima Jr e Geraldo Sarno), apresenta hoje, às 18 horas, no auditório da Cinemateca, os filmes curtos realizados por Olney São Paulo. São cinco filmes programados e foram todos produzidos, segundo o depoimento do cineasta, dentro da preocupação fundamental de documentar a cultura brasileira. Foram realizados no período compreendido entre os anos de 1971 e 1974, depois do Manhã Cinzenta, trabalho de Olney que permanece inédito, e do O Forte, que o cineasta adaptou do romance de Adonias Filho. —Três dos filmes de hoje, na Cinemateca – informa Olney – referem-se à gente e regiões da Bahia. O Profeta de Feira de Santana trata da obra do pintor Raimundo Oliveira. A cidade de Feira de Santana (onde morei durante muito tempo) foi novamente homenageada em Como Nasceu Uma Cidade, realizado três anos depois (1974) do primeiro Cachoeiro. Testemunho da História, produzido em 1973, é o registro da arquitetura barroca daquela cidade baiana bem como o relato das lutas de seu povo para se libertar do domínio português. Olney tem um entusiasmo muito especial pelos outros dois filmes do programa que são a sua obra mais recente. *fonte : O Globo, 29/06/1975. De acordo com o original, respeitando a grafia da época.

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— Eles tratam do movimento teatral brasileiro. São também em cor, como os anteriores e foram fotografados por Reginaldo Foster. A produção é da Regina Filmes e foram realizados atendendo a uma concorrência pública do Instituto Nacional do Cinema. Neles estão anotados vários fatos importantes do desenvolvimento de Teatro Brasileiro, com o surgimento do teatro de amadores, do grupo “Os Comediantes”, o apogeu do Teatro Brasileiro de Comédias e a renovação pela qual passou o nosso teatro a partir do final dos anos 50, com o surgimento de “A Compadecida”, do Teatro de Arena de São Paulo e do movimento tropicalista de José Celso Martinez Correa até as mais diversas tendências que hoje podem ser assinaladas. Momentos importantes de peças que ficaram justamente famosas estão registrados nesses filmes “Seria cômico se não fosse sério”, “Dr Knock”, “A dama das camélias”, “Leonor de Mendonça”, “Dona Xepa”, “O auto da compadecida”, “O casamento de pequeno burguês”, “Teatro

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de cordel”, “Viva o cordão encarnado”, “História de lenços e ventos”, “Ensaio Selvagem”. O complemento da sessão de hoje na Cinemateca é uma obra pela qual Olney São Paulo tem um carinho todo especial. Trata-se de um curta-metragem de ficção que se chama Memórias de um Fantoche, produção do próprio Olney e que foi dirigido por um garoto de 11 anos que atende pelo nome de Ilya Flaherty São Paulo. — É isso, todo filho gosta de imitar o pai. Eu produzi o filme do meu garoto mas garanto que não me meti. Dei lhe o material e disse a ele que se virasse já que a idéia tinha sido dele. Ele trabalhara com ator em O amuleto de Ogum e foi a equipe desse filme do Nelson que o entusiasmou a fazer seu próprio filme.


Entrevista*1

O que pretendeu em “O Forte”? Olney: Acho que o meu objetivo no cinema brasileiro foi, é e será sempre de discutir a nossa realidade. Em “O Forte” a realidade abordada é a de uma certa camada social de nosso povo conhecida como classe média (que somos nós mesmos). Não, não é aquela classe média estereotipada, vista a partir dos anos 70 com a ótica aristocrática de muitos dos nossos intelectuais, e sim uma classe média conflituosa que já não sabe mesmo onde está a fronteira realidade/fantasia. Sendo um filme sobre a nossa realidade, é “O Forte” uma obra essecialmente de amor e sobre o amor. Quer como história de amor, descrevendo o amor impossível ou quase impossível dos românticos, quer como crónica do amor que as pessoas têm pelas outras pessoas e pelas coisas que estão em volta de si. E, como não poderia deixar de ser, é também um filme histórico. Um filme que procura discutir a nossa História (com “H” maiúsculo) à luz de nossa contemporaneidade. Como está a distribuição/exibição? Olney: Ela só começou agora. O filme foi lançado em Salvador depois de dois ou três meses de sucessivos adiamentos. Não obstante, estabeleceu extraorinária comunicação com o público (eu estava presente diariamente às sessões). Mesmo sendo o filme brasileiro que mais rendeu no cinema exibidor, o sistema de distribuição de filmes nacio*fonte : O Globo 01/04/1976. De acordo com o original, respeitando a grafia da época.

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nais não permitiu que ele continuasse em cartaz na semana seguinte. Vai voltar àquela cidade em termos de relançamento, o que não deixa de acarretar prejuizo à produção. No momento, continua seguindo o caminho de Nordeste com ótimos resultados, conforme provam os “bordeaux”. Acredito que a Embrafilme esteja preparando para breve o seu lançamento aqui em São Paulo (as duas peças exibidoras mais importante do cinema nacional), pois o filme já tem dois anos de censurado e inédito. Um indeitismo não-gratuito, que é a trajetória do cinema brasileiro conhecida por todos e largamente denunciada. Acredito nas boas intenções da Embrafilme e espero ansiosamente a sua atuação. Como vê o escritor Adonias Filho no panorama da literatura brasileira? Olney: Como um dos mais importantes do nosso tempo. Ele forma ao lado de Jorge Amado, Graciliano Ramos, Jose Lins do Rego, Guimarães Rosa e Assis Brasil. Cito estes porque, no meu ponto de vista, sua obra

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parece ter algo em comum com a de Adonias Filho. Por que escolheu esse livro para filmar? Olney: “O Forte” é um romance importantíssimo. Se à primeira vista ele pode nos parecer uma descrição de uma simples história de amor, numa leitura ou releitura mais cuidadosa podemos sentir que, por trás de toda aquela situação onírica, está uma realidade bem brasileirade nosso tempo: a angústia de um engenheiro inconformado com aquela sua vida, devidamente estabelecida, e a qual ele sente uma necessidade muito grande de tansformar. O livro conta uma tragédia nossa e bem contemporânea, e eu não me sentiria, aqui, de maneira alguma a “jogar-me confetis” se dissesse ter escolhido o livro por ser um dos mais importantes romances de nossa literatura atual, e cuja história em muita indentificação comigo. A adaptaçao foi fiel ou livre? Olney: A adaptação tanto foi fiel como livre. A liberdade na adaptação está na minha maneira de contar a história que li no livro. Um exemplo disso é o inicio do romance. Ali os fatos históricos são, na maioria das vezes, narrados pela visão mítica de Olegário a outras vezes


por uma visão histórica de alguns personagens. Se a visão mítica de Olegário (suas histórias contadas à neta Tibiti) permanece no filme, a visão hstórica de alguns outros personagens foi observada por mim de maneira jornalística. No filme os fatos históricos passam a ser discurtidos pelo povo, através de uma entrevista de televisão. Claro que essa opção veio (e, diga-se de passagem, em muito boa hora) em decorrência do sistema de produção do filme, e seria um dos dados que comprovam a liberdade de adaptação. Uma liberdade com muita fidelidade, evidentemente. Que linha imprimiu à montagem? Olney: Bem próxima do meu trabalho de ficção anterior, “Manhã cinzenta”. Uma montagem que procura, a partir do momento presente, buscar as respostas no passado, para discutir esse presente. Para você, o que significa o ato de filmar? Olney: O mesmo que escrever ou falar. É o inicio de um processo de comunicação. Dizer o que penso, da maneira que penso e sobretudo porque penso. Gostaria que os meus filmes fossem exibidos em praça pública, não por vaidade , mas por essa grande necessidade de comunicação. Para mim o ato de filmar é isso. Uma maneira de me comunicar com as pessoas. Algum novo projeto? Olney: Sim. No momento, trabalho no roteiro de um filme baseado em episódio histórico bastate conhecido do Brasil colonial: “A revolta dos alfaiates”. Não sei ainda quando devo iniciar a produção. Assim que consiga entender melhor a atual situação do cinema brasileiro em seus ângulos mais complexos (produção-realização-exibição) começarei a organizar o projeto. Enquanto isso, vou concluindo dois documentários: o primeiro focaliza a vida comunitária dos ciganos do Nordeste, e o outro, patrocinado pelo Departamento de Assuntos Culturais do MEC, registra a experiência do nordestino em sentir, na paisagem que o cerca, os diversos sinais de

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chuva, de quando deverá haver bom ou mau inverno. Intitula-se “Sob o ditame de rude Almajesto” e foi rodado em Riachão de Jacuípe, Bahia.

olney são paulo nasceu em Riachão de Jacuípe, Bahia, a 7-81936, e logo cedo passou a se interessar pelo cinema, de modo geral, e pelo cinema brasileiro, em particular. Em 1955, estudando em Feira de Santana, participou das filmagens de “Die windrose” (“Rosa dos ventos”), sob a direção de Alex Viany. Naquele mesmo ano fez sua primeira experiência com diretos em um curtametragem (16mm) intitulado “Um crime na rua”.

Em 1960 trabalhou como assistente de direção de Nelson Pereira dos Santos em “Mandacaru vermelho”, e em 1963, em plena efervescência do Cinema Novo, estreou na direção de um longametragem

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essencialmente nordestino: “O grito da terra”. Em 1967 transferiu-se para Rio de Janeiro, onde publicou (1969) um livro de contos que é uma experiência formal e uma tentativa de incorporar a linguagem cinematográfica à literatura (“Antevéspera e o canto do sol”). Fez a seguir o mediametragem “Manhã cinzenta” (1968/9), um filme ainda inédito. Realizou vários documentários culturais, até conseguir, em 1973/74, transpor para a tela um velho projeto seu, “O forte”, baseado no romance de Adonias Filho.


Imagens subversivas patrícia machado

Centro do Rio de Janeiro, junho de 1968. A câmera registra a agitação da Avenida Rio Branco e segue um homem vestido de calça jeans e camisa clara, que aparece no canto direito e mais alto da tela e se destoa das outras pessoas filmadas porque vira o rosto para trás, em direção à lente, usando uma das mãos para solicitar a aproximação do equipamento, como se dissesse: siga-me! Trata-se do cineasta Olney São Paulo, que encontrou na manifestação contra a ditadura militar o ambiente ideal para dirigir uma cena importante do seu filme Manhã Cinzenta. Olney São Paulo foi o único cineasta preso e torturado no Brasil durante a ditadura militar por conta exclusivamente da realização de um filme. Manhã Cinzenta, de 1969, foi acusado de ser um filme subversivo e seu diretor foi julgado e absolvido pela Justiça Militar. Apesar de se tratar de uma ficção, que mostra cenas ousadas para a época – como a encenação de torturas e do fuzilamento de dois estudantes –, nas 248 páginas do processo de investigação de Olney e seu filme, 1 o que mais chama a atenção dos censores são as imagens documentais, os registros de conflitos e tumultos entre estudantes e policias filmados em 1968, imagens chamadas de subversivas. Esse olhar dos censores portado sobre o filme aponta para uma questão inquietante: onde está a força dessas imagens? O que de fato elas subvertem? Manhã Cinzenta tem 21 minutos de duração e mistura cenas de ficção com imagens documentais de várias naturezas: registros de cinejornais da Herbert Richers, reportagens da TV Globo, recortes de jornais da época e obras de arte que tratavam dos conflitos entre

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estudantes e policiais. Essas imagens sofrem interferências na montagem. Como aquelas da Série Flans, de 1968, do artista plástico Antonio Manoel. 2 Criadas a partir de fotografias descartadas pelos jornais e redesenhadas com nanquim, no processo de montagem do filme elas são reenquadradas e articuladas a fragmentos dos noticiários televisivos. Na passagem de uma imagem à outra, a repressão policial ganha destaque. Nessa costura das duas imagens de naturezas diferentes, a impressão é a de um movimento ininterrupto em que os policias saem às ruas para, em seguida, espancar os manifestantes. O policial que espanca o estudante: ação que se repetiu em outros protestos e acabou se tornando uma imagem ícone do autoritarismo durante os anos da repressão militar no país. A cidade do Rio de Janeiro serve como cenário para uma história de ficção científica que, indiretamente, se constitui em uma dura crítica ao autoritarismo e às práticas repressivas dos representantes

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da ditadura. No Museu de Arte Moderna e no pátio de um colégio no Jardim Botânico são encenadas as prisões, torturas e assassinatos de estudantes. Nas ruas da cidade, o cineasta aposta na ideia de um alto grau de realismo para gravar a cena no meio da manifestação, cujos protagonistas seriam estudantes e policiais, e que viria a ser conhecida como uma das mais violentas daquele ano de 1968. Naquela sextafeira, conhecida como sexta-sangrenta, 57 pessoas ficaram feridas e 3 morreram em confrontos. Em entrevista ao Diário do Paraná, em 6 de dezembro de 1975, Olney São Paulo avalia que o filme não teria sido possível se não fossem esses conflitos que se desenrolavam no Rio. Desde 1966, ele já tinha o roteiro pronto, inspirado em um dos contos que havia escrito. Faltava a imagem da multidão reunida, da tensão dos corpos, gestos e olhares: “No Rio, aproveitando a crise estudantil de 1968, eu tinha um bom material de produção para realizar o filme – o filme que jamais eu teria feito, porque não haveria condições de tramar toda aquela movimentação de gente, se não fossem os acontecimentos políticos de 1968”.3 Olney só não contava com os riscos que sua equipe corria. No meio da confusão, o ator Sonélio Costa se destacou da multidão, subiu


em cima de um carro e encenou um discurso. O gesto ousado atraiu a atenção da polícia, que o confundiu com um líder estudantil. O ator foi preso. Outros integrantes da equipe também foram perseguidos. Os negativos só foram salvos porque a câmera foi desmembrada. José Carlos Avellar, fotógrafo e cinegrafista que registrava a cena, ficou apenas com o chassi, que foi confundido com um gravador pelo policial que o prendeu e que queria, a todo custo, que a gravação daquela conversa fosse apagada pelo equipamento que nada mais fazia do que armazenar o filme. 4 Apesar do episódio, Manhã Cinzenta foi finalizado e chegou a ser exibido em sessões fechadas para amigos e em festivais de cinema no exterior, como o Festival Viña Del Mar, no Chile. Contudo, com o clima pesado da época, Olney sabia que o filme não entraria em circuito comercial. O que não poderia prever é que ele, o diretor, acabaria preso e torturado por ter realizado Manhã Cinzenta.

99 Em busca dos documentos Os documentos da polícia política, guardados no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, nos ajudam a reconstituir parte dessa história. Em 8 de outubro de 1969, a aeronave Caravelle, que saiu do aeroporto do Galeão, no Rio, em direção à Manaus, foi desviada para Cuba. Quando voltaram ao Brasil, os passageiros feitos reféns contaram à polícia que o sequestrador teria anunciado durante o voo que levava com ele um filme importante, uma denúncia dos horrores da ditadura no Brasil. Os documentos que oferecem pistas sobre as investigações em torno do sequestro, que mobilizou seis organizações militares, estão hoje dispersos em pastas variadas. São inquéritos e prontuários impressos em folhas frágeis e amareladas que se desmancham conforme o manuseio. O IPM (Inquérito Policial Militar) do Ministério da Aeronáutica, um documento confidencial, aponta que 11 pessoas foram indiciadas no caso, entre elas o diretor do filme, Olney São Paulo, e o então cineclubista Silvio Tendler, que teria apresentado Olney ao sequestrador.





Começa então a perseguição ao cineasta e ao seu filme. No mês de novembro de 1969, Olney ficou detido por 15 dias no Serviço de Ordem Política e Social do Ministério da Justiça, onde foi torturado, como contou mais tarde. Os negativos e duas cópias de Manhã Cinzenta foram apreendidos por agentes federais no Laboratório Líder. Pelo menos três cópias sobreviveram: a que foi enviada para Cuba, a que chegou à Cinemateca Francesa e uma terceira que ficou escondida na casa do então crítico cinematográfico Miguel Pereira. 5 O material bruto do filme, um catálogo com as fotografias dos personagens, o roteiro do filme O destacamento, o plano de produção de Beira Rio Beira Vida e de ABC do Enforcado foram apreendidos, junto com livros, anotações e as roupas usadas nas gravações, na casa e no trabalho de Olney. 6 Já que não era possível provar a participação do cineasta no sequestro, por conta da sua inocência, a polícia decidiu denunciá-lo em dezembro de 1970 com base na Lei de Segurança Nacional, que considerava crime a “publicação ou divulgação de notícias falsas ou fatos verdadeiros truncados ou deturpados, que provocassem perturbação da ordem pública”. Quase dois anos depois de finalizar Manhã Cinzenta, que não foi exibido comercialmente, Olney é acusado pelo Ministério Público de realizar um filme que teria como objetivo “indispor o povo contra as autoridades constituídas, em especial os militares”, “documentar os choques de rua numa visão deturpada dos acontecimentos”, “por ser altamente subversivo”. A acusação é baseada no parecer da Censura de Diversões Públicas, de fevereiro de 1970, para quem o filme é perigoso porque contém cenas de tumultos estudantis, choques com a polícia, de correrias. Para os censores, tanto o material bruto de Manhã Cinzenta como outros rolos apreendidos junto com ele eram considerados “pedaços de filmes” potencialmente perigosos, pois “poderiam servir a qualquer finalidade contra o interesse de segurança pública caso fossem enviados para o território nacional ou mesmo outros países”. A conclusão do processo evidencia a percepção da própria polícia da potência das imagens e da possibilidade de qualquer um, além das esferas do poder, tomar a palavra, recusar as narrativas oficiais

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estabelecidas e construir novas histórias a partir dos arquivos cinematográficos. Questionar com o próprio corpo, com a própria voz e até com as imagens do cinema as regras impostas pela ditadura era considerado um ato criminoso. Portanto, essas imagens subversivas deveriam ser apreendidas, tiradas do circuito, banidas. A censura parte do pressuposto de que a força das imagens está em seu conteúdo, no que mostra de documental, do que é colado à realidade. Podemos portar um novo olhar sobre as imagens se, ao contrário dos censores, entendemos que elas não são algo dado, pronto, transparente, mas sim um campo de conflitos, “que reclamam uma descrição, uma construção discursiva” (DIDI-HUBERMAN, 2012, p. 18). Um olhar que procura recuperar a história, os rostos, os nomes, os destinos e as intenções dos corpos que estavam diante e atrás das câmeras. Para tensionar a noção de transparência da imagem, investigamos um ângulo pouco explorado, o do momento da tomada. Uma

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perspectiva que nos solicita a estar atentos aos detalhes, a perceber nas imagens os “traços de quem se prepara para o combate, do risco corrido por quem filma, da precariedade das situações, de todas as dimensões aleatórias, todos os perigos” (LINDEPERG, 2013, p. 203). Os traços da tomada Foi o jornalista e crítico de cinema José Carlos Avellar quem empunhou a câmera para filmar Manhã Cinzenta. Sua experiência como cineasta amador não foi tão levada em conta quanto o fato dele ser proprietário de uma pequena câmera bolex, com a qual produzia imagens nas ruas do Rio de Janeiro o fim dos anos 1960. Com o equipamento leve e de fácil manuseio, Avellar se enfiava no meio de aglomerações de pessoas durante os carnavais de rua, as comemorações de jogos de futebol, as manifestações estudantis. Além da sexta-feira sangrenta, filmada para Manhã Cinzenta, ele registrou o cortejo fúnebre do estudante Edson Luis e a Passeata dos Cem Mil. De modo geral, produz imagens tremidas, com poucos planos parados e muito movimento de câmera. Avellar filma enquanto anda


e se enfia no meio a multidão: “O que fica na memória é que o que eu filmava era uma absoluta desordem organizada. As pessoas se mexiam pra todos os lados, era impossível ter a noção de que se filmava o mais quente. Mas sempre, desde que eu comecei a filmar, eu queria filmar de dentro. Me chamava atenção as pessoas, eu queria filmar do meio, queria estar ali no meio das pessoas e de repente pegar um segundo de uma expressão na cara das pessoas (...)”. 7 Nas imagens realizadas por Avellar, está inscrito o modo participativo de quem segura a câmera na curta distância em relação aos corpos filmados. A partir de um olhar atento, é possível perceber o que surge de intencional nas imagens de quem enquadra e escolhe o que filmar, como a fala dos líderes estudantis para onde convergem as atenções da maioria dos homens e mulheres ali presentes. Avellar diz que gostava “dessa coisa de surpreender algo, da câmera enquadrar o sujeito e não o sujeito enquadrar a câmera”. Alguns detalhes, no entanto, revelam o que permanece de oculto, ao que escapa da intenção do cinegrafista, “à vontade de mostrar e ao desejo de ver e compreender” (LINDEPERG, 2015, p. 206). Nas imagens de todas as manifestações filmadas por Avellar, inclusive as usadas em Manhã Cinzenta, há algo em comum que as atravessa e imprime na película uma forte e constante marca: os olhares dos sujeitos anônimos que enquadram o equipamento de filmar, desses homens e mulheres que se deparam com Avellar e não desviam o olhar. Com esse gesto que dura poucos segundos, não apenas evidenciam a presença da máquina e do cineasta, mas também convocam o espectador a observá-los. Não sabemos o que eles pensam, o que está na consciência de quem vive aquele momento, mas do presente conhecemos o que se passou nos meses seguintes – o AI5, o endurecimento da ditadura, as torturas e mortes de militantes políticos ou suspeitos, como Olney –, e entendemos que há algo de indecifrável nesses olhares que serve como uma espécie de anúncio.

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Um olhar atento para essas imagens das manifestações de rua, que tanto assustavam a censura, possibilita uma nova interpretação, a de que elas não são subversivas pelo seu conteúdo denunciatório, mas pelas suas sutilezas, pelos traços nelas impressos que passaram à margem da história e que podem oferecer novas perspectivas sobre o acontecimento. Nesses registros que carregam a marca tenaz dos estudantes como vítimas principais da ditadura, vemos na verdade uma grande multiplicidade de rostos: jovens, velhos, homens, mulheres, trabalhadores. O que percebemos nos detalhes dessas imagens, levando em conta o gesto de quem filmou e as marcas desse gesto nos fotogramas, é um olhar participante do homem anônimo, comum, que, mesmo sem perceber, estabelece relações entre quem filma, quem é filmado e o espectador. São olhares que convocam o espectador do futuro a recriar essas imagens, criticá-las, construir discursos e a partir desse gesto retomar a verdadeira força que elas contém: de serem múltiplas e sempre abertas a novas ligações, de perturbar os pensamentos e sentidos dados pela história oficial.

Notas

1. Uma cópia do processo está disponível para consulta no site do projeto Brasil: Nunca Mais, que contou com a ajuda de advogados para copiar documentos e evitar que processos judiciais por crimes políticos desaparecessem com o fim da ditadura. Acesso em: http:// bnmdigital.mpf.mp.br/#!/ 2. O artista também interpreta o papel de um policial carrasco no filme. 3. Trecho usado por Ângela José (1999) no livro que escreveu sobre Olney São Paulo. 4. Essas são lembranças de José Carlos Avellar contadas em entrevista para a pesquisadora em 2013. 5. O próprio Olney conta em seu depoimento à polícia, acessível no processo, que havia enviado duas cópias para o exterior. A existência

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da outra cópia clandestina foi descoberta em conversa recente com o próprio Miguel Pereira, que conta ter devolvido o filme à Olney por volta de 1973. 6. A lista com o material apreendido consta no processo. 7. Em entrevista para Patrícia Machado e Thais Blank em 2013.

Referências

COMOLLI, J-L. Spectres de l’histoire. In: LINDEPERG, Sylvie. La voie des imagens: quatre histoires de tournage au printemps-été 1944. Paris: Editions Verdier, 2013 DIDI-HUBERMAN. G. Peuples Exposés, peuples figurants- L’oeil de l’histoire, 4. Paris, Editions de Minuit, 2012.

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JOSÉ, A. Olney São Paulo e a peleja do cinema sertanejo. Rio de Janeiro: Quartet, 1999. LINDEPERG, S. La voie des imagens: quatre histoires de tournage au printemps-été 1944. Paris: Editions Verdier, 2013.


Ocupar, resistir, ressurgir sobre Ressurgentes, de Dácia Ibiapina amaranta cesar

A montoados, convictos e eufóricos, entoando palavras de ordem contra José Roberto Arruda, portando como arma e escudo um caixão vazio destinado ao sepultamento simbólico do então governo do Distrito Federal, um grupo de pessoas força a porta de entrada da câmara legislativa, em protesto pelo impedimento do governador, sobre quem pesava na ocasião denúncias de corrupção. A contenção dos seguranças, que separa a multidão da instituição, vai cedendo, e a tensão crescente deságua em uma onda de gente que invade e ocupa “a casa do povo”. Através de poucos e longos planos, acompanhamos a ocupação pela perspectiva de quem integra o bloco de manifestantes. Atravessada pelos corpos em disputa, a câmera avança com/por/como eles. A “ação direta”, que está em seu título, compõe, assim, a abertura de Ressurgentes, um filme de ação direta (Dácia Ibiapina, 2014), explicitando e fazendo vibrar a matéria que o conforma. Fora Arruda e máfia é um dos movimentos sociais autônomos do Distrito Federal cuja trajetória Dácia Ibiapina acompanha em Ressurgentes, um filme de ação direta. Além das mobilizações que culminaram com a prisão e o impedimento de José Roberto Arruda, compõem o filme o Santuário não se move, movimento contra a implantação do bairro Noroeste no Plano Piloto de Brasília em um território indígena, e os atos do Movimento Passe Livre do Distrito Federal, em defesa de transporte público gratuito e de qualidade. Ao retomar as ações desses movimentos sociais, Dácia conduz uma exposição das

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novas maneiras de organização e disputa política que surgiram no Brasil nos anos 2000 e culminaram nas chamadas jornadas de junho, conjunto volumoso, potente e desconcertante de manifestações que se espalharam pelo país em 2013 e cujo impacto continua a ressoar, sem que ainda se vislumbre completamente sua dimensão na política brasileira. O filme torna visível, desse modo, uma série de confrontos políticos para os quais a ocupação dos territórios e espaços públicos tem lugar central, como tática de acirramento do conflito entre projetos de cidade e de mundo. Mas é a maneira como a prática cinematográfica/audiovisual permeia essas ocupações de modo intrínseco e constitutivo que produz a matéria que dá vida ao filme: as ações diretas filmadas. Por elas, explicita-se o domínio de disputa pela imagem – e pelo imaginário – que é extensivo ao conflito territorial, espacial, de onde decorre o gesto de resistência ensejado por Ressurgentes. E é justamente a força dessas ações filmadas enquanto elementos consti-

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tutivos dos atos dos movimentos sociais contemporâneos que desafia a montagem do filme. O que pode a montagem, e, por ela, o cinema, diante da ação das imagens, ou das imagens-ação, ou ainda do desejo de ação das imagens? A montagem em Ressurgentes opera para relacionar o conflito dos corpos nos espaços com a reconstituição de um pensamento de onde se projetam e para onde se prolongam as disputas materiais e simbólicas em jogo. No equilíbrio delicado entre pensamento e ação, a montagem trabalha para evitar a cisão (que seria desastrada) entre essas duas dimensões e as temporalidades que nelas estão implicadas – o presente do engajamento e o passado da reconstituição da recente história. A ação dos corpos encarna os mundos desejáveis que as falas elaboram, mas a elaboração do pensamento e do imaginário de luta acontece nos dois tempos, o tempo todo – o mais evidente sinal dessa passagem se dá pelos próprios corpos das testemunhas que vemos não apenas em clássicos planos de entrevista mas em ação nas imagens das ocupações e manifestações. Menos do que explicar, controlar e apaziguar as imagens, as falas são mobilizadas pelos corpos em conflito e lançadas por eles de volta à abertura vibrante dos acontecimentos. É


desse modo que o filme de Dácia Ibiapina enfrenta também a noção de instrumentalização que conduziu razoável parte da crítica a desconfiar e expurgar a militância do cinema. Para citar um exemplo fundador, em A Rampa, Serge Daney tece uma forte crítica ao modo como cinema e militância se relacionam, que diz respeito ao que ele chama de “fardo do cinema militante”, que seria “ver no produto artístico não mais do que um produto neutro, transmissor sem potencialidade da popularização de ideias elaboradas em outro lugar” (DANEY, 2007, p. 72). Nos termos de Daney, a “eterna pobreza do cinema militante” seria sua concepção instrumentalista na qual o cinema apresentase como uma “máquina de tradução” daquilo que se manifesta fora dele, na luta. O que se nota com vigor em Ressurgentes é a dissolução das fronteiras espaço-temporais entre a elaboração de um discurso militante e a prática cinematográfica que coloca em crise a ideia de instrumentalização do cinema pelas lutas políticas, redimensionando o lugar da militância nas formas cinematográficas. Isto porque, ao encarar o desafio de montar um potente conjunto de imagens-ação, Dácia Ibiapina e Guile Martins (montador), além de conjugarem a vibração das ações à sua revisão discursiva, encontram modos de transcendência, projetando ou antevendo um futuro para as disputas em cena. É o que se pode notar na sequência final no Santuário dos Pajés, quando o grupo de jovens e líderes indígenas resistem ao cerco e destruição do parque pelo empreendimento imobiliário de “alto padrão”, em um movimento aparentemente inesgotável. Ao sobrepor o canto dos Tapuya Fulni-ô, comunidade indígena ocupante do local, às imagens da escavação de um imenso canteiro de obras sobre terreno desmatado, não apenas dois projetos de cidade e de mundo sobrepõem-se pela disjunção entre som e imagem mas a continuidade do confronto é também sugerida, como um presságio ou ameaça. A montagem opera, assim, pela lógica da resistência. E é da conjugação entre a restituição das ações engajadas no presente e a antevisão de seu prolongamento no futuro de onde se desprende a impressionante força mobilizadora de Ressurgentes; de onde se libera a energia para a luta que o filme, finalmente, faz ressurgir – nos corpos de seus espectadores. Por tudo

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isso, o filme de Dácia Ibiapina pode ser visto como uma resposta à pergunta de Serge Daney: “Como restituir àqueles que lutam – ao mesmo tempo que o sentido estratégico de seu combate – o ardor, a invenção e o prazer que também há em lutar?’” (DANEY, 2007, p. 75).

Referências

DANEY, Serge. A rampa: Cahiers du Cinéma 1970-1982. Tradução e posfácio Marcelo Rezende. Cosac Naif: São Paulo, 2007.

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Amor e música em Yorimatã sobre filme de Rafael Saar jair tadeu da fonseca

Felizmente, têm sido realizados muitos documentários sobre as cenas musicais brasileiras dos anos 60 e 70, muitos deles enfocando com viés biográfico algumas de suas figuras fundamentais, sendo que esses filmes, além de rever essas cenas pelos olhos e ouvidos contemporâneos, ainda trazem à tona imagens e sons de arquivos quase sempre raros. Isso cria e disponibiliza outro arquivo – um arquiarquivo – precioso para quem se interessa pela música brasileira, o que também significa interesse pela vida brasileira em seus vários aspectos, pois tudo está nessa que é provavelmente a nossa manifestação artístico-cultural mais poderosa, prolífica e de maior alcance. Entretanto, infelizmente, nem toda essa vasta produção audiovisual recente sobre o assunto dá a devida importância ao que nela seria fundamental: a própria música, em relação às imagens da vida que a gera. Muitas vezes, são frustrantes os modos e as formas com que a música parece estar em muitos filmes e vídeos: como mera ilustração de algo, quando, por exemplo, a música é logo interrompida, com frequência, para se introduzir o depoimento “sabido” de alguém sobre a personagem ou o assunto em pauta, sem nenhuma ou com pouca consideração por algo fundamental tanto à música quanto ao cinema: o ritmo. Felizmente, não é o caso de Yorimatã, em que se respeita o tempo das músicas, sua duração, percebendo-se com isso sua relação com o tempo biográfico das figuras retratadas, com as diversas temporalidades da história cultural brasileira e, como veremos, até mesmo com um

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(im)possível fora do tempo – ou um tempo místico invocado e evocado pelos tambores da umbanda e pelos cantos e danças de Luhli e Lucina, cuja história extraordinária é objeto e principalmente sujeito do belo filme de Rafael Saar, o qual faz jus a essa dupla das mais importantes e menos reconhecidas da vasta história de nossa música popular. Em Yorimatã, há ritmo de som e imagem, sem linearidade cronológica, mas ritmo condizente com a vida em obra das figuras retratadas. Quem conheceu canções de grande sucesso na década de 1970, com os Secos & Molhados, como “O vira” e “Fala”, deveria saber que uma de suas autoras constituiria uma dupla musical feminina sofisticada, original, e praticamente única enquanto parceria tão fértil, pois, na história marcadamente patriarcal de nossa música, houve poucas mulheres a se dedicarem à composição, execução instrumental e vocal, sendo que, como apontado no filme, provavelmente as protagonistas foram as primeiras percussionistas a mandarem as mãos nas peles nos tambores,

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além de serem exímias violeiras, violonistas, cantoras e letristas, neste aspecto capazes de mesclarem a confissão íntima à paixão cósmica. Repousa além da desdita E além do fado O oculto e belo significado Dessa mágica atração Tão lado a lado Lua e Terra, Terra e Lua Pulsando no ventre da natureza nua Lua e Terra, Terra e Lua. Aliás, num dos depoimentos do filme, outra pioneira, Joyce, relata o quanto foi considerado afrontoso, no final dos anos 60, uma garota como ela escrever e interpretar uma canção com a expressão “meu homem”. E, junto à originalidade da música de Luhli e Lucina, nesse aspecto cultural mais amplo, relativo à hipocrisia social em face à liberdade feminina, saliente-se o modo delicado e natural com que o filme trata a relação amorosa da dupla com o fotógrafo e cineasta Luiz Fernando Borges da Fonseca, o qual não gostava de ser filmado, e


com quem cada uma teve dois filhos, criados juntos, sem esconder que isso também foi difícil devido aos problemas gerados pela situação, principalmente em termos das respectivas famílias, pois estas não foram capazes de aceitar que outros tipos de família e outros modos de vida seriam possíveis. Nesse aspecto, Yorimatã trata, de modo mais original do que os demais filmes sobre o assunto, da chamada contracultura no Brasil, ou seja, das rupturas comportamentais, em termos de reinvenção, em liberdade, das relações amorosas e das vidas pessoais, familiares, comunitárias e sociais, por parte de setores da juventude, em plena ditadura política. Aliás, essa outra dimensão política, menor, que pareceria alheia à “grande” política, mas se volta contra ela, é evidenciada no filme. A contracultura sempre esteve muito ligada às manifestações artísticas, principalmente à mais popular delas, a música, mas nos documentários a respeito ainda são poucas as considerações da sexualidade, ainda mais numa perspectiva feminina dessa reinvenção das relações eróticas, inclusive num sentido mais amplo que o das relações sexuais: o erótico no sentido de força criativa e criadora. Coração aprisionado Não canta, não canta, amor Há uma fera à solta, À solta, amor, Dentro de mim. No caso de Luhli, Luiz Fernando e Lucina, em vez de possessividade, ciúme, competição e ressentimento, tão comuns nas relações ditas amorosas, o que houve foi amor, fraternidade e criatividade, devido à co-laboração estabelecida no seu viver, amar e trabalhar em conjunto e conjunção. Muitos dos preciosos registros de arquivos visuais presentes em Yorimatã vêm de filmagens feitas por Luiz Fernando, também cenógrafo em alguns dos shows da dupla, junto a imagens de filmes e vídeos raros, de outras procedências. Na capa de seu primeiro álbum, Luli & Lucinha (elas mudaram de nomes), há uma bela foto, feita por Luiz, das silhuetas frontais, distorcidas, de Luhli e Lucina, que parecem se

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alongar e se ligar em fundo dourado de sol, numa alusão provável tanto à vida em frente à aurora do mar de Mangaratiba, em Filgueiras (lugar onde viveram por muito tempo em comunidade e comunhão), quanto talvez à luz e à lourice-ruivice das duas. A animação dessa fotografia cria um balé no documentário, com fusão e separação da imagem dupla. Também chamam a atenção no filme as cenas e sequências de Luhli e Lucina, tomadas recentemente, nos mesmos lugares onde viveram sua juventude, salientando-se principalmente sua re-ligação, inclusive no sentido religioso, muito tempo depois da separação da dupla, como se constata nas sequências do mar e principalmente das matas, dos riachos e cachoeiras, sendo que numa delas as amigas se benzem/ são benzidas pelas águas. Junto a depoimentos sobre esse sentimento religioso que as impulsiona, temos também importantes imagens e sons dos tambores tocados por elas para invocar e evocar os espíritos da natureza e das forças afro-indígenas valorizadas pela umbanda,

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presente também nas performances coreográficas de Luhli e Lucina, conforme registros de shows em que é nítida a inspiração das giras... E faço fogo okê aruê Ah e espero a aurora Eu quase dois eu mulher Ah eu quase árvore, ah eu mulher. Com exceção do primeiro álbum, a percussão da umbanda convive, em grande parte de sua produção musical, com elementos de bossa nova (manancial original de ambas e de grande parte dos músicos de sua geração), samba novo, folk rock psicodélico, música caipira, latinoamericanidad e estilização de cânticos indígenas, resultando algo de muito próprio dessa mistura toda. Não por acaso, nos anos 80, há uma aproximação dessa dupla, digamos, pós-tropicalista, de outros músicos inclassificáveis da chamada “vanguarda paulista”, entre eles, Itamar Assumpção. Como Yorimatã revela, através de comentários das artistas, a gravação, produção e distribuição independentes foram o pioneiro caminho de liberdade para quem não queria se submeter às injunções da indústria fonográfica, já na fase de controle e formatação


de seus “produtos” e mesmo do estabelecimento de nichos vendáveis através de canais e códigos de identificação fácil. Apesar da sua capacidade de fazer música pop sofisticada, demonstrada nas muitas de suas canções gravadas por Ney Matogrosso, Luhli e Lucina não tiveram seu pão forte e nutritivo comido pela massa. Injustamente, a maioria de suas muitas centenas de canções sequer foi gravada ou divulgada. Mas certamente toda essa música foi bem vivida. Mesmo porque as duas heroínas dessa história abdicaram à chance de estabelecer uma carreira profissional, nos momentos dolorosos da doença e morte de seu parceiro, carreira que só foi retomada tardiamente, e continua ainda, em seus caminhos separados, embora confluentes, como nesse filme. Sem concessões às gravadoras e ao “gosto do grande público” forjado por aquelas, Luhli e Lucina só fizeram concessões ao amor.

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Orestes: Luto Incompleto e estética da elaboração1

sobre Orestes, de Rodrigo Siqueira cláudia mesquita

Talvez soe protocolar iniciar por um elogio à relevância e à atualidade do problema (ou dos problemas) que Orestes, a seu modo, enfrenta. A começar pelo tema da memória das vítimas e do julgamento (ou melhor, não-julgamento) dos crimes da ditadura militar (1964-1985). Mas no país em que se impôs uma “norma de recalque”, “acintosa a qualquer ordem de democracia efetiva” , como escreveu Thales Ab’Sáber, em que 2

foram precisos sete governos (no processo democrático pós-64) para que se instaurasse uma mínima Comissão da Verdade (o que já se deu em 2012, depois do Brasil ter sido condenado na Corte Internacional de Direitos Humanos da OEA por omissão diante dos crimes da ditadura), neste mesmo país, enfim, em que o Supremo Tribunal Federal revalidou em 2010 a Lei da Anistia, que perpetua a impunidade, um dos méritos de Orestes, indiscutivelmente, é apresentar e buscar elaborar um dilema histórico que nos faz (como uma “ferida aberta”, na expressão freudiana 3). Mas o interesse do segundo longa de Rodrigo Siqueira não se limita a seu conteúdo temático. A recuperação da memória no filme é feita através de apostas (de abordagem e forma) muito arriscadas, que certamente não trivializam nem harmonizam, no presente, a história política recente – justamente porque se põem a pensá-la não como coisa acabada, restrita a um passado já fechado, mas como força bem viva entre nós. Não é só um legado, é uma presença, tem dito o diretor em entrevistas. Todo o trabalho do filme parece visar encontrar formas

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para tornar visíveis essas permanências e ressurgências, para encarná-las em cena, e assim urdir os liames entre passado e presente: entre crimes da ditadura e violência policial hoje, entre traumas históricos e sintomas sociais atuais, entre a ausência de um trabalho de memória e de luto efetivos e as contradições e aporias da sociedade brasileira. Em sua revisita ao antigo prédio do Doi-Codi, “não-lugar de memória”4 eleito como um dos espaços de elaboração no filme, o ex-preso político José Roberto Michelazzo rememora e comenta: “Eu me senti completamente desamparado. Eu tô num lugar que deveria estar me protegendo, e ele tá me machucando, tá me diminuindo, me tornando pó. Eu que era cidadão me torno pó na mão dos caras (...) Na violência que estamos vendo hoje, a desproteção continua a mesma. (...) Tem uma ação organizadora do Estado que é responsabilidade dele” (embora sejamos todos, sociedade civil, responsáveis, ele dissera antes). Em cena, Michelazzo elabora com clareza esta que parece ser uma das

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teses do filme, norteadora de sua proposta, de sua intensa posta em relação: fazer jus à memória das vítimas da ditadura, aproximando-se da verdade histórica, é também olhar para o presente e problematizar perpetuações. Ao aproximar dois momentos da história brasileira, e relacioná-los à trilogia de Ésquilo (Agamemnon, Coéforas e Euménides), o filme parece visar especialmente a ação do Estado e a justiça. Passados 30 anos do final da ditadura, não houve reparação, tampouco uma completa “restauração”: as nossas polícias continuam militares, e agentes do Estado democrático violam direitos elementares dos cidadãos, atuando de maneira criminosa, fraudulenta, parcial, acima da lei. O filme trabalha o horizonte de um processo civilizatório truncado e incompleto, como se estivéssemos aquém da tragédia, aquém do compromisso, da sublimação e do “tratamento simbólico da violência passional”, como escreveu Mondzain, 5 que a Oresteia encena como rito de entrada na lei, na polis, na justiça formal. Como ouvimos nas histórias das vítimas reunidas pelo filme, as fraturas sociais repercutem diretamente em práticas policiais que criminalizam e condenam à morte negros e pobres. Acompanhando


Eliana, uma de suas personagens (mãe de um rapaz morto por “pessoas que usavam uma farda”), o filme nos conduz à Defensoria Pública do Estado, onde uma advogada vai dizer, justamente, das narrativas recorrentes nos boletins de ocorrência policial, em que as mais diferentes realidades são “encaixadas em um roteiro pré-traçado”, endossado noutras instâncias da justiça: é o roteiro da “resistência seguida de morte” (eufemismo para pena de morte, os pobres condenados e executados por serem arbitrariamente “suspeitos”). A ditadura acabou, mas a democracia não está dada, tem insistido Rodrigo Siqueira em entrevistas: a dinâmica entre forças arcaicas e democráticas é um jogo que se joga no presente. Dizer tudo isso é ainda se manter no terreno da relevância temática; fundamental esmiuçar a forma como se trabalham, no filme, esses problemas imensos. Começaria observando que Orestes – em que a elaboração da história corresponde a uma posta em relação entre materiais e procedimentos heterogêneos – mantém uma espécie de “centro vazio”. Com isso quero indicar que diferentes problemas e 6

matérias históricas são relacionados, sem que haja um objeto preciso do passado ou do presente a encenar, rememorar, representar, narrar a contrapelo. Mesmo que reconheçamos a importância, para o filme, da história real de Soledad e Cabo Anselmo, difícil memória e herança com que Ñasaindy tem que se haver no presente, não se trata de mais um documentário sobre a ditadura, não exclusivamente. Tampouco de uma adaptação ficcional contemporânea da tragédia grega, embora a divisão em partes reverbere os três tomos da trilogia de Ésquilo (“a traição”, “a vingança”, “o julgamento”). Pondo em relação essas e outras matérias, Orestes faz um caminho cheio de riscos. Cada parte do filme parece desdobrar uma camada nova, que privilegia uma forma inédita (no filme) de abordagem e experimento com a matéria histórica que mobiliza. O desafio que se coloca para nós é o de compreender como essas partes se articulam (inclusive porque uma vaza sobre a outra, há interpenetrações), e qual inteligibilidade, por fim, o filme acaba por promover.

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Começando por uma panorâmica que se movimenta, em plano geral, pela paisagem de São Paulo, acompanhando o sobrevôo de um urubu, ao som de música grega antiga, Orestes antecipa uma síntese: sugere a interpenetração de tempos e a medida trágica de nossa experiência social (o urubu parece sobrevoar corpos mortos que o emaranhado de prédios não nos permite vislumbrar). As primeiras imagens da visita de Michelazzo ao Doi-Codi reforçam a sugestão de uma memória obscura e soterrada, guardada na metrópole atual. Depois do primeiro intertítulo (“a traição”), a história real de Soledad, Arariboia e Cabo Anselmo é trabalhada de forma mais tradicionalmente documentária, a partir das entrevistas e imagens de arquivo pessoal oferecidas por Ñasaindy (filha de Soledad, militante morta pela repressão). Em paralelo, Marcelo Zelic (da ONG Tortura Nunca Mais) pesquisa o caso na internet, em particular o envolvimento do Cabo Anselmo, agente da ditadura infiltrado nos movimentos de resistência armada.

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Se sugere um documentário histórico, voltado para trajetórias bem precisas,7 a primeira parte já nos apresenta uma das características mais marcantes do filme: uma certa estética, digamos assim, da elaboração (mesmo que o que se elabora não esteja tão claro). Orestes se coloca como work in progress; quase nada é apresentado em si, sem que se encene o processo mesmo de sua descoberta, pesquisa, elaboração (exceção seja feita para alguns planos emblemáticos, como o sobrevôo do urubu, já descrito). A história de Soledad é elaborada por Ñasaindy, com todos os “buraquinhos”, como diz a personagem, que a mantêm aberta, e o apoio precário de fotos de família cortadas por “uma questão de segurança”; já Cabo Anselmo aparece mediado pela pesquisa de Zelic na internet (com a mobilização de trechos de uma entrevista na TV). Até mesmo as locações, fundamentais no filme, tanto o Doi-Codi como o teatro TAIB, que trazem toda uma memória latente, são espaços praticamente desativados, a serem preenchidos pelos processos que neles vão se dar, motivados pelo filme em seu fazer. A estética da elaboração se acentua na segunda parte, “a vingança”, iniciada por planos do cemitério de Perus (espaço que, em si mesmo, imbrica a memória obscura da ditadura ao presente dos “indi-


gentes” lá enterrados, como o filho de Eliana). O agouro do urubu, no plano de abertura, aí encontra reverberação (uma cova é aberta para receber um corpo). Nessa parte, o filme abraça um trabalho explícito de elaboração em ato, por meio da criação de um dispositivo: pessoas que não se conhecem, convidadas pela equipe, participam de interações e sessões de psicodrama conduzidas por Marisa Greeb (com a participação expressiva de Zelic). Esses jogos, de que participam sujeitos marcados pela violência (da ditadura ou da polícia hoje), e pessoas da sociedade civil de algum modo ligadas ao problema, parecem visar encarnações dos temas gerais pelo filme abarcados. “Num confronto entre policial e bandido, quem tem que morrer?”, explicita Sandra, militante de um grupo de apoio a vítimas da violência (de “bandidos”, ela diria), defensora da pena de morte, sob pressão de um jogo psicodramático em que seu primeiro encontro com Eliana é reencenado. Por fim, “o julgamento”: criado um processo judicial fictício, que cruza o Orestes trágico com a história de Ñasaindy, Soledad e Anselmo, encena-se o tribunal popular, com a participação de dois juristas renomados (um defendendo, outro acusando o personagem Orestes dos Santos), assistidos por um júri em que se incluem alguns participantes do psicodrama. A terceira parte explicita a revisita à tragédia grega (indicada no título e nos letreiros iniciais), ao mesmo tempo que convoca o nosso julgamento – de certa forma, nós espectadores somos engajados como jurados no processo em curso (inclusive porque, na mise-en-scène do tribunal, o júri está posicionado na audiência, e o veredicto não é pronunciado em cena). Aqui, a elaboração em ato, mesmo com a teatralidade previamente marcada da cena judiciária, fica por conta da atuação do promotor e do advogado de defesa (cujas falas não foram pré-roteirizadas), sem falar na abertura para o “julgamento” final do espectador. Como uma parte se vincula a outra, e reverbera na outra? Que história é essa que o filme, a partir de suas escolhas, elabora? Mesmo que se valha de matérias bem precisas, tanto históricas como atuais, Orestes parece partir antes de um conceito, intuição ou tese sobre a história, do que da proposta de documentar qualquer “objeto” prévio.

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Assim, uma espécie de tese da permanência (do passado no presente), pela via de um trabalho de luto incompleto ou por fazer, norteia a criação do julgamento e a proposta do psicodrama. Mas não se trata de um filme de tese didático, justamente porque trabalha de maneira bastante aberta aos aportes, vivências, atos de fala, embates de seus participantes. Uma tal estética da elaboração é coerente com a matéria histórica que se elabora: fragmentária, traumática, recalcada, falsificada nas narrativas oficiais, disputada e sofrida no presente. Escolhas de montagem reforçam o caráter descontínuo e inacabado dessa matéria: é o caso do corte para tela preta, nos testemunhos, que figura a brutal interrupção das vidas, e acentua a irresolução das histórias de vítimas da violência policial, reunidas na segunda parte do filme. “Não tenho nem mesmo a certidão de óbito do meu filho”, diz Eliana. O luto incompleto atravessa tempos, aproximando os pais de jovens mortos hoje pela polícia aos filhos de vítimas da repressão durante a

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ditadura – como nos mostram as interações no Doi-Codi e no TAIB. 8 Mas se é nas sessões de psicodrama, sobretudo, que se elaboram em cena os liames entre passado e presente, tanto a posta em história como a abordagem da atualidade aparecem limitadas pela ausência de um “centro”. Priorizando dinâmicas de interação (que o diretor associa ao coro, à vox populi da tragédia grega), o filme parece mirar as grandes questões a partir do enfoque de dramas, traumas, paixões, pulsões e memórias individuais.9 Mas a interação entre desconhecidos, unidos mais pelo tema do filme do que por uma experiência rigorosamente comum, nem sempre alcança elaborações subjetivas (ficando por vezes no nível do debate, do “bate-boca” que ecoa posições polarizadas na sociedade). A mim, soa especialmente incômodo o antagonismo projetado em Sandra, que acaba encarnando, apesar de suas fragilidades, uma espécie de “inimigo comum” (dos demais participantes, e do próprio filme) a ser combatido em cena. Não por acaso o julgamento final é um ponto de chegada. Ele retorna à cena grega para indagar nossa incompletude e tragédia históricas, ao mesmo tempo que articula memória da ditadura e violência atual. Trabalha ainda passagens entre trauma individual e trauma


histórico (quando a anistia irrestrita e sua revalidação são afirmadas com todas as letras pelos atores). Se o veredicto fica em aberto, Ñasaindy parece encontrar na alter-história (de Orestes dos Santos) e na encenação do encontro essencial (com “Cabo Anselmo”, vivido por Zelic no psicodrama) espaço para uma dolorosa elaboração subjetiva. Na mesma cena, Michelazzo (aquele que batalhou pra silenciar o torturador dentro de si, que parecia o mais disposto, no filme, a um distanciamento do lugar da vítima e a um trabalho reflexivo), ataca o “Cabo Anselmo” e o sufoca (exatamente como fez Orestes com o pai traidor e torturador). O som direto dá lugar à música antiga. Foco sobre o rosto de Ñasaindy, que observa. Corte, tela preta. Será esse impasse, em Orestes, a última lição de história? 10

notas

1. Agradeço a Leandro Saraiva pelas conversas em torno do filme, que este texto, uma primeira aproximação a Orestes, ecoa. E a Eduardo Soares Neves Silva e Rodrigo Siqueira, com quem tive a oportunidade de discutir Orestes em uma sessão de lançamento no Cine 104, em Belo Horizonte. 2. Ver “Cabra marcado para morrer, cinema e democracia” (São Paulo, Cosac & Naify, 2013). 3. Ver Luto e melancolia (São Paulo: Cosac Naify, 2011). 4. Refiro-me aos “lugares de memória” teorizados por Pierre Nora (1984), sítios nos quais, em momento de crise da transmissão, se “pendura” a memória coletiva. A expressão “não-lugares de memória” foi utilizada por Claude Lanzmann para sublinhar a diferença marcante dos espaços revisitados por sobreviventes do Holocausto em seu filme Shoah (1985): sítios arruinados, marcados pela ausência, pelo apagamento, pelo projeto nazista de não deixar rastros, por memórias traumáticas. 5. Ver “A imagem pode matar?” (Lisboa, Passagens, 2009, p. 18).

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6. Empresto expressão de Bernardet, utilizada, noutro contexto, para indicar uma característica comum a alguns curtas que lhe interessava abordar. Ver “Por uma crítica ficcional” (catálogo do forumdoc.bh 2003). 7. A primeira parte também identifica Ñasaindy ao Orestes do título (em função da traição e da emboscada a sua mãe por Anselmo), identificação que se acentua quando a terceira parte do filme, o julgamento simulado, evidencia como essa adaptação contemporânea da tragédia corresponde a um cruzamento da Oresteia com o caso real (narrado no filme, sobretudo, por Ñasaindy). 8. Como escreveu Jeanne Marie Gabnebin, “o não saber sobre os mortos do passado instaura na memória um lugar de indeterminação cuja transposição atual se encontra nesses espaços indeterminados de exceção, situados no seio do próprio corpo social – e cuja existência nem sequer é percebida”. Ver “O preço de uma reconciliação extor-

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quida” (O que resta da ditadura, org. Edson Teles e Vladimir Safatle, Boitempo Editorial, 2010). 9. Em Orestes, guardadas as diferenças, busca-se também uma “história à altura do homem”, como se escreveu para o cinema de Rithy Pahn (que afirmou só conceber abordar o genocídio cambojano “em primeira pessoa”). Ver “Devolver o olhar”, de Sylvie Rollet (no catálogo da mostra O cinema de Rithy Panh, CCBB, 2013). 10. Como sintetizou Ilana Feldman, o filme sinaliza que “não há solução de compromisso entre ação racional e reação violenta, entre esfera pública e justiçamento privado, entre o dever de reparação do Estado e o desejo de vingança dos indivíduos.”


Do retrato ao autorretrato: Notas aleatórias do espaço imagético em Mais do que eu possa me reconhecer

sobre filme de Allan Ribeiro roberta veiga

Ele liga sua pequena câmera digital, abre o visor, ajusta e aponta para frente, para aquele que o observa com outra câmera. Por alguns segundos, nós, espectadores, somos olhados por aquele que olhávamos, até que ele diz: “Pronto, vocês estão filmados por Darel”. Em seguida, vemos o visor que ele, o personagem, vê. Lá está a imagem do antecampo: o diretor, Allan Ribeiro, empunhando seu equipamento, de fone de ouvidos, a sorrir, e dizer: “Agora a gente vai entrar no seu filme?”. Essa confluência de olhares, essa circulação de imagens que sobrepõe quem filma e quem é filmado, esse intercâmbio de aparelhos, inaugura um espaço comum, um estar junto com. Longe dos muitos e convencionais documentários biográficos, que se debruçam sobre um personagem na tentativa de conceder-lhe uma identidade coesa e de tornar sua vida uma narrativa organizada, Mais do que eu possa me reconhecer não é um filme sobre... Não é um filme de Allan Ribeiro sobre o pintor pernambucano Darel Valença Lins, mas um espaço imagético que se constrói entre um e outro no presente da filmagem, onde circulam imagens e vozes vindas do olhar de um, do outro, e do outro sobre o um. É como se o espaço daquela casa enorme no Rio de Janeiro, onde o pintor acolhe o cineasta, habitada mais por móveis, objetos, escadas e cômodos, do que por pessoas, produzisse pelo olhar

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cruzado, conjugado, alternado – olhar esse que supostamente seria o do cineasta sobre seu personagem – signos sonoros e visuais que podem trafegar ali livremente, por entre eles, deslocando os limites entre a equipe que produz o filme e o sujeito a ser retratado. Allan e Darel estão próximos e ao mesmo tempo distantes, de maneira que o laço entre eles possa acontecer naturalmente, de modo que as perguntas sobre a vida do personagem possam surgir fora de qualquer modelo de entrevista, mas a partir da relação que se estabelece ali. Ali, o engajamento do personagem se dá menos pelo fato de ser motivo de um documentário do que pela possibilidade da partilha de uma experiência com imagens: um terreno comum que se expande tanto no interesse de Allan pela produção videográfica do pintor, quanto pela percepção de Darel desse interesse. Aos poucos uma zona comum mediada por um fazer comum, que retira e desloca ambos de seus papéis, vai desenhando a forma da interação. À medida que Darel percebe que

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o gesto de Alan em sua direção não o faz refém do passado – quando suas gravuras e pinturas foram reconhecidas mundialmente –, mas o relança aos vídeos que produz, cataloga e organiza em suas gavetas, ele se envolve naquele processo pela lenta descoberta de um lugar outro. Não mais o do biografado, mas do retratado que se inventa no presente compartilhado a casa, os aparatos técnicos, as possibilidades das imagens e dos filmes. Nessa partilha, se num momento Allan quer saber do pintor o que move a feitura de seus vídeos, em outro é Darel quem quer saber o que move o diretor: “Você quer fazer esse filme para mim por quê? Tem, por exemplo, festival, onde cada um leva um filme pra mostrar?”. “Festival é o que mais tem”, responde o diretor. Eles negociam cópias, formatos, ideias, DVDs com dedicatória, e a possibilidade de um filme juntos. Se Mais do que eu possa me reconhecer é menos uma biografia que um retrato, ele o é como são os retratos das cidades e das mulheres feitos nas gravuras e pinturas de Darel, manchadas, sem contornos fixos. Se o filme se aproxima do retrato, o faz na medida em que, como nos fala Claudia Mesquita, privilegia “a proposição do diálogo como estratégia central e forma de enunciar a narrativa biográfica ‘possível’,


assumida como processo de comunicação, criação e troca entre duas instâncias” (MESQUITA, 2010). Se o filme constrói um retrato, ele deve ser entendido ainda na lógica que propõe Jean-Luc Nancy, pela qual uma iconografia dos retratos pintados constrói uma filosofia do sujeito que não o reduz a uma identidade: “o sujeito do retrato é o sujeito que o retrato mesmo é” (NANCY, 2006, p. 28). Sem ser a representação de uma pessoa por seus atributos ou atribuições, mas ao ser por ele mesmo, retirado de sua exterioridade, o retrato inventa um si mesmo, e o faz no ato de retratar. Daí que, se para Nancy um retrato é sempre um autorretrato, em Mais do que eu possa me reconhecer, ele o é duplamente: porque o retratado se inventa no presente da filmagem – ao reinventar o passado e ao performar para câmera em seu espaço doméstico –, e porque a montagem de Allan aloca e re-significa os filmes que Darel produziu sozinho nesse mesmo espaço. A casa que se transmuta em zona de passagem entre imagens, na situação de acolhida da equipe de filmagem por Darel, o faz ainda sobre outras camadas prévias de imagens: aquela dos quadros, gravuras, e dos vídeos feitos pelo próprio pintor que, em sua solidão, se põe com frequência a filmar os objetos como que voando sozinhos; o gato que surge como intruso; os espelhos a refletirem a si mesmo como o duplo que lhe acompanha; as rugas de suas mãos; e seus pés descalços a caminhar naquele interior. Por isso podemos falar da casa e do filme também como espaços imagéticos que se dobram um sobre o outro: se por ali circulam imagens e sons de um e de outro, de um do outro, circulam também imagens de imagens. Esses deslizamentos entre imagens, essa troca de lugares e perspectivas, que o encontro para o filme promove no presente, estarão então a produzir em espiral vários deslocamentos: entre campo e antecampo, entre pintura e cinema, entre passado e presente, entre fora e dentro, entre a memoria e a invenção, entre a velhice e a morte. Ao contrário do documentário biográfico que prende o personagem em seus grandes feitos do passado, mumifica sua personalidade e a “fixa para a posteridade”, como se – na forma de uma “quase” homenagem póstuma – o matasse em vida, em Mais do que eu possa me

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reconhecer há, como queria Ana Cristina Cesar, uma “desbiografização” que desfaz a complementariedade sadia entre vida e obra (CESAR, 1980, p. 11 e 47). Ali, não é a memória de jovem pintor de sucesso que está em jogo. Se a morte espreita o filme, é porque a velhice é o presente do retratado, que se mostra no corpo cansado, na escuta comprometida, nos passos lentos, na casa vazia da qual todos se foram, na voz baixa e rouca que, após evocar a morte dos amigos que aparecem na fotografia pendurada na parede, diz: “Morrer é bom também”. É, principalmente, nos vídeos produzidos pelo pintor que conjuram o além, o mórbido, o sobrenatural – nos objetos que se movem sozinhos, na lente que busca nos sulcos da pele o tempo da alma, no gesto intimista que exibe seu pacto com a solidão –, que a filmagem como processo conjunto, e a montagem que o sustenta, faz sentir aquilo que da velhice encosta na morte. Se a memória vem se infiltrar ali, ela não é testemunho de um

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passado que precisa ser resgatado para que haja um filme da história de vida do personagem, mas ela surge na invenção que a partilha de um tempo junto solicita. Ao engajar cineasta e retratado num mundo comum, na circulação de imagens, o filme desloca a noção mais perversa da velhice: aquela de que, ao velho, só resta o passado. Se Darel surge enorme aos nossos olhos, não é pelo grande pintor que foi um dia, mas por acolher o olhar do outro e doar o seu, nessa troca de dons perpetrada na aliança do filme. Se sabemos que o homem que pintava belamente as cidades como uma maquinaria intrincada e nebulosa volta-se agora para o interior, para o intimo, é porque vemos ressoar essa passagem do fora ao dentro, da pintura ao vídeo, no modo como a experiência presente conforma o filme: da surdez reiterada aos palavrões reiterados, da obsessão pela figura de Judith ao apego pelo “aleatório” do vídeo, da preguiça de pintar no dia de chuva ao desejo pelas imagens feitas para o filme, da proibição de sair de carro ao travelling pelas ruas do Rio. Entre todos os deslocamentos ou deslizamentos, o que aqui nos parece mais fundamental, pois aponta para uma premência política do pensamento sobre as imagens, é esse de


um filme que, ao incorporar a imagem do outro, faz do gesto de virar a câmera para si uma passagem necessária do retrato ao autorretrato.

Referências

CESAR, Ana Cristina. Literatura não é documento. Rio de Janeiro: Funarte, 1980. NANCY, Jean-Luc. La mirada del retrato. Buenos Aires: Amorrortu, 2006. MESQUITA, Cláudia. Retratos em diálogo: notas sobre o documentário brasileiro recente. Diponível em: http://www.scielo.br/scielo. php?pid=S0101-33002010000100006&script=sci_arttext. Acesso em: 26 de outubro de 2015.

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O que é a verdade para certos rapazes sobre A paixão de JL, de Carlos Nader eduardo de jesus

Por onde começar quando todos os fios parecem ainda estar soltos? Os fios entre memória e filme, personagem e autor, verdade e ficção, sujeito e mundo constituem tramas quase soltas que se abrem, a todo tempo, para novos entrelaçamentos. Palavra-imagem, verbal-visual, vida-imagem. Ver A paixão de JL (2014) de Carlos Nader é transitar pelos fios soltos dessas muitas tramas. Os movimentos se refletem nos fios que, vez por outra, se misturam e formam novas tramas, as vezes frouxas e prontas para se desatar, outras vezes fortes, permanecem bem atadas, misturando-se ainda mais. O filme construído a partir de um conjunto de fitas cassete gravadas pelo próprio José Leonilson, como sinaliza o texto logo no início, faz com que A paixão de JL transite de forma ambivalente entre o mais individual, subjetivo e íntimo e o coletivo, social e público: “Em janeiro de 1990, o artista José Leonilson começa a gravar um diário íntimo, com a intenção de tornar públicos os seus sonhos, memórias e ficções pessoais”. A frase – que aparece depois da obra Favorite game (1990) que traz a figura de um homem entre as palavras truth e fiction (verdade e ficção, em inglês) em negativo e de imagens dos conflitos na Praça da Paz Celestial na China (1989), a queda do muro de Berlim (1990) e a eleição (1989) de Fernando Collor de Melo – funciona quase como um preâmbulo e parece nos indicar que o filme traça um lugar de passagem aproximando, sobrepondo e ativando distintas dimensões

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como a intimidade, o ambiente privado, o cotidiano doméstico, a família com seus afetos e o público, as forças do coletivo, os cenários sociais, culturais e políticos. Essas dimensões e a combinação de suas formas ambivalentes criam múltiplas formas de aproximação tornando o filme intensamente complexo, cheio de sutilezas e detalhes que nos fazem tangenciar, de forma pouco convencional, não apenas o paradoxal e afetivo universo do artista José Leonilson, mas um tempo, um contexto. No filme, a intimidade está envolvida em uma atmosfera de revelação, mas não se trata de ler um diário secretamente, desses que são feitos para não serem lidos. Trata-se, desde o início, de assumir a presença engendrada do Outro, tornando as revelações não apenas vinculadas ao sujeito, mas talvez ao próprio momento que ele experimentava coletivamente, dando mais potência à forma diário que oscila entre os domínios da intimidade e do período histórico, dando assim um retrato de uma certa época.

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Conhecido pela potência poética de sua obra e pelo forte traço autobiográfico, que se expande com o filme, Leonilson transitou entre pintura, desenho e bordado fazendo da palavra escrita uma marca de seus trabalhos. Inserções de produtos midiáticos como seriados de tv, videoclipes e filmes assumem o importante lugar de acionar afetivamente a memória e de abrir as obras do artista ao diálogo. A obra do artista aparece intensamente no filme e de forma bastante rigorosa. Talvez sublinhando o gesto de passagem e a combinação entre as muitas dimensões, domina na montagem do filme o corte seco entre planos abertos e detalhes das obras, muitas vezes em diálogo com os depoimentos, sinalizando passagens entre geral e específico. O filme com isso ressalta o envolvimento do artista com as pluralidades de seu tempo e com as muitas formas sensíveis de estar no mundo. As imagens do videoclipe Cherish de Madonna (1989), David Cassidy da Família Dó-Ré-Mi (1970), os filmes de Wim Wenders, Tarzan, Henrique II (1991) de Derek Jarman e até o peculiar Perdidos no espaço (produzido entre 1965 e 1968, mas que ainda era exibido no início da década de 1990, já que Leonilson nos diz que está assistindo na TV) transitam entre suas obras em passagens simples, do ponto


de vista da linguagem audiovisual, mas muito potentes na produção de sentido e nas possíveis relações sugeridas entre sons, depoimentos e imagens para revelar o universo do artista e de seu tempo. Por isso, frequentemente, o áudio de uma sequência parece escapar para invadir outra, sobrepondo-se às obras, criando interessantes zonas de ampliação, de invenção, que falam tanto das formas contemporâneas da memória, quanto deixam transparecer as relações entre a arte e o ambiente doméstico da vida cotidiana, bem como os processos de produção do artista, sempre envolvido com suas paixões e desejos. Tudo parece estar ligado ao signo da paixão e por isso o sensível se torna vetor por onde as ambivalências e alterações entre singular e plural se expandem ainda com mais intensidade. As fusões sempre em branco ou preto, e mesmo os cortes, muitas vezes, nos colocam em contato com a tela em branco ou preto, como um vazio, a ausência de imagens, marca da obra de Leonilson e recurso expressivo para marcar a qualidade lacunar e imprecisa da memória (e também da História já que as dimensões social-política e íntimasubjetiva se combinam intensamente). Essas passagens em branco ou preto parecem ainda se colocar em contato direto com as sofisticadas ocupações do espaço pictórico típicas da obra de Leonilson. Nader soube captar nas fitas a memória-depoimento-vida de Leonilson traduzindo-as na montagem do filme que enfatiza, além da ausência de imagens, sobreposições de registros, as vezes distantes, entre íntimo e midiático, entre individual e coletivo refletindo situações que alteraram processos políticos globais. Um entra no outro, uma trama enlaça o outro fio e misturam-se convocando o espectador a se movimentar por esses universos de referências. É justamente aí que o filme se desdobra e as linhas soltas se entrelaçam ainda mais. As imagens dos acontecimentos sociais e políticos que surgem na tela, as vezes em seus idiomas originais e depois com os conhecidos enunciados midiáticos, misturam-se com os fragmentos de diversas produções audiovisuais e os relatos intensamente afetuosos e íntimos de Leonilson, que com isso acabam por construir um bloco de sensações, que parece revelar as questões coletivas e políticas, mas tendo

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como horizonte os processos de subjetivação constituídos no início da década de 1990. O filme constrói-aciona o trânsito entre essas diversas dimensões que integram o universo afetivo, visual, subjetivo e sensível de Leonilson, de suas obras e do contexto de seu tempo. Tudo paradoxalmente bem amarrado e solto. Fios que se aproximam como o emocionante depoimento sobre os bombardeios de Bagdá em 1991 na Guerra do Iraque, as lágrimas provocadas por Cherish em uma tarde melancólica ou a descrição de uma divertida noite urbana na qual dançou “como louco” com amigos demonstrando a intensidade da vida com seus sonhos, medos e alegrias pulsando na tensão entre coletivo e individual. A descoberta da contaminação pelo vírus HIV ganha no filme, de forma muito poética e delicada, esse mesmo traço entre a intimidade e o público. O drama pessoal e íntimo de enfrentar a doença, ainda pouco conhecida, é ampliado coletivamente com as imagens

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de uma homenagem de Madonna que dedica um show em memória do artista americano Keith Haring que havia falecido alguns meses antes e, logo em seguida, a imagem com a declaração do jogador de basquete americano Magic Johnson assumindo ser soropositivo na arena midiática, em 1989. É nesse trânsito, no ir e vir entre múltiplas e distintas dimensões, que Carlos Nader com seu filme nos faz tangenciar sensivelmente o universo de Leonilson, percebendo como se entrelaçam obra, desejo, afeto e subjetividade nas tramas entre verdade e ficção desse importante artista brasileiro.


Futuro Junho sobre filme de Maria Augusta Ramos carla maia

Há mais em comum entre os quatro personagens de Futuro Junho – o economista André Perfeito, o motoboy Alex Cientista, um montador de carros e Alex Fernandes, líder sindical dos trabalhadores metroviários – do que a primeira impressão permite supor. Todos têm de lidar, no exercício de sua profissão, com o movimento, a circulação e a deriva: relação mais evidente, nos casos do motoboy e do metroviário, subentendida no caso do montador de carros e figurada pelas flutuações do mercado no caso do analista financeiro. Ademais, estão todos diante de algum tipo de crise ou colapso que afeta seu trabalho e/ou sua vida diretamente. O sindicalista lidera uma turbulenta greve da categoria; o montador de carros acompanha a queda de vendas do mercado automobilístico; o motoboy encara, além do trânsito caótico, a precariedade dos serviços públicos dos quais depende para cuidar de sua família; o economista tenta explicar, numa fala praticamente incompreensível para leigos, as causas da instabilidade econômica que assola o país e se agrava no contexto de realização do filme, o Brasil pré-Copa do Mundo. A escolha dos personagens não é acidental, tampouco a de apanhá-los em situações de deslocamento e circulação – o motoboy em sua motocicleta, o analista dentro de seu carro, o sindicalista nas passeatas, o montador de carros no trajeto da fábrica para casa e vice-versa. Se, em filmes anteriores, Maria Augusta Ramos dirigia sua câmera, aos moldes de Wiseman, para instituições sociais específicas (o tribunal e

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a prisão em Justiça, de 2004, e Juízo, de 2008, ou a polícia das UPP’s em Morro dos Prazeres, de 2013), agora ela foca situações particulares da vida de seus quatro personagens para compor, com rigor analítico, um diagnóstico da sociedade brasileira contemporânea, com foco em aspectos econômicos. A “instituição” da vez é mais complexa e abrangente – é o próprio capitalismo neoliberal que passa a ser colocado sob escrutínio. A circulação dos personagens por diferentes espaços e situações remete à circulação do capital tão cara ao pensamento neoliberal, sem deixar de enfatizar as muitas barreiras que impedem que tal circulação seja, de fato, inclusiva e democrática. Assim, sobretudo no que diz respeito aos “operários” (o motoboy, o sindicalista e o montador de carros), o que a câmera revela – sob forte influência do cinema direto, observando de perto as situações sem intervenções explícitas e valorizando o som que emana da cena – são situações de constantes impedimentos e obstáculos. O motoboy não

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consegue um tratamento neuropediátrico para o filho pelo sistema público de saúde; o sindicalista acaba sendo demitido e não convence seus companheiros a manter a greve; o montador de carros tem sua segurança no emprego ameaçada pela recessão do setor automobilístico. As muitas cenas de engarrafamentos da cidade de São Paulo, bem como o metrô paralisado ou “circulando com velocidade reduzida e maior tempo de parada” como anunciam os alto-falantes da estação, tornam-se, assim, figuras expressivas dessa circulação ameaçada, impedida, fracassada. A diretora não se exime, contudo, de diferenciar cada um dos personagens. O voo panorâmico pelos edifícios da megalópole paulista que abre o filme, passando pela agitada avenida (de um lado, o engarrafamento, do outro, um protesto de profissionais da educação), até o interior de um dos carros, onde se encontra Perfeito, já anuncia, de saída, algo que será caro para toda a narrativa: a relação entre o que é de ordem sistêmica e abrangente (a economia e seus desdobramentos) e o que é individual e circunscrito. Desse modo, o filme se situa entre uma abordagem sociológica ( já experimentada pela diretora em Justiça) e outra mais particular e intimista (que dá o tom de Desi, de 2000):


da primeira, guarda o interesse por um diagnóstico de dada realidade social; da segunda, conserva o investimento na presença e ação dos personagens que, embora emblemáticos, não chegam a se constituir como “tipos sociais”. Ainda que sem tempo para aprofundamentos, a diretora busca traçar um perfil singular e irredutível para cada um dos sujeitos filmados, complexificando a maneira como eles podem ser identificados no filme. É decisiva, pois, a escolha de filmar os personagens não apenas no ambiente de trabalho mas em sua privacidade. Descobrimos que Alex Cientista é também cantor e compositor de rap, “um mano-correria sobrevivente do dia-a-dia”, como diz a letra da música performada por ele, além de um pai dedicado, como fica evidente na cena em que, após a refeição, seu filho se aproxima e sussurra “eu te amo”. Outro personagem que também é retratado em sua função paterna é o montador de carros, o mais “anônimo” dos personagens do filme, a ponto de não sabermos sequer seu nome. Ele fala pouco. Aparece, com frequência, em silêncio, olhar direcionado ao fora de campo e, no trabalho, qual Carlitos que perdeu a graça, limita-se a executar ações repetitivas e sequenciais, a parte que lhe cabe na imensa fábrica de automóveis. Dele, sabemos que tem uma filha, a quem leva pra escola antes de ir trabalhar. Seu único diálogo com ela tem como assunto, precisamente, o cofrinho de moedas que ela cogita finalmente abrir (“guarda mais”, o pai aconselha). Em contraste ao silêncio do montador, o sindicalista Alex Fernandes é prolixo, fala com eloquência e para muita gente. Algumas cenas de seus discursos durante as mobilizações dos trabalhadores convocam, pela força de alguns enquadramentos, as imagens de ABC da Greve (Leon Hirszman, filmado em 1979 e lançado em 1990) em que era outro o protagonista (o ex-metalúrgico e ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva), mas ainda e sempre a mesma luta. A persona de líder sindical, tão cheia de energia e convicções, não domina, entretanto, todo o retrato de Fernandes: nos momentos em família, quando descobrimos que, em meio a tanto tumulto, sua companheira está a espera de seu primeiro filho, ele se revela vulnerável, cansado e apreensivo.

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O personagem de Perfeito é, de certa maneira, o antagonista dos demais personagens: o economista é o único a ser filmado em momentos de lazer e, na sequência final, já durante a Copa do Mundo, o único a assistir a um jogo da seleção brasileira no estádio. Enquanto isso, Fernandes está na rua, enfrentando o comando de choque polícia durante uma manifestação pela reintegração dos metroviários demitidos em função da greve; Alex está em sua comunidade na periferia assistindo o jogo de um telão; e o montador continua na fábrica, repetindo os gestos mecanizados de costume, alheio ao grande espetáculo do esporte. O “país de todos” revela-se, pela montagem precisa de Karen Akerman, em sua contundente fragmentação e desigualdade. André Perfeito não se resume, contudo, ao papel de antagonista ou “vilão” (como ele próprio se considera, em debate por ocasião do lançamento do filme). Sem recorrer à narração, Futuro Junho parece se amparar em Perfeito para comentar não apenas seu tema mas sua

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estratégia de realização. A respeito do tema, é nas cenas com o economista que surgem as chaves de análise da crise, as descrições de contingências nacionais e internacionais, a relação entre o valor da moeda e a credibilidade do governo, as consequências da realização da Copa e assim por diante. No que concerne ao discurso fílmico, interessa notar a passagem em que Perfeito, durante uma aula de economia, faz referência a Sérgio Buarque de Hollanda e sua noção de “cordialidade” como traço característico da cultura brasileira: “não é um caráter positivo, mas uma estratégia para o indivíduo circular numa sociedade em que público e privado se confundem”, ele diz. Esta estratégia parece orientar, reflexivamente, a montagem do próprio filme, com seu investimento na alternância de situações públicas (entrevistas, discursos, aulas, manifestações, julgamentos) e aquelas da intimidade familiar. Perfeito é aquele que assume, portanto, a posição dos privilegiados: não apenas é aquele que entende e analisa, com habilidade de um especialista, as contingências da crise, mas quem parece ser menos afetado por ela. De dentro de seu carro a vidros fechados, ele se isola do ruído da cidade em rebuliço, dos gritos de protesto das manifestações. Enquanto Cientista tenta assegurar o futuro, comprando a casa


própria ou contratando um plano funerário, enquanto Fernandes luta por modificá-lo, pela mobilização por melhores condições no trabalho e às custas de seu próprio emprego; e enquanto o montador escuta, com apreensão e certa passividade, as notícias sobre a retração do mercado em que atua; o economista é aquele que, quando não está no trabalho, frequenta concertos, restaurantes, barbearias e jogos de futebol a preços inacessíveis para a maior parte da população. Em suma, Perfeito aproveita o presente “como se não houvesse amanhã”, para citar a expressão do próprio, quando se refere à política econômica dos Estados Unidos e sua credibilidade inabalável (“moeda é credibilidade”, ele explica). Assim, o “futuro” do título ultrapassa em muito a referência ao jargão financeiro que ouvimos tantas vezes na banda sonora (“futuro junho a cinquenta e quatro mil, futuro junho a cinquenta e quatro mil” repete obstinadamente a operadora da bolsa, expressão tão cifrada quanto a lógica do capital especulativo). Junto à referência ao mês que, em 2013, marcou a história recente do país com aquelas que ficaram conhecidas como “as manifestações de junho”, o futuro torna-se prenúncio da insustentabilidade do modelo capitalista neoliberal, no contexto de países de extrema desigualdade social: mais do que mera e calculada especulação, ele é algo concreto, temível e avassalador para a massa que circula pelas ruas da megalópole, que habita seus arranha-céus, que espera pelo próximo trem na plataforma, como quem aguarda o próximo milagre.

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Entre o trabalho e a deriva afetiva sobre Carregador 1118, de Eduardo Consonni e Rodrigo T. Marques vinícius andrade

Não se pode tocar A bendita solidão de um homem só Sem achar Tão bonita a solidão de um homem só E andar Tão sozinho o andar de homem só1 Rodrigo Campos

Talvez uma das perguntas cruciais para entendermos uma obra artística diga respeito à boa distância. Esta, se é uma questão de justiça, como nos ensina Jacques Rancière (2000), é tanto mais importante para o cinema documentário e para os modos pelos quais este, em sua escritura, permite medí-la: onde se posiciona a câmera, quem e como se filma, como a voz é inscrita, que outros sons a acompanham, em suma, o jogo de operações de aproximação e afastamento entre quem filma e quem é filmado e os sentidos que contém. Em Carregador 1118 (Eduardo Consonni e Rodrigo T. Marques, 2015) deve-se observar tal medida em relação a Tonho, personagem foco do filme, para pensar o desafio de filmá-lo em sua dura rotina de carregador e o momento que atravessa, pós-separação da mulher com quem viveu durante muitos anos.

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Acreditamos que é na particular relação entre sons e imagens elaborada pelos realizadores que está mais evidente esse jogo de distâncias fundamental: enquanto a câmera, guiada por uma decupagem próxima à ficção, tateia em busca de uma posição adequada, ora mantendo-se afastada, ora arriscando um olhar em detalhe para Tonho, o trabalho sonoro, seja o som direto ou as trilhas musicais, enfrenta a aproximação, entrada ou mergulho na subjetividade do personagem. Assim, se por um lado a imagem parece se produzir no “(...) espaço próprio” do carregador, como se partilhasse com ele “(....) seus territórios” (COMOLLI, 2008, p. 55), construindo uma documentação de gestos e espaços, por outro, no campo do audível, por meio das ligações de celular que faz para a ex-mulher e das músicas de desilusão amorosa, trata-se de apresentar a sua deriva afetiva. Embora seu cotidiano de carregador esteja mais evidente no trabalho da imagem e o que chamamos de deriva afetiva no trabalho

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sonoro, essas dimensões se interpenetram incessantemente ao longo do filme. Notemos como Tonho é sempre filmado no trabalho ou em seus arredores, jamais em ambiente doméstico, íntimo, aparentando nunca voltar para casa. E bem aí a questão se torna: qual casa? Ele parece não ter onde ir: a ex-mulher não quer vê-lo e a casa onde morava pertencia a ela. A entrega ao trabalho parece permití-lo o desvio, ainda que provisório, das próprias emoções, e, paradoxalmente, ligá-lo a um passado recente ainda em aberto, vivo, que deseja esquecer. Todavia, se o filme está concentrado no cotidiano de seu personagem, é também porque se deixou “contaminar” por essa deriva que está nele, que a canção, de sua parte, enuncia explicitamente: “O amor me deixou à deriva”. Desses traços resultam uma complexa espacialidade, que não está somente no que vemos nem no que ouvimos, mas no cruzamento entre as duas instâncias. Elas podem ir ao encontro uma da outra, fazendo equivaler, por exemplo, primeiro plano visual e primeiro plano sonoro, como na cena de abertura, que já indica as coordenadas que iremos encontrar ao longo de todo o desenrolar do filme. Nela, à proposta de uma mulher “conhecida” de tomar uma “breja”, Tonho finge dispersão e se volta para a mesa de sinuca, se esquivando da resposta. Logo de-


pois, o vemos, de perto, empunhando o telefone e buscando contato com sua ex-mulher, que o pede: “Tonho de Deus, Homi, deixa eu cuidá da minha vida? Já lhe falei que não me ligasse mais, homi teimoso. Quero mais nada contigo não, não sou mulher de meia-palavra (...)”. Podem também – imagem e som – repartir nossa atenção em pontos diferentes do plano, como no exemplo notável da cena na lanchonete da CEAGESP (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo). Tonho fala de quando chegou em São Paulo, de perfil e longe da câmera, por detrás dos carros que cruzam a rua, contudo, o escutamos em primeiro plano sonoro e em tom quase confessional. Enquanto a proximidade de sua voz nos mantém atentos ao que diz e sublinha sua importância, a imagem o torna mais um entre os outros carregadores reunidos no canto esquerdo do plano, aos carros que cruzam a rua, a outros elementos comuns a esse espaço. Ao final, é justamente a função das canções que se destaca, canções que, vale ressaltar, foram todas compostas pelos realizadores do filme. Se elas pareciam ocupar um zona indiscernível e oscilante entre espaço diegético e extra-diegético ao longo do filme, mais adiante explodem de vez para além do narrado e avançam sobre a trilha, o que corresponde ao decisivo momento de transbordamento emocional do personagem, o mais dolorido. Tonho caminha no corredor de armários onde os carregadores guardam as roupas, nu e sozinho, e a canção amplia o campo semântico ligado ao transitivo carregar: a dor se leva, se transporta, dispõe, envia, cambia. Na cena seguinte, emerge a única canção entoada por uma mulher, justamente no eu lírico feminino, que é também a mais afirmativa. Tonho, curiosamente, parece mais leve. Se não sabemos se sua deriva afetiva terá fim, o ressurgimento do feminino pela música sugere uma possível conciliação, não com a ex-mulher, mas, antes, consigo mesmo, com a própria dor da qual se desviava e já pode levar consigo.

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notas

1. Trecho da canção “Homem só”, composta por Romulo Froes e Rodrigo Campos para o disco “Passo elétrico”, da banda paulista Passo Torto, formada ainda por Kiko Dinucci e Marcelo Cabral

Referências

CAMPOS, Rodrigo; FROES, Romulo. Passo elétrico. São Paulo: YB music, 2013. 1 CD. COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder. A inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008. RANCIÈRE, Jacques. L’art de la distance, introduction à Détours, de Raymond Depardon. Paris: Maison européenne de la photographie, 2000.

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Mostra Contemporânea Brasileira Curtas-metragens anna flávia dias salles bruno vasconcelos luís felipe flores

O conjunto dos curtas-metragens selecionados para a Mostra Contemporânea Nacional apresenta, grosso modo, duas tendências principais: por um lado, a fabricação de narrativas cinematográficas que repercutem, de diferentes maneiras, certos eixos fundamentais da história e da memória coletiva na sociedade brasileira contemporânea (a ditadura militar, os movimentos sociais, o genocídio indígena, a aparição dos povos); por outro, as operações reflexivas e experimentais produzidas nas fronteiras do cinema com o seu próprio desenvolvimento temporal (tecnológico, linguístico, artístico, discursivo) ou a sua duração. Em Índios no poder (2015), de Rodrigo Arajeju, um grupo de indígenas Kaiowá rememora como lhes era impossível publicizar a agenda de seu candidato indígena nas últimas eleições: dentre os olhares atentos que ele receberia estaria o de um seu algoz, um pistoleiro. O tiro, como aqueles recebidos por centenas de lideranças Kaiowá nos últimos anos, pode muito bem ser rastreado, como indica Aílton Krenak: é invariavelmente disparado desde um dos gabinetes do poder político em Brasília, em sua conivente recusa em destravar o acesso constitucional aos territórios indígenas tradicionais. É com desconcerto, portanto, que presenciamos algumas lideranças indígenas contemporâneas revezarem-se neste filme, pensando as dificuldades para ocupar um posto no centro do poder político brasileiro e contrapor-se ao atual estado do genocídio indígena. O filme evoca o inédito e saudoso Mário Juruna, falecido em 2002, o único indígena eleito até hoje no Brasil para um mandato legislativo federal (1983-1986). A

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eleição de Juruna, como fica cada vez mais evidente, foi um marco, uma diferença, um ruído no cenário político. O Congresso nacional não lhe esteve indiferente, e é assim que Aílton Krenak pode apontar que o sistema político não acolheria novamente, após Juruna, alguém como ele, com sua fala direta e franca, incomum na lida política formal – “o estamento político brasileiro do jeito que está organizado é para que pessoas com aquele tipo de intervenção não estejam presentes no congresso”. Apenas uma reforma política faria frente a esse impedimento, sugerem os índios, sugere o filme. Um indígena pede votos nas ruas de Brasília: “o partido apenas me disponibiliza estes panfletos, que dizem tão pouco”. A televisão ligada na lanchonete apresenta a propaganda de campanha da presidenta, que naquele exato momento garante, em uma carta pública, abraçar a luta pela efetivação dos direitos dos povos indígenas. Alguns dias mais adiante, a mesma pessoa fortalece robustamente na TV

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uma destacada representante dos algozes daqueles povos indígenas. Está tudo gravado. O deputado Juruna se fazia acompanhar em sua legislatura por um instrumento capaz de fixar as declarações de seus interlocutores, expor suas vacilações, atacar-lhes as dubiedades – usava um gravador de áudio, gravava-lhes as promessas. Estava tudo gravado, e ele acabava por concluir: seus contendores mentiam, buscavam aliciar-lhe. Juruna tem razão, grita a multidão. Um político indígena, vislumbramos aqui, além de homem do povo, é homem de um povo, de muitos povos, populações indígenas várias, das quais os demais brasileiros sabem ainda hoje tão pouco. Para saber um pouco mais sobre esses povos é preciso mover-se, junto aos indígenas, e perambular No caminho com Mário (2014), do Coletivo Mbya Guarani de Cinema, resultado das oficinas continuadas ministradas pelo Vídeo nas Aldeias. Aproximamo-nos do desborde de energia juvenil de alguns adolescentes indígenas, e os acompanhamos nas suas lidas cotidianas, o rolê, a coleta de madeira, a feitura do artesanato, a viagem chacoalhante até a cidade para vendê-lo. Ali, com algum dinheiro, alguns jovens poderão beber um refrigerante e jogar, apenas por pouco tempo, sinuca ou jogos eletrônicos de guer-


ra – são mais felizes, um deles parece dizer. Como em outros filmes deste coletivo indígena, as questões que lhes interessam tratar serão escancaradas diante do espectador, visceralmente. O enredo é mais uma vez desdobrado a partir de seu pequeno território. Ele não lhes oferece mata, e aquelas aonde se dirigem são cercadas por fazendeiros, animais bravos. Os brancos querem os sorrisos das crianças indígenas de belos cabelos nas fotos que lhes tiram, e lançam silêncios de reserva diante de materiais “não tradicionais” utilizados em seu artesanato. Para os realizadores não se trata de forjar, através do filme, a figura de um povo uno, indiviso, e assim melhor contrapor-se ao contendor branco. Desde sempre serão explicitadas linhas de tensão, nas quais um certo equilíbrio atual de suas relações pode esfacelar-se. Os jovens lidam com desdém e fascínio com as quinquilharias tecnológicas dos brancos, apreciam o rap, talvez não estejam interessados no ensaio de hoje do coral, ironizam a turista mesquinha: “dez centavos, ela acha que deu muito dinheiro”. Uma série de pequenas violências se sobrepõe aos poucos neste filme, que é também um filme de grande graça e vitalismo. Se as ruínas nas quais perambulam hoje índios e brancos é aquilo que restou da grande briga por ouro, os jovens Mbya não hesitam em fazer perguntas que atravessam as eras, ao indagar diante do abismo: “até que ano será que nós vamos existir?”. Nós, Mbya, claro está. A burla juvenil projeta a resposta, em meio a jogos mágicos com grãos de milho: os Mbya existirão até o ano 3000. No filme realizado por Leo Pyrata, Imhotep (2015), encontramos vestígios de outras civilizações. Talvez levasse anos descifrar sua escrita, os hábitos culinários implicados ali – a mistura adequada dos ingredientes –, os gestos codificados em repetidos rituais à meia luz, as posições devidas dos estranhos corpos em cada ocasião, mesmo as prescritas, diante de um estupor imprevisto, e que virá. E ainda, mais ao chão, vislumbrar as técnicas agrárias para melhor aproveitar os parcos recursos hídricos do deserto e assim cultivar aos pés da pirâmide, por exemplo, a tanchagem, de cujas sementes secas se produziam no antigo Egito saborosos pães (trata-se da semente desse mesmo mato que brota nas gretas da cidade). Talvez levasse anos aproximar-se desses signos,

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que o filme faz errar diante de nós, não fosse a capacidade espantosa a que finalmente acedemos, com o advento dos últimos instrumentos de precisão, sua velocidade. É possível assim experimentar o pulso – não é um milagre ainda estarmos vivos? Sim, é um milagre ainda estarmos vivos. O pulso desse outro modo de vida que se esboça, ao que parece. Tudo o que vemos aqui está aí desde muito. Sobre esses signos errantes, desde já opacos, sobre eles se encerra a pirâmide. De fato é o cine-pesquisador que acrescenta às estranhas visões, outras camadas, justamente aquelas de que se precisa para afastar a execrável impressão de estarmos diante de povos já-conhecidos. Mas há nesta pintura algo que acreditamos estranhamente compreensível, próximo, uma voz. Tudo o que nos é dado saber desses vestígios nos vem dela, a intervalos regulares, como numa reza ou canção – apenas mais grave do que de costume, talvez o exija mesmo a situação. Outras civilizações: se acreditávamos estar em companhia de um semelhante, no entanto, o

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filme parece dizer, em voz baixa, diante do deus sol, sun: “sois todos de Mu, e não sabeis!”. Sem título #2: la mer larme (2015), de Carlos Adriano, é uma espécie de filme-prisma composto por lampejos, combinações e variações audiovisuais multiformes em torno da figura do mar ou das suas margens. Poderíamos dizer, mallarmagens, a fim de evidenciar a forte inspiração visual de uma poética fundada no contato imprevisto com elementos sensíveis, fenomênicos, musicais ou ideogrâmicos que constituem a superfície da imagem enquanto organoforma. (Não é nada gratuito, assim, que a longa sequência de epígrafes marítimas em tela negra apresente, grosso modo, versos mais ou menos ligados a certa tradição concretista, muitos deles em tradução do próprio Augusto de Campos). Recusa dos ornatos discursivos, das convenções dramatúrgicas, das ligações contínuas. Em vez disso, procedimentos de fraturação, interrupção, descontinuidade, como os cortes bruscos, os recortes, as mudanças de velocidade, as súbitas trocas musicais, as sobreposições, os filtros seletivos, as distorções da imagem, as repartições do quadro, as decomposições do tempo e do espaço, etc. Trata-se de um movimento de deriva, no qual a matéria fílmica adquire


dinâmica própria e deixa ver a infinitude de temas secundários trazidos pelo mar – amar, lagrimar, transformar, rememorar. É interessante observar que a matéria-prima da obra é formada por materiais de arquivo sonoros ou visuais: por um lado, o vasto conjunto de variações da música “La mer”, de Charles Trenet, acrescido da música homônima dos Nine Inch Nails e da “Canção do mar”, de Amália Rodrigues; por outro, registros silenciosos do mar que remontam aos primórdios do cinema, nos filmes de Marey, Acres, Lumière, Cunha Salles, Bamforth e White/Edison. É certo que existe, na reapropriação desses elementos, um gesto autobiográfico livre, anunciado pela aparição do cineasta ao final do filme, pelas imagens arteriais do coração e, ademais, indicado no título da série à qual pertence a obra, “apontamentos para uma autocinebiografia (em regresso)”. Esse gesto, porém, coexiste com uma ideia de recuperação fictícia-reflexiva, em especial dos filmes silenciosos na condição de artefatos historiográficos. Poesia e poeta, cinema e cineasta, vida e obra, não representam dimensões separadas do processo de criação artística, mas convergem de maneira indiscernível e partilham uma espécie de fenomenologia sensível materializada no corpo fílmico Se, por um lado, Quintal (2015) dá continuidade ao ritmo de fabulação cotidiana dos trabalhos anteriores de André Novais Oliveira, por outro, o filme apresenta uma experimentação inédita com tendências e gêneros diversos, como a comédia, a observação, o suspense, o realismo, o fantástico, a ficção científica. Comparada a toda uma cinematografia brasileira recente, parece notável que essa experimentação possua sobretudo um frescor indeterminado, quase instintivo, totalmente insubmisso aos excessos de elaboração que obstruem, tantas vezes, as vibrações sensíveis da forma. O que vemos é uma narrativa híbrida, altamente inventiva, capaz de combinar, com grande liberdade imaginativa, a observação dos gestos cotidianos de um casal de terceira idade – no caso, os pais do cineasta, que já haviam sido filmados no longa-metragem Ela volta na quinta (2014) – a objetos e acontecimentos visuais inusitados, que despontam no quintal da casa onde eles vivem.

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Nesse sentido, vale dizer que o quintal representa uma espécie de campo ou extracampo imaginário, irredutível aos limites físicos da morada, ao espaço privado. Suas forças ou fenômenos – como o vento, o portal, o zumbido – remetem ao desconhecido, ao misterioso, esferas que se conectam, de maneira extremamente bem-humorada, a situações familiares e elementos vulgares, como a convivência na sala de televisão, as tarefas domésticas, os filmes pornográficos, a ida à academia de malhação, o cenário político mineiro, e os rituais de uma outra academia, universitária. A mise-en-scène é formada por truques, trocadilhos, componentes mágicos, aspectos falsários do real, e reabsorvidos pela aparência de percepção “normal” na vivência dos personagens. A montagem, por sua vez, estabelece ligações imprevistas entre as imagens e sequências – como o close no caracol, a defesa do mestrado de Norberto, as confissões do brutamontes delicado – contribuindo para deslocar perspectivas e significados naturalizados do

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mundo representado. Boa morte, segunda obra de Débora de Oliveira, se inscreve na tradição dos chamados fotofilmes, pautada pela apropriação de fotografias estáticas sem emulação de movimento. A particularidade se encontra, talvez, na fabricação, por meio das relações entre imagens e narração, de um discurso autobiográfico de fronteira. A partir de um universo bastante pessoal – a cidade natal, o bairro onde se cresceu, os arquivos de família, as lembranças de infância – a cineasta oscila sem cessar no limiar do próximo e do distante, do singular e do universal, do documentário e da ficção. Estratégias formais como a entonação constante da voz, a energia poética do texto e a utilização de quadros fantasmáticos contribuem para produzir distanciamentos e tremores na superfície da imagem. Com efeito, se as imagens estão tecnicamente paradas, elas apresentam, não obstante, sutis vibrações do espírito: é o devir criança de um sujeito fílmico a mergulhar nas profundezas da memória, o percurso inadequado dessas águas, entre as margens da vida e da morte, e a reaparição fugaz, por meio de uma fábula cinemática, dos traços e das figuras perdidos no passado. Existe um plano central, localizado exatamente na metade do filme, que parece estruturar a obra e fornecer uma espécie de em-


blema para o seu próprio princípio criador – quase rarefeito, diga-se de passagem, à maneira dos espectros que ele convoca. Trata-se do “baralho” de santinhos da coleção avoenga, distribuídos em linhas simétricas em cima de uma mesa de madeira. Nesse momento, o único em que vemos a premissa de imobilidade se romper, a câmera tremula levemente, enquanto uma mão, provavelmente da realizadora, adentra no espaço do quadro para abrir uma das estampas religiosas e dar a ver o retrato de um morto. Há toda uma poética da memória nesse gesto supostamente simples, que recupera os semblantes do passado, guardados na gaveta, e os torna visíveis no fluxo de reconstrução da memória. A narradora conta que esses rostos – mostrados cada vez mais de perto, como fantasmas na textura do papel – serviam de matéria para as suas brincadeiras com a irmã, quando inventavam vidas possíveis para os mortos. Apenas o santinho do tio falecido coloca em xeque esse jogo da memória. Mas é justamente na impossibilidade de recuperá-lo que o cinema encontra o seu poder face ao passado: recompor os sentidos do que foi perdido e transformar sua matéria em uma existência re-conhecida. Virgindade (2015) é libelo e libido. Libelo (político) porque, situado nos contornos do novo cinema Queer, NQC , 1 nome com que se designou nos EUA a produção cinematográfica que reivindicava para casais gays um lugar à mesa das famílias sólidas nos anos 80 e 90, já empunha outra cinematografia Queer, contrária à do próprio movimento original: não assimilacionista, não homonormativa. Objeto de estudos do diretor do curta, Chico Lacerda, o NQC hoje se espraia em novas ideias em favor do estranho, do inclassificável, das possibilidades impensadas de experimentação de afeto, de sexo. A disciplina que se impõe sobre corpos e desejos na base da porrada, do assassinato ou de lições edificantes infiltradas na mais inocente aulinha de natação é confrontada por esses cinemas (por esses corpos) com a potência do desvio. Com impertinência, insubordinação, ironia. O menino de Virgindade nos conta, deslavadamente, sobre seus primeiros tesões por pessoas-de-mesmo-sexo, traçando uma cronologia que vai dos “três ou quatro anos” aos treze. Tesões nutridos por

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brincadeiras infantis, por fotos de capas de filmes (VHS) e até pelas sinopses dos catálogos de locadoras, a ponto de deixá-los marcados nas páginas a que tanto o menino recorria para punhetar. Mas estes clássicos da pedagogia sexual (em que não faltam os condimentos da vigilância a que se deve burlar) não esgotam a libido do (e no) filme. A tensão reside na aparente disjunção entre o que nos conta a voz do narrador e as imagens da cidade. Sequências de aspectos urbanos evocados pela voz over se apresentam, num primeiro momento, como se fossem os cenários onde se dão as histórias: uma casinha como se fosse a da avó onde o menino brincava quando criança, um posto de gasolina como se fosse aquele em que havia uma locadora de filmes e sua seção pornô, um ônibus como se fosse aquele em que teria conhecido os gêmeos, objeto de sua primeira paixão, entre outros. Mas são lugares sem dono em que se propagam, sub-repticiamente, as batalhas entre vigilâncias e desejos, entre possibilidades

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binárias ou múltiplas de laços, entre águas retificadas e sua vontade de transbordamento, como se fossem nossas. Na cidade, todos aqueles incautos transeuntes, empregados, biscates, todos nós, meninas e meninos, somos formatados. E o menino narrador, com voz de adulto, nos acena com rotas de fuga. Em uma delas, ficamos diante de uma gostosa série de retratos de homens nus (sem rosto): dorsos, paus, pelos, polpas, gomos embalados por uma trilha bem pop: sim, podemos nos deixar olhar sem nos preocuparmos em ser vistos. Relaxemos e, de preferência, gozemos para não nos arrependermos depois (ao que tudo indica, não é possível voltar à infância). O filme dos outros (2015) é uma sucessão de imagens extraídas de cartões de memória de equipamentos de filmagem roubados em diversos bairros de São Paulo. A sinopse: “A classe média filma e nóis assiste”. Aluguel: o filme (2014-2015) problematiza o trabalho e a falta d'água no Capão Redondo a partir da experiência cotidiana de um técnico de cinema, alguém que, na escala hierárquica cinematográfica, “tá lá embaixo da pirâmide social”, como ele diz, rindo. A sinopse: “A reunificação pacífica não acontecerá”. Os dois filmes de Lincoln


Péricles evocam, em seus prólogos, questões políticas internacionais. As primeiras sequências de O filme dos outros mostram, em imagens p&b muito contrastadas, lances de um conflito em que se ouvem gritos em língua estrangeira, confusão de pessoas correndo, homens feridos gravemente sendo carregados para ambulâncias. Na abertura de Aluguel, uma narração em francês de uma voz feminina sobre imagens de um condomínio habitacional informa que “a reunificação pacífica do Vietnã não acontecerá”. A partir daí a legenda ganha vida própria. Enquanto a narração segue falando da oposição de Saigon e da retirada dos americanos da área de conflito, a legenda põe na boca da narradora frases como “não adianta os coxinhas virem encher”, “aqui na zona sul a repressão policial pega pesado”, entre outras. Este procedimento parece deslocar os filmes de um território único e organizador do discurso. Os filmes se aderem a questões congêneres no mundo, configuram uma espécie de cine-êxodo. Por outro lado, este cinema se trava num lugar específico, o qual busca refletir: o Capão Redondo, zona perimetral da região metropolitana de São Paulo cuja população e formação cultural resultam do afluxo de etnias indígenas, africanas e de milhares de nordestinos que para lá acorreram nas últimas cinco décadas. O cinema de Lincoln Péricles e dos coletivos aos quais ele se associa (Astúcia Filmes e Zagaia Filmes) não busca o apaziguamento com a capital paulista, tampouco a deseja, pelo contrário, quer se afirmar como um cinema tangente, perimetral. É preciso explicitar a diferença, é preciso demarcar o lugar da guerra, pois, lá fora, extramuros, a cidade de São Paulo é um vórtice devorador de identidades e de braços fortes: quer peças, não pessoas. Reside, portanto, nesta relação unha-e-carne que Lincoln Péricles trava com o Capão Redondo, local onde nasceu e onde vive, a potência destes curtas. Aluguel é dedicado aos amigos da Cohab Adventista, condomínio sobre o qual o cineasta realizou seu primeiro curta, em 2012. notas

1. Fonte: http://newqueercinema.com.br/images/catalogo.pdf

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O cinema no olho do furacão sobre #73, de Rekesh Shahbaz e Home, de Rafat Alzakout victor guimarães

No ano passado, a Competitiva Internacional do forumdoc exibia o extraordinário filme sírio Our Terrible Country, de Mohammad Ali Atassi e Ziad Homsi. Entre as múltiplas virtudes do filme estava sua capacidade de transportar o espectador para o centro do conflito bélico em curso, como se pudéssemos, por uma hora e meia, compartilhar algo da imprevisibilidade, das angústias, da tensão, dos horrores da guerra e das esperanças da luta. Não apenas uma forma de contato imaginário com esse amontoado de sofrimento incalculável, mas a duração do filme como a experiência física, corpórea, vital de habitar uma frequência singular de pulsação da História. Potência inalienável do cinema documentário: arremessar-nos de um golpe em pleno olho do furacão, nos fazer habitar de corpo inteiro um outro transe do mundo e nos devolver sãos e salvos, mas transformados para sempre. É essa modalidade de partilha de um espaço-tempo em alteração radical que está em jogo para o espectador de #73 e Home. No início do primeiro, vemos imagens da fronteira entre a Síria e o Iraque, filmadas em agosto de 2014. Enquanto um caminhão quase solitário segue em frente, dezenas de veículos e milhares de pessoas a pé se movem na direção contrária. Está em curso o septuagésimo terceiro genocídio contra os Yazidi no Curdistão, dessa vez operado pela máquina do Estado Islâmico. Barakat Hassan conseguiu fugir às pressas da cidade

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de Shingal, mas está sem notícias de seus pais – que não podem andar – há dias e decide atravessar novamente a fronteira para procurá-los. Na voz over do rapaz os relatos se acumulam: há notícias de torturas, estupros em massa, assassinatos de homens, mulheres e crianças às centenas, decapitações de famílias inteiras. Barakat se move às pressas por uma desoladora paisagem desértica, percorre o último círculo do inferno. No caminho – agora feito a pé –, encontra combatentes curdos que organizam a resistência armada, famílias em fuga (ou o que restou delas), ativistas que distribuem água para as crianças sedentas. Uns tentam dissuadi-lo de voltar, outros oferecem uma palavra de apoio. A cada novo encontro, os testemunhos instalam um horror indescritível na cena. A desesperança é brutal: um povo, uma forma de vida está em vias de ser extinta e, mesmo que tanto os adolescentes quanto os velhos empunhem metralhadoras, não parece haver saída possível. O enquadramento apanha Barakat sempre

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de perto, ombro a ombro: câmera companheira de jornada. Ouvimos a respiração ofegante do diretor Rekesh Shahbaz no antecampo. O que resta ao cinema nessa franja de um mundo em extinção? Talvez a única atitude possível seja permanecer no encalço, à espera, escutar com atenção, nos fazer compartilhar a secura do deserto e a dor das mulheres que choram. Home, como Our Terrible Country, nos leva ao centro do processo revolucionário na Síria. O território do país segue disputado pelas forças em combate – o governo, o Estado Islâmico, o Exército Livre da Síria –, mas dessa vez nossa porta de entrada para o conflito não é o front de batalha, e sim o cotidiano de um grupo de artistas – entre eles o diretor, Rafat Alzakout – que decide ocupar uma casa durante uma temporada para criar em meio à guerra. Eles pintam, esculpem, dançam, escrevem, ensaiam e montam peças de teatro que apresentam aos vizinhos, a partir das quais produzem um impressionante espaço de interlocução in loco sobre o conflito que os concerne a todos – e que vibra nas vozes das crianças a entoar os cantos multitudinários que clamam pela queda de Bashar.


À primeira vista, Home se apresenta como um filme aparentemente frágil e ensimesmado, mas logo nos damos conta de que estamos diante de uma crônica delicada e surpreendentemente bela de um país às voltas com um processo histórico imprevisível (como a escuridão que desaba sobre o plano quando a eletricidade é cortada mais uma vez). A contiguidade da luta – a guerra parece estar sempre na vizinhança, sempre à espreita – contrasta com esses corpos filmados com intensidade erótica. A tensão permanente do fora-de-campo – as notícias que chegam pelos amigos, o ruído dos aviões – rebate nos rostos jovens, contamina o espaço da casa – essa utopia tornada real, ainda que por certo tempo – e é transformada em fluxo vital que irriga as obras de arte. O que acontece a um povo durante uma revolução, quando tudo é incerteza e contradição permanente? Há os bravos guerreiros que resistem de AK-47 na mão, mas há também esses imprescindíveis rapazes que ficam, esses que se empenham em dar sentido ao caos, em traduzir na forma os vetores da luta e em contagiar cada espectador com a energia de seu desejo. É essa vitalidade que a câmera vai buscar em cada canto da casa: na gravidade dos testemunhos, no dissenso latente dos debates acalorados e, sobretudo, na paixão incandescente dos ensaios que abrem uma fenda na dureza dos dias.

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O Seio da Falta sobre La Fièvre, de Safia Benhaim dalila martins

La Fièvre (2014), de Safia Benhaim, é um filme em suspensão; suspensão das faculdades do sentir. Com estrutura fabular, intimista e delicada, tece uma trama alucinatória entre presente e passado, para tratar da memória da terra natal interdita a que corresponde o exílio político. É possível reconhecer um território outrora familiar? Ou apenas as fronteiras aparecem claras, em plena metamorfose, empurrando cada vez mais para longe o horizonte de desejos? E onde, então, repousa a coincidência entre o sonho da libertação e o fluxo grave da História? No além mar revolto? Tudo no filme se toca e tão logo se evade: som, imagem e texto. Desde o início, as telas pretas entrecortam a figura da criança acometida pela febre; em ressonância com as sombras que lhe cobrem o rosto. As legendas silenciosas, letras em branco que narram os fatos – dia, ano, circunstâncias, fantásticos encontros –, jamais anunciam o mesmo que é visto. E, como num casulo, a trilha sonora acolhe estas linhas retesadas e independentes, sustentado-as, suave e intensamente, na iminência da irrupção. La Fièvre mais parece uma ficção científica, reino dos artifícios que desenvolvem vida própria; no triz de uma nova organicidade, ainda subterrânea ou etérea. Pois não se clama por outras formas de governabilidade na Primavera Árabe que aflora em 2011? Sua ambiência (iluminação, montagem, mise-en-scène) é onírica, dota as paisagens marroquinas retratadas – urbe, litoral e campo – de estranheza e expec-

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tativa. O universo infantil, de espontânea conexão com seres encantados e animais domésticos, sobrepõe-se à superfície de realidade, seja a do comércio de rua, seja a das ruínas do conjunto habitacional ou, ainda, a das manifestações populares comentadas via rádio. Entretanto, a convulsa experiência que o filme cativa, apesar de sugerir vieses alternativos às convencionais faculdades do sentir, origina-se apenas devido à privação a ela intrínseca. Quer dizer, é justamente por causa da imobilidade imposta ao corpo desterrado, e do retorno ralentado a seu lugar de direito, que a resistência acontece, servindo de ignição para os devaneios repletos de energia revolucionária. Não obstante, tal espécie de curto-circuito consiste também na geração incessante de assombrações: La Fièvre não apenas prenuncia um outro futuro (o carro sendo guiado em direção às vozes insurgentes), mas relembra as constantes reviravoltas que, repetidamente, usurparam ideais de transformação efetiva; como o caso congolês que desemboca no curso

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histórico do Marrocos, já marcado por uma sucessão de colonialismos internos e externos. Desse modo, as figuras do fantasma e do louco, unidas na personagem desencarnada do tio da menina, ainda que terríficas, são necessárias enquanto ancoragem durante o processo de travessia em que se constitui o filme. Estabelece-se, assim, um diálogo fundamental para a sobrevivência de uma natureza personificada, pela qual o espectador consegue se orientar no terreno abalado da memória coletiva. Do contrário, os liames seriam por demais tênues, efeito da abrasão, como o sol que arde no pátio no momento do sacrifício da cabra antes do banquete em família – cena remota que desencadeia o delírio. Em La Fièvre, há, portanto, um cuidado terno em preservar das intempéries e da polícia política, diga-se de passagem, os meandros da livre existência: seja a parede de barro fresco que a mãe construiu para guardar os livros subversivos de seu filho, seja a candura com que a câmera se detém sobre os negros cachos da infanta… O olhar próximo, ainda que partido, às voltas do resguardo, não deixa de suavizar medos, num balanceamento envolvente propício para a eclosão da coragem solitária. Eis o resultado da inflexão da História sobre o seio da falta.


10949 femmes sobre filme de Nassima Guessouim mariana souto

10.949 mulheres. Um título enigmático, que parece prometer a abordagem de alguma questão de grandes proporções. De fato, temas macro como gênero, a história de um país, um processo de descolonização, de alguma forma estão ali colocados. No entanto, na maior parte do tempo, apenas uma mulher em cena. O filme tem como protagonista Nassima Hablal, uma ex-combatente da Guerra de Independência da Argélia, uma entre as 10.949 registradas na mesma condição, porém anônimas e esquecidas pela história. Nassima tem 85 anos no presente do filme, saúde debilitada e uma memória que definha a cada dia. O documentário caminha junto com (e, ao mesmo tempo, contra) o progressivo apagamento dos fatos, preservando uma experiência preciosa que dali a pouco poderia não mais existir. Nassima é memória viva da militância feminina na luta pela independência da Argélia. Mas trata-se de uma memória a todo tempo tensionada pelo esquecimento, pela dúvida e pela fabulação. Estamos em outubro ou novembro? Qual era mesmo o nome da organização? E qual era meu nome de guerra? Tinha mesmo tantos pretendentes? O filme busca obter testemunhos, organizar relatos, remontar retalhos de história, mas se assume como aberto, inconcluso, parcial – sugere a não fiabilidade da memória, ao mesmo tempo em que preserva a personagem de uma confrontação ou de um interrogatório. 10.949 mulheres reúne imagens de arquivo, fotografias, jornais, programas de TV, quadros, vitrais, bonecos em miniatura, sem jamais tornar-se um

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documentário expositivo, fundando-se, ao contrário, no testemunho pessoal e na visão subjetiva de uma militante singular. Nassima Hablal é filmada pela diretora, Nassima Guessoum. O mesmo nome, a mesma origem, apartadas por duas gerações. Além de ser um filme sobre a participação feminina na guerra da Argélia, trata-se de um filme sobre a relação que se constitui entre as duas: um filme de mulheres, sobre mulheres. A diretora aparece em cena, divide refeições com a anfitriã, lava a louça. Discutem militância, trajetórias de vida, figuras públicas, prisão, tortura, violência sexual, mas em contextos domésticos, em ambientes de intimidade, preparando uma berinjela, passando um café, fazendo um passeio. O uso de uma câmera digital operada pela própria diretora, a instabilidade de algumas imagens, a ausência de uma equipe, são alguns elementos que corroboram essa impressão de intimidade e de filme que se faz nos improvisos e na espontaneidade de cada encontro.

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A diretora se dedica a filmar, a cada ano, um “pedaço de vida” de Nassima Hablal, num processo de progressiva conquista de confiança. Hablal pergunta se Guessoum voltará, e esta cumpre suas promessas. Com o destaque à constituição de uma espécie de linhagem feminina, está em jogo a perpetuação da história através das gerações. Uma mulher jovem ouve, atentamente, aquilo que lhe tem a contar a mais velha, numa transmissão de saberes, de experiências de vida. Há uma diferença geracional considerável entre as duas, metaforizada pelo processo de escolha do próprio nome. Nassima, a militante da revolução, foi “dita num sonho” de sua mãe, predestinada. Nassima, a jovem cineasta dos líquidos anos 2010, não conhece a história de seu nome, nem sabe muito bem a que veio. Talvez esteja tentando descobrir. Ademais da lealdade ou do estabelecimento de uma transferência psicanalítica entre elas (“Começo a me acostumar contigo. Você é como uma filha para mim”/ a documentarista dedica o filme à Nassima e à sua mãe), cresce ali uma relação de sororidade. Além das Nassimas, surgem as personagens de Baya, também ex-ativista argelina, e Nelly Forget, francesa com quem Hablal dividiu uma cela, que o filme loca-


liza a partir de uma lembrança certeira de Nassima Hablal, em meio a recordações tão lacunares. Um tom decadente e melancólico atravessa 10.949 mulheres, talvez evocado pela debilidade do corpo, pela perda dos parentes e amigos, pelos cantos entoados com partes faltantes ou mesmo pela precariedade da casa, uma sugestão da baixa valorização da história recente argelina ou do papel que nela exerceram muitas mulheres. Ao mesmo tempo, pontuações sutis de vaidade e vitalidade como um véu vermelho, uma flor nos cabelos, um perfume, ecoam a mencionada beleza da personagem em sua juventude, estampada nas fotos. Afinal, relembrar é poder reviver os tempos áureos e heroicos, diz Nassima, frase que acaba por acentuar a diferença do presente em relação a um tempo que já passou. 1

notas

1. Agradeço a Vitor Zan pelas contribuições ao texto.

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Relatório de prisão de um desajustado bem comportado, por Chinpou sobre filme de Rikisaburo Sato daniel ribeiro duarte

Chinpou é o pseudônimo utilizado por Makoto Hanawa, um prisioneiro japonês que, a uma certa altura do seu confinamento na penitenciária Bangwang de Bangcoc, na Tailândia, começou a publicar um diário na internet. Este documentário, uma co-produção alemã e japonesa, procura reunir esta matéria textual produzida por Chinpou com imagens de sua viagem de volta ao Japão depois de 16 anos. Chinpou nunca foi um criminoso de alta periculosidade. De temperamento curioso e raciocínio rápido, estudou Psicologia e Antropologia Cultural em Nova Iorque, quando queria compreender a iluminação espiritual. Sua aventura científica levou-o à Índia e ao Nepal, onde se aprofundou tanto na meditação que quis passar 10 anos estudando o Dharma. Para conseguir realizar o seu desejo, ele precisava voltar para o Japão e levantar recursos, mas numa passagem pela Tailândia, conseguiu um trabalho diametralmente oposto à sua trilha de iluminação: o tráfico de heroína. Com este trabalho ele ganharia bastante dinheiro, o suficiente para encurtar o seu caminho em direção aos templos do Nepal. Entretanto, o transporte de drogas pesadas teve um fim oposto ao planejado – ele foi pego e teve interrompidos os seus planos, ficando preso na Tailândia por 16 anos.

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No início do filme são entrelaçados o texto de Chinpou lido em off e as imagens do presídio de Bangwang. Vemos imagens documentais (em vídeo e fotografia) que mostram a superlotação, além de imagens externas – planos gerais da cidade de Bangcoc. Também vemos planos de uma tela de computador, acompanhada pelo som eletrônico do aparelho e pelo som dos teclados, recurso que voltará a ser utilizado para exibir os textos do personagem principal. Esta variedade de imagens logo no início mostra que o filme vai se valer de uma certa heterogeneidade de meios para construir sua narrativa, cujo eixo é Chinpou, personagem múltiplo, deslocado da sociedade e com humor estranho. O texto de Chinpou lido por uma voz em off explica que seu diário ia para fora da prisão através da internet mas, como ele não dispunha de uma conexão, o diário publicado ficou por muito tempo sendo uma conversa de apenas uma direção, como garrafas lançadas ao mar.

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Provavelmente foi através destes textos que o realizador Rikisaburo Sato soube da existência de Chinpou, pois o filme dá a entender que criou-se uma pequena comunidade de leitores do seu diário. Quando o realizador vai visitá-lo no presídio, ele conta que nunca antes se comunicou com um público desconhecido, e que ficava contente com o interesse das pessoas. Se no início do filme o personagem vive os últimos momentos dos seus 16 anos como prisioneiro, é a partir de sua libertação que se desenrola o núcleo do filme: a viagem de volta de Chinpou para o Japão. O filme mistura os textos de seu diário de prisioneiro com imagens colhidas durante esta viagem, feitas com a câmera na mão, acompanhando ao estilo cinema-direto o seu trajeto desde a saída do presídio até o seu país natal. Não deixa de ser curioso quando Chinpou, rumo ao embarque no aeroporto de Bangcoc, diz que “este é o cheiro do mundo real”. Depois de 16 anos de prisão, todos os odores – mesmo os mais sintéticos como os de um aeroporto – despertam memórias da vida anterior à prisão. Aliás, uma das principais virtudes deste filme é colocar-se ao lado de Chinpou e testemunhar este momento raro de um homem que teve


um hiato de tantos anos fora de circulação e de repente percebe tudo o que acontece à sua volta como um fortíssimo estímulo sensorial. O personagem é como uma criança, recebendo tudo à flor da pele, achando estranho estar entre pessoas “normais” que nada sabem do seu passado, experimentando o primeiro suco de laranja “100% natural” desde que foi preso, andando de metrô ou vendo os produtos nas prateleiras de uma loja. Para ele tudo é delicioso no mundo exterior, e a vida comum é o Paraíso. A chegada ao aeroporto de Tóquio acrescenta ainda uma camada dramática à construção do personagem. Ele imaginou que houvesse familiares à sua espera, mas o filme mostra apenas a decepção de não haver ninguém que o esperasse no desembarque. É aí que ele reflete sobre o espírito Samurai: “Um samurai não demonstra seus sentimentos. O coração está chorando, mas o rosto está sorrindo”. Chinpou é acostumado desde a prisão a sustentar as dores e as decepções sem manifestar externamente. Mesmo os textos escritos por ele não revelam suas tristezas mais profundas. Ele caminha em volta da tristeza com as palavras, diz que ela existe, mas não revela seus sentimentos. É na opacidade do personagem, entretanto, que o filme se constrói. É criado um espaço entre o que o corpo manifesta diante da câmera e os sentimentos que ele diz ter, e este é o espaço percorrido pelo espectador. “Quando você esteve preso por 15 anos, o mundo exterior se torna nada mais do que uma memória”, diz Chinpou. “A sensação de realmente viver neste mundo, o senso de realidade, desaparece em algum tempo. Quando me imagino caminhando por Tóquio, é como se eu estivesse assistindo a um filme, e meu coração batendo muito forte.” E eis que de repente ele está sendo filmado, assiste e encena a si próprio vivendo tudo aquilo que durante 16 anos fez parte apenas de sua imaginação. Através da fabulação deste homem comum, elaborada no escuro de uma década e meia de confinamento, o filme assiste à cidade. O que aparece no confronto de Chinpou com o caminho de volta à casa, sobretudo em Tóquio, é uma cidade desnaturalizada. Todo o contato que ele teve com a cidade por 16 anos foi através de revistas, matéria

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de linguagem que foi reelaborada por sua memória. O confronto com a cidade e seus pequenos espetáculos mostram ainda uma outra ficção, através da qual Chinpou quer perambular. Mas ele subitamente sente-se insatisfeito com o anonimato, com o fato de que a garota do Maid Café, um bar onde as garçonetes se vestem como Animes, não sabe o tamanho da intimidade que ele, à distância, imagina ter com ela, ou com o sonho de sua existência. E Chinpou decide contar a ela que esteve preso, quase como se ela fosse se lembrar dele, ou talvez apenas para espantá-la. Ou quem sabe para criar uma nervura no tecido social por onde um inadequado como ele pudesse entrar novamente.

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Os signos da rua* sobre Cuerpo de letra, de Julián D’Angiolillo roger koza

O segundo filme de Julián D’Angiolillo tem algo singular: o jovem cineasta inventou uma forma cinematográfica. Seu filme tem algo de transe e saímos da sessão como se tivéssemos participado de uma rave. Um transe de que tipo? Do que se trata aqui é de mimetizar-se com a experiência perceptiva e topológica dos protagonistas. Essa é a poética e a política do filme. Quem são eles? Os membros de uma gangue de letristas que de noite ocupam as paredes das rodovias e das ruas da região metropolitana de Buenos Aires com publicidade política. Nas avenidas, em meio à frenética passagem dos carros, caminhões e caminhonetes, inclusive quando não é hora do rush, vários homens trabalham minuciosamente sobre o espaço visual de caráter público que parece liberado a quem dele se aproprie simbolicamente. Cuerpo de Letra descobrirá apaixonantes batalhas secretas. As disputas políticas por essas paredes mobilizam vários exércitos de letristas, com seus respectivos líderes. São soldados quase invisíveis que empunham broxas e baldes de tinta. Não são militantes, são antes artistas de rua transformados em publicitários que entregam seu ofício a serviço de uma ideologia na qual não acreditam nem deixam de acreditar. A indiferença é ostensiva, a eficiência também. As paredes são aqui imensos palimpsestos nos quais se escrevem mensagens *fonte : Publicado originalmente em outubro de 2015 no blog de Roger Koza, Con los ojos abiertos: http://ojosabiertos.otroscines.com/oktoberfest-2015-02-filmfest-hamburg-ficvaldivia-viennale-los-signos-de-la-calle/. Traduzido (com autorização do autor) por Victor Guimarães.

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lacônicas e simples orientadas a persuadir os eleitores. Uma parede em branco é tão deletéria quanto um voto da mesma cor. Como já acontecia em seu filme precedente, Hacerme Feriante (2010), D’Angiolillo tem o dom de materializar práticas desconhecidas. Em seu filme de estreia, aprendíamos de um golpe toda uma economia secreta e paralela à oficial. Agora, o fenômeno a filmar é lateral em relação à publicidade política. Um dos grandes momentos tem lugar nas horas prévias à interdição eleitoral. O tempo histórico é o da votação nacional de 2013. Na televisão, os jornalistas falam da proibição de continuar fazendo campanha e proselitismo depois da meia-noite e discutem superficialmente sobre a falta de uma legislação sobre espaços de discussão e propaganda como o Facebook e o Twitter. Enquanto se fala de tudo isso, nas imagens transmitidas é possível ver algumas das pichações dos grupos cuja ação Cuerpo de Letra vem acompanhando. Como é de se esperar, tampouco existe uma legislação para essa

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tarefa, pois se trata de um trabalho nascido das margens. O que vem depois é literalmente genial: os signos da última hora, quando já vige a proibição, são decisivos. Os partidos sabem e enviam seus emissários imperceptíveis. A última palavra é a que mais se retém. A D’Angiolillo não interessa tanto o discurso político como tal, mas a experiência de um coletivo, quem são os que dão corpo a essa letra, outra maneira de pensar e filmar a política. Daí a importância física que o filme comporta. A imagem e o som têm a missão de agarrar uma forma de existência inimaginável e uma prática laboral tão lateral como inclassificável.


O SOM DEPOIS DO MEDO sobre O Som Antes da Fúria, de Martin Sarrazac, Lola Frederich ana carolina estrela da costa

Nós somos HUMANOS! Não somos bichos e nem pretendemos apanhar ou ser tratados como tal. Toda a população carcerária está decidida a mudar para sempre a cruel brutalidade e o desprezo pela vida dos prisioneiros, aqui e por todos os Estados Unidos. O que houve aqui não é mais que o som antes da fúria daqueles que são oprimidos. [Declaração dos detentos de Attica, lida por Elliot Barkley, em 1971]

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E m 1971, durante a rebelião na penitenciária de Attica, em Nova Iorque, na qual os presos denunciavam graves desrespeitos aos direitos humanos, e ao mesmo tempo todo um contexto de desigualdade racial, o músico Archie Shepp assistia as notícias pela TV. Semanas antes, o Pantera Negra George Jackson havia sido assassinado. Shepp se lembra de, olhando um dos presos entrevistados na TV, ter visto o medo em seus olhos. Esse medo, também presente na voz trêmula do repórter em frente à prisão, de alguma forma tomou conta dele próprio, como um presságio de uma tragédia por acontecer. Em 13 de Setembro de 1971, o governador de Nova Iorque, Nelson Rockefeller, desastrosamente interrompeu o processo de negociação que se arrastava por cinco dias, ordenando uma invasão que acabou com a morte de 29 prisioneiros – majoritariamente negros e latinos – e dez carcereiros. No ano seguinte, Shepp gravou sua obra Attica Blues, em memória da rebelião, enaltecendo a coragem dos envolvidos no levante. A forte energia musical, espiritual e política da música negra norte -americana, transmutada em swing e groove, formulou-se como uma


mensagem de irmandade, empatia. “The cry of my people”. O funk e o blues de Archie Shepp, irrigados pelo que consideramos free jazz, mas que para Shepp é o mais puro espírito blues, conectam o medo “Eu pressinto que alguma coisa está errada/ e estou falando da alma humana” (Shepp & Harris, 2014 [1972]) à liberdade “Um dia estaremos voando como uma águia pelo céu” (Shepp, 1972). O som de antes da fúria se transforma em fúria e se transforma em som. Quarenta anos depois do episódio, o músico ainda se sentia impelido e inspirado a contar a história da brutalidade injusta daquele episódio. Reuniu uma nova Big Band, desta vez com uma maioria de músicos jovens, e preparou um concerto para trazer Attica Blues a um festival em Paris em 2012. É esse processo de preparação musical que o filme O Som Antes da Fúria, de Martin Sarrazac e Lola Frederich (2014), compartilha conosco. A história de Attica é reensaiada pelos instrumentos e vozes da Big Band, e trazida pela montagem, que traz

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as vozes de alguns dos rebeldes de Attica – Roger Champen, Jerry Rosenberg, Carl Jones-El, Elliot Barkley e Frank Smith –; textos e cartas produzidos na época por Samuel Melville, Richard X Clark e o pantera negra George Jackson, interpretadas por um ator. O filme reúne cuidadosamente o material de arquivo produzido à época do massacre, sobrepondo as imagens de Attica e as falas dos próprios presos às várias sessões de preparo do concerto final de Attica Blues. Traz também a narrativa musical e verbal do compositor, que exalta seus irmãos negros, e de alguns músicos mais antigos, todos afrodescendentes: sobre suas experiências musicais, poéticas e políticas, inevitavelmente ligadas aos eventos de Attica. Enquanto os instrumentos musicais vão aos poucos amoldando a música que vemos tomar forma, a câmera também constrói o filme a cada novo ensaio, imersa no processo criativo da Big Band, engajada na intimidade que vai surgindo com o som e com a consciência de seu sentido histórico e político. A condição afroamericana é um dos pontos centrais na experiência criativa de Archie Shepp, em 1971 e nos dias de hoje. A luta por direitos humanos e igualdade racial aparece como uma luta por


liberdade. Em seu discurso que abre o concerto na França, começa enaltecendo “o ato corajoso de homens bravos que se recusaram a tirania da escravidão moderna, que é o que as prisões realmente são: um sistema de encarceramento que permite que humanos sejam tratados de um modo que não tratamos nem os animais”. Em sua fala, ele relembra a dor sentida em treze de Setembro de 1971, apontando para o fato de que a proporção de afrodescendentes em Attica era mais de três vezes maior do que a média da população nacional. Por fim, evidencia a presença do passado nos tempos presentes: Os anos 60 e 70 marcaram um período histórico de transformações sociais e culturais ao redor do mundo, especialmente entre a juventude. Pessoas como George Jackson e aqueles que pereceram em Attica foram símbolos de coragem. Diante da injustiça e da adversidade, alguns certamente deram suas vidas esperando mudar o mundo. Infelizmente, pouca coisa mudou. Às vezes as coisas parecem estar ainda piores. Talvez todos sejamos prisioneiros.

Attica Blues celebra a identidade afroamericana, reunindo sua história de luta política, sua produção artística e sua experiência espiritual. O filme nos permite participar um pouco dos ensaios e ver como essa identidade, conduzida por Archie Shepp, se constrói pelo groove do funk, a sofisticação de Duke Ellington, a invocação de Charlie Parker, o feeling dos spirituals, algumas belas orquestrações experimentais, o free. “Se a música te toca, então comece a solar. É uma jam session.” diz Shepp para os músicos. “Pode vir, à medida em que você sente [...] porque isso não é jazz, isso é blues.” Shepp não tenta impor aos músicos o feeling que as notas musicais e a poesia pedem. Ele tem o cuidado de provocar o espírito da música aos poucos, sugerindo que cada um se coloque visualmente nos anos 1970 – “se você conseguir ver as estrelas, então poderá cantá-las” –, de modo que a luta daquele contexto por fazer-se ouvir emane do swing produzido pela nova Attica Blues Big Band. Os timbres são cuidadosamente adequados ao encontro temporal que a obra promove; é preciso

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que algo que “estava lá” seja trazido para a nova experiência. A seu tempo, o groove, o blues, o free, trazem algo que se esconde além das notas e as sustenta, e os músicos começam a se relacionar de modo espiritual com isso. “Um pouco como a tradição Gospel”, como nos explica o baixista Darryl Hall num belo depoimento durante os ensaios. Um filme político, um concerto político, uma obra política. A consciência de que o que se propõe é uma atualização do medo, do som e da fúria, da liberdade da música e da força vital do blues, a atualização de uma memória trágica que está ainda incrivelmente viva.

Referências

BARKLEY, Elliot [leitura]. 2014 [1971]. Declaração dos detentos de Attica. In: The sound before the fury. Direção: Martin Sarrazac, Lola

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Frederich. França (89 min), son., color. SHEPP, Archie & HARRIS, Beaver. 2014 [1972]. Attica Blues. In.: The sound before the fury. Direção: Martin Sarrazac, Lola Frederich. França (89 min), son., color. SHEPP, Archie. 1972. Steam, (Part 1 e Part 2). In.: Attica Blues. Nova Iorque: Impulse!. 1 CD. Faixas 2, 5 .


Kibuki: spirits in Zanzibar sobre filme de Elizabeth Brooks leonardo amaral

Eu estava em um estudo linguístico quando conheci Asha, uma curandeira espiritual e líder de um grupo de dança que usa transe e hipnose para sair de seus corpos e mover-se em ritmos inumanos. Os espíritos Kibuki são um panteão de criaturas místicas que encarnam nessas dançarinas, adentram suas mentes e as possessam. A possessão Kibuki é uma instituição feminina para curas psicológicas, psicossomáticas e sociais. A prática cria uma saída para a desobediência em uma sociedade na qual políticas públicas de rigidez social moldam a vida privada. No espaço seguro da dança Kibuki, iniciadas performam com seus demônios, deixam encarnar seus corpos por forças desconhecidas que as fazem expelir toda sua libertação. 1 O depoimento acima foi dado pela própria diretora do filme, Elizabeth Brooks, no qual ela revela sua passagem por Zanzibar, onde realizou Kibuki: spirits in Zanzibar. Os escritos da cineasta revelam uma coincidência com a fala inicial da própria autora no início de seu curta-metragem, quando revela sua chegada a Zanzibar e seus primeiros contatos com as dançarinas Kibuki. Vemos um plano do espaço natural local e de uma pequena venda, onde vários homens trabalham e moscas e vermes se acumulam em carnes deixadas a apodrecer em céu aberto. Em um primeiro instante, tem-se a impressão de que o documentário fará uma espécie de etnografia do local e de suas práticas

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culturais. No entanto, Brooks revela que um acontecimento mudou sua relação com os habitantes locais: seu parceiro de trabalho sofreu um acidente automobilístico e acabara morrendo. O fato acalentou uma nova perspectiva e fomentou um outro filme. A diretora foi tomada por uma crise de ansiedade e tristeza e só se salvou quando conheceu as curandeiras de Zanzibar. Mais do que um documentário etnográfico, Kibuki é uma experiência audiovisual de contato direto entre culturas. Elizabeth Brooks revela como foi iniciada como dançarina do Kibuki e narra sua experiência junto as outras participantes da prática. Em determinada sequência do filme, uma das dançarinas recebe das mãos de Brooks a câmera e realiza um plano que entra para o filme. No quadro, vemos Elizabeth em seu processo de preparação para o momento da possessão. A cineasta está ajoelhada, vestida com uma toga branca e com o rosto pintado. Pouco depois, em um plano fixo e duradouro, vemos

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o instante da encarnação. As participantes se cobrem com um lençol claro e iniciam os cânticos e entonações que clamam pelos espíritos. Pouco depois, percebemos o movimento debaixo do lençol. Na medida em que o culto acontece, a narração revela os processos da possessão e o modo como a cura se dá. Em Os mestres loucos, Jean Rouch apresenta um ritual dos haouka em Accra, na antiga Costa do Ouro (atualmente Gana), onde os participantes do culto realizam um tipo de antropologia reversa que contesta o modelo civilizatório europeu. Os haouka incorporam figuras europeias que fizeram parte do processo de colonização do país, como, por exemplo, maquinistas, médicos, comerciantes. Todavia, na medida em que incorporam os personagens europeus, a performance torna-se cada vez mais violenta. Os participantes entram em transe, bebem o sangue de cães e se jogam no chão. A citação a Os mestres loucos nos ajuda a pensar Kibuki. Há semelhanças e diferenças de procedimento entre o filme de Rouch e o de Brooks. Ambos trazem cineastas fora da cultura africana que procuram retratar, cada qual com seus procedimentos e abordagens específicas, um ritual. Entretanto, a inserção dos dois cineastas se dá


de maneira diferente. A entrada de Rouch no ritual dos haouka se dá através da câmera, que parece estar incorporada pelos espíritos, que se mostra em transe, que adentra o culto como se dele fizesse parte. Já a mise-en-scène de Brooks é de uma entrega total. Não existe uma mediação feita pela câmera, é a própria diretora que faz parte do culto Kibuki. O trabalho de Elizabeth Brooks em Kibuki se dá, portanto, nessa transição entre algo que está no fora, no extracampo (como pode ser observado no procedimento inicial da narração em off ) para uma inserção direta na mise-en-scène, como a presença do próprio corpo da cineasta. Ao se colocar em cena, ao permitir ser filmada pelas dançarinas Kibuki e ao participar da experiência com as mesmas, Brooks dá a ver processo bastante potente que oferece ao cinema a capacidade de se tornar algo compartilhado. Isto é essencial para aquilo que o filme tem de potência cultural e política, principalmente pelo filme ser realizado por uma mulher que filma outras mulheres.

notas

1. BROOKS, Elizabeth. Kibuki: spirits possession in Zanzibar. Mambo magazine, 14 de abril de 2014. Acessado em 26 de outubro de 2015.

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Greetings to the Ancestors (Saudações aos Ancestrais)

sobre filme de Ben Russell por roberto cotta

Em torno das afigurações dos cultos religiosos parece existir uma condição de transcendência ou torpor capaz de magnetizar cada espaço ocupado pela fisicalidade dos corpos e pela presença imaterial das deidades. A energia promotora desse pacto manifesto nos interstícios do corpóreo e do divino extrapola qualquer tentativa de racionalização da crença, bem como sua tradução carrega um obstáculo natural erguido entre aquele que inexoravelmente crê e aquele que de modo irresoluto observa. A partir da percepção da opulência desse obstáculo, os procedimentos cinematográficos trazidos à baila em Saudações aos Ancestrais (Greetings to the Ancestors, 2015) propõem camadas de registro plasmadas pela constante reconfiguração de composições etnográficas, por sua vez moduladas pela dissolução de suas tonalidades descritivas e pela incorporação de suas impossibilidades teleológicas. Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que a destituição do caráter descritível e a absorção de uma antiteleologia cultural se fortalecem enquanto forma de experimentação cinematográfica à medida que a intangibilidade do sagrado devora o próprio filme, reposicionando um dos fatores primordiais da etnografia, ou seja, a busca pelo registro descritivo da cultura material de um povo ou etnia através de suas características antropológicas. Em um segundo vértice, a incapacidade de descrever as materialidades culturais observadas esbarra no transbordamento hierático do transe, embate que acaba provocando

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repulsões inclinadas a afastar quase integralmente quaisquer possibilidades de mediação das falas, dos olhares, dos gestos e dos dialetos que compõem o registro. Sendo assim, a figura do etnógrafo não mais alcança as condições notórias prévias de interpretação e harmonização de suas concepções em relação à instância etnográfica registrada, conforme se instala ao seu redor uma espécie de imantação que desnorteia e transfigura os atributos interpretativos essenciais. Por conseguinte, o caminho em potencial encontrado é justamente o mergulho voraz na inviabilidade das decifrações lógicas, fator que ao mesmo tempo impulsiona a evidência de percepções sensoriais particulares e revela um campo de forças intenso, por meio do qual são promovidos atritos entre tais sensoriedades e a magnitude sacralizada de sua presença em cena. É através do respeito fidedigno à crença e da aceitação dela enquanto um conjunto de representações que não precisa ser narrado,

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examinado ou interpretado que o cineasta Ben Russel estabelece ao registro condições para que ele sustente as dissonâncias compostas pela imaterialidade da fé, passando ao largo do lugar comum ocupado pela descrição etnográfica. Desse modo, seu filme se estrutura como uma forma de registro distante dos documentos de interpretação cultural, em contrapartida acaba se solidificando como uma obra cinematográfica sem bordas que investe em experimentações permeadas por repetições de procedimentos como a entrevista enviesada, a filtragem e texturização dos corpos, movimentos e falas, assim como a imprevisibilidade da intervenção formal estipulada entre a subexposição e a superexposição do celulóide 16mm. A certa altura, quando já nos encontramos fascinados com a vastidão de imagens e sons suntuosos advindos dos rituais da Congregação Jericó de Ikwata e Madoda, vilarejos situados numa região fronteiriça entre a Suazilândia e a África do Sul, a presença isolada de uma jovem no meio de uma estrada de terra nos desencontra. Se, até então, a colonização que açoitou as matrizes culturais africanas durante séculos vinha sendo mostrada como um indício de uma possível convivência ou enlace apaziguado entre a tradição primitiva e a influên-


cia colonial cristã, a fala da moça nos permite entender que a complexidade dessa coadunação escapa ao lirismo que o filme pode emanar, pois ela não é capaz de ser encontrada nas vestes sagradas ou no transe exposto na movimentação dos fiéis nos rituais. Essa complexidade está na fala e no modo como ela testemunha os sonhos, contados através de uma perspectiva que nos permite entender que a colonização veio a fórceps e que o entranhamento do cristianismo já está empilhado dentro da própria tradição primitiva. Daí em diante, o onirismo de cada relato registrado passa a diluir o filme em eternos retornos de evidenciação dessa incontornável presença colonizadora, justaposta pela ciclicidade de uma estrutura de montagem que empreende constituições de camadas de representação substancialmente libertas de uma verticalização do olhar sobre os entrevistados. Em Saudações aos Ancestrais é exatamente o transe imaginado dos relatos dos entrevistados que potencializa a compreensão do esmagamento histórico oriundo das impiedosas ações colonizatórias, traduzidas no modo como os estranhamentos propostos pelo filme se estratificam não exatamente através dos espaços ou personagens filmados, mas pela fabulação da palavra e pela incontestabilidade dos sonhos.

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Na terra de Haidar sobre Homeland: Iraq Year Zero, de Abbas Fahdel rafael urban

Muitos iraquianos podem me ouvir nesta noite em uma transmissão de rádio com tradução simultânea, e eu tenho uma mensagem a eles. Se tivermos que começar uma campanha militar, ela será direcionada aos fora-da-lei que dirigem o país e não contra vocês. Ao mesmo tempo que nossa coalização vai tirar o poder deles, nós vamos distribuir as comidas e os remédios que vocês precisarem. Nós vamos derrubar o aparato de terror e vamos ajudá-los a construir um novo Iraque que seja próspero e livre. George W. Bush, presidente dos Estados Unidos entre 2001 e 2009, no ultimato a Saddam Hussein, em 17 de março de 20031

185 Saiba que sempre que me perguntarem isso eu posso dizer que eu peço desculpas pelo fato de que as informações de inteligência que recebi estavam erradas. Porque mesmo que ele tenha usado extensivamente armas químicas contra seu próprio povo e contra outros, o programa na forma como nós pensávamos que era não existia na maneira que nós pensamos. Então eu posso pedir desculpas por isso. Eu também posso pedir desculpas, por sinal, por alguns dos erros de planejamento e, certamente, por nosso erro em relação à nossa compreensão do que aconteceria uma vez que o regime fosse deposto. Mas acho difícil pedir desculpas por depor Saddam. Eu acho que mesmo a partir de hoje, de 2015, é melhor que ele não esteja do que ele esteja lá. Tony Blair, primeiro-ministro britânico entre 1997 e 2007, em entrevista a CNN em 24 de outubro de 20152

o quarto longa-metragem de Abbas Fahdel, Homeland: Iraque Ano Zero (2015), se divide em duas partes, atravessadas por uma elipse fundamental. O que se passa entre as duas metades da obra – “Antes da queda” e “Depois da batalha”, com duração total de cinco horas e meia – é o hiato do que o diretor não presenciou, e, portanto, não registrou: Fahdel deixou o país quatro dias antes da Invasão do


Iraque, iniciada em 20 de março de 2003, quando foi à França, onde reside, e por lá ficou sem ter notícias de seus familiares, até voltar, dois meses depois, para finalizar as filmagens. A sequência de abertura do filme mostra a família de Fahdel em gestos cotidianos de uma manhã de fevereiro de 2002, na residência de classe-média em Bagdá, enquanto assistem desenhos animados na TV. A narrativa é interrompida pelo apresentador de TV, que anuncia que Saddam Hussein fará seu pronunciamento no primeiro dia do Eid, tradicional festejo. Vemos, através da tela de TV, Saddam ser cumprimentado por seus correligionários militares, antes de iniciar seu discurso entre amigos: Feliz dia do Eid a todos. Que Deus conceda paz e prosperidade ao nosso país. Nossos inimigos se comportam como se trouxessem uma novidade. Mas nós conhecemos seu funcionamento: nós

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escutamos os mesmos slogans por trinta anos. É por isso que eu considero que não é necessário respondê-los. Quando eles disserem algo novo, eu responderei.

Saddam traz a chave que pautará a narrativa: cairão por terra os discursos do poder de ambos os lados. Neste momento a sequência nos dá acesso a quem vê a tevê: com o controle remoto na mão está um homem de meia-idade, de cabelos grisalhos e de óculos. Hussein continua: Segundo a crença deles, os países menos desenvolvidos talvez alcancem o grau de desenvolvimento, assim como acessem o progresso tecnológico e, então, produzam armas de destruição em massa – que poderiam ser entregues a uma organização hostil à América e que ameaçasse a sua segurança. Então se faz necessário bombardear o mundo inteiro e proibir o progresso mundialmente, para que os americanos possam sentir-se seguros!


Uma legenda explicativa aponta: “Meu cunhado Madhat”. Madhat, com controle remoto em mãos, em tom divertido e aos brados, se volta à câmera e diz: “troquem o canal, troquem o canal!”. Homeland nos permite ver desde um ponto de vista único. Mais de uma década depois, temos acesso a essa família, que tem sua vida transformada por esse encontro de slogans, mentiras e atos de dois governos – e cujo resultado será devastador, como já sabemos de antemão e como veremos desde a progressiva destruição individual. Para aquele que vive em nosso tempo, Homeland é a obra de arte mais reveladora das engrenagens que compõem o atual panorama do mundo ocidental. Enquanto alguns críticos foram cautelosos e não fizeram mais do que citá-lo como um dos filmes mais importantes do ano, Victor Guimarães foi direto ao ponto: 3 A obra monumental de Abbas Fahdel – e a experiência absolutamente inesquecível que é estar na frente da tela por pouco mais de cinco horas e meia – pertence a um conjunto muito limitado e preciso de obras da humanidade, entre as quais eu citaria Os Desastres da Guerra de Goya, Guernica de Picasso, Noite e Neblina de Resnais e A Oeste dos Trilhos de Wang Bing. O que une estas materialidades tão distintas não é apenas o dado de que sejam obras-primas ou até mesmo o fato de que todas tenham levado anos para se completar. Isso também conta, mas o que realmente conecta essas obras é o fato de que todas são figurações tão potentes, formalmente íntegras e irrepetíveis da aniquilação do homem pelo homem, que não é possível olhar para uma pintura, um filme ou um homem da mesma maneira depois de entrar em contato com elas.

O que torna Homeland ainda mais acessível ao espectador ocidental é que, primeiro, foi filmado por Fahdel, um iraquiano que vive na França desde os 18 anos, que se naturalizou francês e estudou cinema na Sorbonne. Ele, portanto, compartilha os códigos de dois mundos. Duas décadas depois, retorna ao Iraque, primeiro, em 2002, para fazer Back to Babylon, numa tentativa de responder a uma inquietação: o que

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aconteceu com seus amigos de infância e o que teria acontecido com ele caso nunca tivesse deixado o país? O filme foi exibido numa TV Francesa e um repórter lhe fez uma pergunta que nunca o abandonou: seremos os últimos a ver seus amigos e familiares vivos, através das imagens do seu filme? “A ideia de que os membros da minha família, meus amigos e desconhecidos que eu filmei não sobrevivessem à guerra que batia à porta era quase insuportável para mim”. 4 É nesse momento que o cineasta resolve retornar para filmar We Iraqis (2003) e, por consequência, Homeland. Numa resposta a essas dúvidas que lhe assolavam, Fahdel retoma essas filmagens íntimas, na esperança de que o cinema pudesse salvar seus entes queridos. Ele explica, “eu fui tomado por uma superstição velada. Filmar, para mim, é um ato de vida, e ao filmar meus entes queridos à beira da chegada da guerra, eu mantinha a esperança de guardá-los de qualquer mal.”5

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Em outro grande filme, Diários: 1973-1983, de minutagem quase idêntica (330’), o cineasta israelense David Perlov também partia do registro íntimo para falar das questões preeminentes de seu país. Lá, Perlov criava a metáfora do filmar “através da janela da minha casa, como da janela de um tanque de guerra”. No Iraque de Fahdel, ele circula a pé e de carro pelos locais de afeto (antes e depois da destruição) e também faz do retrato de seus amigos, familiares e conhecidos, o panorama de uma época. A presença constante da televisão é mais um ponto em comum nos dois casos. No universo de Fahdel, entretanto, não existe um ponto de observação seguro, pois todos os cantos familiares se transformaram em um campo de guerra. Fahdel é, além disso, um estrangeiro que retorna à sua terra natal. Em uma entrevista contou que, por exemplo, precisou de indicações para encontrar a casa em que nasceu: o local agora é uma padaria. É nessa proximidade, em relação ao universo que é íntimo ao diretor, e ao mesmo tempo do olhar distanciado – uma vez que vive há muito em outro país – que se construirá nossa relação com a narrativa. O que faz de Homeland o maior filme do seu tempo é justamente a exposição que temos da casa da família de Fahdel, depois dessa


cidade e país. Compartilhamos o teto, as esperanças e angústias com essas pessoas tão caras ao cineasta, por sua vez munido apenas de uma câmera e pequenos microfones. As cinco horas e meia de duração permitem que nos envolvamos intimamente com esses personagens ao ponto que, ao final, eles já fazem parte de nós. Assim, será tão mais dolorido quando chegarmos ao inevitável e trágico desfecho. Aos dois minutos e meio de filme vemos a cartela “Meu sobrinho Haidar”, que anuncia o protagonista de Homeland. Ele está na cama, desperta e nos olha. A trajetória –que levará esse menino de 12 anos, com a visível ingenuidade com que inicia o filme, ao grande mediador do cineasta com o mundo – tem um arco dramático dos mais impressionantes da história do cinema. Haidar se fortalece a cada plano na obrigação de confrontar-se com um mundo hostil. Ele é, na prática, um surpreendente coautor do filme. Enquanto Fahdel está sempre atrás da câmera – na posição de um observador muitas vezes passivo, ainda que agencie os acontecimentos desde esse lugar –, Haidar toma à frente, é quem nos conduz. O filme inicia nos cômodos da casa, na sala de estar e sobe ao terraço. É de lá que vemos a cidade de Bagdá pela primeira vez, de uma família que se permite o luxo de ter uma casa de dois andares. É, também, onde temos a primeira oportunidade de ouvirmos Haidar falar: ele chama atenção para a árvore, fora de campo, recheada de frutos. As crianças da vizinhança aguardam os frutos, que estão sendo arremessados por Haidar e sua irmã. Apesar do quase silêncio do cineasta, a sua participação por trás das câmeras é constante, como no momento em que Haidar o interpela: “tio, é um desperdício (de frutas). Logo não teremos mais”. É bonito ver como nesses pequenos gestos se revelam questões de classe, de quem observa, de como se constrói o filme. Numa sequência posterior, é Haidar quem nos explicará que a instalação do poço é uma antecipação à guerra, pois faltará água encanada. Na segunda metade, depois da invasão dos norte-americanos, o filme toma forma de reportagem, em toda sua urgência, escancarando os problemas referentes à invasão dos norte-americanos. Em uma cena

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emblemática, o menino Haidar confronta um homem que vende armas à luz do dia, em sua barraca no mercado de rua. Não vemos seu rosto; ele claramente torce para a retomada do ditador ao poder. Haidar lhe questiona: “E o que você me diz das covas abertas de Hussein?”. Fahdel é claramente consciente da impressão causada por seu filme. Tanto ele, como seus personagens mais próximos, são críticos dos dois regimes – tanto o do ditador deposto (responsável pela morte de um de seus irmãos no levante que seguiu a Guerra do Golfo, em 1991), quanto aquele que vem de longe sem qualquer tentativa de reconhecer terreno. Sobre este último, o diretor esclareceu: “Os americanos que invadiram o Iraque em 2003 não tinham conhecimento do rico passado do país e da civilização. Se eles tivessem observado, eles teriam descoberto uma outra realidade enquanto faziam uma varredura do terreno para as supostas armas de destruição em massa. Eles poderiam ter encontrado as cidades mais antigas do mundo e os primeiros textos

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da humanidade espalhados em meio a crateras de bombas 6 ”. A primeira exibição pública do filme se deu em maio, no tradicional festival Visions du Réel, em Nyon. Homeland ganhou o prêmio principal do festival suíço, para depois fazer um percurso notável em premiações e festivais. No dia 05 de outubro o filme teve sua primeira exibição nos Estados Unidos, no Festival de Nova York. É nesse espaço que o filme encontra seu espectador ideal. É como se todo esse trabalho fosse um convite do cineasta para que aquele povo tivesse um contraponto, a possibilidade de experimentar um outro ponto de vista. Um dos primeiros críticos norte-americanos a se manifestar foi Jeffrey Ruoff, do Huffington Post: “Se você está interessado em ver como vivem as pessoas em outros países, desligue a CNN e a Fox News, e se dirija a um festival de cinema local”, para ver o filme de Abbas Fahdel, registro de “um mundo desaparecido e de quebrar o coração, preservado em vídeo digital”. A melhor resposta ao discurso que começa na citação de 2003 de George W. Bush e se conclui em 2015 com Tony Blair vem de outro crítico americano. Aaron Cutler, hoje residente no Brasil, escreveu


sobre a experiência de ver o filme na Brooklyn Magazine: 7 “ele inicialmente cria um espaço seguro e confortável para eu entrar nele. Com o passar do tempo, ele gradualmente me levou a perceber que o espaço está sendo desfeito e rompido pela violência. O filme termina de modo aparentemente abrupto e saí da sala de cinema abalado. Eu fiquei com a sensação de impotência de como eu, como um americano, tinha consentido à destruição que eu acabara de ver. O mundo agora parecia diferente.”

notas

1. Acesso em 28 de outubro de 2015. Texto completo disponível em: http://americanrhetoric.com/speeches/wariniraq/gwbushiraq31703. htm 2. Acesso em 28 de outubro de 2015. Disponível em: http://www. dailymail.co.uk/news/article-3287982/I-m-sorry-Blair-takes-blame-Iraq-War-admits-conflict-caused-rise-ISIS-astonishing-apology-TV-show. html#ixzz3pxOS712V 3. Acesso em 27 de outubro de 2015. Texto originalmente publicado em espanhol na revista online Desistfilm. Versão traduzida ao português disponível em: http://cachoeiradoc.com.br/2015/sessoes-especiais/ homeland-iraq-year-zero-terra-natal-iraque-ano-zero/ 4. Acesso em 25 de outubro de 2015. A entrevista para o site Dafilms é fundamental para compreender o processo de feitura de Homeland: http://dafilms.pt/news/2015/7/6/Interview_Abbas_Fahdel 5. Acesso em 25 de outubro de 2015. Comentário de Aaron Cutler seguido de depoimento de Abbas Fahdel para a Brooklyn Magazine, disponível em: http://www.bkmag.com/2015/10/02/nyff-2015-an-interview-with-abbas-fahdel-director-of-homeland-iraq-year-zero/ 6. Idem. 7. Idem.

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Índice de filmes

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#73, 43 10949 Femmes, 43 A estrangeira, 52 A Paixão de JL, 33 Aluguel: o filme, 33 Boa morte, 34 Carregador 1118, 34 Ciganos do Nordeste, 29 Cuerpo de letra, 44 Dia de Erê, 28 Filme dos outros, 35 Futuro Junho, 35 Gefängnisbericht eines Abnormen-Wohlerzogenen von Chinpou, 44 Greetings to the ancestors, 45 Home, 45 Homeland: Iraq year zero, 46 Imhotep, 36 Índios no poder, 36 Kibuki: spirits in Zanzibar, 46 La fièvre, 47 Mais do que eu possa me reconhecer, 37 Manhã cinzenta, 25 No caminho com Mário, 37 O Forte, 26 O grito da terra, 25 Orestes, 38 Pinto vem aí, 28 Quintal, 38 Remanescentes, 51 Ressurgentes: um filme de ação direta, 39 Sem Título #2: la mer larme, 39 Sinais de cinza, a peleja de Olney contra o Dragão da Maldade, 29 Sob o ditame de rude Almajesto, 27 Tança, 51 Teatro Brasileiro: novas tendências, 27 Teatro brasileiro: origem e mudanças, 26 Uma família ilustre, 52 The sound before the fury, 47 Virgindade, 40 Yorimatã, 40


Índice de diretores

Abbas Fahdel, 46 Allan Ribeiro, 37 André Novais Oliveira, 38 Ben Russell, 45 Beth Formaggini, 52 Carlos Adriano, 39 Carlos Nader, 33 Chico Lacerda, 40 Coletivo Mbya-Guarani de Cinema, 37 Dácia Ibiapina, 39 Débora de Oliveira, 34 Eduardo Consonni, 34 Elizabeth Brooks, 46 Henrique Dantas, 29 Irmandade dos Atores da Pândega e Associação Quilombola Mato do Tição, 51 Julián d’Angiolillo, 44 Leo Pyrata, 36 Lincoln Péricles, 33 Lola Frederich, 47 Maria Augusta Ramos, 35 Martin Sarrazac, 47 Nassima Guessouim, 43 Olney São Paulo, 25, 26, 27, 28 Rafael Saar, 40 Rafat Alzakout, 45 Raphaël Grisey, 51 Rekesh Shahbaz, 43 Rikisaburo Sato, 44 Rodrigo Arajeju, 36 Rodrigo Moura, 52 Rodrigo Siqueira, 38 Rodrigo T. Marques, 34 Safia Benhaim, 47

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programação


CINE HUMBERTO MAURO 19 NOV | QUINTA-FEIRA 19h SESSÃO ABERTURA

Navajo Talking Picture, Arlene Bowman, 40’ The Graffiti, Arlene Bowman, 30’ (comentada pela diretora) 20 NOV | SEXTA-FEIRA 17h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

Rituais e Festas Bororo, Luiz Thomaz Reis, 26’ Ao redor do Brasil, Luiz Thomaz Reis, 79’ 19h MOSTRA OLNEY SÃO PAULO

Sob o ditame de rude almajesto, 14’ O Pinto vem aí, 25’ Manhã cinzenta, 22’ (comentada por Rodrigo Siqueira)

21h MOSTRA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA

Orestes, Rodrigo Siqueira, 93’ (comentada pelo diretor) 21 NOV | SÁBADO

15h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

196

Projeto The Navajo film themselves | Through Navajo eyes Os Navajo filmam a si mesmos | Através dos olhos Navajo Intrepid shadows, Al Clah, 18’ The Navajo silversmith, Johnny Nelson, 22’ A Navajo weaver, Susie Benally, 22’ Second Weaver, Kahn, 10’ 17h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

Filmes de Thomas A. Edison, 6’ Hopi indians dance for Theodore Roosevelt at Walpi, Arizona, 4’ The heart of an indian maid, Irmãos Pathé, 12’ Da vida dos Taulipang da Guiana,Theodor Koch-Grünberg, 11’ In the land of the head hunters, Edward S. Curtis, 60’ (apresentada por Andrea Tonacci) 19h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

Tarahumaras 82 - Los Pintos, Raymonde Carasco, 57’ Tarahumaras 85 - Los Pascoleros, Raymonde Carasco, 27’ Tarahumaras 79 - Tutuguri, Raymonde Carasco, 25’ (comentada por Régis Hébraud) 21h30 MOSTRA CONTEMPORÂNEA INTERNACIONAL

Cuerpo de letra, Julián d’Angiolillo, 77’ 22 NOV | DOMINGO 15h SESSÃO ESPECIAL

Remanescentes, Raphaël Grisey, 104’ (comentada pelo diretor) 17h30 MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

Wacá: la tierra de los Bribries, Edgar Trigueros, 34’ Xingu Terra, Maureen Bisilliat, 74’

19h30 MOSTRA CONTEMPORÂNEA INTERNACIONAL

#73, Rekesh Shahbaz, 23’ Home, Rafat Alzakout, 70’


21h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

Acervo Andrea Tonacci/ Encontros na América Indígena, 100’ (comentada pelo diretor Andrea Tonacci) 23 NOV | SEGUNDA-FEIRA 15h MOSTRA OLNEY SÃO PAULO

Sinais de Cinza: a peleja de Olney contra o dragão da maldade, Henrique Dantas, 86’ 16h30 MOSTRA CONTEMPORÂNEA INTERNACIONAL

10949 Femmes (10949 Mulheres), Nassima Guessouim, Houssem Bokhari, 76’ 18h MOSTRA CONTEMPORÂNEA INTERNACIONAL

Homeland: Iraq year zero (Terra natal: Iraque ano zero) PARTE 1, Abbas Fahdel, 160’ 21h MOSTRA CONTEMPORÂNEA INTERNACIONAL

Homeland: Iraq year zero (Terra natal: Iraque ano zero) PARTE 2, Abbas Fahdel, 174’ 24 NOV | TERÇA-FEIRA 15h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

Judea - Semana santa entre los Coras, Nicolás Echevarría, 28’ Richard Cardinal, Alanis Obomsawin, 29' Araucanos de Ruca Choroy, Jorge Prelorán, 45’ 17h MOSTRA CONTEMPORÂNEA INTERNACIONAL

Kibuki: espíritos em Zanzibar, Elizabeth Brooks, 24’ Greetings to the ancestors (Saudações aos ancestrais), Ben Russell, 29’ La Fièvre (A Febre), Safia Benhaim, 40’ 19h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

Terra dos índios, Zelito Viana, 105’

21h MOSTRA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA

No caminho com Mário, Coletivo Mbya-Guarani de Cinema, 21’ Futuro Junho, Maria Augusta Ramos, 93’ 25 NOV | QUARTA-FEIRA 15h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

Mato eles?, Sérgio Bianchi, 34’ Yawar Malku - La sangre del condor, Jorge Sanjinés, 70’ 17h MOSTRA OLNEY SÃO PAULO

Teatro brasileiro: origem e mudança, 14’ Teatro brasileiro: novas tendências, 11’ Ciganos do Nordeste, 60’ 19h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

Kakxop Pit Hãmkoxuk Xop Te Yũmũgãhã - Iniciação dos filhos dos espíritos da terra, Isael Maxakali, 40’ Quem não come com a Gente, Guigui Maxakali, 30’ (comentada por Isael Maxakali e Marilton Maxakali) 21h MOSTRA OLNEY SÃO PAULO

Dia de Erê, 30’ Grito da terra, 83’

26 NOV | QUINTA-FEIRA 15h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

Gregório, Grupo Chaski, Fernando Espinoza, Stefan Kaspar, Alejandro Legaspi, 83’ 17h MOSTRA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA

Boa morte, Débora de Oliveira, 13’ Mais do que eu possa me reconhecer, Allan Ribeiro, 72’ (comentada pelos diretores)

197


19h MOSTRA OLNEY SÃO PAULO

O Forte, Olney São Paulo, 90’

21h MOSTRA OLNEY SÃO PAULO

Sob o ditame de rude almajesto, Olney São Paulo, 14’ Debate: O cinema de Olney São Paulo Hernani Heffner, Ewerton Belico 27 NOV | SEXTA-FEIRA 15h MOSTRA CONTEMPORÂNEA INTERNACIONAL

The sound before the fury (O som antes da fúria), Martin Sarrazac, Lola Frederich, 88’ 17h MOSTRA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA

Virgindade, Chico Lacerda, 16’ Carregador 1118, Eduardo Consonni, Rodrigo T. Marques, 64’ (comentada pelos diretores) 19h MOSTRA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA

Imhotep, Leo Pyrata, 12’ A Paixão de JL, Carlos Nader, 82’ (comentada pelos diretores)

21h MOSTRA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA

Yorimatã, Rafael Saar, 116’ (comentada pelo diretor) 28 NOV | SÁBADO

15h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

198

Martírio (em processo), Vincent Carelli, 40’ (comentada por Tita e Tonico Benites)

16h30 MOSTRA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA

Índios no poder, Rodrigo Arajeju, 20’ Ressurgentes: um filme de ação direta, Dácia Ibiapina, 75’ (comentada pelos diretores) 18h30 MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

Ói'ó NodzoNodz'u, Divino Tserewahú (Xavante), 47’ Hyna Hyna, Bepunu Axuape Pawire (Kayapó), 60’ (comentada pelos diretores) 21h SESSÃO ESPECIAL

A Estrangeira, Rodrigo Moura, 108’ (comentada por Cláudia Andujar e Rodrigo Moura) 29 NOV | DOMINGO 16h MOSTRA CONTEMPORÂNEA INTERNACIONAL

Relatório de prisão de um desajustado bem comportado, por Chinpou, Rikisaburo Sato, 53’ 17h SESSÃO ESPECIAL

Uma família ilustre, Beth Formaggini, 15’ Tança, Irmandade dos Atores da Pândega, Assoc. Quilombola Mato do Tição, 31’ (comentada pelos diretores) 18h30 MOSTRA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA

Filme dos Outros, Lincoln Péricles, 20’ Aluguel: o filme, Lincoln Péricles, 16’ Quintal, André Novais, 20’ Sem título #2: La mer larme, Carlos Adriano, 31’

21h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

Atarnajuat - O corredor mais veloz, Zacharias Kunuk, 172’


CINE 104 20 NOV | SEXTA-FEIRA 17h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

No paiz das Amazonas, Silvino Santos, Agesilau de Araujo, 129’ 19h30 MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

The Exiles (Os Exilados), Kent Mackenzie, 72’ 21 NOV | SÁBADO

17h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

Newen Mapuche, Elena Varela, 120’

19h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

Skins (Peles), Chris Eyre, 87’ 22 NOV | DOMINGO

17h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

La Tierra es de Quien la Trabaja, Tzotzil, 15’ Son de la tierra, Jorge Tzotzil, 17’ Chul Stes-bil Lum Qui, Nal - Tierra sagrada, Tzeltal, 19’ Mirando hacia adentro: La militarización de Guerrero, Carlos Peréz Rojas (Mixe), 35’ 19h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

Reel Injun, Neil Diamond, Catherine Bainbridge, Jeremiah Hayes, 86’ 23 NOV | SEGUNDA-FEIRA 9h30 OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA / ENCONTRO

A luta do povo Mebengokre Metuktire, Bepro Metuktire, 9’ “Os pistoleiros com traje parecido de PF cercam os acampamentos Guarani” 3’, Canal Aty Guasu “Os pistoleiros da fazenda Cachoeira-Iguatemi-MS atacam a comunidade Guarani Kaiowa do Pyelito Kue”, Canal Aty Guasu, 4’ Xupapoynãg, Isael Maxakali, 16’ Mesa redonda: Perspectivas indígenas do cinema e suas resistências Ailton Krenak, Arlene Bowman, Ariel Ortega Mbya, Bepro Metuktire, Carlos Rivero, Divino Tserewahu, Isael Maxakali, Patrícia Ferreira 15h OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA / ENCONTRO

Los Hilos de la vida de las mujeres jaguar, Mujeres Mayas Kaqla, 21’ In the footsteps of Yellow Woman, Camille Manybeads Tso, 26’ (sessão comentada por Flor de María Alvarez Medrano, Guatemala) 17h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

Davi contra Golias, Aurélio Michiles, 12’ Casa dos espíritos, Morzaniel Iramari e Dário Kopenawa, 24’ Wanadi e Kaaju, Realização coletiva Yekuana, 20’ (comentada por Davi Kopenawa Yanomami) 19h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

Sangradouro, Divino Tserewahú, Tiago Campos Tôrres, Amandine Goisbault, 30’ Arara / Guarda Rural Indígena, Jesco Von Putkamer, 26’ (comentada por Sérgio Domingues) 24 NOV | TERÇA-FEIRA 9h30 OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA / ENCONTRO

19 anos, Bepunu Axuape Pawire, 30’ (comentada por Bepunu Axuape)

15h OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA / ENCONTRO

Canaán, la tierra prometida, Ronald Suárez, 17’ La Travesia de Chumpi, Fernando Valdivia, 47’ (comentada por Ronald Suárez, Peru)

199


17h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

Calvario de água, William Huayhua, Martha Tito Huarahuara, Jimena Mayta, Emmanuel Davalos, (CEFREC, Bolívia), 15’ Mu drua - Mi tierra, Mileidy Orozco Domicó (Colômbia) 22’ Kalül Trawün - Reunión del cuerpo, Francisco Huichaqueo (Chile), 24’ Los descendientes del jaguar, Eriberto Gualinga, Rosie Kuhn, Pavel Quevedo, (Equador), 29’ 19h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

Contato com os brabos, 20’ Iskobakebo: un difícil reencuentro, Fernando Valdivia, 60’ 25 NOV | QUARTA-FEIRA 9h30 OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA / ENCONTRO

Bila Burba - Espiritu de la revolución, Duiren Wagua, 7’ Urrigan, Ornel Alvarado, 24’ (comentada por Duiren Wagua, Panamá)

15h OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA / ENCONTRO

Para Reté, Patrícia Ferreira Yxapy (Mbya Guarani), 40’ (comentada pela diretora e por Ariel Ortega) 17h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

Kêtuwaje - Festa de iniciação dos jovens, Mentuwajê Guardiões da Cultura, 104’ (comentada por André Cunithyc Krahô e Marquinho Ihperwa Krahô) 19h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

J-Amtel, Juan López Intzín, 12’ El Nail, Néstor A. Jiménez Díaz, 29’ Guardianes del Mayab, Jaime Magaña, 33’ (comentada por Carlos Rivero, México)

200

26 NOV | QUINTA-FEIRA 9h30 OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA / ENCONTRO

Tekowe Nhepyrun - A origem da alma, Alberto Alvares (Guarani), 36’ (comentada por Alberto Alvares) 15h OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA / ENCONTRO

Katary: levántate, Awki Esteban Lema, 18’ (comentada por Awki Esteban, Venezuela)

17h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

Já me transformei em imagem, Zezinho Yube, 37’ Shuku Shukuwe - a vida é para sempre, Agostinho Manduca Mateus Ika Muru Huni Kuin, 43’ (comentada por Zezinho Yube e Isaka Huni Kuin) 18h50 MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

La tentación del Nixhix, Gumercindo Yumani, Nicolas Ipamo, Ruben Dario Cayaduro, Marta Zelady, Franklin Gutiérrez, Ivan Sanjinés, 100’ 27 NOV | SEXTA-FEIRA 9h30 OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA / ENCONTRO

Mensagem para o Governo Brasileiro, Mentuwajê Guardiões da Cultura, 3’ Txêjkho Khãm Mby - Mulheres Guerreiras, Kamikia, Winti, Kambrinti, Kokoyamaratxi e Yaiku Kisedje, 11’ Mesa redonda: Perspectivas atuais para existência dos mundos e dos cinemas indígenas Ivana Bentes (SCDC), Abel Ticona (Cefrec), Ana Carvalho (VNA), Tonico Benites (Aty Guasu), Zezinho Yube Kaxinawa (Secretário de Governo no Acre), Sérgio Muniz 15h OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA / ENCONTRO

Karioka, Takumã Kuikuro, 20’ Queima tradicional a céu aberto e XII Jogos Indígenas Cuiabá, Edgar Corrêa Xakriabá, 15’ Inhu e Etepe, Tewe Kalapalo, Tawana Kalapalo e Kayauta Kalapalo, 35’ (comentada pelos diretores) 17h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

Cocar de canudos, Mentuwajê Guardiões da Cultura, 1’ Maira, Pajé Luiz Kumizi Kulina, 11’


Pawaat, Coletivo Akubaaj Cinta Larga de Cinema, Tony Cinta Larga, 13’ Um dia, Ty’e Parakanã, 19’ Bicicletas de Ñanderú, Coletivo Mbya-Guarani de Cinema, Ariel Ortega, Patrícia Ferreira, 45’ (comentada por Ariel Ortega) 19h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

Vídeos dos Canais Aty Guasu, 13’, e ASCURI, 15’ LANÇAMENTO DE PUBLICAÇÕES

Imagens e Exílio - Cinema e arte na América Latina, Yanet Aguillera (org.) Piseagrama, n. 8, Extinção, ed. Piseagrama, espaço público periódico 28 NOV | SÁBADO 17h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

Milepost 398, Shonie De La Rosa, Andee De La Rosa, 110’ 19h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

Kaxakuk Xak Caçando Capivara, Derli Maxakali, Marilton Maxakali, Juninha Maxakali, Janaina Maxakali, Fernando Maxakali, Joanina Maxakali, Zé Carlos Maxakali, Bernardo Maxakali, João Duro Maxakali, 57’ 29 NOV | DOMINGO 17h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

Cosmopista Maxakali - Pataxó, Toninho Maxakali, Manuel Damásio Maxakali, Mamei Maxakali, Marilton Maxakali, Josemar Maxakali, Adriana Maxakali, Juninha Maxakali, Alessandro Santos, Arawê Pataxó, Ricardo Jamal, Bruno Vasconcelos, Rosângela Tugny, 114’ 19h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA

Trudell, Heather Rae, 80’

CAMPUS UFMG 17 NOV | TERÇA-FEIRA | Arena Fafich MOSTRA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA 20h Orestes, Rodrigo Siqueira, 93’

(comentada pelo diretor e por Cláudia Mesquita) Parceria com o Cineclube Fafich Lançamento Revista Devires. 11, n. 2 (2014): Devires - Cinema e Humanidades Dossiê: O cinema e o animal 18 NOV | QUARTA-FEIRA | Auditório Sônia Viegas

9h MOSTRA OLNEY SÃO PAULO

Sob o ditame de rude almajesto, 14’ Manhã cinzenta, 22’ (comentada por Ewerton Belico) 19 NOV | QUINTA-FEIRA | Auditório Sônia Viegas MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA 11h Projeto The Navajo film themselves | Through Navajo eyes

Os Navajo filmam a si mesmos | Através dos olhos Navajo Intrepid shadows, Al Clah, 18’ The Navajo silversmith, Johnny Nelson, 22’ A Navajo weaver, Susie Benally, 22’ Second Weaver, Kahn, 10’ (comentada por Ruben Caixeta) Endereços

CINE HUMBERTO MAURO | Avenida Afonso Pena | 1.537 | Centro Cine 104 | CentoeQuatro | Praça Ruy Barbosa | 104| Centro CAMPUS UFMG | Avenida Antônio Carlos | 6627

201


mostra

Olhar: um Ato de ResistĂŞncia


forumdoc.bh.2015

organização | produção associação filmes de quintal

bolsistas

Júnia Torres Carla Italiano Luana Gonçalves Ana Carolina Antunes Luisa Lanna Tanita Zeien Layla Brás

circuito fourmdoc . bh . 2015

mostra olney são paulo

Ewerton Belico mostra olhar : um ato de resistência

(organização

e curadoria )

Andrea Tonacci Carla Italiano Carolina Canguçu Junia Torres Laís Ferreira colaboração na curadoria

Ailton Krenak Amália Córdova André Brasil Caio Lazaneo César Guimarães Charles Bicalho Cristina Amaral Elizabeth Weatherford Ivan Sanjines Pedro Portella Vincent Carelli Yanet Aguillera mostra contemporânea brasileira

Anna Flávia Dias Salles Bruno Vasconcelos Luís Felipe Flores mostra contemporânea internacional

Ana Estrela Leonardo Amaral Victor Guimarães programa de extensão forumdoc . ufmg . 2015

Cláudia Mesquita Paulo Maia Ruben Caixeta

Isabela Furtado Luisa Lanna Pedro Rena Aiano Mineiro Isabela Furtado Luana Gonçalves Luisa Lanna Pedro Rena Roberta von Randow arte

(ilustrações)

Ailton Krenak catálogo

(organização)

Glaura Cardoso Vale Carla Italiano Júnia Torres projeto gráfico

|

diagramação

Ana C. Bahia revisão e preparação de textos

Carla Italiano, Glaura Cardoso, Isabela Furtado, Maria Inês Dieuzeide, Paula Berbert, Pedro Rena, Tanita Zeien vinheta

Raquel Junqueira tradução

Alessandra Carvalho Álvaro Andrade Ana Siqueira Débora Zico Flávia Camisasca Frederico Sabino Guilherme Miranda Julieta Sueldo Boedo Laís Ferreira Luís Flores Luisa Lanna Luiz Valente Maria Inês Dieuzeide Milene Migliano Natalia Cristofaro Roberto Romero Sânzio Magno Tanita Zeien

203


Frames

Mariah Soares Vitor Miranda

site

estagiários

Gustavo Teodoro (webdesign e programação) Pedro Aspahan (consultoria)

Cyntia Carolina, Pedro Mancini

legendagem eletrônica

cabine de projeção

Julio Cruz (coord. Humberto Mauro) Jaque Del Debbio (coord. Cine 104) Samuel Marotta Yuri Borges Leonardo Fortinho Frames

Mercídio Alvinho Scarpelli Milton Célio Rodrigues Rufino Gomes Araújo suporte administrativo

Roseli Pessoa Miranda equipe cine 104

Sinal de Fumaça Comunicação

Daniel Queiroz (programador Cine 104) Tatiane Boaventura Gustavo Ruas

assessoria jurídica e financeira

agradecimentos

Diversidade Consultoria Diana Gebrim

Diretoria FaE-UFMG, Cenex-FaE-UFMG, FA FICH –UFMG , Ailton K renak , Ana Gomes, Deborah Lima, Paula Berbert, Sérgio Domingues, Sérgio Muniz, Zelito Vianna, Maureen Bisilliat, Inês Teixeira, Isabel Cassimira, Daniel Pitta Costa, Roberta Veiga, Amaranta César, Projeto Jaca, Casinha, Bernard Machado, Giselle Ferreira, Priscila Musa, Oswaldo Teixeira, Emmerson Oliveira, Morgana Rissinger, Festival Pachamama, o jacamim, o tamanduá vermelho, a cigarra que nos visitou e a todos(as) realizadores(as) que enviaram seus filmes para as Mostras Contemporâneas Brasileira e Internacional.

assessoria de imprensa colaborativa

204

equipe técnica

momentos festivos

Rafael Barros Pedro Leal Ana Carolina Antunes assistência de produção

-

receptivo

Pedro Leal registro audiovisual

Jenipapo (Guilherme Cury, Daniel Ferreira) gerência de cinema cine humberto mauro gerente

Philipe Ratton coordenador

Bruno Hilário coordenadora de produção

Cissa Carvalho produção

Dayanne Naêssa Helena Vanucci

agradecimentos especiais mostra olhar : um ato de resistência

Vincent Carelli, Massimo Canevacci, Amália Córdova, Ivan Sanjines, Fernando Valdívia, Ambulante más ala (México), Carolina Coppel, Centoequatro, Divino Tserewahu Tsereptse, Bruno de André, Cristina de Branco, Miguel Dores, Elizabeth Weatherford, Paolo Buccieri, Museu do Índio, José Carlos Levinho, Bernard Belisário, Guilherme Cury, Ewerton Belico, Clarisse Alvarenga, Luciana Oliveira, Renata Otto, Diego Madi Dias, Carlos Fausto, Felipe Kometani, Roberto Romero, Ana Morim, Simone Giovine, Cinemateca Brasileria, Bruno Vasconcelos,


forumdoc.bh.2015

Renata Marquez, Rafael Fares, Ana Estrela, Marcela Borella, Mostra Fronteira, Wanda Vanderstoop, Rodrigo Ardiles, Ruy Sposati, Txai Terri, Alejandro Saderman, Alquimia Peña, Ana Lúcia Ferraz, André Demarchi, Antonio Guerreiro, Beatriz Matos, Billy Navarrete, Colectivo Kukisha, Colectivo Puka Dreams, Daniela Alarcon, Eriberto Benedicto Gualinga Montalvo, Fábio Menezes, Felipe Agostini, Fermín Rivera, Francisco Caminati, Hans Mülchi B., Igor Guayasamin, Isabel Cristina Fregoso Centeno, Jade Rainho, José Rafael Zambrano Brito, Lisa Jackson, Lorena França, Kuyllur Saywa Escola, Mara Santos, Marcella Ernest, Marta Rodríguez de Silva, María Campaña Ramia, Melina Wazhima, Michelle Latimer, Miguel Alvear, Mónica Luna, Nadja Marin, Oiara Bonilla, Ojo de Agua Comunicación, Orlando Calheiros, Oscar, Menéndez Zavala, Rafael Fares, Rosângela Tugny, Rafael Gonzalez, Roberto Olivares, Ruella Rouf, Samuel Leal, Tyan Humberto Morales Pineda, Yarani Velázquez, Yovegami Ascona e a todos(as) que enviaram material para a convocatória da mostra.

associação filmes de quintal

Avenida Brasil | 75/sala 06 | Santa Efigênia CEP 30140-000 | Belo Horizonte/MG | Brasil Telefone: +55 31 3889-1997 | 31 2512-1987 filmes@filmesdequintal.org.br forumdoc.org.br

205


NOTAS


NOTAS


FMC 185/2014

patrocínio

apoio

participação

apoio INSTITUCIONAL

cenex fae/ufmg Departamento de ciências aplicadas à educação fae/ufmg Programa de pós-graduação em antropologia | antropologia social • arqueologia


apoio cultural

apoio LOGÎstico

co-realizaçÃO

realizaçÃO





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