BELO HORIZONTE
17 A 30 DE NOVEMBRO DE 2006
CINE HUMBER TO MAURO - PALテ,IO DAS AR TES
FAFICH - UFMG
Apresentação_______________________________________________________________________________________________________________________5 Abertura__________________________________________________________________________________________________________________________19 Mostra T imothy Asch________________________________________________________________________________________27 Mostra Cinema de Autor: Chantal Akerman__________________________________________________________________________________43 Retrospectiva Eduardo Escorel_______________________________________________________________53 Mostra Cânone Íntimo (curadoria Eduardo Escorel)________________________________________________________________67 Mostras Competitivas Júri_________________________________________________________________________________________________________________79 Mostra Competitiva Internacional___________________________________________________________________________________________81 Mostra Competitiva Nacional________________________________________________________________________________________________93 Fórum de Debates e Sessões Especiais_______________________________________________________________________________________103 Sessão de Encerramento_____________________________________________________________________________________________109 Oficina de Realização______________________________________________________________________________________________________115 Ensaios Quatro ou Cinco Dilemas por Eduardo Escorel___________________________________________________________________________121 Fim do fora de campo? por Jean-Louis Comolli________________________________________________________________________124 Imagens de Asch por Sarah Elder______________________________________________________________________________________146 La chambre Akerman: a cativa enquanto criadora por Ivone Margulies___________________________________________________168 Cabeças cortadas: réquiem da razão colonial por Jair Tadeu da Fonseca_____________________________________________177 Aprender a ver por Cristina Marti____________________________________________181 Mostras Fotográficas___________________________________________________________________________________183 Programação_____________________________________________________________________________________________________________________205 Índice de filmes_______________________________________________________________________________________________________________212 Índice de diretores_____________________________________________________________________________________________________________213 Expediente______________________________________________________________________________________________________________________215
forumdoc.bh 10 anos Júnia Torres* Quando chegamos, não longe de hoje, em momento de definição final da programação da décima edição deste “festival”, por meio de uma troca em frenesi de emails coletivos, nos perguntando - e nos respondendo - em acalorada discussão, o sentido de continuar realizando essa empreitada, sinto que mantivemos o “espírito” e, acredito, o frescor dos primeiros anos. E é um pouco desse espírito que eu queria aqui, de maneira muito simples, celebrar: o envolvimento um tanto acima da razão, das pessoas que se juntaram para dar início e continuidade a esse projeto. Uma pequena comunidade leve e dispersa - e isso confere um certo ar de mistério à realização desse festival que se “materializa” de fato, nas primeiras filas da sala Humberto Mauro, em um período de breves1 e densos (!) dias no ano para assistir e discutir filmes, que certamente, nunca teríamos chance de ver se não os projetássemos nós mesmos. Foi por isso que fizemos. Queria saudar, claro, meus “vetustos camaradas” que, inspirados por autores já tão citados por nós, como Rouch, Vertov, Flaherty e Murnau, Grierson, Glauber, Omar (não é, Paul?)2 e sobretudo pela antropologia (“essa principal aliada”, como escreveu Rubinho) quisemos compartilhar a possível amplidão dos modos de vida e pensamento humanos através do - bom - cinema. Quero saudar também os que vieram, junto a nós, aderindo, de maneira incondicional, a esse projeto. É pela dedicação, interesse, trabalho e “insensatez” de cada um deles, dos outrora meninos das ciências sociais, da comunicação, da letras e da belas artes,3 que temos conseguido manter a inde-
pendência do festival em relação às grandes corporações do marketing cultural, da publicidade e do cinema comercial. Os assentos do meu apartamento, transformado em local de reunião e de “existência” da filmes de quintal foram, ao longo desses anos, ficando insuficientes. Começamos a nos sentar no chão da sala, que acabou se tornando também pequena para abrigar essa comunidade, que de um modo muito diferente do sentido usual do termo e, carinhosamente, chamamos de EQUIPE! É por ela, que estou certa, está garantida a vitalidade, a permanência insistente e necessária do forumdoc. “Amadores”,4 no sentido exato do verbo, como identificou o refinamento do Jean-Claude, que anda falando, apesar - ou talvez, por isso mesmo - tão bem desse projeto, gracias, Bernardet! Além dessa saudação inicial, o que tenho vontade de lembrar aqui são alguns momentos dos bastidores da festa, desordenadamente, como surge o pensamento e a memória nessa tradicional madrugada de virada para fechamento do catálogo: Thomas Farkas, um dos mais importantes fotógrafos brasileiros, idealizador da Caravana Farkas – marco histórico do documentário rumo ao encontro do outro e de nossa própria identidade –, de pé sobre a cadeira de um dos restaurantes-bares que se tornaram a extensão do festejo, a registrar-nos em uma maquineta portátil, nos revelando (acho as únicas que vi) fotos em formato “panorâmico”, como a tela do cinema, uma EQUIPE em plena alegria por sua presença entre nós. As muitas e generosas vindas de Eduardo Coutinho: da primeira vez, quando do lançamento de Santo 7
Forte, marco da “verdadeira” retomada do cinema brasileiro (vejam, nesse catálogo, o belíssimo texto da Claudinha sobre esse momento), ao ser convidado para vir, me respondeu algo como: “não posso, no avião não me deixam fumar!” Tivemos a coragem (nós e sobretudo ele, de vir) de mandar buscá-lo num velho carro Gol do Centro Cultural UFMG, que veio “abarrotado”(com mais 3! caronas, gente que trabalhava com ele, que também fazia filmes e que queria estar aqui...). Lembram do Arthur Omar com sua inseparável câmera de vídeo (e seus filmes-surpresa, que ele trazia debaixo da manga, na última hora, suas últimas produções), a filmar a EQUIPE no saguão do Maletta, numa mesa quilométrica na cantina do Lucas? Foi lá também que “tratamos as pazes” com João Batista de Andrade, diretor do maravilhoso Wilsinho da Galiléia, e, foi lá que (de novo), o Coutinho me contou, entre uma caipirinha e outra (uma dele, outra minha), que Santo Forte não era “tão somente” um filme sobre fabulação-religião, mas uma denúncia do “macho predador”... um filme feminino.5 Talvez, não por acaso, seja hoje esse edifício lendário, o também - como o Cine Humberto Mauro - companheiro Maletta, que abriga a sede da organização do festival. Lembro ainda a partida de futebol no Mineirão, domingo, assistida com o Rafa e os xavante, que aqui vieram para ministrar uma oficina de realização: o Divino, o César, o Marinoni vestindo as camisas do meu time (o Galo, claro!). A Beth Formaggini, vestindo os panos-cartazes-xadrezes, criados pela sempre genial Marilá, transformados em parangolés e dizendo que precisávamos fazer um filme sobre a forma de organização inominavelmente anárquica (?) do forumdoc.6 A simpatia da antropóloga Tânia Stolze, que veio comentar a trajetória acompanhada por nós nesses anos do Vídeo nas Aldeias ao Vídeo das Aldeias e ainda compôs nosso júri das competitivas (me lembro de seu ‘espanto’ com as comidas 8
daqui, achou ‘étnicas’: “no Rio não é mais assim”...), a ida do Comolli e Ginette ao candomblé depois da sessão, a beleza e amizade da Consuelo Lins, que foi parar no baile black, a força da Dona Isabel, rainha, a presença dos punks e dos meus amigos lá da Favela, como de tantos outros, do som do samba e do tambor mudando um pouco aquele jeito do Palácio das Artes. O pessoal da revista Sexta feira, presente desde a primeira edição, quando também lançavam seu primeiro número. A inesquecível festa-chuva na Guaicurus... Enfim, é isso também o sentido de nossa festa-festival. Ah! Sem esquecer claro, o fórum! As brilhantes mesas, discussões. Entre todos, o camarada César! E outras tantas discussões, rompimentos, discordâncias, desistências, retomadas. Criamos um “não-formato”.7 * (batizada também Jupira-cy. Ribão, saudade de você). 1 Para lembrar a Cacá: “são breves os dias, como são breves os filmes, como são breves os debates. Mas creio que é de algo breve que nascem as durações, os pensamentos e os amores todos - uma centilha que se espraia em chama azul, cálida e permanente - como uma sessão primeira num festival, que basta para você decidir dedicar boa parte do seu tempo às suas futuras edições” (Carla Maia, por email em 21/outubro de 2006). 2 Para lembrar o Paul: “Achei no fundo do baú: VEJAM A PROGRAMAÇÃO DO PRIMEIRO FESTIVAL: DE BABAR” (Paulo Maia, em 03 de novembro de 2006). 3 Para lembrar a Ana: “minha opinião é de que devemos sim debater, discutir as questões que nos movimentam e que, porventura, venham atravessar também o público da HM, Fafich, ou o passante desavisado que entrou no Palácio das Artes porque não sabia mais o quequeria fazer da vida.... (aliás, foi assim, no ano de 1997 ou 98, que saindo da faculdade de medicina entrei numa sessão de cinema na HM e me deparei com Iracema e um cartaz estranho de uns tótens de madeira dependurado na parede, e saí dali pensando que
era mais ou menos aquilo o que eu gostaria de fazer... o resto da história vcs conhecem)”. (Ana Carvalho, em email de 21 de outubro de 2006). 4 Para lembrar a Glaura: [citando Camões] “Transforma-se o amador na coisa amada”. 5 Para lembrar o Oswaldo: [sobre mistérios do festival] “A não ser, é claro, que a gente assuma que não operamos dentro de um sistema democrático, mas de uma forma muito mais interessante, mais afetiva, mais feminina até, que a gente nem sabe direito qual é o nome...” (Oswaldo Teixeira, por email em 30 de outubro de 2006). 6 Para nunca esquecer o Rubinho: “Como não se convencer diante do argumento da Ana que diz que ‘[quando vemos] Chantal cantando e simulando sua morte e a de uma flor sobre o fogão de sua casa, se não têm algo a dizer, têm, ao menos, o corpo e os sentidos dispostos a experimentar algo novo?’ Não tenho dúvida que a razão deste fórum existir se deve a pessoas como vocês, se deve às nossas conversas no final das sessões que se prolongam pelas mesas de café e pelos bares..., que, antes, vieram das reuniões anárquicas preparatórias....” (Ruben Caixeta, em email de 21 de outubro de 2006). 7 Para lembrar a equipe: Carolina Fenati, Cláudia Mesquita, Daniel Ribeiro, Milene Migliano, Pedro Aspahan, Pedro Marra, Pedro Portella, Rafael Barros, Rafael Gazzola, Raquel Amaral, Raquel Junqueira, Alice Lamounier, Luciana França, Renata Otto, Jair Fonseca, Glaura Cardoso Vale, Ana Siqueira, Marília Rocha, Francilins, Shirly Ferreira, Yasmini Costa, Marilá Dardot, Cinthia Marcelle, Bruno Vasconcelos, Clarissa Campolina, Joana Meniconi e lembrar também: Tiago Mata Machado, César Guimarães, Eduardo Viana Vargas, Jean-Louis Comolli, Ginette Lavigne, Mateus Araújo, Divino Tserewahu, Vincent Carelli, D. Isabel e filhos, Guidinha, Fala Tambor, Zé Lu, Garrafa, Pablo Pires, Bernardo, Fred Sabino, Francilins, Bruna Di Gioia, a equipe de tradução, entre tantos outros.
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Conversas dentro de conversas Cláudia C. Mesquita Proponho falar do forumdoc através de um filme. Um filme que, como muitos outros, bateu na nossa tela nesses 10 anos de histórias. Ao falar dele, evocar pessoas que nos visitaram, falaram, influenciaram, tocaram. Evocar vidas que vivemos no escuro do Cine Humberto Mauro; histórias que ouvimos e contamos nos corredores; conversas que bebemos nos bares e que deixaram todo tipo de cicatriz. Em 1999, terceira edição, abrimos com Santo Forte. Era a volta de Eduardo Coutinho à tela grande do cinema, depois de 15 anos produzindo quase exclusivamente em vídeo. O filme ainda não tivera lançamento comercial no Brasil. Aquela era, salvo engano, a cópia inaugural, projetando seu rigor e sua beleza em Belo Horizonte pela primeira vez. Recordo meu entusiasmo diante da sala cheia e de Coutinho falando, falando, falando... Com paixão, defendia a ênfase na palavra e o minimalismo estético que seu cinema vem praticando desde então. Uma aposta num cinema do “menos”, multiplicando significações a partir de uma ascese e de uma economia narrativa rigorosas. Na “retomada” capenga e sem projeto estético e político que vivia o cinema brasileiro, Coutinho era luz na escuridão. Como esquecer da densidade existencial dos personagens de Santo Forte, em seqüências que revimos tantas vezes depois? Dona Thereza, a rainha, com seu quintal povoado de espíritos (“a gente é que não tem vidência pra ver”)... André, o moço católico, narrando com respeito as visitas dos santos da umbanda ao seu quarto de dormir... Seu Braulino, o “preto velho”, afirmando algo de especial sobre si, através da
identificação com seu guia, Brás Carneiro, um escravo “muito bajulado”... Coutinho depurava um jeito de fazer documentário, praticado e pensado em anos de trabalho, e sua rede estreita lograva “pegar” algumas das mais significativas narrativas do cinema brasileiro. Algo do que pensávamos, nós do forumdoc (que naquela época a gente chamava simplesmente de “festival”), encontrava em Santo Forte poderosa expressão. Um documentário do encontro, sem roteiro prévio, aberto ao mundo, menos retórico e mais indagativo, econômico nos recursos narrativos, criando seus significados a partir das elaborações dos sujeitos da experiência, deixando exposta a relação básica, constitutiva de qualquer filme: aquela entre quem filma e quem é filmado... Além do mais, capaz de criar a cena provisória e efêmera na qual aqueles homens pobres de Vila Parque da Cidade podiam se afirmar narradores criativos e potentes, insubmetidos a preconceitos e estereótipos, livres de amarras e normatizações cotidianas, desamarrados dos clichês sociais a que estavam convencionalmente associados, desamarrados de posições rígidas... Em suma, sujeitos de suas experiências e de suas histórias, contadas de um jeito belamente “conversante”. Isso eu não me canso de admirar! Em Santo Forte, as narrativas aparecem quase sempre dramatizadas na forma de diálogos – ao narrar, cada entrevistado interpreta os vários personagens envolvidos na cena narrada, numa notável flexibilidade para incorporar diferentes papéis. Assim, eles constróem suas narrativas “em diálogo”: conversando com outros 11
homens e com os espíritos, incorporados noutros corpos ou ganhando corpo próprio (como acontece com Vovó Cambina nas histórias de Dona Thereza). O diálogo é a principal forma de narrar; formalização de uma relação “conversante” e interpessoal com o mundo, num movimento de troca e interação permanentes, o sujeito “sempre em preparativos” (como escreveu Aníbal Machado), construindo-se e afirmando-se em diálogo. O fato de Coutinho adotar a conversa como abordagem (mantendo suas perguntas na banda sonora, por exemplo), duplica o dialogismo já presente nas falas de todos os narradores. “Conversas dentro de conversas” – poderíamos dizer. Não apenas um filme “de diálogo”, mas um filme “sobre o diálogo” como forma de se relacionar com o mundo e de contá-lo. Fico pensando no quanto esse dialogismo era e é inspirador. Lembrando da conversa entre Coutinho e Pierre Sanchis naquela sessão... e do quanto conversamos sobre esse filme e sobre outros filmes. Coutinho voltou, para outras conversas – sobre Edifício Master, sobre O Fim e o Princípio... Lembrando dele, evoco as boas visitas que tivemos – aqueles que vieram para conversar, conosco e com os filmes. Jean-Louis Comolli e Moi, un Noir. Aloysio Raulino e O Prisioneiro da Grade de Ferro (Auto-Retratos). JeanClaude Bernardet e Os Catadores e a Catadora... É bom pensar que o patrimônio deste festival são camadas e mais camadas de conversas, a maioria delas jamais registradas, patrimônio leve feito o ar. De vez em quando, contando caso, lembramos de algum fragmento. Pois deixo aqui esse pequeno caco, para (quem sabe?) ajudar a compor nosso edifício felizmente precário, “sempre em preparativos”.
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Uma comunidade menor Oswaldo Teixeira Daniel Ribão O vento está prestes a encontrar-se com as folhas das árvores. Paradas ali, duas pessoas aguardam o movimento.
- Para nele estar ainda mais acordado.
- Fazer um festival não é fazer um filme.
- Mas não sejamos tão rápidos. Não falo apenas de uma reunião de filmes, mas de uma comunhão de desejos.
- Certamente mobiliza outros esforços, outros afetos... - Mas todos numa mesma direção. Os filmes são feitos para nos mostrar o mundo. Os festivais, para nos mostrar os filmes. - É tudo cinema!
- É esta, pois, a função de um festival: fazer com que os filmes adormeçam o mundo.
- E então do fato de que não é um festival feito por mera simpatia política ou estética, mas o resultado de longas (quase intermináveis) discussões políticas e estéticas. - Precisamente o que falta à televisão, não te parece?
- O que chamamos, nós, de cinema? - Tomado ao pé da letra é uma imagem do mundo em que vivemos. Se eu te mostro o ABC da greve, por exemplo, você diz: é o Lula. - Então tomemos o cinema ao pé da letra e digamos: as pessoas dormem de noite; o cinema é o único lugar em que se dorme de olhos abertos, no escuro.
- É possível ainda que nela não falte nada... Mas, ao contrário, haja mesmo um excesso. Excesso de profissionalismo, triste até, que priva aqueles que a realizam de seus desejos. - O que quero dizer é isso: há imagens, há filmes, há muitos festivais que parecem não terem sido feitos por ninguém, embora certamente contem com a colaboração de várias pessoas.
- Então o cinema é o sonho. - Há portanto alguma vantagem em ser menor... - Mas não um sonho particular, menos ainda um sonho privado. Há aí algo de coletivo.
- Sim, nós ainda sorrimos.
- A tal ponto que quem entra junto no cinema é tocado por esse estranho poder de fazer o mundo dormir.
- Mas talvez não haja nisso mérito algum, apenas uma necessidade. 13
- O que, em si, cria uma comunidade ínfima, minúscula. - Ou ainda a amizade, os bons encontros... - Uma comunidade sem importância nenhuma, a nossa comunidade. - Que se realiza há dez anos. Consegue imaginar um outro mundo assim? - Não é questão de imaginar. Mas de ver. - Ninguém vê a nossa fogueira. - Pouco importa, vamos fazê-la. - Há mais fogueiras do que estrelas. - Ver é também uma questão de crença, amigo. Imaginar, de imagens... Vê esta fraternidade entre o documentário e a ficção? - Jogue as brasas. - Tem razão. Não vamos deixar que ela se apague. - Tenho pois de confessar que raramente vou ao cinema e que isso não se deve apenas às más condições de visionamento dos filmes. - Deve-se então ao quê? - A uma pergunta que me faço: o que ainda podemos dizer antes ou depois de um filme? - Por exemplo: que queremos assisti-lo com a mesma alegria com que se encontra um amigo. 14
- Eu e você? - Olha para o simples pretexto da sua felicidade: não te parece que ainda estamos todos aqui, antes e depois de um filme? - Passemos.
Retrospectiva catálogos forumdoc transcrito de Ruben Caixeta As passagens que seguem foram retiradas dos catálogos de edições anteriores do forumdoc.bh [os trechos foram escolhidos pelos organizadores do catálogo] Uma das grandes questões hoje em dia é favorecer ou ajudar a difundir estas práticas (antes ditas ´artísticas´) que estão fora do mercado. Há todo um combate difuso e complexo para ser levado a cabo no seio da dominação sem partilha do mercado mundial: criar ilhas utópicas não mercantis, práticas que não sejam determinadas pelo pensamento do mercado. (Jean-Louis Comolli) Um. “Comunicação intercultural, conflitos étnicos e sociais, paisagens rurais e urbanas... Novos desafios, novos olhares, a câmera passando para as mãos daqueles que até aqui estavam à frente dela. Antropologia, Cinema e Vídeo para instigar o pensamento e provocar um deslocamento do olhar.” (apresentação, 1997) Dois.1998: edição esgotada, exemplares desaparecidos. Três. “Nascia então um projeto que buscava unir produção, crítica e divulgação da experiência de realização deste gênero cinematográfico. Diluir as fronteiras entre ficção e documentário foi, desde o início nosso propósito, pois, para colocar os pontos sobre os ‘is’ e falar como Jean-Luc Godard, ‘todos os grandes filmes de ficção tendem ao documentário e todos os grandes documentários tendem à ficção... E
quem escolher para valer um deles, achará necessariamente o outro ao final do caminho.’ [...] Não concebemos e não queremos compartilhar cinema e vídeo como apresentação, reprodução, registro ou memória de uma ‘realidade exterior’ (...) O que queríamos? Apostar que a imagem captada pela câmera de um Flaherty, Vertov, Jean Rouch, Orson Welles, Luis Buñuel, Glauber Rocha, Artur Omar, Eduardo Coutinho, Licínio Azevedo, Vincent Carelli e outros grandes realizadores revelam aquilo que tantas sociedades indígenas concretizam em suas obras de arte: vida cotidiana e sonhos, sociedade e cosmologia, rito e mito, objeto e sujeito, coisas e signos, homo sapiens e homo demens não existem e não são fabricados separadamente. Aliás, Les Maîtres Fous de Jean Rouch já nos revelou isso há muito tempo.” (apresentação, 1999) Quatro. “...optamos por selecionar os títulos menos conhecidos e que enfatizam de forma rigorosa a relação estreita entre etnologia e cinema, o desejo de conhecer e penetrar no mundo do outro, das suas paisagens sonoras e corporais, ouvir esse outro, dar a ele a palavra, mas também tomá-lo para construir um objeto de conhecimento e arte: o filme etnográfico.” (mostra Jean Rouch-Dieterlen, 2000) Cinco. “O estrangeiro só vê o que sabe”, provérbio de Gana, citado por Jean Rouch. “Chegamos em 2001 à Quinta edição do festival do filme documentário e etnográfico de Belo Horizonte (forumdoc.bh), queremos crer, mais plural, mais local e mais mundial; mais política, mais forte, mais resistente, mais 15
combativa, sem, contudo, evidentemente perder a ternura. De 1997 para cá, aprendemos melhor a encarar nosso inimigo? Olhamos para ele de forma diferente? Aprendemos a filmá-lo? Ao filmá-lo, ele se enfraqueceu e deixou revelar – nas brechas de seu poder entre seus tentáculos, nas bordas, nas periferias – um outro olhar e uma outra voz? Mas quem é esse inimigo? Ah! Ele é tão forte e tão onipresente para ser nomeado! Ele aparece indivisível (ou invisível) nos roteiros, nos programas (nas linguagens da televisão, da estatística, do cálculo, da bolsa de valores, das pesquisas de opinião, da publicidade, da metereologia, do comércio, da genética, da informática) que se instalam em todo o lugar para agir (e pensar) em nosso lugar, eles se querem globais, e são totalizantes, senão totalitários. Contra esse inimigo, situa-se a linguagem do filme documentário, do anti-roteiro, aberto à presença do imprevisível, daquilo que resta, resta do que é dominante, resiste. Um documentário que não tem medo dos vazios, dos longos planos inacabados, não tem medo da escória, da parte maldita.” (apresentação 2001) Seis. “Quem acompanha o forumdoc.bh desde sua primeira edição (1997), já deve ter percebido o quanto o plano sequência nos diz respeito. Qual a razão dessa predileção? É que nele cremos haver uma maior possibilidade de passar o risco do real e da vida cotidiana e não as vontades (fantasias, projetos, idéias, roteiros) de um artista intelectual dominado pelo desejo e tantas razões utilitárias e estéticas que só seu pequeno mundo pode revelar. Mundo tão pequeno que cabe num quadro, num fragmento de imagem, numa música, numa voz off, que anuncia o outro para falar dele mesmo, do seu lugar, do seu ponto, longe de qualquer linha de fuga.” (apresentação 2002) 16
Sete. “Gostaríamos de terminar esta apresentação dizendo que o forumdoc.bh não tem uma receita do que seja o filme documentário e etnográfico. Um primeiro e único plano pode ser o que representa de forma mais sublime e singular o corpo e o espírito de um povo ou de um lugar. Mas, como toda boa etnografia, todo filme etnográfico com pretensão de se tornar uma obra de arte e de ciência exige cumplicidade das pessoas filmadas, exige paciência e respeito para com o que se apresenta na frente da câmera. Depois destas premissas, podemos até filmar e contar as histórias dos outros para falar de nossa própria história. Às vezes, essas histórias contadas são nossas, isto é, a minha e a das pessoas observadas, por serem criadas exatamente quando filmadas. Às vezes não são nem a nossa história e nem as histórias das pessoas filmadas, mas aquelas de outras pessoas [ausentes do quadro] de outros lugares e tempos. Enfim, esperamos que o espectador, ao ver os filmes, invente sua(s) própria(s) história(s) e, porque não, as outras histórias possíveis deste cinema que resiste.” (apresentação 2003) Oito. “Acreditamos que a motivação para o forumdoc.bh chegar a sua oitava edição deve-se muito ao ideal de Jean Rouch, que se conecta a outros pensadores e cineastas. Ao citá-los, reconstruímos um pouco de nossa história e de nossa rebelde filiação. Jean Rouch cita Georges Sadoul que cita Dziga Vertov e anuncia desde então, aquilo que nos leva hoje em dia a apostar nas potencialidades do filme documentário: ‘nós pensamos ter o direito de não somente fazer filmes de grande consumo, mas também fazer filmes que não se esgotam neles, filmes que engendram outros filmes.’ Poderíamos citar Jean Louis Comolli: ‘essa coisa que nós chamamos cinema não seria mais, e certamente jamais será, redutível à coleção de filmes como obras, tão monumentais
fossem elas, mas, ao contrário, se daria como uma espécie de potência, algo brilhante, ou melhor, difuso e surdo, uma fonte, uma radiação, uma magia fulgurante ou frágil, disseminada em inúmeras práticas e inúmeros filmes, isto é, fragmentos de filmes produzidos por essas práticas.’ ” (apresentação 2004) Nove. “Por outro lado, ao contrário do que se pensa sobre o documentário, ele não tem nada a ver com o jornalismo e com a produção de informação que se quer verdadeira, mas tem a ver com as histórias antigas que se querem mágicas. Citamos Benjamin, pra que tudo fique claro: ‘a informação aspira a uma verificação imediata. Antes de mais nada, ela precisa ser compreensível em si e para si’. Muitas vezes não mais exata que os relatos antigos. Porém, enquanto esses relatos recorriam frequentemente ao miraculoso, é indispensável que a informação seja plausível. Nisso ela é incompatível com o espírito da narrativa. Se a arte da narrativa é hoje rara, a difusão da informação é decisivamente responsável por esse declínio. Nos parece evidente, pois, que o documentário jamais pode ser aliado da informação, da razão, porém, não é também um aliado restrito das experiências subjetivas em-si-mesmadas. Deixamos a cargo do leitor e do espectador a tarefa de descobrir o seu próprio caminho na programação do forumdoc.bh” (apresentação 2005)
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Serras da Desordem Andrea Tonacci Carapirú é um índio nômade, que após ter seu grupo familiar massacrado num ataque surpresa de fazendeiros, consegue escapar e, durante 10 anos, perambula sozinho pelas serras do Brasil central até ser capturado em Novembro de 1988 a 2 mil quilômetros de distância do seu ponto de fuga/partida. Levado para Brasília pelo sertanista Sydney Possuelo, em uma semana torna-se manchete nacional e centro da polêmica criada por antropólogos e lingüistas quanto à sua origem e identidade. Carapirú tem grande dificuldade em movimentar-se e viver no ambiente urbano mas, auxiliado por pessoas que cuidaram dele desde os primeiros dias após a sua captura no sertão da Bahia com Goiás, consegue passar do atemporal anonimato da selva à curiosa notoriedade nacional. Sua identificação como Guajá ocorre pelo intermédio casual de um jovem índio, intérprete, órfão de 18 anos, cujo destino naquele momento tinha-o novamente reunido ao sertanista que 10 anos antes o resgatara, ainda menino, dos maus tratos de um fazendeiro. O destino surpreende a todos novamente. O índio recém trazido para Brasília e o jovem intérprete reconhecem-se pai e filho, ambos sobreviventes do massacre de 10 anos antes, ambos acreditando-se mutuamente mortos. O filho leva seu pai para o posto e aldeia indígena onde vive com a família, mas a vida na comunidade maior, com todas as alterações provocadas pelos anos de convivência com o mundo dos brancos, não está mais de acordo com a vivência da liberdade nômade de Carapirú.
Trata-se de uma investigação sobre nós mesmos, diante da necessidade de adaptação imediata às radicais mudanças impostas pelo forçado encontro de humanidades diferentes em suas diferentes percepções de tempo, espaço, responsabilidade e valores. A possibilidade de expor a hipocrisia relativa dos conceitos de moral, justiça e ética, quando o homem como processo de conhecimento deixa de ser a condição/razão direta da experiência, existência. Enfim, talvez contribuir para desmistificar o mito do choque cultural como algo resultante de parâmetros de distância no tempo ou no espaço, ou de diferentes padrões econômicos ou concepções filosóficas, mostrando como a adaptação humana não seria um problema, pois é espontaneamente natural, não fosse a agressividade intencional do critério de qualidade, concepção e normas de vida que a sociedade mais desenvolvida tecnologicamente determina e impõe à outra como forma de crescimento e conhecimento. O projeto deve ser visualizado como a ficção documental de uma investigação filmada do encontro de duas humanidades distintas, de duas linguagens, que procura, pela intenção do olhar e com a montagem, desmaterializar, confundir, diluir na narrativa, a linha divisória destas duas humanidades, ou entre a ficção e o documentário, entre a realidade e a representação, para tentar chegar na essência comum.
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The Hills of Disorder Andrea Tonacci Tradução: Bruna Di Gioia
Carapiru is a nomad indigenous man that after having his family group massacred in a surprise assault by farmers escapes and wonders alone for ten years though mountains of central Brazil, until being captured in November 1988, 2.000 kilometers away from the start of his journey/escape. Taken to Brasilia by backlander Sydney Possuela, in one week he is all Brazilian newspapers’ headlines and becomes the centre of a quarrel proposed by anthropologists and linguists about his origin and identity. Carapiru has great difficulty moving and living in an urban environment but, helped by people who took care of him from the early days from his imprisionment in the backlands of Bahia and Goiás, he manages to move from the woods’ timeless anonymity to the curious national fame. His identification as a Guajá occurs with the casual help of a young indigenous, an interpreter, eighteen-year-old orphan, whose destiny would reunite him at that moment to the backlander he saved as a boy ten years earlier from a farmer’s abuse. Fate surprises everyone once more. The indigenous recently brought to Brasilia and the young interpreter recognize each other as father and son, both survivors of the massacre ten years earlier, both believing the other to be dead. The son takes the father to the indigenous village where he lives with his family, but the life in a bigger community, with all the changes provoked by the many
years living with the “white man world” does not go along the experience of freedom lived by the nomad Carapiru. This is an investigation about us, before the need to immediately adapt to radical changes imposed by the forced encounter of different mankinds in their different notions of time, space, responsibility and values. The possibility to expose the hypocrisy relative to the concepts of moral, justice and ethics when the man as a knowledge process stops being the direct condition/reason of experience, existence. Finally, maybe an attempt to contribute to demystifying the cultural shock myth as a result of parameters of difference in time or space, or different economic patterns or philosophical conceptions, showing how human adaptation should not be a problem, once it is spontaneously natural, if it was not for the intentional aggression in the criteria of quality, conception and rules of life that the most technologically developed society determines and imposes the other as a way of growth and knowledge. This project must be seen as a documental fiction of an investigation of the filming of the encounter of two different mankinds, of two languages, seeking, though the intention of the gaze and through the editing, to dematerialize, to confuse, to dilute in the narrative, the borderline between these two mankinds, or between fiction and documentary, between reality and representation, in order to try to achieve the common essence. 23
Serras da esordem The Hills of Disorder Brasil, 35mm/ vídeo digital, cor-p&b, 135 min., 2005 realização realization : Andrea Tonacci imagens camera : Aloysio Raulino, Alziro Barbosa, Fernando Coster montagem editing : Cristina Amaral som sound : Valéria Martins Ferro, René Brasil contato contact : extremart@extremart.com.br
SESSÃO COMENTADA por Aloysio Raulino (diretor de fotografia) e Cristina Amaral (montadora)
cine humberto mauro
17 nov 18h30 25
Breve biografia de Timothy Asch
Tradução: Bruna Di Gioia
Timothy Asch, professor de Antropologia e diretor do Centro de Antropologia Visual da Universidade do Sul da Califórnia, morreu em Los Angeles em 3 de Outubro de 1994 depois de uma longa doença. Ele nasceu em 16 de Julho de 1932 em Southampton, Nova Iorque, e estudou na Putney School. Foi aprendiz dos fotógrafos Minor White, Edward Weston e Ansel Adams. Depois de servir no conflito com a Coréia, graduou-se na Universidade de Columbia em 1959 com Bacharelado em Antropologia e depois fez seu mestrado no Programa de Estudo Africanos da Universidade de Boston. Enquanto estudava na Universidade de Columbia, trabalhava como monitor de Margaret Mead, que foi responsável por seu interesse no uso potencial de mídias visuais para o ensino. Esta se tornou sua paixão e carreira por toda a vida. Asch começou sua carreira em cinema etnográfico trabalhando de 1959 a 1962 como editor dos filmes sul-africanos de John Marshall no Peabody Museu de Harvard. Durante a década de 1960, trabalhou na documentação de experimentos educacionais que levaram o primeiro curso de antropologia para escolas primárias, conhecido como “Homem: um estudo em Curso”, inspirado por Jerome Bruner. Em 1968, e novamente em 1971, Asch juntou-se a Napoleon Chagnon na Venezuela para filmar os indígenas ianomâmi. Os filmes realizados em colaboração foram usados em salas de aula de universidades em todo o mundo e ganharam inúmeros prêmios. A energia e o entusiasmo de Tim em encorajar educadores a usar filmes contribuiu
para uma mudança pedagógica da exibição dos filmes para sua incorporação à educação como parte de aulas e trabalhos de roteiros de estudos. Desde 1975, Tim Asch trabalhou em parceria com sua mulher, Patsy Asch, na colaboração com antropólogos no Afeganistão, Indonésia e outros lugares, criando um conjunto de filmes etnográficos usados amplamente na educação e pesquisa. Seus filmes receberam inúmeros prêmios internacionais, mais recentemente o Grand Prix du Bilan, dado pelo Comitê do Filme Etnográfico do Museu do Homem em Paris. Nos últimos dois anos, os filmes de Tim tem sido exibidos em inúmeros festivais internacionais, incluindo o Festival di Populi, os encontros anuais da Associação Americana de Antropologia, os encontros anuais da Associação Australiana de Antropologia, e a Conferência de Filmes Etnográficos em Manchester. Grandes retrospectivas do seu trabalho aconteceram no ano passado no Dritte Welt Film Forum em Friburgo, e no Festival Margaret Mead em Nova Iorque e Los Angeles. Timothy Asch ensinou Antropologia Visual na Universidade Brandeis desde 1967, depois em Harvard e na NYU. Em 1976, foi para a Escola de Estudos Avançados da Universidade Nacional da Austrália como pesquisador sênior e retornou aos Estados Unidos em 1982 para unir-se à equipe da Universidade do Sul da Califórnia (USC) onde ele trabalhou por 10 anos como diretor do Centro de Antropologia Visual. Sob sua direção e em colaboração com as Escolas de Cinema e Televisão e de Jornalismo, o Centro de 29
Antropologia Visual da USC criou um programa único de pós-graduação com ênfase tanto em mídias visuais quanto em textos como componentes de uma tese academicamente embasada. Nos anos recentes, Asch sentiu necessidade de colaborar com antropólogos venezuelanos para ensinar aos yanomâmi como lidar e manter seu próprio equipamento de vídeo para transmitir sua cultura e perspectiva a demais sociedade venezuelana e ao mundo.
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Short biography of Timothy Asch
Timothy Asch, Professor of Anthropology and Director of the Center for Visual Anthropology at the University of Southern California, died in Los Angeles on October 3, 1994 after a lengthy illness. He was born July 16, 1932 in Southampton, New York and was educated at the Putney School, then served apprenticeships with still photographers Minor White, Edward Weston and Ansel Adams. After ser-vice during the Korean conflict, he graduated from Columbia University in 1959 with a B. S. in Anthropology and later received an M.A. from Boston University’s African Studies Program. While studying at Columbia University, he worked as a teaching assistant for Margaret Mead who got him interested in the potential use of visual media for instruction. This became his life-long passion and career. He began his career in ethnographic film by working 1959-62 as an editor on John Marshall’s South African films at Harvard’s Peabody Museum. During the 1960’s he worked on documenting the educational experiments that led to the first anthropology curriculum for elementary schools, known as Man: A Course of Study, inspired by Jerome Bruner. In 1968, and again in 1971, Asch joined Napoleon Chagnon in Venezuela to film the Yanomami Indians in Venezuela. The films they made collaboratively have been used in university classrooms throughout the world and have won numerous prizes and awards. Tim’s energy and enthusiasm in encoura ging educators to use film contributed to a pedagogical shift from merely showing films to incorporating them into instruction as part of lectures and class assignments of written study guides.
Beginning in 1975, he worked in partnership with his wife, Patsy Asch, to collaborate with anthropologists in Afghanistan, Indonesia, and elsewhere, creating a body of ethnographic films widely used for education and research. Their films have won numerous international awards, most recently the Grand Prix du Bilan awarded by the Comité du film ethnographique at the Musée de l’Homme in Paris. In the past two years, Tim’s films have been shown at numerous international festivals, including the Festival di Populi, the American Anthropology Association annual meetings, the Australian Anthropological Association annual meetings, and the Manchester Ethnographic Film Conference. Major retrospectives of his work were featured last year at the Dritte Welt Film Forum in Freiburg and at the Margaret Mead Festival in New York and Los Angeles. Timothy Asch taught visual anthropology at Brandeis University beginning in 1967, then at Harvard and NYU. In 1976 he went as a senior research fellow to the Australian National University’s School of Advanced Studies, then returned to the USA in 1982 to join the faculty at the University of Southern California where he served for ten years as Director of the Center for Visual Anthropology. Under his direction and in collaboration with the Schools of Cinema-Television and Journalism, the USC Center for Visual Anthropology created a graduate anthropology program unique in its emphasis on both visual media and written texts as components of an academically grounded thesis. In recent years, Asch felt it important to collaborate with Venezuelan anthropologists to teach the 31
Yanomami how to handle and maintain their own video equipment and to provide ongoing support. He hoped to encourage the Yanomami to use media to convey their culture and perspective to the rest of Venezuelan society and the wider world.
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Dodoth Morning
Arrows
The Ax Fight
EUA/Uganda, 16mm, cor, 20 min., 1961
EUA/Venezuela/Brasil, 16mm, cor, 10 min., 1974
EUA/Venezuela/Brasil, 16mm, cor, 30 min., 1975
realização realization : Timothy Asch imagens camera : Timothy Asch montagem editing : Judith e David MacDougall som sound : Anne Fischel
realização realization : Timothy Asch e Napoleon Chagnon imagens camera : Arri B L montagem editing : Lorenzo Saltzman som sound : Craig Johnson
realização realization : Timothy Asch e Napoleon Chagnon imagens camera : Timothy Asch montagem editing : Paul E. Bugos Jr. som sound : Craig Johnson
“Dodoth morning” foi o primeiro filme do cineasta Timothy Asch. Foi filmado no nordeste da Uganda em 1961, ano em que o excesso de chuva ameaçou a colheita. Um povo essencialmente pastor, os Dodoth dependiam de seus rebanhos de gado para obter comida e garantir sua saúde.
Um grupo de meninos envolve-se numa briga de flechas na limpeza da aldeia. Eles atiram flechas cegas, praticando sua pontaria e aprendendo a desviar-se de arremessos.
No segundo dia da estadia de Chagnon e Asch na aldeia Mishimishimabowei-teri em 1971, uma briga acontece. O conflito aconteceu entre aldeões de Mishimishimabowei-teri e visitantes de outra aldeia. Somos lembrados da tensão entre a necessidade de realizar um filme de fluência suave e um documento informativo, mantendo ainda a integridade do acontecimento.
“Dodoth morning” was the first film by the pioneering filmmaker Timothy Asch. Shot in northeast Uganda in 1961, a year when too much rain threatened to rot the millet the Dodoth people grew to supplement their diet. Primarily a pastoral people, the Dodoth depended on their herds of oxen for food and to determined wealth.
A group of boys engages in an arrow fight in the village clearing. They shoot blunt arrows, practicing their aim and learning to dodge the shots.
A fight broke out in Mishimishimabowei-teri on the second day of Chagnon and Asch's stay in this village in 1971. The conflict developed between the villagers of Mishimishimabowei-teri and their visitors from another village. We are reminded of the tension between the need to produce a smoothly flowing film and an informative document while maintaining the integrity of the event.
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22 nov 17h
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22 nov 9h30 28 nov 17h
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28 nov 19h
Bride Service
Children's Magical Death
Climbing the Peach Palm
EUA/Venezuela/Brasil, 16mm, cor, 10 min., 1975
EUA/Venezuela/Brasil, 16mm, cor, 7 min., 1974
EUA/Venezuela/Brasil, 16mm, cor, 9 min., 1974
realização realization : Timothy Asch e Napoleon Chagnon imagens camera : Timothy Asch montagem editing : Jean Carroll, Paul E. Bugos Jr., Peter Spier som sound : Craig Johnson
realização realization :Timothy Asch e Napoleon Chagnon imagens camera : Arri B L montagem editing : Lorenzo Saltzman som sound : Craig Johnson
realização realization : Timothy Asch e Napoleon Chagnon imagens camera : Arri B L montagem editing : Anne Fischel som sound : Craig Johnson
Nesta crônica da vida diária, o filho de Dedeheiwa retorna da caça e traz um peru selvagem numa cesta de frutas para o seu padrasto. O filme fornece material para examinar os papéis sexuais dos yanomâmi, divisão de trabalho e obrigações familiares.
Fingindo ser xamãs, um grupo de meninos imita seus pais, soprando cinzas dentro dos narizes uns dos outros e cantando para os espíritos hekura.
A engenhosidade da tecnologia yanomâmi é revelada na estrutura usada para escalar o tronco espinhento da pupunheira. Aqui, um jovem apanha o fruto para seus padrastos usando duas armações, cada uma construída com duas estacas entrelaçadas. Enquanto ele se eleva com uma armação, levanta (ou abaixa) a outra, na qual pisa cuidadosamente, continuando assim subindo (ou descendo) a árvore.
In this vignette from daily life, Dedeheiwa's son returns from hunting and brings a wild turkey and a basket of fruit for his father-in-law. The film provides material for examining Yanomamo sex roles, division of labor, and obligations within the family.
Pretending to be shamans, a group of young boys imitates their fathers, blowing ashes into each other's noses and chanting to the hekura spirits.
The ingenuity of Yanomamo technology is revealed in the climbing frame used to scale the spiny trunk of the peach palm tree. Here a young man collects the fruit for his in-laws by means of two frames, each constructed of two crisscrossed poles. As he perches on one frame, he raises (or lowers) the other, onto which he carefully steps, continuing in this manner up (or down) the entire tree.
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A Father Washes His Children
The Feast
Tug-of-war, Yanomamo
EUA/Venezuela/Brasil, 16mm, cor, 15 min., 1974
EUA/Venezuela/Brasil, 16mm, cor, 29 min., 1970
EUA/Venezuela/Brasil, 16mm, cor, 9 min., 1975
realização realization : Timothy Asch e Napoleon Chagnon imagens camera : Arri B L montagem editing : Anne Fischel som sound : Craig Johnson
realização realization : Timothy Asch e Napoleon Chagnon
realização realization : Timothy Asch e Napoleon Chagnon montagem editing : Lorenzo Saltzmann e P. Emery Bugos Jr. som sound : Craig Johnson
Dedeheiwa, um xamã e líder em sua aldeia, leva nove de seus filhos e netos ao rio onde os banha cuidadosa e pacientemente. Este filme, assim como “A man and his wife weave a hammock” e “Weeding the garden”, revela a cordialidade e gentileza típicas de vários tipos de interação yanomâmis.
Os banquetes yanomâmi são eventos cerimoniais, sociais, econômicos e políticos. São ocasiões para os homens adornarem seus corpos com tinta e penas; para exibir sua força em danças e agressões ritualísticas; para estabelecer ou afirmar sociedades de troca; e ainda para criar e testar alianças. No banquete filmado em 1968, os Patanowa-teri convidaram os Mahekodo-teri para sua aldeia.
O lado brincalhão do cotidiano dos yanomâmi é mostrado num dia durante a estação das chuvas, quando mulheres e crianças da aldeia brincam de cabo-de-guerra.
Dedeheiwa, a shaman and headman in his village, takes nine of his children and grandchildren to the river where he washes them carefully and patiently. This film, like “A Man and His Wife Weave a Hammock” and “Weeding the Garden”, reveals the warmth and gentleness typical of many kinds of Yanomamo interactions.
Yanomamo feasts are ceremonial, social, economic, and political events. They are occasions for men to adorn their bodies with paint and feathers, to display their strength in dance and ritualized aggression; for trading partnerships to be established or affirmed; and for the creation or testing of alliances. In the feast filmed in 1968, the Patanowa-teri had invited the Mahekodo-teri to their village.
The playful side of Yanomanmo life is shown on a day during the rainy season when women and children of the village play a game of tug-of-war.
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21 nov 11h 28 nov 19h
29 nov 9h30 28 nov 19h
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21 nov 17h
Jaguar: A Yanomamo Twin Cycle Myth As Told by Daramasiwa
Magical Death/Yanomamo
A Man Called "Bee": Studying The Yanomamo
EUA/Venezuela/Brasil, 16mm, cor, 22 min., 1976
EUA/Venezuela/Brasil, 16mm, cor, 29 min., 1973
EUA/Venezuela/Brasil, 16mm, cor, 40 min., 1974
realização realization : Timothy Asch e Napoleon Chagnon imagens camera : Timothy Asch montagem editing : Paul E. Bugos Jr. som sound : Craig Johnson
realização realization : Timothy Asch e Napoleon Chagnon imagens camera :Napoleon Chagnon montagem editing : Craig Johnson som sound : Craig Johnson
realização realization : Timothy Asch e Napoleon Chagnon imagens camera : Timothy Asch montagem editing : Frank Galvin som sound : Craig Johnson
A riqueza da mitologia yanomâmi é novamente revelada neste filme (compare “Monblood” e ambos os “mitos de Naro”) assim como a marcante habilitante de outro contador de histórias yanomâmi. O mito neste caso é o da onça, uma figura proeminente em toda a mitologia indígena sul-americana. Este filme, juntamente com aqueles dos mitos do Naro e da Sangria da Lua, sugere reflexões sobre a natureza da performance e da comunicação na cultura yanomâmi.
O xamã tem um papel vital na sociedade yanomâmi, pois é ele quem chama, comanda e é frequentemente possuído por espíritos ou hekura. “Como uma miríade de borboletas brilhantes dançando no céu”, os hekura descem trilhas invisíveis desde os topos das montanhas onde são convocados. Um xamã poderoso como Dedeheiwa, que é conhecido mesmo em aldeias distantes, manipula não somente os espíritos das montanhas como também aqueles que vivem em seus próprios corpos.
Este é um dos poucos filmes etnográficos em que o antropólogo aparece como um dos temas, e como tal é uma introdução vívida à natureza do trabalho de campo. Napoleon Chagnon, que viveu com os yanomâmi ao longo de um período de 8 anos, aparece em vários papéis como “pesquisador de campo”: entrando numa aldeia armado com flechas e adornado com penas; bebendo café com o xamã Dedeheiwa, que conta o mito do fogo; pingando colírio nos olhos de um bebê e aceitando em troca uma cura do xamã para sua própria doença.
The richness of Yanomamo mythology is again revealed in this film (compare “Moonblood” and both Myths of Naro), as is the remarkable skill of another Yanomamo storyteller. The myth in this case is that of Jaguar, a prominent figure throughout South American Indian mythology. This film, together with the films of the Naro and the Moonblood myths, suggests reflections on the nature of performance and communication in Yanomamo culture.
The shaman plays a vital role in Yanomamo society, for it is he who calls, commands, and often is possessed by spirits, or hekura. "Like myriad glowing butterflies dancing in the sky," the hekura come down invisible trails from the mountain tops when they are summoned. A powerful shaman such as Dedeheiwa, who is known even in distant villages, manipulates not only the spirits of the mountains but also those that live within his own body.
This is one of the few ethnographic films in which the anthropologist appears as one of the subjects, and as such it is a lively introduction to the nature of fieldwork. Napoleon Chagnon, who lived among the Yanomamo over a period of eight years, is shown in various roles as"fieldworker:" entering a village armed with arrows and adorned with feathers; sharing coffee with the shaman Dedeheiwa who recounts the myth of fire; dispensing eyedrops to a baby and accepting in turn a shaman's cure for his own illness.
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28 nov 17h
21 nov 17h
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Moonblood: A Yanomamo Creation Myth as told by Dedeheiwa
A Man and His Wife Weave a Hammock
Myth of Naro by Kaobawã
EUA/Venezuela/Brasil, 16mm, cor, 14 min., 1976
EUA/Venezuela/Brasil, 16mm, cor, 12 min., 1975
EUA/Venezuela/Brasil, 16mm, cor, 22min., 1975
realização realization : Timothy Asch e Napoleon Chagnon imagens camera : Timothy Asch montagem editing : Paul E. Bugos Jr. som sound : Craig Johnson
realização realization : Timothy Asch e Napoleon Chagnon imagens camera : Arri B L montagem editing : Anne Fischel som sound : Craig Johnson
realização realization : Timothy Asch e Napoleon Chagnon imagens camera : Timothy Asch montagem editing : Napoleon Chagnon, Timothy Asch, Craig Johnson, Paul E. Bugos Jr. som sound : Craig Johnson
Neste mito, os yanomâmi fundamentam a criação dos seres humanos e sua ferocidade. O mito é contado pelo xamã Dedeheiwa.
Um líder da aldeia, Moawa, balança uma rede de algodão enquanto sua mulher balança em sua própria rede, tocando sua perna ocasionalmente num gesto de amor. Ela o vê e provoca-lhe enquanto brinca com seu filho.
O mito narra a história de Naro, o Feio, e a inveja que sente de seu irmão yanomâmi, que é belo e perfumado, e possui duas mulheres. Por desejá-las, Naro mata seu irmão, lançando sobre ele feitiços mágicos e este é então morto por um terceiro irmão e vários ancestrais. Essa é a origem da magia negra.
In this myth, the Yanomamo account for the creation of human beings and for their ferocity. The myth is told by the shaman Dedeheiwa.
A village headman, Moawa, weaves a cotton hammock while his wife swings in her own hammock, occasionally touching his leg in a loving gesture. She watches and teases him while playing with their baby.
The myth concerns the jealousy of Naro the Ugly toward his brother Yanomamo, who is fragant and beautiful and has two wives. Desiring the women, Naro kills his brother by blowing magical charms, and is eventually killed by a third brother and a variety of ancestors. This is the origin of harmful magic.
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21 nov 17h
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21 nov 11h 28 nov 19h
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Myth of Naro as Told by Dedeheiwa
New Tribes Mission
Ocamo is My Town
EUA/Venezuela/Brasil, 16mm, cor, 22 min., 1975
EUA/Venezuela/Brasil, 16mm, cor, 12 min., 1975
EUA/Venezuela/Brasil, 16mm, cor, 23 min., 1974
realização realization : Timothy Asch e Napoleon Chagnon
realização realization : Timothy Asch e Napoleon Chagnon imagens camera : Arri B L montagem editing : Lorenzo Saltzman som sound : Craig Johnson
realização realization : Timothy Asch e Napoleon Chagnon imagens camera : Arri B L montagem editing : Michael Scott som sound : Craig Johnson, Anne Fischel
O filme mostra uma versão de um mito, diferente do mesmo Mito de Naro contado por Kaobawa, com detalhes narrativos e também no estilo individual do contador. O mito trata do ciúme de Naro, o feio, por seu irmão Yanomâmi, que é cheiroso e belo e tem duas esposas. Desejando as mulheres, Naro mata seu irmão soprando magias e é morto eventualmente por um terceiro irmão e uma variedade de ancestrais. Esta é a origem da magia negra.
A missão em Bisaasi-teri tem um estilo e orientações bem diferentes das missões salesianas mostradas em “Ocamo is my town”. “New tribes mission” esteve nesta região desde os primórdios de 1950. Seu objetivo principal, a professora missionária no filme explica, é espiritual: trazer a mensagem de Jesus e salvação aos indígenas e ensiná-los a rejeitar falsos deuses, demônios e drogas.
O filme descreve o trabalho de um padre salesiano, Padre Cocco, que liderou a missão no rio Ocamo desde 1957. O objetivo da missão, ele explica, é suavizar o inevitável impacto da “civilização” nos yanomâmi desta região. “Batismo e monogamia podem esperar, diz o padre; o que é crucial é que os índios não sejam mais vistos como peças de museu, mas como seres humanos significantes na sociedade Venezuelana como um todo. Ao mesmo tempo, a cultura indígena yanomâmi precisa ser respeitada”.
This film presents a version of a myth, different from the same Myth of Naro as Told by Kaobawa in narrative detail and also in the individual raconteur's style. The myth concerns the jealousy of Naro the Ugly toward his brother Yanomamo, who is fragrant and beautiful and has two wives. Desiring the women, Naro kills his brother by blowing magical charms, and is eventually killed by a third brother and a variety of ancestors. This is the origin of harmful magic.
The mission in Bisaasi-teri has a style and orientation quite different from the Salesian mission shown in Ocamo is My Town. The New Tribes Mission has been in this region since the early 1950s. Their main goal, the missionary-teacher in the film explains, is spiritual: to bring the message of Jesus and salvation to the Indians, and to teach them to reject their false gods, demons, and drugs.
This film describes the work of an Salesian priest, Padre Cocco, who has headed a mission on the Ocamo River since 1957. The mission's goal, he explains, is to soften the inevitable impact of "civilization" on the Yanomamo of this area. Baptism and monogamy can wait, the priest says; what is crucial is that the Indians are no longer seen as museum pieces, but as significant human beings and citizens in the larger Venezuelan society. At the same time, indigenous Yanomamo culture must be respected.
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21 nov 17h
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22 nov 17h 39
Tapir Distribution
Weeding the Garden
A Balinese Trance Seance
EUA/Venezuela/Brasil, 16mm, cor, 15 min., 1975
EUA/Venezuela/Brasil, 16mm, cor, 14 min., 1974
EUA/Indonésia, 16mm, cor, 30min., 1979
realização realization : Timothy Asch e Napoleon Chagnon imagens camera : Timothy Asch montagem editing : Seth Reichlin, Paul Bugos som sound : Craig Johnson
realização realization : Timothy Asch e Napoleon Chagnon imagens camera : Arri B L montagem editing : Laurence, Anne Fischel som sound : Craig Johnson
realização realization : Timothy Asch e Linda Connor imagens camera : Timothy Asch e Linda Connor montagem editing : Patsy Asch som sound : Linda Connor
O conflito mostrado em “Ax fight” abalou a estabilidade política em Mishimishimabowei-teri. Vários dias após a briga, Moawa, o líder mais proe-minente da aldeia, mata uma anta e a oferece a seus irmão adotivos que formam um importante bloco político na aldeia. A oferenda do animal serve para reforçar a abalada aliança. O filme mostra como a carne é preparada, cozida e distribuída.
Dedeheiwa, o xamã, retira as ervas daninha de seu jardim de mandioca e limpa as folhas em torno de sua bananas. Cansado e dolorido, ele descansa enquanto é massageado e cuidado por sua mulher e numerosos filhos, com quem ele brinca afetuosamente.
A médium espírita, Jero Tapakan, dirige uma sessão em seu templo sagrado numa pequena aldeia em Bali.
The conflict shown in The Ax Fight disrupted the political stability in Mishimishimabowei-teri. Several days after the fight, Moawa, the most prominent headman in the village, killed a tapir and presented it to his brothers-in-law who comprise an important political bloc in the village. The gift of the animal served to reinforce his now shaken alliance with them. The film shows how the meat is prepared, cooked and distributed.
Dedeheiwa the shaman weeds his manioc garden and clears the leaves around his plantains. Tired and sore, he rests while he is massaged and groomed by his wife and numerous children, with whom he plays affectionately.
Spirit medium, Jero Tapakan, conducts a sence in her shrine house in a small, central Balinese village.
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28 nov 19h
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21 nov 11h 25 nov 17h
Jero on Jero
The Medium is the Masseuse: A Balinese Massage
Releasing the Spirits: A Village Cremation in Bali
EUA/Indonésia, 16mm, cor, 17min., 1980
EUA/Indonésia, 16mm, cor, 30 min., 1982
EUA/Indonésia, 16mm, cor, 43 min., 1979
realização realization : Timothy Asch, Linda Connor, Patsy Asch
realização realization : Timothy Asch e Linda Connor imagens camera : Timothy Asch e Linda Connor montagem editing : Patsy Asch som sound : Linda Connor
realização realization : Timothy Asch e Linda Connor
Em 1980, a antropóloga Linda Connor e os cineastas Tim e Patsy Asch retornam a Bali com os vídeos de Uma Sessão de Transe em Bali. Jero Tapakan, uma médium espírita, é convidada para assistir ao filme. O resultado, Jero por Jero, apresenta algumas de suas reações à Connor, no momento em que se vê e se ouve pela primeira vez.
Diferentemente de outras médiuns, Jero Tapakan é massagista a cada três dias, quando a possessão a espíritos não é auspiciosa. O filme enfoca o tratamento de Ida Bagus, membro da nobreza de uma cidade vizinha. Jero tem tratado seu cliente contra esterilidade e desmaios. Ela começa o tratamento neste dia com preparações religiosas e reunindo remédios tradicionais. O tratamento inclui uma massagem completa, administração de colírios, uma infusão e um creme especial para o tórax.
Ritos de cremação são os ritos de passagem mais elaborados dos nativos balineses. Famílias pobres chegam a esperar vários anos até acumular recursos suficientes para cremar seus mortos, que ficam enterrados durante a espera. Em 1978, ocorreram mais cremações do que o costume. Autoridades religiosas recomendaram que todos os balineses limpassem a ilha através da cremação de seus mortos, como parte das preparações para a grande cerimônia Besakih.
In 1980, anthropologist Linda Connor and filmmakers Tim and Patsy Asch returned to Bali with video cassette recordings of A Balinese Trance Seance. Jero Tapakan, the spirit medium, was invited to view the footage. The resulting film, Jero On Jero: A Balinese Trance Seance Observed, presents some of her reactions to Connor as she watched and listened to herself for the first time.
Unlike many spirit mediums, Jero Tapakan practices as a masseuse once every three days, when possession is not auspicious. This film focuses on Jero's treatment of Ida Bagus, a member of the nobility from a neighboring town. Jero has been treating her client for sterility and seizures. She begins work this day with religious preparations and the assembling of traditional medicines. Treatment includes a thorough massage, administration of eyedrops, an infusion, and a special paste for the chest.
Cremation rites are the most elaborate rites of passage performed by Balinese householders. Poor families may wait years before accumulating enough resources to cremate their dead, who are buried in the meantime. In 1978 many more cremations than usual were carried out. Religious officials recommended that all Balinese cleanse the island by cremating their dead, as part of the preparations for the great Besakih ceremony.
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22 nov 9h30 25 nov 17h
22 nov 17h
25 nov 17h 41
A Celebration of Origins EUA/Indonésia, 16mm, cor, 45 min., 1992 realização realization : Timothy Asch imagens camera : Timothy Asch montagem editing : Patsy Asch som sound : Patsy Asch Contato para os filmes desta mostra: www.der.org “A celebration of origins” é um retrato realístico de um ritual cosmogênico da Indonésia raramente performado... Para seu grande crédito, o filme evoca a contestada natureza do ritual. Demonstra como a performance ritualística implica em relações políticas delicadas baseadas em alianças pragmáticas, estimulando-se antipatias ou desenvolvendo-se invejas.
A Celebration of Origins is a realistic portrait of a rarely performed cosmogonic ritual in Indonesia.... To its great credit, A Celebration of Origins evokes the contested nature of ritual. It demonstrates how ritual performance implicates delicate political relationships based on pragmatic alliances, festering antipathies or developing jealousies.
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22 nov 17h
Do outro lado, do lado de cá Carla Maia “Para fazer um filme, é preciso sempre escrever. A escrita é a origem do desejo, uma marca primeira”, diz Chantal Akerman, autora de mais de 40 filmes, considerada pela crítica internacional como uma das mais importantes cineastas da atualidade. A frase parece se reafirmar em cada um de seus filmes cuidadosamente elaborados do ponto de vista formal, amplamente explorados em seus recursos expressivos, seus filmes exigem ser não menos vistos que lidos, um olhar que explore o quadro em cada um de seus elementos. São objetos, linhas visíveis, vozes, cores e - por vezes - o próprio corpo da diretora, apreendido em posturas, em gestos exagerados ou sutis, marcados pela repetição típica do cotidiano ou pela novidade excitante das cerimônias. O forumdoc.bh.2006 apresenta uma seleção de dez dos trabalhos mais importantes de Chantal Akerman. Desde seu primeiro filme, Saute ma ville (1968), que apresenta Akerman aos 18 anos, até o mais recente, Là-bas (2006), filmado em Israel, passando por Jeanne Dielman, 23 Quai du Commerce, 1080 Bruxelles (1975), aclamado pela publicação americana New York Times como “a primeira obra prima do feminino na história do cinema”. Todos trazem a marca de um olhar íntimo, muitas vezes com traços autobiográficos - como em News from Home (1976), em que ela lê em voz off as cartas escritas por sua mãe, ou Tout une nuit (1982), filmado em sua cidade natal, Bruxelas, na Bélgica, ou ainda D’est (1993), que passa pela Polônia, país em que nasceram seus pais.
Tal autobiografia, entretanto, não surge por um mero relato de fatos importantes de sua vida através das imagens, antes, são as imagens mesmas que se tornam fatos importantes de sua vida, tocadas por uma espécie de “sentimento autobiográfico”. Como quando a cineasta confessa: “preferiria tocar os rostos que desejo filmar”. Resta a pergunta: como pode o documentário, que tantas vezes tem se voltado para o outro (entre erros e acertos), voltar-se para o eu? Em que medida este sentimento autobiográfico interfere no real das imagens? Quando Chantal interpreta uma personagem diante da câmera, ou quando filma as árvores do sul dos Estados Unidos para fazer referência aos enforcados do racismo, onde está a ficção, onde está o documentário? Quando filma a atriz Delphine Seyrig cozinhando por longos intervalos de tempo, cada gesto em evidência, o tempo a se fazer sentir, onde está a primeira, onde está a terceira pessoa? Je, Tu, Il, Elle. Quantas combinações se fazem possíveis, entre as vozes da linguagem? Tal pergunta, que reste aberta.
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From the other side, from here Carla Maia “To make a film, it’s always necessary to write. Writing is the origin of the desire, a first reference”, says Chantal Akerman, who has made 40 films and is considered by the international critic as one of the most important filmakers of nowadays. The quote seems to be reaffirmed in each one of her films extremely well elaborated in formal terms, they present images that demand to be not just seen but read, a regard that explores the frame in every one of its element. They are objects, visible lines, voices, colors and - sometime - the director’s own body, shown in poses, doing exaggerate or subtle gestures, marked by the day-to-day’s typical repetition or by the cerymonies’ exciting novelty. Forumdoc.bh.2006 presents a selection of ten of the most important films of Chantal Akerman. Since her first film, Saute ma ville (1968), which shows a 18 years old Chantal, till the most recent one, Là-bas (2006), shot in Israel, passing through Jeanne Dielman, 23 Quai du Commerce, 1080 Bruxelles (1975), acclaimed by the New York Times as “the first feminine masterpiece of the cinema’s history”. Each one of them is marked by an intimate regard, often with autobiographical traces - as in News from Home, when she reads her mother’s letters in voice-off, or Tout une nuit, shot in her hometown, Brussels, in Belgium, or yet in D’est, shot in Poland, country where her parents were born.
themselves turn to be important facts of her life, touched by some sort of “autobiographical feeling”. As when she confess: “I would rather touch the faces that I wish to film”. One questions remains - how could the documentary, which so many times has focused in the other (among failures and success), focus on the I? How this autobiographical feeling interferes in the real of the images? When Chantal performs a character in front of the camera or when she films the southern USA’s trees to make reference to the racist hangings, what is fiction, what is documentary? When she films Delphine Seyrig cooking for long intervals of time, each gesture in evidence, where is the first, where is the third voice? Je, tu, il, elle. How many possible combinations are there among the voices of the language? Such question is best left open.
That autobiography, however, doesn’t emerge from an account of facts told by images, instead the images 47
Saute ma ville
Je Tu Il Elle
Jeanne Dielman, 23 Quai Commerce, 1080 Bruxelles
Bélgica, 35mm, p&b, 13 min., 1968
Bélgica/França, 35mm, p&b, 90 min., 1975
Bélgica/França, 35mm, cor, 200 min, 1975
realização realization : Chantal Akerman imagens camera : René Fruchter montagem editing : Geneviève Luciani som sound : Patrice contato contact : paradisefilms@skynet.be
realização realization : Chantal Akerman imagens camera : Babette Mangolte montagem editing : Patricia Canino, Alain Marchal som sound : Deswarte, Françoise Van Thienen contato contact : paradisefilms@skynet.be
realização realization : Chantal Akerman imagens camera : Babette Mangolte montagem editing : Patricia Canino, Alain Marchal som sound : Deswarte, Françoise Van Thienen contato contact : paradisefilms@skynet.be
Uma jovem chega feliz em casa. Ela se tranca em sua cozinha, prepara e come espaguete. Depois, vai contra os afazeres domésticos: ao invés de arrumar, desarruma, ela própria feita sujeira, a água inunda o ambiente, o fogo incendia até à asfixia e à explosão final.
O filme começa na casa de uma jovem mulher que tem fome, que tem frio. Que escreve cartas a um(a) destinatário(a) desconhecido(a), que pouco a pouco esvazia sua casa de seus objetos inúteis, um pouco como se esvaziasse a alma de suas angústias. Resta apenas um colchão. Uma experiência física da solidão, em que ela se perde em ciclos do tempo.
Jeanne Dielman é uma jovem viúva que vive com seu filho Sylvain seguindo uma ordem imutável: à tarde, enquanto seu filho está na escola, ela cuida do apartamento e recebe os clientes.
A young woman arrives at her place. She locks herself in the kitchen, cooks and eats spaghetti. So she makes the household routine go wrong - instead of tidying up, she mess up, she makes herself turn into dirty, water flooding, fire burning until the asphyxia and the final explosion.
The film begins in the house of a young woman who is hungry, who is cold. She writes letters to an unknown addressee, and little by little eliminates useless objects of her house as if in doing so she would eliminate some of the anguish of her soul. It lasts only a mattress. A physical experience of loneliness, where she get lost in cycles of time.
Jeanne Dielman, a young widow, lives with her son Sylvain following an immutable order: while the boy is in school she cares for the flat and receives her clients in the afternoon.
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30 nov 19h
30 nov 19h
du
23 nov 18h30
News from home
Toute une Nuit
D'Est From the east
Bélgica/França, 16mm, cor, 89 min., 1976
Bélgica/França, 35mm, cor, 90 min., 1982
Bélgica/França, 16mm, cor, 110 min., 1993
realização realization : Chantal Akerman imagens camera : Babette Mangolte montagem editing : Francine Sandberg som sound : Dominique Dalmasso contato contact : paradisefilms@skynet.be
realização realization : Chantal Akerman imagens camera : Caroline Champetier, François Hernandez e Mathieu Schiffman montagem editing : Luc Barnier, Véronique Auricoste som sound : Ricardo Castro, Miguel Rejas, Henri Morelle, Daniel Deshays contato contact : paradisefilms@skynet.be
realização realization : Chantal Akerman imagens camera : Raymond Fromont, Bernard Delville montagem editing : Claire Atherton, Agnès Bruckert som sound : Pierre Mertens, Thomas Gauder, Didier Pécheur contato contact : cba@skynet.be
Uma mãe escreve à sua filha que partiu para as Américas... As cartas de mãe, as cartas mais simples, as cartas de amor. Carícias impossíveis chegam do velho mundo. Uma voz menor vinda da Europa tenta ainda se fazer entender... de Nova York. Vozes distantes que se querem próximas...
Seguindo mais de duas dúzias de pessoas diferentes numa atmosfera quase sem palavras de uma noite escura na cidade de Bruxelas, Akerman examina a aceitação e rejeição no reino do romance.
D'Est reconstrói a jornada desde o fim do verão até o mais intenso inverno, do Leste Alemão, através da Polônia e dos Bálcãs, até Moscou. É uma viagem que Chantal Akerman queria fazer logo após o colapso do bloco da União Soviética - 'antes que fosse tarde demais' -, reconstruindo suas impressões de modo documental, às beiras da ficção.
A mother writes to her daughter, who left to America... Mother's letters, the most simple ones, love letters. Impossible caresses arrives from the ancient world. A little voice that came from Europe try yet to be understood... from New York. Far apart voices, that want to be close...
Following over two dozen different people in the almost wordless atmosphere of a dark night in a Brussels town, Akerman examines acception and rejection in the realm of romance.
D'est retraces a journey from the end of summer to deepest winter, from East Germany, across Poland and the Baltics, to Moscow. It is a voyage Chantal Akerman wanted to make shortly after the collapse of the Soviet bloc "before it was too late," reconstructing her impressions in the manner of a documentary on the border of fiction
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18 nov 19h
30 nov 17h
24 nov 21h 49
Chantal Akerman Akerman
Sud South
De l'autre côté From the other side
França, cor, 63 min., 1996
Bélgica/França, cor, 70 min., 1999
Bélgica/França, cor, 102 min., 2002
realização realization : Chantal Akerman imagens camera : Raymond Fromont montagem editing : Claire Atherton som sound : Xavier Vauthrin contato contact : doc@doc-co.com
realização realization : Chantal Akerman imagens camera : Raymond Fromont montagem editing : Claire Atherton som sound : Thierry de Halleux contato contact : doc@doc-co.com
realização realization : Chantal Akerman imagens camera : Chantal Akerman, Raymond Fromont e Robert Fenz montagem editing : Claire Atherton som sound : Pierre Mertens contato contact : doc@doc-co.com
Chantal Akerman se liberta num auto-retrato: diante da câmera, ela se interroga sobre a pertinência de realizar ela mesma esse retrato e apresenta sua sinceridade como um artifício que coloca a questão da encenação e do documentário. A cineasta evoca sua juventude em Bruxelas, sua família judaico-polonesa, sua avó pintora, depois ela mostra, sem comentar, trechos sobrepostos dos seus filmes.
Uma viagem ao sul dos Estados Unidos. No centro desta viagem está o assassinato de James Byrd Jr. e sua presença assombra todo o filme. Esta não é uma anatomia de sua morte, nem a autópsia de um negro linchado por três jovens homens brancos, mas antes uma evocação de como esse acontecimento faz parte de uma paisagem e de um clima tanto mentais quanto físicos.
A história é mais velha que a serra, e a cada dia mais oportuna. E cada dia mais terrível. Às vezes pessoas pobres, arriscando suas vidas, deixam tudo para trás na tentativa de sobreviver, de viver em 'outro lugar'. Neste filme particular, 'outro lugar' é a América do Norte e os pobres são principalmente mexicanos.
Chantal Akerman frees herself in a self-portrait: before the camera, she questions herself about the prudence of filming herself this portrait and introduces her honesty as a resource that poses the question of acting and documenting. The filmmaker refers to her youth in Brussels, her Jewish-Polish family, her painter grandmother, and then she shows, without any remarks, overlapped extracts of her films.
A trip to the south of the United States. At the heart of this journey is the murder of James Byrd Jr, and his presence haunts the entire film. This is not an anatomy of his murder, nor the autopsy of a black man lynched by three young white males, but more an evocation of how this event fits in to a landscape and climate as much mental as physical.
The story is old as the hills, yet every day more timely. And every day more terrible. Sometimes poor people, risking their very lives, leave everything behind in an attempt to survive, to live elsewhere. In this particular film, elsewhere is North America and the poor are mostly Mexicans.
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par
Chantal
21 nov 15h
27 nov 15h
22 nov 19h
Là-bas Bélgica/França, cor, 78 min., 2006 realização realization : Chantal Akerman imagens camera : Chantal Akerman et Robert Fenz montagem editing : Claire Atherton som sound : Thomas Gauder contato contact : doc@doc-co.com Pode-se criar raízes no espaço, no tempo? O que se pode perceber de Israel sem cair na dicotomia? Como viver depois do tormento? Há imagens possíveis? Imagens diretas? Ou elas devem passar pela tela? Qual tela? Como? Eis o assunto deste documentário sobre Israel.
Can we create roots over space, over time? What can be perceived about Israel without being dichotomist? How to live after the torment? Are there possible images? Direct images? Or do they need to go through a screen? Which screen? How? This is the subject of this documentary about Israel.
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23 nov 15h 51
Breve biografia de Eduardo Escorel
Eduardo Escorel é cineasta, tendo dirigido, roteirizado, montado e produzido diversos filmes de ficção e documentários. Dirigiu, entre outros, Lição de Amor (1975), Ato de Violência (1979) e O Cavalinho Azul (1983); Chico Antonio, o Herói com Caráter (1983), 1930 - Tempo de Revolução (1990), 32 - A Guerra Civil (1992), Rondon - O Sentimento da Terra (1992), Ulysses - Cidadão (1993), 35 - O assalto ao poder (2002) e Vocação do Poder (com José Joffily, 2005). Desde os anos 60, firmou-se como um dos mais importantes montadores do cinema brasileiro. Entre outros filmes, montou Terra em Transe (Glauber Rocha, 1967), O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (Glauber Rocha, 1969), Macunaíma (Joaquim Pedro de Andrade, 1969), Os Inconfidentes (Joaquim Pedro de Andrade, 1972), São Bernardo (Leon Hirszman, 1973), Eles não usam Black-Tie (Leon Hirszman, 1981) e Cabra Marcado para Morrer (Eduardo Coutinho, 1984). Recentemente, publicou o livro Adivinhadores de Água, que reúne ensaios sobre o cinema brasileiro escritos a partir dos anos 80.
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Entrevista - Eduardo Escorel Cláudia C. Mesquita Júnia Torres Propusemos a Escorel uma breve entrevista por email. Ele gentilmente respondeu. As questões dizem respeito a sua atuação como montador e diretor de filmes, a seu pensamento sobre o documentário e a sua proposta de curadoria (na mostra Cânone Íntimo, que integra a programação do forumdoc.bh 2006). Abaixo, perguntas e respostas. 1) Diretrizes de seu trabalho como montador e diretor. Há diferenças significativas entre montar ficção e montar documentário? O mesmo para a direção? Em que aspectos um campo contribui para o outro campo (ou, ao contrário, bloqueia o outro campo)? E ainda: montar ensina a dirigir? (pensemos no documentário, particularmente). Em que medida? Creio que a montagem pode ser um bom aprendizado e uma preparação eficaz para dirigir. A visão do material bruto é reveladora das virtudes e insuficiências do que foi planejado no roteiro e realizado na filmagem. Permite também observar em detalhe a força e a fragilidade dos atores. Além disso, da colaboração com o diretor podem resultar lições importantes. Entre montar e dirigir, há muitas diferenças. Uma das maiores é que na montagem há maior controle sobre o que está sendo feito. Na direção, interferências de todo tipo, do clima ao humor dos atores, passando pela pressão do prazo e dos recursos, podem influir na filmagem. Dirigir, em grande parte, implica em lidar com muitas pessoas e responder a perguntas para as quais nem sempre se sabe a resposta. No silêncio da sala de edição, com 56
temperatura amena, a interação é com uma pessoa apenas e o domínio sobre o que está ocorrendo é quase absoluto. Montar é um bálsamo para temperamentos obsessivos. Entre montar ficção e documentário, a principal diferença surge nos casos em que, na ficção, há um roteiro que foi seguido na filmagem, o que nem sempre ocorre, e no documentário não há roteiro prévio, o que também nem sempre acontece. Há filmes de ficção que são reinventados na montagem e documentários que seguem um plano previamente traçado. Em qualquer dos casos e independente do gênero, estilo e intenção autoral, acredito que montar seja um trabalho de decifrar um sentido que está contido ou, pelo menos, sugerido nas imagens e nos sons reunidos, sentido que, nem sempre, é evidente. Diria, portanto, que não há diferenças significativas entre montar ficção e documentário. São os projetos em si que se diferenciam uns dos outros. Dessa forma, não simpatizo muito com a hipótese de que haja diretrizes prévias de caráter geral, comuns a vários projetos. Diretrizes vão sendo definidas, projeto a projeto, caso a caso. 2) Embora tenha trafegado (como diretor e montador) com igual frequência pela ficção e pelo documentário, sua intervenção crítica, contemporaneamente, tem privilegiado o campo do documentário. Por que? O que lhe interessa neste campo? Talvez por não ter dirigido filmes de ficção desde 1984, há mais de vinte anos, portanto, tenha passado a escrever mais sobre o documentário. O ensaio Adivinhadores de Água e o livro que tem esse mesmo
título talvez possam ser entendidos como um balanço da minha experiência com o cinema ficcional. Embora tenha escrito dois roteiros de ficção desde 1988, não tive confiança suficiente para me lançar na tentativa de encontrar recursos para produzi-los. Tenho o sentimento de que fazer cinema no Brasil é um ato irresponsável e o documentário me parece ser uma opção um pouco menos irresponsável que a ficção. Em tese, o que mais me atrai no documentário é o risco diante do desconhecido, embora nem todo documentário propicie esse privilégio. Dedicado, como diretor, apenas ao documentário desde 1987, o que tenho escrito sobre o gênero é apenas uma resposta à crescente demanda que tem havido por participação em debates, seminários, aulas etc. 3) Princípios de sua curadoria. Você optou por uma mostra propositiva, com filmes estrangeiros de que gosta (em vez de, por exemplo, optar por uma mostra brasileira “sintomática” de alguns problemas ou dilemas atuais). Gostaríamos de perguntar por quê. Não me sentiria à vontade propondo uma mostra de filmes brasileiros, selecionando alguns e excluindo outros. Uma escolha desse tipo, implicaria em um juízo de valor público a respeito do trabalho de meus colegas que não gostaria, nem considero que me caiba fazer. Diretores estrangeiros não saberão, nem darão importância às minhas preferências pessoais. A mostra proposta tem o caráter de compartilhar a visão de documentários que gosto de ver e rever, entre outras razões, por levantarem questões de linguagem que me parecem interessantes. Alguns exigem paciência e disciplina, posturas pouco usuais no espectador. Por outro lado, creio que continuamos muito provincianos, distantes do que se fez e se faz no resto do mundo. Suponho que possa ser
estimulante tomar conhecimento com alguns marcos menos conhecidos do documentário de todos os tempos. 4) O que pode o documentário frente à História? Muito pouco, salvo se adotarmos uma concepção de História como recriação. O senso comum toma a imagem como índice da verdade mas sabemos quão precária pode ser essa relação entre registro visual e fato. Nas páginas finais de Os Sertões, Euclides da Cunha conta que depois do cadáver de Antônio Conselheiro ser identificado, foi fotografado para “terem certeza de ser ele, aqueles que o conheceram”. Fotografado e lavrada uma ata atestando sua identidade, ainda assim cortaram-lhe a cabeça, para que “o país se convencesse bem de que estava, afinal extinto aquele terribilíssimo antagonista”. O crânio foi, em seguida, levado para o litoral, “onde deliravam multidões em festa”. O episódio atesta a desconfiança em relação ao valor comprobatório da imagem fotográfica. Da mesma forma que aconteceu com Che Guevara, de quem cortaram as mãos depois de expor seu cadáver às câmeras, o registro visual da imagem do homem morto não foi suficiente como prova da sua morte. Diante da imagem, é mesmo prudente desconfiar sempre.
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Short biography of Eduardo Escorel
Eduardo Escorel is a filmmaker who directed, wrote, edited and produced several fiction and documentary films. He directed, among others, the following feature films and videos: A love lesson (Lição de amor, 1975), Act of Violence (Ato de Violência, 1979) e The little blue horse (O Cavalinho Azul, 1983); Chico Antônio, a hero with a character (Chico Antonio, o Herói com Caráter, 1983), 1930 – Revolution time (1930 - Tempo de Revolução, 1990), 32, The civil war (32 - A Guerra Civil, 1992), Rondon – Earth’s feeling (Rondon - O Sentimento da Terra, 1992), Ulysses – Citizen (Ulysses – Cidadão, 1993), 35 – Uprising the power (35 - O assalto ao poder, 2002) and Power calling (Vocação do Poder, 2005) with José Joffily. Since the 60’s, he is known as one of the most important editors in the Brazilian cinema scenario. Among others, he edited, Anguished land (Terra em Transe, directed by Glauber Rocha, 1967), The evil dragon against the holy warrior (O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, directed by Glauber Rocha, 1969), Macunaíma (directed by Joaquim Pedro de Andrade, 1969), The conspirators (Os Inconfidentes, directed by Joaquim Pedro de Andrade, 1972), São Bernardo (directed by Leon Hirszman, 1973), They don’t wear black tie (Eles não usam Black-Tie, directed by Leon Hirszman, 1981) and Twenty years later (Cabra Marcado para Morrer, directed by Eduardo Coutinho, 1984). He recently published a book Water Guessers (Advinhadores de Água), with several essays about Brazilian cinema written from the 80’s onwards.
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Interview - Eduardo Escorel Cláudia C. Mesquita Júnia Torres Translator’s note: unbound translation from the exerts of “Rebellion in the Backlands” (Os sertões), by Euclides da Cunha
We have asked Escorel for a short interview by e-mail. He gently answered. The questions are about his work as a film editor and director, his thoughts about documentary film and his proposal for the Cânone Íntimo show (part of forumdoc.bh.2006 program). Following, questions and answers. 1. What are the general guidelines in your work as a director and editor? Are there significant differences between editing for a fiction and a documentary? Is it the same for directing? In which aspects does one practice contributes for the other (or else, stops the other from flowing)? Would you like to comment your movies by this point of view? Yet, does editing teach you how to direct (thinking specifically about documentaries) and how much? I believe editing can be a good learning and an effective way to direct. Accessing the raw material reveals virtues and deficiencies in what was planned in the script and accomplished during the shootings. It also allows you to observe with detail the actors’ strengths and weaknesses. Besides, you can learn valuable lessons through cooperating with a director. There are many differences between editing and directing. One of the most important is that you have a greater control over what is being done in editing. In directing, you have interferences of all kinds, from the weather to the actors’ moods, deadlines and financial pressures, all of those can affect the shooting. Directing implies, often, in dealing with several people and responding to issues, which you don’t always know the answer for. In the silence of the editing room, at a pleasant temperature, you interact with only one
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person and your control over things is almost complete. Editing is bliss for obsessive tempers. The main difference between editing a fiction and a documentary happens in those cases where, in fiction, you have a script that was thoroughly followed in the shootings, what does not always happen, and those documentaries without a previous script; again, that’s not always the case. There are fiction films that are reinvented in the editing process and documentaries that go along a previously designed trajectory. In each case, regardless the genre, style and the author’s intention, I believe editing to be a work of revealing a meaning within, or a meaning that is, at least, sugges-ted in the amalgamation of images and sounds, a meaning which is not always obvious. Therefore, I would say that there are no significant differences between editing a fiction and a documentary. The pro-jects themselves differentiate from one another. So, I am not very sympathetic to the hypothesis that there are previous general guidelines, common to each and every project. Guidelines are defined project-by-project, situation-by-situation. 2. Although you have been involved (both as director and editor) in the same level of intensity with fictions and documentaries, your intervention as a critic nowadays has been privileging the field of documentaries. Why is that? What does interest you in that area? Maybe because I haven’t been directing fiction films since 1984, over twenty years ago, I have started writing more about documentaries. The essay Water guessers (Advinhadores de Água) and the book with the same title, might be understood as a synthesis of
my experiences with fiction films. Despite having written two scripts for fiction since 1988, I did not have enough confidence to venture myself trying to obtain funding to produce them. I feel that to make cinema in Brazil is an irresponsible act and documentaries seem to me an option a little less irresponsible. In theory, what attracts me the most in documentaries is the risk of the unknown, although not all documentaries can afford this privilege. Having dedicated myself, as a director, exclusively to documentaries since 1987, what I have been writing about the genre is only an answer to the increasing demand of participating in debates, seminars, classes, and etc. 3. About the main principals of your curatorship. You have chosen a propositional exhibit, with foreign movies of your liking (instead of, for example, choosing a ‘symptomatic’ Brazilian exhibit based on current problems and dilemmas). We would like to inquire why. I would not feel comfortable proposing an exhibition of Brazilian films, selecting some and excluding others. That kind of choice would imply a judgment regarding the public value of my colleagues’ work, which I would not like or even consider being my role to do it. Foreign directors would not know or give significance to my personal preferences. The exhibit I proposed has a perspective of sharing with the audience documentaries I like to watch again and again, amongst other reasons such as rising issues about the language I consider interesting. Some demand patience and discipline, unusual behaviors for the spectator. On the other
hand, I believe we carry on being very congregative, distant from what was done and is being done in the rest of the world. I suppose it could be stimulating to get to know some documentaries not much known, that are landmarks of this genre. 4. What can the documentary do before history? Very little, unless we adopted a conception of history as recreation. Common sense says that image is an index of truth but we know how unsubstantial this relationship between visual record and fact can be. In the final pages of Rebellion in the Backlands (Os sertões), Euclides da Cunha tells us that after Antonio Conselheiro’s dead body was recognized, he was photographed in order for them “to be sure it was him, those who recognized him”. Having photographed and certified a document to attest his identity, they still cut his head off so that “the country would be much convinced that this most terrible antagonist was extinguished”. Next, the head was taken to the seashore “where a multitude was deliriously partying”. The episode shows how much lack of trust regarding the value of evidence of that photographic image. Similar to what happened to Che Guevara, whose hands were cut off after exposing his corpse to the cameras, the visual record of a dead man was not enough to prove his death. It is very much prudent to always suspect images.
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Bethânia Bem de Perto A Propósito de um Show
Visão de Juazeiro
Jubileu
Brasil, 35mm*, p&b, 32 min., 1966
Brasil, 16mm*, cor, 19 min., 1970
Brasil, 16mm, cor, 45 min., 1981
realização realization : Eduardo Escorel e Júlio Bressane imagens camera : Eduardo Escorel montagem editing : Eduardo Escorel e Júlio Bressane som sound : Júlio Bressane contato contact : aleesco@uninet.com.br
realização realization : Eduardo Escorel imagens camera : Jorge Bodansky montagem editing : Eduardo Escorel som sound : Hermano Pena contato contact : Thomas Farkas +55 11 30627272
realização realization : Eduardo Escorel imagens camera : Walter Carvalho montagem editing : Gilberto Santeiro som sound : Cristiano Maciel contato contact : CTAV - Funarte +55 21 25804761
O filme registra o primeiro show de Bethânia no Rio, realizado na boate Cangaceiro, após sua consagração ao lado de Zé Keti e João do Vale no show teatral Opinião. Intercaladas aos números musicais, documenta cenas do cotidiano da cantora e encontros com Anecy Rocha, Wanda Sá, Rosinha de Valença, Silvinha Teles e Jards Macalé, entre outros.
Em 1969, a cidade de Juazeiro do Norte erguia a terceira maior obra de concreto do mundo para homenagear sua figura mais conhecida e adorada: o Padre Cícero Romão Batista. No feriado de Finados, de 1 a 3 de novembro do mesmo ano, Escorel filmou a devoção e a pujante atividade econômica em torno da figura e da imagem do Padre Cícero. O filme integra a série de documentários produzidos por Thomaz Farkas no Nordeste, experiência conhecida em seu conjunto como Caravana Farkas.
Anualmente, na segunda semana de setembro, a cidade histórica de Congonhas do Campo (MG) comemora o Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos. A pequena cidade recebe cerca de 300 mil pessoas, que chegam de todos os lugares para a maior romaria religiosa de Minas Gerais. Patrimônio da Humanidade, Congonhas do Campo é um marco do barroco brasileiro. Em 1981, Eduardo Escorel e sua equipe documentaram a procissão e a festa do Jubileu.
The films registers Maria Bethania's first concert in Rio, at Cangaceiro's nightclub, after starting her fame besides Zé Keti and João do Vale, in the theatrical show Opinião. In between the songs, it documents scenes of the singer's everyday and meetings with Anecy Rocha, Wanda Sá, Rosinha de Valença, Silvinha Teles and Jards Macalé, among others.
In 1969, the city of Juazeiro do Norte built the third largest concrete structure in the world as a tribute to its most renown and worshiped public figure: Father Cícero Romão Batista. During the Day of the Dead holiday period, from 1st to 3rd of November of the same year, the director portrayed the devotion as well as the economy around Padre Cícero's figure and image.
Every year, during the second week of September, the historic town of Congonhas do Campo (in the state of Minas Gerais) celebrates the Jubilee of Good Lord Jesus of Matozinhos. The small town receives around 300.000 visitors coming from all over to the greatest religious peregrination in Minas Gerais. Congonhas do Campo, UNESCO's World Heritage Site, is a landmark of Baroque style in Brazil. In 1981, Eduardo Escorel and his team documented the journey and the Jubilee party.
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*os filmes assim indicados serão exibidos em dvd
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25 nov 21h30
24 nov 15h
cine humberto mauro
24 nov 15h
Chico Antônio O Herói com Caráter
Primeira Página
Rondon, o Sentimento da Terra
Brasil, vídeo, cor, 40 min., 1983
Brasil, vídeo, cor, 10 min., 1981
Brasil, vídeo, cor, 52min., 1992
realização realization : Eduardo Escorel imagens camera : Lauro Escorel montagem editing : Mair Tavares som sound : José Antonio Ventura e Mair Tavares contato contact : aleesco@uninet.com.br
realização realization : Eduardo Escorel imagens camera : José Guerra contato contact : aleesco@uninet.com.br
realização realization : Eduardo Escorel contato contact : aleesco@uninet.com.br
O documentário recupera um dos personagens reais das viagens do escritor modernista Mário de Andrade. Chico Antônio era um cantor de coco do interior do Rio Grande do Norte. Mário de Andrade foi um de seus admiradores, tendo sido presenteado por Chico com um ganzá. Décadas depois, Escorel partiu em busca de Chico Antônio. Encontrou um homem de 80 anos, com vitalidade e memória suficientes para reviver momentos da juventude.
Gênese de uma fotografia publicada na primeira página do Jornal do Brasil, de 4 de dezembro de 1981. Ocupando meia página, a foto mostra um menino de 14 anos carregando uma criança nua nos braços. A legenda informa que o menino repetia para si mesmo: "Ele está morto, ele está morto". A criança não sobrevivera ao desabamento das casas de uma encosta, em Petrópolis (RJ), provocado pelas chuvas de verão.
Em 1500, aproximadamente cinco milhões de índios habitavam o Brasil. Menos de quatro séculos depois, em 1865, quando nasceu Cândido Mariano da Silva - que mais tarde adotaria o sobrenome Rondon - restavam apenas 1 milhão e meio espalhados pelo imenso território brasileiro. O documentário foi realizado a partir de filmes realizados pela Comissão Rondon. Entre muitas outras imagens valiosas, eles registram pela primeira vez um funeral bororo (filmado novamente, 76 anos depois, por Escorel neste documentário).
The feature retrieves a real character from the travels of modernist writer Mario de Andrade. Chico Antônio is a “coco” singer from the rural area of the state of Rio Grande do Norte. Mario de Andrade was one of his spectators and received from Chico a “ganzá". Escorel visited the place where the artists met in 1920's and found an 80-year-old man, with enough vivacity and memory to live again moments of his youth.
This is a genesis of a photograph published in the first page of Jornal do Brasil's edition of 4th of December, 1981. Occupying half page, the picture shows a 14year-old boy carrying a naked child in his arms. The caption says what the boy repeated to himself: 'He is dead, he is dead'. The child did not survive the dislodgement of houses from a hill in Petropolis (state of Rio de Janeiro), as a consequence of summer rain.
During the 1500's, around 5 million indigenous people inhabited Brazil. Cândido Mariano da Silva, who later adopted the name Rondon, was born in 1865, less than 4 centuries after, when there were only 1,5 million spread all over the immense Brazilian territory. The documentary was featured based on films from the time of Rondon's Commission, which registered for the first time a “bororo” funeral (filmed again after 76 years by Escorel for this documentary).
cine humberto mauro
cine humberto mauro
fafich - ufmg
25 nov 21h30
25 nov 21h30
23 nov 11h 63
64
1930 - Tempo de Revolução
32 - A Guerra Civil
35 - O Assalto ao Poder
Brasil, vídeo, cor, 48 min., 1990
Brasil, vídeo, cor, 48 min., 1993
Brasil, vídeo, cor, 100 min., 2002
realização realization : Eduardo Escorel imagens camera : José Guerra montagem editing : João Jardim contato contact : aleesco@uninet.com.br
realização realization : Eduardo Escorel imagens camera : Adrian Cooper contato contact : aleesco@uninet.com.br
realização realization : Eduardo Escorel imagens camera : José Tadeu Ribeiro montagem editing : Pedro Bronz contato contact : aleesco@uninet.com.br
O filme inaugura uma trilogia, cujo objetivo é documentar as principais sublevações ocorridas no país nos anos 1930. A trilogia integra um projeto histórico maior, idealizado pelo produtor Claudio Kahns e pelo cientista político André Singer. Neste primeiro documentário, o diretor remete a movimentos que aconteceram antes da Revolução de 1930, como o do Forte de Copacabana, em 1922, e o tenentismo, em 1924.
O segundo episódio da trilogia sobre as revoluções se concentra na guerra civil de 1932, com a luta pela constitucionalização. Cerca de 35 mil homens paulistas se mobilizaram contra o governo de Getúlio Vargas. Realizado dois anos após o primeiro, o filme traz depoimentos de cientistas sociais e historiadores, e inclui cenas de arquivo curiosas, como a sequência em que soldados mineiros zombam dos paulistas em pleno front.
No terceiro episódio da trilogia, Eduardo Escorel aborda as insurreições militares de novembro de 1935, que tentaram derrubar o governo de Getúlio Vargas. Apesar da rapidez com que foi derrotado, o Movimento Comunista de 1935 ocupa lugar de destaque no imaginário político dos vencidos e dos vencedores. O terceiro episódio aprofunda questões levantadas nos filmes anteriores.
This movie begins a trilogy that intends to document the main revolutions of the country during the 1930s. The trilogy is part of a bigger historical project, idealized by the producer Claudio Kahns and the politics scientist André Singer. In this first feature, the director recalls other movements occurred before 1930's Revolution, such as the Copacabana Fort episode in 1922, and the 'tenentismo' in 1924.
The second episode of the trilogy about revolutions focuses on 1932 Civil War and the fight for the constitutionalization process. About 35.000 men from the state of São Paulo have joined forces against Getúlio Vargas' government. Featured 2 years after the first episode, the film shows statements of social scientists and historians besides curious archive footage as the scene where soldiers from Minas Gerais mock those from São Paulo at the front.
In his third episode Eduardo Escorel approaches the military insurrections in November 1935 that attempted to succumb Getulio Vargas' government. Despite the speed in which they were defeated, the 1935´s communist attempt occupies an important place in the political imaginary of losers and winners. The third episode develops questions raised by the previous movies.
fafich - ufmg
fafich - ufmg
fafich - ufmg
27 nov 9h
27 nov 9h
28 nov 9h
Vocação do Poder
Terra em Transe
Nelson Cavaquinho
Brasil, 35mm, cor, 110 min., 2005
Brasil, 35mm, p&b, 115 min., 1967
Brasil, 35mm, p&b, 14 min., 1969
realização realization : Eduardo Escorel & José Joffily imagens camera : Fred Rocha, Luis Abramo, Guy Gonçalves montagem editing : Eduardo Escorel, Fernanda Rondon, José Joffily som sound : Heron Alencar, Bruno Fernandes contato contact : bia@videofilmes.com.br
realização realization : Glauber Rocha imagens camera : Luiz Carlos Barreto (fotografia), Dib Lutfi (câmera) montagem editing : Eduardo Escorel som sound : Aloisio Viana contato contact : Tempo Glauber +55 21b 25272272
realização realization : Leon Hirszman imagens camera : Mário Carneiro montagem editing : Eduardo Escorel contato contact : CTAV - Funarte +55 21 25804761
Nas eleições municipais de 2004, na cidade do Rio de Janeiro, duas equipes acompanham seis candidatos que concorrem, pela primeira vez, ao cargo de vereador. Várias etapas da campanha são registradas, desde as convenções partidárias até a apuração dos votos, e a reação, no dia seguinte, dos eleitos e dos derrotados. O documentário procura traçar, dessa maneira, o perfil de jovens aspirantes ao poder no momento em que dão o primeiro passo na carreira política.
A luta pelo poder em um país imaginário da América Latina move a trama de Terra em Transe. Porfírio Diaz, senador, pretende coroar-se imperador de Eldorado, impondo aos moradores sua toda-poderosa vontade. Mas há outros candidatos: Vieira, governador de Alecrim, província de Eldorado, demagogo populista, e Dom Julio Fuentes, a expressão máxima da burguesia progressista em Eldorado. Paulo Martins é poeta e jornalista, a consciência em transe de Eldorado.
O cotidiano e o relacionamento do compositor popular Nelson Cavaquinho com seu ambiente, amigos e vizinhos do morro da Mangueira, no Rio de Janeiro.
In municipal elections of 2004 in the city of Rio de Janeiro, two teams follow 6 candidates that run for the first time for a position in the city council. Several parts in the campaign are featured, from the parties conventions to the vote counting, as well as the reaction, in the following day, from those elected and those defeated. The documentary seeks to show the profile of young power aspirants in the moment they take the first step into the political career.
The Senator Porfírio Diaz intends do crown himself the Emperor of a fictitious country called Eldorado in order to impose his almighty will to Eldorado's people. But there are other candidates: the demagogue populist Vieira, governor of Alecrim, an Eldorado's province; and Dom Julio Fuentes, the utter expression of Eldorado's progressive bourgeoisie. Paulo Martins, a poet, journalist, and awareness of Eldorado's frenzy, is the men to fight the tyrants.
The relationship between popular composer Nelson Cavaquinho and his environment, friends and neighbours at Mangueira's hill, in Rio de Janeiro.
cine humberto mauro
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25 nov 19h
30 nov 15h
24 nov 15h 65
Os Inconfidentes
São Bernardo
Cabra Marcado para Morrer
Brasil, 35mm, cor, 100 min., 1972
Brasil, 35mm, cor, 110 min., 1973
Brasil, 35mm, cor, 119' min., 1984
realização realization : Joaquim Pedro de Andrade imagens camera : Pedro de Moraes montagem editing : Eduardo Escorel som sound : Juarez Dagoberto Costa contato contact : CTAV - Funarte +55 21 25804761
realização realization : Leon Hirszman imagens camera : Lauro Escorel montagem editing : Eduardo Escorel som sound : Walter Goulart, Jorge Rueda e José Tavares contato contact : CTAV - Funarte +55 21 25804761
realização realization : Eduardo Coutinho imagens camera : Edgar Moura e Fernando Duarte montagem editing : Eduardo Escorel som sound : Jorge Saldanha contato contact : cinemateca_arquivo@mamrio.org.br
A Inconfidência Mineira - conspiração independentista do século dezoito, em Minas Gerais, centro das riquezas coloniais. Do grupo, faziam parte poetas e nobres, incluindo o padre e o coronel da guarnição. O dentista Tiradentes é torturado, para que divulgue a sua participação na conjura contra a coroa portuguesa; os cúmplices já tinham confessado, negando responsabilidades próprias. Tiradentes é o único a assumir plenamente, sendo condenado à morte.
Argumento baseado no romance homônimo de Graciliano Ramos. Paulo Honório, sertanejo de origem humilde, faz fortuna como caixeiro-viajante e agiota. Numa manobra financeira, assume a decadente fazenda São Bernardo. Desejando um herdeiro, casase com a professora da cidade, Madalena. Gradativamente as diferenças entre eles se acentuam.
No início dos anos sessenta, um líder camponês, João Pedro Teixeira, é assassinado por ordem de latifundiários do Nordeste. As filmagens de um roteiro baseado em sua trajetória, interpretadas por camponeses, foram interrompidas pelo golpe militar de 1964. Dezessete anos depois, em 1981, o diretor retoma o projeto e procura a viúva Elizabeth Teixeira e seus dez filhos, dispersados pela onda de repressão que se seguiu ao episódio do assassinato.
The so-called 'Inconfidência Mineira' is a conspiracy seeking for independence in the 18th century Minas Gerais, centre of colonial wealth. Poets and nobles, including a priest and a colonel from the guard, are part of the group. The dentist Tiradentes is tortured in order to publicize his involvement in the betrayal to the Portuguese crown after confession of the accomplices denying their responsibility. Tiradentes is the only in the group to assume his acts, therefore being sentenced to death.
The plot is based on Graciliano Ramos' novel São Bernardo. Paulo Honório, an outbacker from humble origin, makes a fortune as a salesman and moneylender. In a financial strategy he takes over a decaying farm in São Bernardo. Wishing for an heir, he marries a city's teacher, Madalena. Gradually their differences intensify
In the early 1960's, the great land owners in the northeast of Brazil order to assassin the agricultural leader João Pedro Teixeira. His life's image shooting, performed by the provincial people themselves, was interrupted by the military coup d'état in 1964. 17 years later, in 1981, the director restarts the project and searches for Elizabeth Teixeira, the widow, and their 10 children, spread out due to the intense repression following the assassination.
cine humberto mauro
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66
26 nov 17h
20 nov 15h
27 nov 19h
Cânone Íntimo* Eduardo Escorel (curadoria e apresentação) * Advertências do autor: 1ª - este texto só é recomendado para pessoas que tiverem visto os documentários que compõem a mostra Cânone Întimo; 2ª - este texto só deve ser lido depois dos documentários terem sido vistos. 3ª - este texto não explica os documentários. São os documentários que talvez possam explicar o texto.
Nota dos organizadores: a mostra Cânone Íntimo incluía ainda os filmes Les Tombeau d’Alexandre (Chris Marker) e Svyato (Victor Kossakovsky), que não serão exibidos por dificuldades na negociação de direitos de exibição.
Janela – Nièpce registra uma imagem pela janela. Ou melhor, duas janelas. A do quarto e a da câmera. Olha pela janela através da câmera. Olhar indiscreto, voyeur, contínuo. Paradoxo - observar o que ocorre quando o observador não está olhando. Carência – impulso de suprir ausência de representação visual. Interdição – restrições auto-impostas como princípio criativo. Rapidez – chegar a tempo onde o evento está para ocorrer. Não evento – o evento em si pode ser irrelevante. Tempo – não interromper, não cortar. O valor da duração dos planos. Autonomia – confiar nas imagens e sons registrados. Imprevisto - a magia do inesperado, do que ocorre fora de controle. Exegese – não ilustrar. Indagar o sentido, ir além do visível. PS. Absurdo - Vertov e Medvedkine moraram no mesmo prédio e não se conheceram. 69
70
Intimate Cannon* Eduardo Escorel (curatorship and introduction) *Author’s warnings: 1st – this matter is only recommended to people who have already seen the documentaries in the exhibition “Intimate Cannon”; 2nd – this matter should only be read after watching the documentaries; 3rd – this matter does not apply to the documentaries. The documentaries are the ones that might be able to explain this matter. Organizators’ note: Intimate Cannon show originally included two other films, Les Tombeau d’Alexandre (Chris Marker) and Svyato (Victor Kossakovsky), which will not be screened because of diffcults in getting a screening clearance agreement.
Window – Nièpce registers an image through the window. Even better, two windows. The one in the room, and the one in the camera. He looks at the window through a camera. Rear, voyeur, continuous look. Paradox – to observe what happens when the observed is not looking. Lacking – an impulse of suppressing the absence of visual representation. Interdiction – self-imposed restrictions as a creative principle. Speed – to be on time somewhere the event is about to happen. Unevent – the event itself might be irrelevant. Time – not to interrupt. Not to cut. The duration value of scenes. Autonomy – to trust registered images and sounds. Mishap – the magic of the unexpected, that which is out of control. Exegesis – not to illustrate. To interrogate the meaning, to go beyond the visible. P.S. Absurd – Vertov and Medvedkine lived in the same building and did not know each other. 71
Listen to Britain
Urzad The Office
Det Perfekte menneske The perfect human
Inglaterra, 35mm*, p&b, 19 min., 1942
Polônia, 35mm, p&b, 5 min., 1966
Dinamarca, 35mm, p&b, 13min., 1967
realização realization : Humphrey Jennings e Stewart McAllister imagens camera : H. E. Fowley montagem editing : Humphrey Jennings e Stewart McAllister som sound : Ken Cameron contato contact : www.film-images.com
realização realization : Krzysztof Kieslowski imagens camera : L. Trzesowski montagem editing : J. Grosicka som sound : M. Stankiewicz contato contact : dkrim@kino.com
realização realization : Jørgen Leth imagens camera : Henning Camre e Ole John montagem editing : Knud Hauge som sound : Kaj Gram Larsen contato contact : www.dfi.dk
Um documentário sublime de visões e sons da Inglaterra em meados da guerra. Seus imperceptíveis 19 minutos de imagens e sons podem ser assistidos várias vezes por sua beleza, as relações estabelecidas e a economia em que conta grandes histórias do espírito humano. Jennings dividiu os créditos do filme com seu editor Stewart McAllister.
A insana burocracia do governo através da janela de um departamento de pensão. Filmado com uma câmera escondida no balcão de um escritório de Seguridade Social do Estado, esta é uma precisa sátira da burocracia. Uma fila se forma de frente à janela do balcão e o atendente repete a pergunta: "O que você fez durante sua vida?".
Nissen e Maiken Algren estão em um quarto branco e vazio com apenas os adereços essenciais para cada cena. Uma cama, lençóis, mesa, cadeiras. “Vamos ver o humano perfeito em ação” - escutamos, e a voz de Leth insere palavras descritivas ou interrogativas às pequenas ações que o filme mostra: o homem enche um cachimbo, corta suas unhas, tira a roupa, pula como se não tivesse peso, estala seus dedos de modos estranhos e dança com movimentos exagerados e sem música.
A sublime documentary of the sights and sounds of Britain in the midst of war. Its 19 seamless minutes of images and sounds can be watched time and again for its beauty, connections and economy with which it tells vast stories of the human spirit. Jennings shared the credits for the film with his editor Stewart McAllister.
The insane government bureaucracy at a state pension window. Shot with a hidden camera at the counter of the (state-owned) Social Security office, this satire on bureaucracy is right on target. A queue forms in front of the counter window and the clerk repeats the question: “What have you done in your lifetime?”
Nissen and Maiken Algren are in an empty white room with only the essential props for each scene. A bed, bedding, a table, chairs. "We are going to see the perfect human being in action", we hear, and Leth's voice puts descriptive or puzzled words to the little actions the film exhibits: the man fills a pipe, cuts his nails, and gets undressed, but he does peculiar things, too: he jumps as if he is weightless, snaps his fingers in strange ways, and dances with exaggerated movements and no music.
cine humberto mauro
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72
20 nov 21h
20 nov 21h
24 nov 17h
Un lion nommé l'Américain A Lion Named "the American"
La Soufriére
Videograms of a Revolution
França, 16mm, cor, 20 min, 1972
Alemanha, 16mm, cor, 30 min, 1977
Romênia, dvd, cor, 107min, 1992
realização realization : Jean Rouch imagens camera : Jean Rouch montagem editing : Jean-Pierre Lacam som sound : Moussa Hamidou contato contact : l.braunberger@filmsdujeudi.com
realização realization : Werner Herzog imagens camera : Edward Lachman e Jörg SchmidtReitwein montagem editing : Beate Mainka-Jellinghaus contato contact : worldsales@wernerherzog.com
realização realization : Harun Farocki & Andrej Ujica montagem editing : Egon Bunne contato contact : harum.farocki@farocki-film.de
No decurso da projeção de 'Caçadores de leões', um filme feito sobre eles, os caçadores de leões decidem se livrar da vergonha do leão chamado 'o Americano', que escapou deles em 1965. Eles localizam sua trilha (ele tem uma ferida característica em sua pata, causada pela armadilha). Mas ele é mais perspicaz que os caçadores, e é sua fêmea que é morta.
Um relato de uma catástrofe inevitável que não aconteceu…
Por dez dias em 1989, uma revolta na Romênia derrubou o governo e executou o líder Nicolai Ceaucescu. Os demonstradores ocuparam a estação de televisão e fizeram transmissões ininterruptas por 120 horas. O filme é uma condensação das 125 horas de material em vídeo documentando a cronologia destes eventos extraordinários, resultando num verdadeiro drama de vida com um elenco de pessoas e cenários reais.
In the course of projecting The Lion Hunters, a film made about them, the bow lion hunters decide to clear the shame of the lion called "the American," who escaped them in 1965. They relocate his trail (he has a characteristic wound of the paw, caused by a trap). But he is more cunning than the hunters, and it is his female that is killed.
A report about an inevitable catastrophe that did not take place...
In ten days in 1989, a rebellion in Romania overthrew the government and executed leader Nicolai Ceaucescu. Demonstrators then occupied the television station and broadcast continuously for 120 hours. Harun Farocki and Andrej Ujica's film is a condensation of 125 hours of video material documenting the chronology of these astounding events, resulting in true-life drama with a cast of characters and real settings.
cine humberto mauro
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20 nov 21h
20 nov 21h
18 nov 17h 73
Soldatskiy son Soldier's Dream
Dukhovnyye golosa (em 5 partes) Spiritual Voices (in 5 parts)
Tishe! Hush!
Rússia, dvd, cor, 10 min, 1993
Rússia, dvd, cor, 340 min, 1994
Russia, dvd, cor, 80 min, 2002
realização realization : Alexander Sokurov imagens camera : Aleksandr Burov montagem editing : Leda Semyonova som sound : Sergei Moshkov contato contact : cgauguin@ideale-audience.fr
realização realization : Alexander Sokurov imagens camera : Aleksandr Burov montagem editing : Leda Semyonova som sound : Sergei Moshkov contato contact : cgauguin@ideale-audience.fr
realização realization : Victor Kossakovsky imagens camera : Victor Kossakovsky montagem editing : Victor Kossakovsky som sound : Ivan Gusakov, Victor Kossakovsky contato contact : janebalfour@btconnect.com
O filme faz parte do documentário Spiritual Voices, de cinco horas de duração, filmado pela equipe de Sokurov na fronteira do Afeganistão. Os jovens soldados descansando após cumprirem seu trabalho personificam a importante e difícil função que perturba a juventude: assegurar a calma e a paz. Aqui as cenas documentais são transformadas em 'um soldado na fronteira entre a paz e a guerra'.
Em 1994, o cineasta Alexander Sokurov viajou às fronteiras entre Tadjiquistão e Afeganistão para fazer um filme sobre os soldados russos em seus postos nestes locais. Infiltrado nas tropas durante meses, Sokurov trouxe à tona uma perspectiva única da condição humana deste ambiente subjugante. Spiritual Voices tem o ritmo da tensão da batalha, a atmosfera do sol sem misericórdia e o tom das perigosas patrulhas pelos campos minados das montanhas.
O diretor russo Victor Kossakovsky filmou a rua onde ele mora em São Petersburgo da janela de seu apartamento durante um ano de reparos infindáveis para a celebração de 300 anos da cidade. Ao levar-nos através de pequenas cenas aparentemente triviais até a última, o cineasta produz uma verdadeira epifania da vida cotidiana.
This film is a small part of the five hour documentary "Spiritual Voices", shot by Sokurov's crew on the border of Afghanistan. The young soldiers resting after their duties personify the difficult and grave task which burdens youth: to ensure peace and calm. Here the documentary footage is transformed into "a soldier on the border of peace and war".
In 1994, filmmaker Alexander Sokurov journeyed to the Tajikistan-Afghanistan border to make a film about the Russian soldiers who were stationed there. Embedded with the troops for months, Sokurov emerged with a unique perspective of the human condition in an overwhelming environment. Spiritual Voices takes its pace from the tension of battle, its atmosphere from the merciless sun, and its tone from the dangerous patrols along mine-laden mountain paths.
The Russian director Victor Kossakovsky filmed the street where he lives in St. Petersburg from the window of his apartment during a year of endless repairs for the celebration of the 300th anniversary of the city. Taking us through apparently trivial little scenes all the way to the last one, the filmmaker produces a true epiphany of everyday life.
cine humberto mauro 74
20 nov 21h
cine humberto mauro cine humberto mauro
(1,2,3) (4,5)
19 nov 17h 19 nov 20h
cine humberto mauro
26 nov 19h
De Fem benspænd The five obstructions
The Grizzly Man O Homem Urso
Dinamarca, 35mm, p&b/ cor, 90 min, 2002
EUA, 35 mm, cor, 103 min, 2005
realização realization : Jorgen Leth & Lars Von Trier imagens camera : Dan Holmberg montagem editing : Camilla Skousen e Morten Højbjerg som sound : Hans Møller Martin e Saabye Andersen contato contact : www.dfi.dk
realização realization : Werner Herzog imagens camera : Peter Zeitlinger montagem editing : Joe Bini som sound : Ken King e Spencer Palermo contato contact : www.californiafilmes.com.br
Documentário teatral dirigido por Lars von Trier e Jørgen Leth. Uma jornada investigativa dentro do fenômeno 'documentário', baseado em manifestos escritos por cada um dos diretores. O filme é sobre um diretor não apenas revisitando mas também recriando (de um modo não convencional) um de seus primeiros filmes The Perfect Human (1967), um documento da vida na Dinamarca, com as costumeiras idiossincrasias de Leth.
Neste filme hipnotizante, o aclamado diretor Werner Herzog explora a vida e morte do amador expert em ursos-cinzentos e preservador da vida selvagem Timothy Treadwell que viveu desarmado entre estes ursos por 13 verões.
A theatre documentary directed by Lars von Trier and Jørgen Leth. An investigative journey into the phenomenon of "documentary", based on manifestos written by each director. About a filmmaker not only revisiting, but also recreating (not in a conventional sense) one of his first films, The Perfect Human / Det perfekte menneske (1967), a document on life in Denmark, containing the familiar Leth idiosyncrasies.
In this mesmerizing film, acclaimed director Werner Herzog explores the life and death of amateur grizzly bear expert and wildlife preservationist Timothy Treadwell, who lived unarmed among grizzlies for 13 summers.
cine humberto mauro
cine humberto mauro
24 nov 17h
* todos os filmes desta mostra serão exibidos em dvd
22 nov 21h 75
Júri Competitiva Nacional
Júri Competitiva Internacional
Ana Luiza Martins Costa
Arthur Omar
Pesquisadora da Biblioteca Nacional (RJ). Roteirista de documentários e programas de TV. Seu trabalho mais recente é o longa-metragem Mutum (co-roteirizado e dirigido por Sandra Kogut).
Cineasta, videomaker, fotógrafo, artista plástico, escritor, músico.
Consuelo Lins
Documentarista, realizou Nobreza Popular, Walter.doc. Produziu Peões, Edifício Master e Babilônia 2000 de Eduardo Coutinho.
Professora do programa de pós-graduação em Comunicação Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, documentarista, sua pesquisa atual tem como título O documentário contemporâneo entre o "Eu" e o "Outro" - cinema, vídeo e televisão.
Bráulio Brito
Paulo Maia
Pesquisador em semiótica, mídia e documentário, professor de comunicação e tecnologia, mídiaativista, integra o Centro de Mídia Independente.
Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional (UFRJ), integrante da Associação filmes de quintal.
Beth Formaggini
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Through the looking-glass Carla Maia Pedro Aspahan Raquel Junqueira
Palestina, Alemanha, Cuba, França, Portugal, Espanha, México, Marrocos, Irã, Rússia, Índia, Montenegro. Outras fisionomias. Outras geografias. Outros idiomas. Outro, o olhar. Olhar o outro. Entre os 61 filmes inscritos para a Mostra Competitiva Internacional do forumdoc.bh.2006, só mesmo a diferença pode ser compartilhada. Daí a dificuldade em selecionar alguns entre muitos - organizar uma mostra que leve em consideracão a diversidade de produções e abordagens, sem perder de vista um certo posicionamento em relação ao filme documentário.
É assim que pode ser mais militante o filme que, em meio à dor, revele o silêncio, em lugar do grito. Que sob a opressão revele a complexidade coerente da dúvida, para além da prontidão onipresente das dicotomias. Que, em lugar da imediaticidade do par ação e reação, dê a ver o tempo morto - para que aí, onde não se vê o movimento, possamos vislumbrar o tempo, o pensamento.
Escolhemos filmes que constróem relações de respeito com aquele que, ao mesmo tempo em que é filmado, participa do processo de produção do filme, tanto por seu pensamento quanto por sua auto-mise en scène, tanto por seu desejo quanto por sua imagem, por sua fala, pela direção de sua imaginação. Um olhar sobre as relações. Diante dos muitos olhares com que nos deparamos, a pergunta que pairou foi: como este filme pensa? Todos os filmes selecionados, de alguma maneira, trazem alguma reflexão e elaboração em termos de linguagem, seja passeando pelas bordas da ficção, seja apostando na radicalidade crua do encontro, seja criando uma poética possível sobre as imagens ou se inserindo na complexidade discreta do filme de observação. O cinema como uma forma que pensa e resiste. 83
Through the looking-glass Carla Maia Pedro Aspahan Raquel Junqueira tradução: Bruna Di Gioia
Palestine, Germany, Cuba, France, Portugal, Spain, Mexico, Morocco, Iran, Russia, India, Montenegro. Other physiognomies. Other geographies. Other languages. Other gaze. To gaze the other. Difference is the one thing the 61 movies enrolled to forumdoc.bh 2006 International Competitive Exhibition can share. And so, the difficulty in selecting a few amongst several – organizing an exhibit that takes under consideration the diversity of productions and approaches, without loosing sight of a certain positioning regarding documentary films.
That under oppression reveals the coherent complexity of doubt, beyond the omnipresent readiness of dichotomies. That, instead of the immediate couple action-reaction, conceives the sight of a dead time – and there, where movement is not seen, we might be able to glimpse time, thought.
We chose films that build respectful relationships to those that are being filmed and are, simultaneously, participating in the production process of the film, much for their thinking as to their self mise en scène, much for their desire as for their image, for their speech, the direction and their imagination. A view over relationships. Before the many views we experienced, the emerged question: how does a movie think? All the selected movies, somehow, bring some reflection and elaboration in terms of their cinematographic language, when bordering fiction, or betting on the crudeness radicalism of an encounter, creating a possible poetic over images, or penetrating in the discrete complexity of observation movies. The movie as a form that thinks and resists. This is how the most reactive movie can be the one that, amidst pain, reveals silence rather than a cry. 85
Quid Esperanza
Dim The Smoke
L'arche de Noée Noée's Ark
Bélgica, beta, cor, 14 min., 2005
Montenegro, vídeo digital, cor, 26 min., 2006
França, Digital, cor, 55 min., 2006
realização realization : Stephane Manzone imagens camera : Stephane Manzone montagem editing : Elie Rabinovitch som sound : David Minjauw contato contact : info@ajcnet.be
realização realization : Vladimir Perovic imagens camera : Milan Stanic montagem editing : Aleksandar Uhrin som sound : Dejan Kosanin contato contact : zetafilm@cg.yu
realização realization : Simon Leclere imagens camera : Simon Leclere montagem editing : Simon Leclere som sound : Simon Leclere contato contact : info@alterego-prod.com
Viajando entre a Espanha, Portugal e Sicília (na Itália) e sacudido pela música de Juan de la Cruz em seu 'Noite Mística', este documentário em três partes procura trazer à tona a parte oculta do mistério integrante do culto Católico nos países do Mediterrâneo.
Na antiguidade, o povo de Montenegro costumavam perguntar: “Quantos são vocês?” E responder: “Somos cerca de trinta fumaças”. A fumaça significa a lareira, o fogo, a família, a vida. Um forte simbolismo primordial...
Inicialmente, era um filme familiar. De uma geração à outra. Michel, Monique, Wanda e Wladek, imagens da vida cotidiana, e Noée, que deve vê-los algum dia, se quiser. E então, as palavras tornam-se essenciais, velhice, solidão. O amor que foi e o que sobrou dele. A morte que se aproxima, e Noée, naturalmente, que traz algum alívio.
Traveling between Spain, Portugal, Sicily rocked by the music of Juan de La Cruz's in his "Mystic Night", this three parts documentary strives to bring to light the occult part of mystery embedded in the Catholic Cult in Mediterranean Countries.
In ancient times, Montenegrins used to ask: "How many of you are there? " and to answer: We are about (i.e. thirty) smokes. The smoke means the hearth, the fire, the family, life. A strong primeval symbolism...
It was at first a family film. From one generation to the next. Michel, Monique, Wanda and Wladek, pictures of everyday life, and Noée who might see them some day, if she feels like. And then the words became essential, old age, solitude, love that was and what's left of it, death approaching, and Noée, naturally, who brings some relief.
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25 nov 15h
29 nov 15h
27 nov 17h
L'ami A friend
À flor da pele On edge
El Color de los Olivos The color of Olives
França, vídeo digital, cor, 65 min., 2005
Portugal, Betacam, Cor, 64 min, 2006
México, digital, cor, 97 min, 2006
realização realization : Sara Rastegar contato contact : sarastegar@wanadoo.fr
realização realization : Catarina Mourão imagens camera : João Ribeiro montagem editing : Catarina Mourão som sound : Catarina Mourão contato contact : laranjazul@mail.telepac.pt
realização realization : Carolina Rivas imagens camera : Daoud Sarhandi montagem editing : Daoud Sarhandi som sound : Daoud Sarhandi e Jacobo Martínez contato contact : daoudsarhandi@yahoo.co.uk
O encontro entre um velho cantor e pastor de ovelhas que vive só nas montanhas do Irã central e uma jovem iraniana que vive na França. O encontro de dois mundos diferentes que se encontraram no espaço aberto do deserto. Entre aquele que filma e aquele que é filmado.
...meninos e meninas crescendo, brincando e brigando... crianças se comportando como adultos, adultos se comportando como crianças... Às vezes as coisas ficam difíceis e claustrofóbicas, outras vezes, há um sentimento de harmonia e melancolia na vizinhança.
Como muitas famílias palestinas, os Amers vivem cercados pelo infame Muro da Cisjordânia. Cercas elétricas, cadeados e uma colônia de soldados armados dominam suas vidas diárias. Através das sensíveis câmeras da diretora Carolina Rivas, descobrimos o mundo particular dos oito membros da família.
The meeting between an old singing shepherd who lives alone in the mountains of central Iran and a young Iranian woman who lives in France. The meeting of two different worlds who come together in the wide-open space of the desert. Between one who films and one who is filmed.
...boys and girls growing, playing and fighting... Kids behaving like adults, adults behaving like kids... Sometimes things get tough and claustrophobic, other times there is a feeling of harmony and melancholy in the neighbourhood.
Like many Palestinian families, the Amers live surrounded by the infamous West Bank Wall. Their daily lives are dominated by eletrified fences, locks and a constant swarm of armed soldiers. Through director Carolina Rivas' sensitive lens, we discover the private world of all eight members of the family.
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25 nov 15h
29 nov 17h
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Tameksaout / La Bergère The shepherdess
Errance Wandering
Tempelhof They are flying planes
França, beta, cor, 95 min, 2005
Bélgica, beta, cor, 17min, 2005
Alemanha, beta sp, cor, 16 min, 2005
realização realization : Ivan Boccara imagens camera : Ivan Boccara montagem editing : Ivan Boccara som sound : Ariane Mellet contato contact : atlanteprod@wanadoo.fr
realização realization : Yuen imagens camera : Yuen montagem editing : Arnould Chapel som sound : Aude Grillon contato contact : info@ajcnet.be
realização realization : Eva Stotz imagens camera : Eva Stotz montagem editing : Garip Tedem e Johannes Schmelzer-Ziringer som sound : Eva Stotz contato contact : wolff@dffb.de
Um retrato da velhice de um homem e de uma mulher. Eles são um casal de pastores de ovelhas vagando pelos mapas marroquinos.
Em algum lugar de Hong-Kong, um calígrafo vive o contraste entre tradição e modernidade. Ao vê-lo em casa ou quando ele se move no espaço urbano, alguém pergunta sobre a questão da identidade em seu universo pessoal e em seu modo de reagir em relação à infra-estrutura da cidade. Seu corpo se move numa marcha tátil, ele traça sua escrita como uma coreografia.
Berlim 2004. Flughafen Tempelhof. Um avião decola. Quem está observando?
A portrait of a man's and women's old age. They are a couple of wandering shepherds in the Moroccan Atlas.
Somewhere in Hong Kong, a calligrapher lives the contrast between the tradition and modernity. While seeing him at home or when he displaces in the urban space, one asks the question of identity on his personal universe and on his way to react in relation to the infrastructure of the city. His body moves in a tactile gait, he interprets his writing like a choreography.
Berlin 2004. Flughafen Tempelhof. A plane takes off. Who is watching at it?
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27 nov 21h
27 nov 17h
29 nov 17h
In pursuit of the Siberian Shaman
Golden Kitchen
Un hazard habanero A Havana hazard
EUA, vídeo digital, cor, 73 min., 2005
Bélgica, beta, cor, 5 min, 2005
Itália, formato, cor, 49min., 2005
realização realization : Anya Bernstein contato contact : cyberanya@gmail.com
realização realization : Valerie Berteau e Philippe Witjes imagens camera : Valerie Berteau e Philippe Witjes montagem editing : Valerie Berteau e Philippe Witjes som sound : Valerie Berteau e Philippe Witjes contato contact : valerie.berteau@belgacom.net
realização realization : Chiara Bellina e Faustina Hanglin contato contact : +39 06 58332148
O filme acompanha um xamã indígena habitante de uma ilha remota na Sibéria, enquanto ele transita de rituais xamânicos intimistas para shows em vários resorts para turistas ocidentais em busca de culturas "primitivas". O filme capta as falhas na comunicação entre as culturas, ao mostrar o desentendimento entre o xamã e os turistas, muitas vezes cômico, outras vezes, incômodo.
Todos os dias a cozinha popular de SRI GURU RAM DASS SAHIB II serve 30.000 refeições grátis no Templo de Ouro de Amritsar.
Cuba é um país em rápida evolução. Os jovens estão agitados, procurando novas rotas para serem conhecidos, assim como para novas linguagens para se comunicar em qualquer forma artística - da música à literatura, do cinema às artes visuais. Este documentário não surgiu de um programa, mas de encontros casuais. Logo, tenta traçar um mapa entre as novas gerações cubanas que usam a arte como meio de comunicação.
This film takes a behind-the-scenes look at an indigenous shaman living on a remote Siberian island as he moves between intimate shamanic rituals and shows performed at various resorts for Western tourists in search of "primitive" cultures. The film captures cross-cultural miscommunication as the shaman and tourists misunderstand one another, usually comically, sometimes disturbingly.
Every day the free kitchen SRI GURU RAM DASS SAHIB II serves 30.000 meals in the Golden Temple of Amritsar.
Cuba is a country in fast evolution. The youths are in ferment; they are seeking new routes to let themselves be known as well as new lenguages to communicate in any artistic form - from music to literature, to cinema and visual arts. This documentary did not come out of a programme but out of casual encounters. Thus it tries tho draw a map among the new cuban generations thet use art as a means of communication.
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29 nov 15h
28 nov 15h
28 nov 15h 89
Singing Pictures
Drei Leben - Hanoi Three Lives - Hanoi
Encontros Encounters
Índia, vídeo digital, cor, 40 min, 2005
Alemanha, 35mm, cor, 28 min, 2006
Portugal, video digital, cor, 105 min, 2006
realização realization : Lina Fruzzetti, Akos Ostor, Adith Nath Sarkar imagens camera : Alfred Guzzetti e Akos Ostor montagem editing : Lina Fruzzetti e Akos Ostor som sound : Shawn Hainsworth e Joseph Sousa contato contact : www.der.org
realização realization : André Hörmann imagens camera : Thomas Bergmann montagem editing : Roland Barth som sound : Silvio Naumann contato contact : m.liebnitz@hff-potsdam.de
realização realization : Pierre-Marie Goulet imagens camera : Bruno Flament montagem editing : Pierre-Marie Goulet som sound : Francis Bonfanti, Joaquim Pinto contato contact : paulotrancoso@costacastelo.pt
Por gerações, comunidades Patua (Chitakas) do Leste de Bengal, Índia, têm pintado e cantado histórias retratadas em escrituras. Infelizmente, a concorrência de outras mídias arruinou significantemente este meio de vida. Em resposta a esta crise cultural, um grupo de mulheres de Naya formou uma cooperativa de pintores de escrituras.
Os retratos do monge budista Khue, o palhaço Phong e a jovem prostituta Thuy refletem os tempos do colonialismo francês, a guerra contra os Estados Unidos e a influência dos valores ocidentais modernos e globalizados em Hanói. As memórias fragmentárias ilustram não apenas a vida diária no Vietnã mas também das mudanças sociais dos últimos 70 anos.
Diz-se que a morte vem sempre de longe ao encontro de alguma coisa. Reencarnamos no reconhecimento de uma voz, e qualquer voz longínqua nos traz a certeza familiar de não termos estado nunca sozinhos. Porque nos reconhecemos nos bancos de jardim, onde nunca estivemos sentados. Porque a lembrança que se extingue é na memória que perdura. Que mistério de memória é essa, a da vida que, rasurando, escreve de novo o que não se deixa de sentir?
For generations, Patua (Chitakar) comunities of West Bengal, India, have been painters and singers of stories depicted in scrolls. Unfortunately, competition for other media significantly eroded this way of life. In response to this cultural, a group of womem from Naya formed a scroll painters' colaborative.
The portrait of Buddhist monk Khue, clown Phong and young prostitute Thuy mirror times of French colonialism, war against US and influence of modern, globalized western values in Hanoi. The fragmentary memories draw not only a picture of daily life in Vietnam but also of the social changes of the last 70 years.
Death is said to always come from faraway to encounter something. We reincarnate when we recognize a voice, and any faraway voice gives us the familiar assurance that we had never been alone. Why do we recognize ourselves in garden benches we had never sat before? Due to an extinguished reminiscence preserved in the memory. What is this memory mystery, a mystery of life, writing over and again not allowing us to feel iz/
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28 nov 15h
27 nov 17h
26 nov 21h
Jin-Riki-Sha Alemanha, beta, cor, 13 min, 2005 realização realization : Dirk Schreier imagens camera : Anne Misselwitz montagem editing : Susanne Krauss som sound : Andreas Mohnke, Ingo Baier contato contact : m.liebnitz@hff-potsdam.de Ramji Jadav é um dos aproximadamente 20.000 puxadores de rickshaw em Calcutá, a única cidade do mundo em que os rickshaws puxados à mão sobreviveram como importante meio de transporte para bens e pessoas. Jin-Riki-Sha (veículo movido à força humana) acompanha Ramji enquanto ele traça seu caminho espasmódico pelas ruas estreitas e cheias de Calcutá…
Ramji Jadav is one of approx. 20.000 rickshawpullers in Calcutta, the only city in the world where the hand-pulled rickshaw as an important means of transportation for goods as well as for people has survived. Jin-Riki-Sha (man-powered-vehicle) accompanies Ramji while he is thrusting his way through Calcutta's narrow and crowded streets...
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29 nov 17h 91
Não Anuncie Aqui Glaura Cardoso Vale Júnia Torres Rafael Barros Renata Otto
Neste ano de 2006, o conjunto de filmes que selecionamos para a mostra competitiva nacional pareceu-nos diferente: eis que, pelo menos, dois deles estavam já em cartaz no circuito comercial da cidade. Confessamos, ficamos meio acabrunhados pelo pouco hábito de exibirmos filmes não exclusivos no forumdoc.bh. Que diabos aconteceu desde o início, há dez anos, quando o evento parecia tão exótico quanto a natureza das imagens que ele exibia? Bem, não só os equipamentos ficaram mais acessíveis e melhores, não só os mecanismos de incentivo à produção desse tipo de cinema tornaram-se mais eficientes, mas também a própria idéia do que seja o documentário parece estar, hoje, mais nítida. O forumdoc.bh tem dado sua contribuição: tem sido sempre um evento independente (isto é, sem a modelação normal dos grandes eventos e suas obrigações mercantis) e, um tanto por conta disso, tem desanuviado da idéia-imagem do cinema documentário como projetos impensados e despropositados. Pelo menos, para o forumdoc.bh, o cinema documentário é marcado por um atributo específico: ser contra-hegemônico. E é por isso que ficamos um pouco desconfiados quando vimos os filmes que selecionamos no circuito comercial.
diferentes abordagens, diferentes olhares. Destacamse, nas obras, o caráter de experimentação, a postura política e estética, o desenraizamento ou descentramento do discurso, a opção pelo caráter polifônico, ao invés da escolha de uma verdade única e acabada. Optamos por filmes com matéria perecível, que questionam o tempo, que dialogam com o silêncio. Optamos por filmes que privilegiam os planos longos, por filmes realizados pelos que antes eram filmados, por filmes inacabados e independentes, enfim.
Apostamos, todavia, que essa ampliação da produção e circulação do documentário não provenha de uma facilidade (sua banalização), mas de certa maturidade técnica e teórica que os realizadores destas bandas de cá estão alcançando. É o que esperamos evidenciar nesta mostra competitiva nacional. Nela, buscamos uma diversidade de trabalhos: diferentes temas, 95
Do not advertise here Glaura Cardoso Vale Júnia Torres Rafael Barros Renata Otto
This year, the assortment of films we selected for the Brazilian competitive exhibition seemed a little different to us: And so, at least two of them were already in exhibition in the commercial movie theatres in town. We confess we were a bit vexed for we are not used to exhibiting “unexclusive” films at forumdoc.bh. What the hell happened since the beginning, 10 years ago, when the event seemed so exotic regarding the nature of the images shown? Well, not only were the equipments more accessible and better, but the production incentive mechanisms for this kind of production are now more efficient, and the idea itself of what is a documentary seems to be sharper today. forumdoc.bh has been contributing: it has always been an independent event (i.e., without the traditional form of big events and their commercial obligations) and, specially due to that, it has unclouded the image-idea of documentary films as thoughtless and unreasonable projects. At least, to forumdoc.bh, documentary films are defined by a very specific attri-bute: to be counter-hegemonic. And this is why we get a little apprehensive when we see films selected by us in the commercial circuit.
and ethical perspective, the digging up and “peripheralization” of the speech, the option for a polyphonic aspect, instead of choosing a unique and finished truth. We opt for films with an expiry date, films that question time, speak to silence. We chose films privileging long scenes, filmed by those who were previously being filmed, incomplete and independent films, at last.
We bet, nevertheless, that expansion in production and circulation of documentary does not come from simplicity (its facilitation), but from a certain technical and theoretical maturity that filmmakers in our surroundings have been accomplishing. That’s what we hope to show in this Brazilian competitive exhibition. We are searching for a diversity of projects: different themes, different approaches, and different gazes. In experimental works stand out the political 97
A Oferenda de Sabiá Sabiá's offering
Anuncie Aqui Space Available
Xinã Bena, Novos Tempos Xinã Bena, New Era
Brasil/ França, vídeo digital, cor, 21 min., 2005
Brasil, vídeo digital, cor, 22 min., 2005
Brasil, mini dv, cor, 52 min., 2005
realização realization : Claudia Turra Magni imagens camera : Claudia Turra Magni montagem editing : Thais Vieira contato contact : thais.svieira@terra.com.br
realização realization : Sem Rosto imagens camera : Sem Rosto montagem editing : Sem Rosto som sound : Sem Rosto contato contact : semrosto@riseup.net
realização realization : Zezinho Yube imagens camera : Zezinho Yube, Zé Matheus Itsairu, Vanessa Ayani, Fernando Siã, Josias Mana, Tadeu Siã montagem editing : Mari Corrêa, Pedro Portella e Vincent Carelli contato contact:videonasaldeias@videonasaldeias.org.br
Durante uma oficina de vídeo para pessoas semdomicílio em Paris, Sabiá, africana de 30 anos, realiza seu curta-metragem, “A Oferenda”. Ao representar a doação de um filho aos ancestrais, ela resgata crenças animistas e outros elementos significativos de suas múltiplas influências culturais. Acompanhado da música “Desafinado”, seu filme transcorre sem fala, enquanto Sabiá fornece à câmera da antropóloga as chaves para a compreensão de sua obra.
Afogados num mundo de anúncios, alguns poucos indivíduos anônimos ainda tentam respirar e imprimir na rua suas idéias, seus desejos e suas vontades. “Anuncie Aqui” é um documentário sobre a ação direta em anúncios publicitários do espaço urbano de Belo Horizonte. Com uma narrativa que privilegia a visão dos interventores, o vídeo discute o uso do espaço público da cidade, que, cada vez mais, tem seu “belo” horizonte estuprado pela publicidade.
Dia-a-dia da aldeia Hunikui de São Joaquim, no rio Jordão no estado do Acre. Augustinho, pajé e patriarca da aldeia, sua mulher e seu sogro, relembram o cativeiro nos seringais e festejam os novos tempos. Agora, com uma terra demarcada, eles podem voltar a ensinar as suas tradições para seus filhos e netos.
During a video workshop to homeless people in Paris, Sabiá, a 30-year-old African woman, features her short-film “The Offering”. As she represents her child's donation to ancestrals, she reminisces animist beliefs and other expressive elements from her multiple cultural background. Using the song 'Desafinado' as soundtrack, her motion picture develops in silence, as Sabiá gives the anthropologist's camera the keys to understanding her work.
Submerged by a world of advertising, a few unknown individuals still try to breath and imprint their ideas, desires and wills on the streets. 'Space Available' is a documentary about objective action over advertising in Belo Horizonte's urban space. Privileging the interveners' views, the video proposes a discussion about the uses of public space in a city which beauties are being increasingly raped by advertising.
The everyday life of Hunikui tribe in São Joaquim, by the Jordão river in the state of Acre. Augustinho, the tribe's priest and patriarch, his wife and father in-law recall the imprisonment in the rubber tree woods and celebrate new times. Now they live in their own indigenous reserve and are able to teach the traditions to their children and grandchildren again.
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18 nov 21h
18 nov 15h
fafich - ufmg cine humberto mauro
20 nov 9h30 24 nov 19h
Viva Volta Turning
Tempo dos Sem Voz Time of the speachless
Rap o canto da Ceilândia Rap the song of Ceilândia
Brasil, 35mm, cor, 15 min., 2005
Brasil/ França, vídeo digital, cor, 37 min., 2005
Brasil, 35mm, cor, 15 min., 2005
realização realization : Heloisa Passos imagens camera : Heloisa Passos montagem editing : Fernanda Rondom som sound : Valeria Ferro, Beto Ferraz, Caue Custodio e Pedro Lima contato contact : tinahardy@maquina.pro.br
realização realization : Claudia Turra Magni imagens camera : Claudia Turra Magni montagem editing : Thais Vieira contato contact : thais.svieira@terra.com.br
realização realization : Adirley Queirós imagens camera : Leonardo Feliciano montagem editing : Mariana Furumoto som sound : Franscisco Craysmeir contato contact : ceiperiferia@yahoo.com.br
“Viva Volta” é um documentário com o trombonista brasileiro Raul de Souza que, desde 1971, vive fora do Brasil e sofre com a falta de reconhecimento em seu país. Com o som do seu trombone ao fundo, o filme leva o personagem de volta a Bangu (RJ) e reconstrói sua trajetória, revisita “Saravah” (filme de 1969), e, em 2005, promove o reencontro de Raul e Maria Bethânia que, juntos, celebram a devoção pela música.
Jacques (francês), Hassen (tunisiano) e Djamel (argelino) realizam seus filmes em uma oficina de vídeo para pessoas sem domicílio fixo em Paris. Eles testemunham sobre os significados pessoais e sociais destas experiências, que os levam ao engajamento político pela abolição da pena de morte - particularmente pela libertação do jornalista americano Mumia Abu Jamal, membro dos Black Panter conhecido como o "Voz dos Sem-Voz", mantido no corredor da morte há duas décadas.
Sou negão careca da ceilândia mesmo e daí?" Quatro representantes do rap nacional, todos moradores da Ceilândia, discutem questões relacionadas ao território e à auto-afirmação.
“Turning” is a documentary about Brazilian trombonist Raul de Souza, an expatriate since 1971 for lack of recognition in his own country. His trombone is the soundtrack for the feature whose team arranges for the character's return to the city of Bangu (in the state of Rio de Janeiro) as it re-enacts his trajectory, revisits 'Saravah' (motion-picture made in 1969) and, in 2005, promotes Raul's meeting with Maria Bethania. Together, they celebrate their devotion to music.
Jacques is French, Hassen, Tunisian and Djamel, Algerian. They feature their films in a video workshop for homeless people in Paris. They speak about the personal and social meanings of those experiences that lead them to a political involvement for abolishing death penalty, more precisely for the freeing of the North-American journalist Mumia Abu Jamal, a Black Panther member know as “Voice of the Speechless”, kept in the death row for two decades.
“I really am a black bold guy from Ceilândia, so what?” Four representatives from national rap living in Ceilândia argue about issues related to territory and affirmative action.
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18 nov 21h
21 nov 19h
21 nov 19h 99
Paredes Pinturas Wall Paintings
Iauaretê, Cachoeira das Onças Iauaretê, Waterfall of the Jaguars
Helena Zero Helena Zero
Brasil, vídeo digital, cor, 64 min., 2005
Brasil, mini dv, cor, 48 min., 2006
Brasil, vídeo digital, cor, 24 min., 2006
realização realization : Ludmila Ferolla imagens camera : Ludmila Ferolla montagem editing : Alessio Slossel contato contact : lferolla@uol.com.br
realização realization : Vincent Carelli imagens camera : Vincent Carelli e Altair Paixão montagem editing : Joana Collier contato contact:videonasaldeias@videonasaldeias.org.br
realização realization : Joel Pizzini imagens camera : Eryck Rocha montagem editing : Robson Rumin som sound : Alexandre Guays contato contact : pizzini@uol.com.br
“Paredes Pinturas” retrata o trabalho da artista plástica brasileira Mônica Nador na periferia de São Paulo. A partir dos desenhos de membros da comunidade, Nador propõe uma intervenção conjunta de pinturas em muros e paredes das casas do bairro. As pinturas resultantes refletem a troca entre a artista e a comunidade, passando pelo desejo de implodir a autoria.
Um relato mítico ilustrado nas pedras de uma cachoeira, a reconstrução de uma grande maloca, a tentativa de reaver objetos há anos guardados em um museu de Manaus. Em “Iaruetê”, Cachoeira das onças" os índios Tariano, do noroeste da Amazônia, após décadas de catequese missionária, resolvem fazer um registro cultural dirigido às futuras gerações.
Documentário poético sobre a trajetória cinematográfica da atriz Helena Ignez.
“Wall Paintings” shows the work of Brazilian artist Mônica Nador in the outskirts of São Paulo. Through sketching community members, Nador proposes a collective intervention of paintings in walls in the neighborhood. The resulting paintings reflect the mutual exchange between artist and community, including the desire to abolish copyrights.
A mythical illustrated report in the stones of a waterfall, the reconstruction of a great indigenous village, the attempt to retrieve objects kept for years in a museum in Manaus. In “Iauretê, Waterfall of the Jaguars” the Tariano indigenous in the northeast of the Amazon jungle, after many years of missionary teaching, decide to make a cultural record for future generations.
This poetic documentary is about the trajectory of actress Helena Ignez in the movie business.
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18 nov 15h
20 nov 17h
18 nov 15h
Dia de Festa Housewarming Party
Caminho da Escola Paraná Dream Route to School
As Vilas Volantes - o verbo contra o vento The Drifting Villages
Brasil, 35mm, cor, 77 min., 2006
Brasil, vídeo digital, cor, 54 min., 2006
Brasil, vídeo digital, cor, 55 min., 2005
realização realization : Toni Venturi e Pablo Georgieff imagens camera : Philippe Lafaix, Flávio Murilo, Toni Venturi montagem editing : Rodrigo Menecucci som sound : Gérard Achille e Miquéias Motta contato contact : producao.olhar@terra.com.br
realização realization : Heloisa Passos imagens camera : Heloisa Passos montagem editing : Fernanda Rondon som sound : Veleria Ferro, Roberto Carlos, Ulisses Galeto contato contact : tinahardy@maquina.pro.br
realização realization : Alexandre Veras imagens camera : Ivo Lopes Araújo e Alexandre Veras montagem editing : Alexandre Veras, Fred Benevides e Ruy Vasconcelos som sound : Lênio Oliveira contato contact : renatonery@tvcultura.com.br
Em outubro de 2004 o centro de São Paulo foi cenário de cenas de guerra. Pouca gente viu ou ouviu falar. O filme, de temática absolutamente contemporânea, poderia ser rodado agora, em 2006, pelas madrugadas do centro de São Paulo.
“Caminho da Escola Paraná” é um filme sobre crianças (filhos de trabalhadores que vivem na serra do mar) e seu acesso à escola, em percursos de até 4 h/dia. O caminho físico e o caminho da vida entrelaça imagens e relatos provocadores e sensíveis - para incomodar, enternecer... Filmado na Colônia Castelhano, município de São José dos Pinhais, perto da cidade de Curitiba, capital do Paraná, sul do Brasil.
Na costa oeste do Ceará, vilas pesqueiras seguem permanentemente movendo-se por ação do vento, deslocando dunas, bem como o empuxo das marés - embora a memória dessas vilas permaneça muito vívida na mente de seus habitantes - especialmente dos mais velhos. O espaço físico perdido é, então, reconstruído pela força de elocução da palavra. Através do verbo, seus habitantes reconstroem lugares, hábitos e práticas, que não mais existem ou estão prestes a desaparecer.
In October 2004, downtown São Paulo was the setting for war scenes. Only few people saw and heard about it. The movie, with an extremely contemporary theme, could have been made today, in 2006, through downtown São Paulo's late nights.
'Dream Route to School' is a movie about the children of workers who live in Serra do Mar (state of Paraná) and their access to school in trips that take up to 4 hours a day. Will it change their lives? A physical and lifetime trajectory intertwined with images as well as provocative and sensitive reports - in order to bother, disconcert... The picture was filmed in Colônia Castelhano, in São José dos Pinhais near Curitiba, Paraná's major city in the south of Brazil.
In the west coast of the state of Ceará, fishing villages are continuously moved by the wind that carries the dunes as well as the tidal forces despite these villages' memories being very vivid in the minds of their inhabitants, specially the elderly ones. The physical space lost is therefore rebuilt by the strength and passion of words. Through oral speech, the population rebuilds places, habits and practices that no longer exist or even, are about to disappear.
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18 nov 21h
24 nov 19h
21 nov 19h 101
Estamira Estamira
A esperança de “Seda” Faithfull Sita
Brasil, 35mm, cor/p&b, 115 min., 2005
Brasil/ Camboja, vídeo digital, cor, 57 min., 2006
realização realization : Marcos Prado imagens camera : Marcos Prado montagem editing : Tuco som sound : Leandro Lima contato contact : zazen@zazen.com.br
realização realization : Eduardo Rosse e Maristela Galeano imagens camera : Eduardo Rosse e Maristela Galeano montagem editing : Eduardo Rosse som sound : Eduardo Rosse e Maristela Galeano
O filme conta a história de uma mulher de 63 anos que sofre de distúrbios mentais e trabalha há mais de vinte anos no Aterro Sanitário do Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro. Com um discurso eloqüente, filosófico e poético, Estamira vive em função de sua missão: “revelar e cobrar a verdade”. Vivendo no lixo da civilização, ela consegue superar sua condição miserável e coloca em questão os valores perdidos da sociedade.
Em todo o sudeste asiático e Índia se faz sentir a enorme influência do épico “Ramayana”. No Camboja, o “Lkhaon khaol” - teatro mascarado composto apenas por homens - encanta os personagens humanos, macacos e ogres cujas sinas se desenrolam em torno da separação e reencontro dos semideuses Príncipe “Ream” e sua esposa “Seda”.
The film tells the story of 63-year-old woman with mental disabilities who has been working in the landfill in Jardim Gramacho, Rio de Janeiro for over 20 years. Estamira, with a passionate, philosophic and poetic speech, lives by her mission: 'to reveal and demands the truth'. She lives in civilization dump and prevails her miserable condition while questioning today's society's lost values.
In the whole of India and Southeast of Asia one can feel the great influence of the epic “Ramayana”. In Cambodia, “Lkhaon khaol” is a masquerade theater only for men that charms human characters, monkeys and 'ogres' whose destiny revolve around the separation and reunion of semi gods Prince Rama and his wife Sita.
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102
21 nov 21h
20 nov 17h
La Dernière utopie: Rossellini et la télévision The last utopia: Rossellini and television França/Itália, beta digital, cor, 90 min., 2005 realização realization : Jean-Louis Comolli imagens camera : Michel Bort montagem editing : Ginette Lavigne som sound : Francisco Camino No início dos anos 60, Roberto Rossellini se afasta da indústria "clássica" do cinema para iniciar um ambicioso projeto de realizações para a televisão. O cineasta quer oferecer aos seus contemporâneos os meios de reaprender a pensar o mundo, sua condição, sua história. Extratos de filmes, entrevistas radiofônicas e histórias de alguns colaboradores próximos mostram como a televisão vista por Rossellini era a continuação do trabalho realizado desde "Roma, cidade aberta". In the early 60's, Roberto Rossellini steps away from the “classic” movie industry in order to start an ambitious project of television productions. The filmmaker wants to offer his contemporaries new ways to learn how to think the world, their condition, their history. Movies extracts, radio interviews and stories of some of his close collaborators show how television as seen by Rossellini was the evolution of the work developed since “Rome, Open City”.
SESSÃO COMENTADA por César Guimarães professor do programa de pós-graduação em comunicação social/ufmg
cine humberto mauro
20 nov 19h 105
En rachâchant França, 35mm, p&b, 7min30, 1962 realização realization : Danièle Huillet e Jean-Marie Straub imagens camera : Henri Alekan som sound : Louis Hochet
Baseado na história "Ernesto" de Marguerite Duras.
Based in Marguerite Duras' history "Ernesto".
IN MEMORIAN Daniele Huillet 1936 - 2006
cine humberto mauro 106
24 nov 21h
SESSÃO EXTRA
SESSÃO FILMES DE QUINTAL
O cego The blind man
Acidente Accident
Um olhar sobre os quilombos no Brasil A gaze over quilombos in Brazil
Brasil, vídeo digital, cor, 12 min., 2005
Brasil, 35mm, cor, 72 min., 2006
Brasil, vídeo digital, cor, 100 min., 2006
realização realization : Beatriz Goulart imagens camera : Sávio Leite montagem editing : Sávio Leite contato contact : beatriz.goulart@terra.com.br
realização realization : Cao Guimarães, Pablo Lobato imagens camera : Cao Guimarães, Pablo Lobato, Marcos Moreira, Beto Magalhães montagem editing : Cao Guimarães, Pablo Lobato som sound : O Grivo contato contact : acidente@teia.art.br
realização realization : Cida Reis e Júnia Torres imagens camera : Cleumo Segond montagem editing : Nélio Costa som sound : Pedro Aspahan contato contact : acidareis@ig.com.br
O cego que atira. O cego que filma. Ambos gracejam da nossa cegueira. Perseguir a posse, fazer fortuna para se apropriar do destino. Metáfora atual desses nossos tristes tempos. Mas não se enganem - o diretor de Bang Bang, Andréa Tonacci, enxerga além das câmeras e principalmente a si mesmo. Como Tirésias - o cego vidente.
Acidente é um filme em que pequenas realidades se revelam na trivialidade cotidiana de 20 cidades.
O documentário percorre cinco comunidades remanescentes de quilombos no Brasil registrando aspectos históricos e contemporâneos relacionados a questões territoriais, identidades culturais, lutas coletivas e conquistas de direitos. No cruzamento entre nossos olhares e os olhares dos próprios quilombolas, evidencia-se a diversidade de cada experiência e os elementos comuns entre elas.
The blind man who shoots. The blind man who records. Both of them make fun of our blindness. To pursue possessions, to make a fortune in order to appropriate destiny. A current metaphor of our sad times. Do not be mistaken - the Western director, Andréa Tonacci, can see beyond the cameras and especially he can see himself. Like Tirésias - the fortuneteller blind man.
Accident is a film in which small realities reveal themselves in the everyday triviality of 20 cities.
The documentary tours five residual quilombo communities in Brazil registering historic and contemporary aspects related to territorial issues, cultural identities, collective struggle and conquering rights. In the crossing between our gazes and those from the quilombo population, the diversity of each experience and their common elements reveals itself.
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23 nov 17h
23 nov 17h
22 nov 15h 107
Forum de debates MESA REDONDA
SESSÕES COMENTADAS
Timothy Asch entre os yanomâmi
Jeanne Dielman, 23 Quai du Commerce, 1080 Bruxelles (1975)
Mostra Timothy Asch
Sarah Elder Documentarista e professora no Departamento de
direção: Chantal Akerman
Bride Service
Estudos Midiáticos na Universidade Estadual de Nova
por Ivone Margulies
York - Buffalo
cine humberto mauro
Maria Inês Smiljanic
Arrows
23 nov 18h30
Vocação do Poder (2005)
Antropologia da Universidade Federal do Paraná.
por Eduardo Escorel, diretor do filme
Ana Carvalho Ziller de Araújo (mediadora)
cine humberto mauro
cine humberto mauro
28 nov 21h
PALESTRAS
cine humberto mauro 25 nov 19h
28 nov 17h
Mostra Timothy Asch Children's Magical Death
Mostra Timothy Asch
The Feast
Jero on Jero
por David Kopenawa Yanomâmi
A Balinese Trance Seance
fafich - ufmg
29 nov 9h30
Releasing the Spirits: A Village Cremation in Bali
Mostra Chantal Akerman
por Sarah Elder
Do silêncio do mar ao cinema falado: encenando idéias através do monólogo em série
Tishe! / Hush! (2002)
por Jean Claude Bernadet, cineasta e crítico
por Ivone Margulies
direção: Victor Kossakovsky
cine humberto mauro
Professora do departamento de Film and Media
por Eduardo Escorel, curador da mostra Cânone Íntimo
Studies / Hunter College, em Nova York. Autora de
cine humberto mauro
cine humberto mauro
25 nov 17h
26 nov 19h
Everyday, publicado em 1996, pela Duke UP
Cabra Marcado para Morrer (1984)
fafich - ufmg
direção: Eduardo Coutinho
24 nov 9h
por Eduardo Escorel, montador do filme
Cinema e História
cine humberto mauro
por Eduardo Escorel, cineasta
fafich - ufmg
28 nov 11h
Saute ma ville (1968) Je Tu Il Elle (1972)
Nothing Happens: Chantal Akerman's Hyperrealist
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Jaguar por David Kopenawa Yanomâmi
Professora e pesquisadora do Departamento de
Documentarista, associada da Filmes de Quintal
Children's Magical Death
27 nov 19h
30 nov 17h
Bordado em sisal Oswaldo Teixeira De uma Enciclopédia do cinema bordada em sisal (como nos créditos iniciais de um filme do Ozu) por um piauiense, interno num hospital psiquiátrico de São Paulo. Foi recentemente encontrada no fundo de um baú com o seguinte bilhete: “Depois de ter cruelmente minhas Cabezas Cortadas”. “Na ainda curta história do cinema, num país do terceiro mundo, subdesenvolvido mesmo, pobre, onde as pessoas morriam diariamente de fome, de bala e de vergonha, surgiu um louco nos rincões da Bahia que ficava gritando em praça pública, expondose assim ao ridículo. (Ou será que o que ele expunha era o ridículo dessa - também sua - situação?). Como todo mundo passava por ele sem dar muita atenção, este louco resolveu levar uma câmera para a rua e chamar um ou dois amigos para falar um texto que ele inventava na hora; falar não, de preferência gritar ou sussurrar, mas sempre desesperando. Queria ser escutado no escuro. Já estava fazendo filmes: transformava assim sua desesperança numa outra possibilidade de vida. Esse louco chamava o Godard e o Jean Rouch de amigos... e, se precisasse, de colonizadores. Muitos tentaram imitá-lo. Todos fracassaram. Afinal, existirá loucura maior do que tentar imitar a loucura alheia? «O mal é o ritmo dos outros», dizia Michaux. O artista, parece-me, é aquele que questiona o seu próprio ritmo, que o coloca contra si. E o Glauber Rocha, além de louco, era artista. Portanto, o que dizia era menos uma profecia (seus filmes, aliás, não são todos contra os profetas?) do que uma denúncia. É alguém em quem não se pode confiar. Apesar de sua muita sinceridade."
Junto com o bordado havia também um recorte da revista "Fatos e Fotos", de 17 de out. de 1976, n. 791: "Bobagem. A diferença entre arte popular e arte intelectual é imposta pela censura e por um grupo de críticos que fica classificando o que o público pode assistir ou não. Determinar qual a arte para o povo é uma posição fascista. O processo de comunicação da obra de arte não é racional, mas afetivo. Quando me dizem que a maioria do público não entende um filme como Terra em transe, respondo que é mais interessante que ele brigue com o que está vendo do que aceite passivamente o filme. Cinema Novo, nome cujo significado o povo não entende, é na verdade um grupo de 15 pessoas que moram e fazem filmes no Rio. Desse grupo saem dois filmes por ano. Casualmente são os melhores, se comparados com os outros filmes". No baú não havia mais nada. A não ser uma lista já envelhecida pelo tempo, e aparentemente sem muita importância, com os emails de 15 ou 20 pessoas que realizavam um festival obscuro de cinema em Belo Horizonte/MG, forumdoc.bh, nome cujo significado o povo não entendia. Não se sabe se o louco piauiense mantinha contato com essa equipe que anualmente projetava cerca de 100 filmes para um escasso número de pessoas. No entanto, havia na margem da folha uma anotação escrita à mão, numa letra muito pequena, quase ilegível: "100 filmes: casualmente os melhores, se comparados com os outros. (Se eu fosse alguém em quem se pudesse confiar)". 111
Cinema Novo “Quem somos? Que cinema é o nosso? “O público não quer saber de nada disto. Ele vai ao cinema para se divertir, mas encontra na tela um filme nacional que exige dele um esforço anormal para estabelecer um diálogo com um cineasta que faz, de sua parte, um esforço anormal para falar com o público... em outra linguagem! Mas o que queríamos? Tudo era confuso. Quando Miguel Borges fez um manifesto disse que nós queremos cinema-cinema. Paulo respondeu que aquilo era como a história do menino que pediu ao pai uma bola-bola e o pai ficou sem saber o que era.O cinema novo ficou com a utopia brasileira. Se ela é feia, irregular, suja, confusa, caótica, é também bonita, desarmônica, iluminante, revolucionária. Que outros filmes mostraram o Brasil mais próximo de sua verdade como mostraram nossos grandes artistas do passado? O cinema novo é a síntese criadora do cinema brasileiro popular internacional. Um filme de cinema novo é polêmico antes, durante e depois de sua projeção, e o dado concreto de sua existência é um elemento novo no paraíso de inércia. O objetivo do cinema novo é que todo o cinema brasileiro seja novo. Nosso cinema é novo porque o homem brasileiro é novo e a problemática do Brasil é nova e nossa luz é nova e por isto nossos filmes nascem diferentes dos cinemas da Europa” Glauber Rocha, in Tempo Glauber.
113
Maranhão 66
Cabezas Cortadas Cutting heads
Brasil, 35mm, p&b, 11 min., 1966
Brasil/Espanha, 35mm, cor, 95 min., 1970
realização realization : Glauber Rocha imagens camera : Fernando Duarte montagem editing : João Ramiro Melo som sound : Eduardo Escorel contato contact : www.temploglauber.com.br
realização realization : Glauber Rocha imagens camera : Jaime Deu Casas montagem editing : Eduardo Escorel som sound : Roger Sangenis contato contact : www.temploglauber.com.br
José Sarney , eleito governador do Maranhão, faz discurso de posse. Aclamado em praça pública por milhares de pessoas, ele afirma: "O Maranhão não quer a violência, a miséria, a fome, a o analfabetismo, as taxas de mortalidade infantil." Sobre o discurso do candidato contrapõem-se imagens documentárias: habitações miseráveis, pessoas pobres, doente sem atendimento e hospitais em péssimas condições.
Um relato mítico ilustrado nas pedras de uma cachoeira, a reconstrução de uma grande maloca, a tentativa de reaver objetos há anos guardados em um museu de Manaus. Em “Iaruetê”, Cachoeira das onças" os índios Tariano, do noroeste da Amazônia, após décadas de catequese missionária, resolvem fazer um registro cultural dirigido às futuras gerações.
José Sarney, elected Maranhão's governor, makes his inauguration speech. Acclaimed by thousands of people in public, he says: “Maranhão does not want violence, misery, hunger, illiteracy and infant mortality rates.” Overlapping the candidate's speech, documentary images contrast: miserable houses, poor people, sick people without proper care and hospitals in terrible conditions.
A mythical illustrated report in the stones of a waterfall, the reconstruction of a great indigenous village, the attempt to retrieve objects kept for years in a museum in Manaus. In “Iauretê, Waterfall of the Jaguars” the Tariano indigenous in the northeast of the Amazon jungle, after many years of missionary teaching, decide to make a cultural record for future generations.
SESSÃO ENCERRAMENTO resultado das mostras competitivas, exibição do vídeo oficina realizadores indígenas e sessão Glauber
cine humberto mauro 114
30 nov 21h
Oficina de realizadores indígenas Indigenous filmmakers’ workshop A Oficina de realizadores Indígenas forumdoc.bh 2006 tem o prazer de apresentar Zezinho Yube Hunikui, realizador do documentário XINÃ BENA, NOVOS TEMPOS (Prêmio Revelação Tatu de Prata, na 33ª Jornada de Cinema Internacional da Bahia). Morador da Terra Indígena Praia do Carapanã, uma aldeia próxima ao município de Tarauacá, Acre, Zezinho é o mais novo realizador indígena do projeto Vídeo nas Aldeias. Quando propomos uma ‘Oficina de Realizadores Indígenas’, estamos pensando em trocas mútuas, em discursos e olhares que deixam vestígios, que se contaminam. Durante o período do festival, um grupo de alunos realiza um vídeo sobre um lugar de Belo Horizonte e seus habitantes. Pensamos que essa é uma maneira de repensar o papel dos festivais de cinema, onde podemos mais que contemplar e debater: realizar. Forumdoc. 2006 indigenous filmmakers workshop proudly presents Zezinho Yube Hunikui, whose documentary “Xinã Bena, New Times” was awarded the Silver Armadillo Revelation Award in the 33rd Bahia’s International Movie Journey. He lives in the protected area for indigenous Praia do Carapanã, a village nearby Tarauacá, in the state of Acre. As we propose an indigenous filmmakers workshop, we think about reciprocal exchanges, speeches and gazes that leave their traces, that contaminate each other. During this festival, a group of students will make a video about somewhere in Belo Horizonte and the residents. We think this is a way to rethink the role of movie festivals, so we can start achieving, other than just contemplating and debating.
24 a 26 de novembro
9h30 às 17h 117
Quatro ou cinco dilemas* Eduardo Escorel * Escrito para mesa redonda sobre o documentário brasileiro, realizada em Paris, em 8 de julho de 2005, durante o festival Paris Cinema. Publicado em O Estado de S.Paulo, Caderno 2, 24 de julho de 2005; republicado em folheto editado por José Carlos Avellar para o SESC: Vocação do poder – documentário: espelho crítico do Brasil, 2005, pp. 12-23.
O diretor de documentários enfrenta, hoje em dia, alguns dilemas, não importa qual seja o país em que trabalhe. Mas, no Brasil, há opções específicas a fazer que podem chegar a pôr em questão a própria legi-timidade dessa prática profissional. Seriam 4, a meu ver, esses dilemas fundamentais: o da (1º) obsolescência; o da (2º) incongruência; o da (3º) indisponibilidade e o da (4º) sobrevivência. Acredito que seja das escolhas feitas diante de cada um deles que resulta a maior ou menor relevância, originalidade, interesse e razão de ser dos documentários que vêm sendo produzidos em nosso país. Ladrões de cinema, dirigido por Fernando Cony Campos em 1977, já nos alertara, há quase 30 anos, para a circunstância de que a profissão de cineasta estava se tornando obsoleta. No filme, moradores de uma favela do Rio de Janeiro roubam a câmera e o gravador de uma equipe de norteamericanos, que estão filmando o desfile de uma escola de samba. Em vez de vender o equipamento, resolvem fazer um filme a ser dirigido pela dupla Luquinha e Fuleiro. Luquinha, de Jean-Luc (Godard) e Lucchino (Visconti). Fuleiro, de (Samuel) Fuller. Tendo aprendido de um personagem chamado Claude Rouch que é preciso ter negativo na câmera para poder filmar, os ladrões de cinema assumem eles mesmos a direção do filme sobre Tiradentes e demonstram que a presença de um diretor profissional nas filmagens pode ser dispensável.
Passadas três décadas desde que Ladrões de cinema foi feito, não é mais necessário roubar equipamento para reafirmar a desnecessidade do diretor profissional. Comunidades indígenas no Alto Amazonas têm acesso a cursos de formação técnica, câmeras e ilhas de edição através do projeto Video nas aldeias, que forma realizadores indígenas desde 1987, entre 23 povos em 4 estados da Amazônia legal. O mesmo ocorre em favelas do Rio de Janeiro, onde a entidade Nós do cinema dedicase à formação de jovens ca-rentes em diversas especializações do audiovisual e a Central Única das Favelas – CUFA formou, em 2004, a terceira turma de audiovisual. Indígenas e moradores das comunidades urbanas carentes tomaram em suas mãos a tarefa de registrar suas próprias imagens, tornando obsoleta a mediação do cineasta profissional. Esse é o primeiro dilema que deve induzir o realizador de documentários, no mínimo, a procurar redefinir sua função, além da sua temática e forma preferenciais. Outra comprovação desse primeiro dilema poderia ser feita tomando-se como exemplo um evento recente que chegou a ser comparado à Marcha do Sal, liderada por Gandhi em 1930, na qual 2 milhões de indianos desafiaram a taxação imposta pelos ingleses. Em versão bem mais modesta, 12200 integrantes do Movimento dos Sem-Terra (MST) percorreram, no início de maio de 2005, 205 quilômetros em 16 dias, chegando a Brasília para protestar contra a política econômica do governo e apresentar ao presidente da República a reivindi121
cação de que a reforma agrária fosse efetivada, assentando 400 mil famílias ao longo do seu mandato. Essa teria sido, segundo a avaliação da imprensa, a “maior marcha de reivindicação social da história do País.” À parte o possível exagero da comparação com a marcha indiana, não resta dúvida de que o evento brasileiro poderia ser tema de vários documentários. Sabemos que gravações foram feitas por jornalistas turcos para a CNN da Turquia e por equipes da Suécia, Coréia e Itália. Registros jornalísticos também foram exibidos nos telejornais das emissoras de televisão brasileiras e é provável que integrantes do próprio MST tenham feito algum gênero de gravação. E os documentaristas brasileiros? Terão acompanhado a marcha? Até onde soubemos, um registro foi feito pelo fotógrafo Alberto Bellezia Neto, mas o material gravado ainda não foi editado. Ainda assim, considerando a significação atribuída ao evento, diria que a presença desse câmera solitário não chega a alterar a impressão de que os realizadores de documentários tenham estado ausentes, pecando por omissão diante de eventos significativos da nossa história contemporânea e ratificando, dessa maneira, sua irrelevância.1 O segundo dilema, da incongruência, pode ser exemplificado pela situação vivida por uma dupla de documentaristas (Ricardo Stein e eu mesmo) quando gravavam, em fevereiro de 2005, a reunião de 300 pequenos agricultores na fábrica de farinha de Inhapi, cidade com 20.000 habitantes da região semiárida do estado de Alagoas. Um dos principais objetivos do encontro era a renegociação das dívidas com o Banco do Nordeste, de maneira que os agricultores pudessem tomar novos empréstimos que garantissem o plantio da próxima safra. A maior dívida entre os 122
participantes da reunião chegava a 15 mil reais, resultante de um empréstimo inicial de 7 mil reais, somados aos juros acumulados. A equipe de gravação, por sua vez, estava gastando quantia equivalente a essa, mais do que a maioria das dívidas individuais que estavam sendo negociadas, apenas para se deslocar do Rio de Janeiro até Alagoas, cobrir custos de hospedagem e alimentação, e pagar a locação de equipamento e aquisição de fitas. Esse é o antigo dilema da incongruência, que pode ser dilacerante em um país, como o Brasil, de extrema desigualdade social, onde pessoas que participam de um documentário, muitas vezes, dependem apenas para sobreviver de uma parcela infinitesimal do custo da gravação. O terceiro dilema se evidencia quando lembramos do documentário chinês, A oeste dos trilhos, realizado por Wang Bing em 2003, a respeito do qual Dominique Paini falou na “disponibilidade absoluta para o tempo e o espaço”, como sendo um aspecto essencial dessa saga de 9 horas, gravada ao longo de três anos. Uma das maiores virtudes do documentário de Wang Bing seria, segundo Dominique Paini, o fato do “sentido advir pelo ato de filmar, no momento mesmo da gravação, deixando se apresentar diante da câmera a paisagem e os personagens”. Em um modelo de produção como o que vigora no Brasil, regido por normas burocráticas e dependente de favores fiscais do Estado, parece duvidoso que projetos semelhantes possam ser realizados, no que diz respeito à duração da gravação, do documentário editado em si e à disponibilidade do realizador para “o tempo e o espaço”. O terceiro dilema, nomeado aqui como o da indisponiblidade, resulta, portanto, do fato dos projetos serem condicionados pela obrigatoriedade de atender regulamentos e exigências legais em sua formulação, e pelo limite estrito de tempo que se pode dedicar a eles em sua realização.
1 Em junho de 2006, tivemos notícia de que um grupo de jovens goianos gravou a Marcha e que o material ainda estava sendo editado.
2 Passados 3 anos, Falcão-Meninos do tráfico finalmente foi exibido no Fantástico, da Rede Globo, tendo tido grande repercussão.
A potencialização do que levou o cineasta polonês, Krzysztof Kieslowski, a abandonar o cinema documentário constitui o quarto dilema. Kieslowski percebeu, durante a realização de Estação, em 1981, que a vida da pessoa filmada pode ser afetada pela própria filmagem. Para ele, “todo realizador de filmes não-ficcionais acaba percebendo um dia os limites que não podem ser ultrapassados – aqueles além dos quais arriscamos causar dano a quem filmamos”, conforme declarou à revista Positif. No Brasil, não se trata apenas de afetar quem é filmado. Abordar certos temas e fazer gravações em certos lugares pode resultar em ameaça à própria vida de quem realiza e de quem participa da filmagem. Pelo menos uma reportagem documental teria deixado de ser exibido para não pôr em risco a vida das pessoas envolvidas na sua realização (Falcão- Meninos do tráfico, realizado em 2003 por MV Bill e produzido pela Central única das favelas – CUFA2). Ainda assim, os 16 jovens ouvidos no mesmo documentário teriam sido assassinados nos dois anos seguintes às gravações. O dilema da sobrevivência surge quando o medo prevalece nas relações entre moradores de comunidades, policiais e cineastas. Há três anos, João Moreira Salles, já se perguntava onde estavam as imagens da tragédia do Grande Rio, em que as estatísticas mais recentes indicam a ocorrência de 97 assassinatos por mês, em um total de 1.167 casos em 2004. Segundo ele, esses registros visuais “não estão em lugar nenhum”, existindo, nas suas palavras, uma “tradição brasileira, trágica, de silêncio visual sobre a violência”. Mesmo que não pareça existir, de fato, conforme João observou, “um corpo de imagens que configure uma tradição”, creio que talvez haja uma certa injustiça nessa conclusão, ao menos no que diz respeito ao foto-jornalismo brasileiro, em que há alguns registros eloqüentes de
vítimas da violência policial. No caso do cinema documentário realizado por profissionais, porém, João Moreira Salles parece ter razão ao afirmar que “o momento do fogo, da violência, não se fotografa”. Quase sempre, o que temos, nas suas palavras, são apenas réquiens, imagens registradas depois das atrocidades terem sido cometidas. Fica, dessa maneira, configurada a dívida dos documentaristas com as vítimas desse quadro de violência. Dívida cuja origem acredito estar, em parte ao menos, nos 4 dilemas relacionados acima. Há ainda um 5º dilema, mas que não é exclusivo do documentarista brasileiro. Foi também Krzysztof Kieslowski, salvo engano, quem o formulou pela primeira vez com maior precisão, quando declarou à televisão francesa que “a câmera documentária não tem o direito de entrar no que mais [me] interessa, a vida íntima, privada, dos indivíduos. Preferi comprar glicerina na farmácia e os atores simularem choro do que filmar pessoais reais chorando, ou fazendo amor, ou morrendo.” Esses quatro ou cinco dilemas podem levar à desistência, opção compreensível e respeitável feita por Kieslowski. Ou então, constituirem o desafio que motiva a persistência em procurar, a cada filme, a função do documentarista e a fronteira entre os gêneros, na tentativa de decifrar este enigma chamado Brasil.
123
Nota introdutória ao ensaio Fim do fora-de-campo? Owaldo Teixeira Em sua décima edição, o forumdoc.bh, acreditando na importância da crítica cinematográfica (sobretudo nesta época em que quase nada se critica), e, mais do que isso, nas relações necessárias entre a imagem e o pensamento, publica aqui um texto do cineasta e teórico Jean-Louis Comolli. Comolli foi, entre 1962 e 1978, crítico da Cahiers du Cinéma, a revista fundada por André Bazin, por onde também passaram alguns dos mais reconhecidos cineastas da Nouvelle Vague francesa, como Jean-Luc Godard, Eric Rohmer, Jacques Rivette e François Truffaut. Exerceu, aliás, por nove anos, o cargo de Editor-Chefe da revista, sucedendo a Serge Daney, no período caracterizado por uma abordagem marxistaestruturalista do cinema. Comolli começou a realizar filmes em 1968 e, desde então, vem produzindo regularmente, sobretudo na França, mas também em outros países como a Itália e a Nova Caledônia. Sua obra já conta com mais de 35 documentários e seis filmes de ficção, grande parte deles exibidos numa retrospectiva que o forumdoc.bh dedicou ao cineasta em 2001. Atualmente, Comolli oferece cursos livres de cinema na Fémis, em Paris VIII e em Barcelona, além de integrar a equipe dos Ateliers Varan. Escreve também para as revistas Trafic, Images documentaires e Jazz Magazine. Em 2004, editou na França, pela Verdier, o livro Voir et pouvoir (Ver e poder), reunindo a maioria de seus textos publicados entre 1988 e 2003. Nos 124
ensaios aí reunidos fica evidente a importância que o autor atribui ao cinema como um dispositivo de transformação do pensamento e de intervenção na realidade social. Num esforço crítico e teórico de fôlego, Comolli dá especial importância ao trabalho e à posição do espectador, revelando algumas das linhas de fuga do cinema, numa época particularmente marcada pela espetacularização midiática, tal como descrita por Guy Debord em A sociedade do espetáculo. Comolli já esteve em Belo Horizonte algumas vezes, participando como conferencista e apresentando um ou outro de seus filmes no forumdoc.bh. Em 2005, foi convidado pelo Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (Ieat) da UFMG para ocupar a Cátedra de Humanidades. Realizou, então, diversos seminários no estilo consagrado por Henri Langlois e Jean Rouch, quer dizer, exibindo um filme documentário decisivo para a história do cinema, seguido de comentários críticos e debates com a audiência. Seu livro Voir et pouvoir, pela variedade dos temas que aborda e por sua coerência teórica, que dá conta de abarcar um amplo espectro de filmes e de procedimentos estéticos utilizados nos documentários contemporâneos, é considerado atualmente uma obra de referência para documentaristas e pesquisadores do cinema e das mídias audiovisuais. Apesar da relevância de sua obra, ela é ainda muito pouco divulgada no Brasil, sendo que seus únicos
textos publicados por aqui foram editados pelo forumdoc.bh, no catálogo de 2001. Entre eles, “Como filmar o inimigo?”, que faz importantes considerações éticas e estéticas a respeito do trabalho do cineasta, em particular do documentarista. No ensaio publicado aqui, Comolli continua de certa forma esta discussão, agora não mais se perguntando como filmar o inimigo, mas antes nos mostrando, numa argumentação clara e precisa, como o próprio inimigo filma. E, é claro, os efeitos éticos, políticos e sociais destas opções estéticas.
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Fim do fora-de-campo? Jean-Louis Comolli
Tradução:
1. Demanda de verdade.
Oswaldo Teixeita Revisão: Ana Siqueira e Ruben Caixeta
A pressão exercida atualmente por isso que chamamos “documentário” marca em nossas sociedades hipermediatizadas uma demanda insistente de “verdade”. Coloco a palavra entre aspas: ela agiria como uma espécie de fetiche vindo contrabalançar e talvez compensar as mentiras, manipulações e trucagens associadas ao exercício de quase todas as formas de poder exercidas atualmente; seria como sua face falaciosa, cada vez mais visível e em todo caso suposta, as mídias de massa sendo a uma só vez os principais atores e os principais denunciadores do clima geral de mistificação e de enganação que caracteriza as democracias ocidentais no atual estado do capital neo-liberal e de sua dupla linguagem. Ora, quando essa mesma mídia, imprensa e televisão, fala de “documentário”, como o fez nesses últimos tempos a propósito das querelas em torno de étre et avoir (Ser e ter, Nicholas Philibert, 2002), depois Le couchemar de Darwin (O pesadelo de Darwin, Hubert Sauper, 2004), é a palavra “cinema” que desaparece, em proveito de uma valorização das dimensões de objetividade, de seriedade, de trabalho, supostamente ligadas à noção de “documento” - que porta em si, como uma prova preciosa, mais que a promessa, a garantia mesma de um alvo referencial, portadora, no fim, do real. Não duvidemos disso: os documentos fazem parte do mundo real que eles documentam. Eles “documentam”, então, suas próprias condições históricas de produção.
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Tal é o caso dos filmes documentários, produzidos em circunstâncias muito freqüentemente pouco ou não analisadas. Por outro lado, por mais “documento” que seja, o documentário passa pela peneira - pela trama - das imagens e dos sons; chega aos espectadores e não aos leitores; e as telas pequenas ou grandes sobre as quais se cola são superfícies de apagamento tanto quanto de inscrição. Não é preciso insistir muito sobre o fato de que a visão de um filme documentário em nada se aparenta à consulta de um documento. Um filme, mesmo “documentário”, não é um dossiê; no entanto é chamado a fazer este papel e dele esperamos as garantias que não pedimos mais ao cinema de ficção. Trata-se então de analisar o atual sucesso de alguns documentários sobre este duplo viés - enquanto negação da relação do documento ao cinema, enquanto desafio do cinema diante da fetichização do documento: Bowling for Columbine (Tiros em Columbine, 2002) e Farenheit 9/11 (2004), de Michael Moore, e Le couchemar de Darwin, de Hubert Sauper. Uma tal abordagem supõe evidentemente que se preserve tudo o que separa estes filmes. Os sistemas de escritura, as retóricas postas em jogo não são da mesma ordem. Michael Moore, sabemos, se expõe em seus filmes, se impõe como corpo filmado e interventor, toma a palavra diretamente, coloca questões incômodas, interpreta o papel de agitador; Hubert Sauper, por sua vez, não aparece em seu filme, mesmo se podemos pensar que é o realizador quem coloca aqui e ali as questões às pessoas filmadas, e
que em todo caso é ele quem coloca e recoloca incessantemente a questão de saber o que os famosos aviões transportam na ida, entre a Europa e a África. (O quê? Armas, evidentemente: é um ponto em comum com Bowling for Columbine. Nos dois filmes, curiosamente, a arma aparece como o último argumento.) Sauper, então, se mantém afastado, fora do quadro, enquanto Moore oscila sem cessar pelo quadro, saindo apenas provisioriamente, já que nunca está de fato fora do jogo. Tanto quanto a inscrição do corpo de quem filma no filme, coloca-se a questão do quadro, e, a partir daí, a do campo e a do fora-de-campo, a da realidade ou da natureza mesma deste fora-de-campo. Mas não sejamos tão rápidos. É flagrante que os filmes de Moore são mais exaltados do que o de Sauper. Em Moore, com seu personagem, no impacto mesmo de seu corpo massivo e no corrosivo de sua provocação, há o estabelecimento de uma relação de forças que o confronta e o afronta a seus adversários, coisa em si revigorante: um homem só, ou quase, contra todo um sistema, os poderosos, os ricos, o poder (detenho-me nessas entidades vagas que são as mesmas visadas pelos filmes de Moore). Há aí uma alegria, freqüentemente um pouco forçada, mas contagiosa. No filme de Sauper, o estabelecimento do destino trágico dos personagens efetua-se unicamente pelas operações de montagem, de narração, de mise en scène. Nenhuma luta é filmada, nenhuma relação de forças. Nem obstáculo nem contra-poder vêm se opor face à mais odiosa das explorações. É brochante, enquanto a retórica de Moore seria antes provocar a ereção. O pesadelo não é alegre. O filme flutua numa atmosfera de indelével tristeza, sobre a qual me pergunto (mas não sejamos tão rápidos) se não tem a ver com o desgosto do próprio cineasta pelas criaturas que filma.
2. Zapping. Bowling for Columbine é um filme saltitante, quase brincalhão: trata-se constantemente de massacres, mortes e matadores, mas o acento é colocado com uma verve inoxidável não nos matadores nem na morte ou nas vítimas, mas no que os reúne num termo médio: a arma. Um filme sobre as armas; zoom in: sobre as armas de fogo; zoom in: sobre o livre comércio das armas de fogo; zoom in: sobre o direito constitucional de possui-las. Eis o que estreita o campo e permite tratar o tema - a violência made in USA - através de um significante mestre, a uma só vez vazio de sentido e carregado de obsessão. É mais ou menos o que uma publicidade televisiva teria feito contra a National Riffle Association (NRA). O filme começa, aliás, por um anúncio publicitário: “A National Riffle Association - nos diz um militar sorrindo em preto e branco e portando medalhas sobre um fundo neutro - produziu um filme que interessará a vocês... vejamo-lo...”. Essa associação, da qual Moore se orgulhará de possuir uma carteira de “membro vitalício”, é então a instância visada, o alvo que é preciso atingir (inflação das imagens de alvos, nos boliches, nos créditos do filme, nos estandes de tiro...). “Alvo”: este não é o único termo que a linguagem da publicidade, a da guerra e a do filme têm em comum. Para caracterizar numa fórmula o sistema desse filme: zapping generalizado. Passar, partir, voltar e passar de novo. Não permanecer no lugar, numa duração, numa cena, num cenário, numa idéia, num tema, num motivo, numa decisão, num argumento, mas ir e vir, começar e acabar. E também: golpear repetidamente, jogar na cara as afirmações, multiplicar as imagens-choque, emitir pequenas frases, fazer cintilar toda uma explosão de planos breves, de 127
planos-clipe, jogar com os efeitos de montagem como sobre uma plataforma de jogo ultra-rápido. Pólvora permanente aos olhos da montagem espetacular. Associada à onipresença do personagem (do corpo) de Moore, à sua insolência, essa montagem franco-atiradora é provavelmente a chave do sucesso do filme (sozinho, o motivo do abuso da venda de armas de fogo daria lugar apenas a um frouxo acordo, longe de todo entusiasmo). O que vemos, o que escutamos? Uma seqüência de planos rápidos no ímpeto dos quais se mesclam materiais, registros, estilos heterogêneos: aqui e alhures, gag e seriedade, ontem e hoje, drama e comédia, fotos e documentos, pathos e ironia, arquivos diversos, bugiganga e terror, publicidades televisivas, vídeos de vigilância etc. Essa mistura é atraente. O jogo do heterogêneo num filme é sempre um desafio. Mas, a começar por um filme, nenhum jogo é gratuito. O sentido do jogo aqui é reduzir a alteridade (do mundo) à familiaridade (do espetáculo). Toda essa matéria abundante e de um polimorfismo em expansão é atravessada unicamente pela impiedosa crítica do short cut. O efeito é de uma grande uniformidade. Tudo se equivale. O espetáculo está em toda parte; o real, em nenhuma. Apenas as poucas seqüências mais desenvolvidas sobre as quais falei mais acima, e que culminam no confronto final com Charlton Heston, escapam a essa mistura que torna indiferentes todas as diferenças. Conduta de borboleta (falo aqui do filme, não do personagem). Tocar em tudo para não tocar em nada. Saltitar é uma forma de evitar. O modelo dessa montagem seria o clipe publicitário ou musical, e o modelo do modelo está no gesto do zappeur. Impaciência, precipitação, febrilidade, flexibilidade, fragmentação, amostragem, histerização do fragmento, fantasma da ubiqüidade e da volatilidade. Ao final, migalhas. 128
3. Short cut. Moore monta curto. Duvido que se encontre neste filme muitos planos de mais de vinte segundos, e a maior parte tem menos de dez segundos. Tomemos o prólogo. Moore abre uma conta num banco, abertura recompensada por um fusil a ser escolhido num catálogo com cerca de 500 armas. Não se sabe nada sobre a contrapartida que Moore deve depositar nesta conta: o dinheiro desapareceu da cena. Estranho, pois é um banco. A única coisa tratada entre o banco e o cliente é a arma. O banco se transforma numa loja de armas. Realidade bastante deslocada. E Moore a degusta visivelmente, saindo triunfante da agência, brandindo o fusil que lhe foi entregue, exibindo-o histericamente depois de ter educadamente perguntado ao empregado que lhe assegurava a fiabilidade da arma se “não é perigoso distribuir armas num banco?”. A situação é forte, inverossímel, burlesca... e no entanto... E, no entanto, é montada de forma curta. O estranho negócio, a bizarrice mesma desse diálogo, a placidez dos empregados, a realidade do fusil saído de lugar nenhum, tudo isso poderia justificar uma decupagem num mínimo de planos: uma mesma ação distribuída em três cenários, mas em cada um desses cenários uma unidade de tempo, ou antes uma duração contínua. Uma cena. Na qual haveria o tempo que passa, os corpos que atuam, um fluxo que se esboça, uma ambigüidade difusa: a situação presta-se a um tratamento que levaria em conta seu tempo, como num suspense de teatro. Pensa-se no primeiro Brecht, em Ionesco: estamos do lado do excesso, o real se manifesta como uma oferta maior por vir. O que há na cabeça desses tão solícitos empregados de banco? Até onde a situação pode ser vivida por eles como “normal”?
De um lado, Moore faz como se não devesse se deter nessas questões, como se fosse preciso tratá-las assim, como fatos sem história, banais; e de outro, ele triunfa na porta da agência como se tivesse vencido o dragão. A força de sedução do filme estaria na combinação desses dois movimentos: de um lado, instalar uma situação crítica, e, de outro, atravessála tão rápido quanto possível, para de algum modo não ter que lhe prestar contas. Há nesse modo de fazer algo do espírito do saqueador, e no júbilo que se lê no rosto de Moore, o riso do predador. Este prazer da captura supõe um espectador cúmplice, que partilha o saque. O prólogo dura 1 minuto e 43 segundos. É composto, se contei bem, de 19 planos. Duração média de um plano (só para ver): 5 segundos e 42 centésimos. 4. Jump cut. Se essa lógica da fragmentação é a regra do filme, as seqüências menos decupadas não são exceção: os diálogos com o fazendeiro Nichols, com Mr. MacCollum, da fábrica de armas Lockheed Martin de Littleton/Columbine, com o jovem Matt que critica os valores ensinados no colégio... e, é claro, com Charlton Heston. Nessas cenas, a montagem se reorganiza segundo um princípio de coerência que evita saltar de um ponto ao outro no espaço e no tempo. E, no entanto, é aí, nessas seqüências menos zappeadas, que o poder absoluto da montagem reaparece em cortes nos corpos-falas filmados. O diálogo, as frases, os gestos são picotados. Esta montagem diz expressamente que deixa-nos apenas extratos do que foi filmado: tais frases, tais mímicas, tais gestos, numa descontinuidade que não procura se dissimular atrás da ilusão do raccord cinematográfico (rac-
cord de eixo e/ou de movimento). Estamos sob a lei do jump cut (corte no contínuo temporal), que - é verdade - afeta há algumas décadas numerosas montagens e caracteriza a maior parte das entrevistas audio-visuais, televisivas ou não. O efeito é certamentamente uma denúncia da montagem por ela mesma e um desvelamento de sua natureza lúdica: os cortes são vistos, isso salta na imagem (não no som), isso se virtualiza, isso se alivia, isso se acelera. De um outro lado, a repetição desses cortes, a pequena violência (mas sentida como tal) dessas mudanças bruscas na imagem é também a marca de uma desarticulação do gesto filmado, de uma sacudidela do tempo, de um desligamento da cena, de uma irrupção de uma espécie de (frágil) caos no suposto contínuo espaço-temporal captado pela tomada. Assim, a montagem contradiz e reescreve a filmagem. A inscrição verdadeira é conduzida a este ponto fragmentário em que não revela mais grande coisa e em que a “verdade” da relação registrada aparece apenas como uma cintilação volátil. 5. Corta-cola. Os jump cuts atacam diretamente a figuração do corpo humano na duração, a produção de uma fala na duração. Cortes dentro do plano, mas também dentro da figura filmada: cortes no corpo-fala. Esta forma se generalizou, este tipo de montagem é cada vez mais praticado. O que pensar disso? Que há efeitos. Antes de tudo, a superfragmentação do conjunto filmado: os jump cuts aumentam o número de planos e reduzem sua duração - enquanto um diálogo decisivo como aquele de Moore com Charlton Heston poderia ter sido filmado em plano-seqüência, eventualmente com panorâmicas combinadas a zooms (Rossellini), para provocar hesitações, silên129
cios, reticências, associações... Tudo o que desaparece sob o efeito dos jump cuts. Em seguida, o jump cut sela a marca do controle absoluto do autor sobre seu filme. Leveza virtual de um lado, pressão de outro: Moore corta e nos faz sentir (suportar). O que poderia vir da pessoa filmada é assim limitado e refiltrado pelo autor. Se é verdade que uma montagem é sempre uma escolha do autorrealizador, esta escolha organiza ou não um lugar no jogo para o espectador. É toda a questão. Repetidos como são aqui, esses cortes nos planos nos comunicam uma vontade de poder e de controle que nos é solicitado aceitar suportar para poder desfrutar a seleção dos “melhores pedaços”. Espectador colocado no lugar de degustador. Degustar, desgosto. Tal é o eco do triste slogan de eficiência a todo preço que é a marca dos filmes de Moore - “o fim justifica os meios” (velho refrão que devia fazer eco apenas do lado dos poderes que Moore combate). Enfim, é convidar o espectador a um prazer que o degrada. É fazê-lo aceitar que o corpo e a fala filmados estão às ordens. Fazê-lo renunciar ao surgimento do outro como imprevisto. E é barrar toda a possibilidade que as livres associações da fala vão desdobrando. Estamos no inverso daquilo a que se chama cinema, que durante muito tempo se quis relação flutuante entre as formas postas em cena e as projeções do espectador, flutuação que passava (que ainda passa, deus queira!) precisamente pelo jogo de livres associações entre falas, silêncios, ritmos, gestos, ímpetos e retrações, hesitações e desvios, o espectador sendo convidado a partilhar não apenas o pleno mas também o vazio, o que há entre as fórmulas, as questões, as respostas, as casas do tabuleiro. Em Moore, como nas revistas televisivas, com mais humor e com um tom mais provocativo, sem dúvida, 130
mas com uma mão tão firme, sou guiado, envolvido, firmemente fechado em cortes e mudanças bruscas que não me deixam nenhuma margem (a margem é antes de tudo a duração). Como não ver nesse tipo de montagem algum obscuro desejo de privar de liberdade o outro filmado assim como o espectador? Através da violência ordinária dos cortes no plano, é preciso amar não apenas a escolha de um mestre, mas a voz de um apenas? Aparece aí algo de um desprezo do cineasta pelas criaturas de película que ele moldou, assim como por esses espectadores chamados a se satisfazerem. Lembremos que o desprezo é um dos parâmetros do espetáculo, a maldição mesma do poder de mostrar. Passemos. Quebra no corpo filmado. No filme de Moore (como aliás nas entrevistas de Couchemar de Darwin), a freqüência de jump cuts proíbe também o espectador de supor alguma interioridade ao sujeito filmado - que a crise, a rachadura, a quebra designem uma subjetividade que seria preciso pressentir ou sentir. A quebra é toda exterior, na maneira mesma de mostrar como é montado: figura do corpo e forma da palavra são dados como descontínuos, fragmentados. Não há mais nada a adivinhar. A imagem do corpo não é mais uma fronteira do visível, uma superfície opaca, enigmática. O que era a tarefa obscura de uma “psicologia das profundezas” tornou-se uma seqüência de acidentes no visível. Esmigalhada, esta representação do corpo-fala não é absolutamente mais capaz de servir de superfície de projeção: assim desmembrado, o corpo filmado pode ser visto apenas em sua dimensão mecânica e quase-burlesca, mas - pena! – um burlesco que não diz que o é, que não admite seu princípio de agressão das formas estáveis. Digamos que trata-se aqui do triunfo da representação public-
itária do corpo e do mundo: despedaçados, decompostos, desfeitos, entregues à predação. Moore e Sauper apenas seguem um modelo tornado norma. Modos de escritura feitos para que nada os resista.
o corpo falante filmado num lugar imutável. Emprisionamento, enquadramento: não se trata apenas do corpo filmado, mas da liberdade do espectador.
6. Preenchimento do fora-de-campo.
7. Flerte com a morte.
À força de se repetir compulsivamente, a fragmentação dos corpos e das falas induzidas pelos jump cuts interdita de certa forma o jogo do fora-decampo. O fora-de-campo é evidentemente o que não é visível mas que traz consigo um devir-visível, promessa ou ameaça - próximas, possíveis, caso não estejam sendo esperadas num suspense; é também, contada pela máquina-relógio, o que desfila no tempo: o fora-de-campo é contado como tempo, não como quadro. As durações com as quais joga não são assinaláveis às durações - mecanicamente sincrônicas - dos objetos visíveis no quadro. Alguma coisa de temporal, um antes ou um depois, deixase pressentir através do jogo do fora-de-campo. O espaço tornou-se tempo fora do quadro. Que esta margem temporal seja sistematicamente rebatida sobre o quadro, o visível, um outro fragmento do visível, e é como se a redução da duração do que é enquadrado engendrasse o desaparecimento dessa reserva temporal que está do lado do não-enquadrado, do não-visível; é como se se perdesse nesse desaparecimento um outro possível do movimento do filme.
Short cuts, jump cuts: como compreender esta pressa? Talvez seria melhor, efetivamente, não se atrasar tanto, a fim de aliviar todo o peso de carne ferida e de sangue (não de hemoglobina) dos massacres referenciais? Observo que nessa impaciência de passar, os quatro ou cinco planos documentários (filmados pelos operadores de atualidades da época) - em que vemos soldados, americanos e franceses, executar à queima-roupa seus prisioneiros (guerra do Vietnam, guerra da Argélia) - têm uma densidade, uma potência, uma violência que se opõem em todos os pontos ao documento filmado pelas câmeras de vigilância do liceu em Columbine, em que se vê, repartida em quatro telas, toda a sessão de carnificina. Parece-me que se pode dizer que, nos primeiros exemplos, alguma coisa que não se oferecia a filmar o foi, de maneira mais ou menos casual - que a morte entrou na imagem por arrombamento, a morte real e não a morte ficcional que é aquela do teatro e do cinema; que a cena foi filmada sem que ninguém soubesse com certeza se a morte ia se abater; que, em todo caso, o cameraman sem dúvida foi surpreendido, pego pela rapidez, pego de supetão. Uma violência é feita, assim, não apenas ao corpo filmado, morto, mas também ao quadro que o filma e ao próprio corpo que filma, que filma esta morte sem ter podido nada prever nem nada impedir. O cinema registra alguma coisa que é mais forte do que ele, mais forte do que os “atores”, mais forte do que quem enquadra, mais forte do que os espectadores. Essas mortes estão do lado do real.
Se o tempo do corpo, o tempo nativo da fala e do corpo, do gesto e da postura, esses antes e esses depois, esses enquantos e esses alhures são retomados e reformulados numa outra temporalidade aquela da mudança brusca de um quadro num outro -, então, literalmente, não há mais tempo para sair do quadro. Então, a montagem encarcera
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Mudança de quadro no segundo caso: os assassinos de Columbine prestam-se, sob as câmeras que eles sabem permanentemente presentes e que não se dão nem mesmo ao trabalho de cegar, a um desfile de auto-mise en scène que significa que essas câmeras já estão na jogada, que elas jogam não pela “documentação” audiovisual do espetáculo da morte, mas na produção desta morte inicialmente como espetáculo; melhor, essas câmeras já estavam aí, a espreitar, a esperar, prontas a filmar o irreparável e feitas para isso, tendo isso inscrito em seu programa; melhor ainda, essas câmeras de vigilância são, nós o sabemos, automáticas: nenhum corpo filmante vem colocá-las no ombro em seu trabalho, assim como o único corpo que se encontrará frente a essas imagens terá sido o do espectador. Gozo dos dois lados da vigilância: lado-lente, o desfile em obra dos assassinos; lado-tela, nossos olhares siderados. Essas imagens do desfile mortal dos assassinos de Columbine não figuram apenas no filme de Moore. Elas circulam pela Internet, sites pagos as difundem, os espectadores pagam para vê-las. Não que o assassinato tenha virado espetáculo ou forma maior do espetáculo: é que já não é mais pensável - nem possível, nem desejado, nem praticado, nem rentável fora do espetáculo. O filme de Moore não faz então nada com a divergência (histórica) das formas de representação da morte real (não ficcional): esta divergência, esta diferença, este salto qualitativo estão inscritos nele, ou antes escondidos, e não produzem nada: é preciso que o espectador as faça vir à tona apesar do zapping do filme, que coloca exatamente no mesmo plano a bala atirada na nuca do prisioneiro e filmada por um cameraman numa fração de segundos, e a exibição interminável dos dois assassinos passeando sob os 132
olhos mecânicos das câmeras, no desfile irritante das telas elas mesmas mecanizadas. Com efeito, o zapping nada pode fazer diante disso, que é histórico, que supõe que haja apenas uma forma unificante, um ser único do espetáculo; mas seria preciso declinar os espetáculos no plural, especificando suas formas. O zapping é cúmplice da preguiça dos espectadores-consumidores. Ele encoraja a renúncia de todo exame crítico das formas, dos estilos, dos sistemas de escritura. Ele favorece um cegamento do espectador, apressado em ver, em ver antes de tudo, sempre mais, sempre mais rápido, mas nessa super-abundância instantânea (de dissolução instantânea), reduzido a não mais ver completamente, pois tudo vai muito rápido para realmente ser visto. O zapping é impotente em denunciar a tomada de poder do espetáculo na medida em que ele mesmo representa o triunfo do espetáculo, capaz de tirar prazer de tudo, inclusive da morte. 8. Digressão: agressão e transgressão. Há algumas semanas, no Reino Unido, na França, pôde-se ver nos programas de jornal televisivos “filmes”, pequenos pedaços de imagens e de sons de alguns minutos, rodados (em plano-seqüência, por falta de tempo e pela preocupação em difundir imediatamente!) pelo agressor-cineasta sobre uma agressão realizada, é o caso de dizer, antes de tudo para ser filmada. Este é o caso, por exemplo, de uma professora agredida por um de seus alunos, que ao mesmo tempo filma a cena e logo depois a envia aos seus amigos pelo mesmo celular que a gravou, os quais por sua vez a fazem circular: no mesmo tempo real, por assim dizer, a agressão, o filme sincrônico da agressão e a difusão imediata dessa pequena filmagem. Vertigens do digital: o tempo da reprodução é
virtualmente abolido. Toda ordem cede diante da promessa cumprida de uma rapidez tal que o real e o representado oscilam juntos na grande unidade fusional do tempo real. O antigo fantasma do instantâneo, do imediato, da coalescência da coisa e da imagem, são realizados por essa notícia produzida por um registro e uma reprodução direta, como antes se dizia na televisão. A posse do telefone-câmera induz e determina a possibilidade da passagem ao ato como ato de filmar. A agressão é uma transgressão não apenas da ordem social, mas também, senão a princípio, das normas, dos filtros, das autoridades e das responsabilidades que presidem a espetacularização da informação. Uma retomada do poder parcial e fugitivo sobre os poderes que quadrilham as indústrias do espetáculo. As novas capacidades da máquina de filmar/transmitir determinam a mise en scène da agressão; elas a tornam indispensável, necessária: o que é possível fazer tecnologicamente deve ser imperativamente realizado. A imediatez do ato e de sua representação, depois de sua difusão quase simultânea, visa instaurar uma nova unidade entre a passagem ao ato e representação, antigamente separados no tempo pela duração mesma da sessão. O zapping, gesto emblemático da passagem ao ato, inaugura o novo papel dos dedos e das mãos nos videogames, nos consoles, nos teclados dos telefones celulares - volta forçada de uma tatilidade banida pelas representações clássicas. Esses dedos ativos tamborilam a vinda de uma espécie de nova era em que o espectador é ao mesmo tempo ator e realizador, todos esses papéis mesclados e confundidos. Mudam, compreendemos, o lugar, a lógica, a função social mesma dos sistemas de representação coletivos (teatro, cinema): o tempo da sessão não é mais uma suspensão do mundo, o fim da sessão não abre mais
um a posteriori que era ao mesmo tempo volta dos atos suspensos durante a sessão e o tempo de uma reflexão, de um comentário, de uma crítica. A representação não é mais um distanciamento no tempo e no espaço; é, ao contrário, consumação instantânea. O ato, sendo imediatamente sua representação, age apenas por ser consumido no mesmo instante em que é cometido; é a possibilidade dessa consumação e desta troca que é primeira; a vítima torna-se imagem, e a agressão, a substância de uma troca entre muitas numa espécie de reviravolta virtual. O consumo, como o gozo, fecham-se sobre si mesmos. 9. Abreviações e curtos-circuitos. Enquanto forma estereotipada, a arma indivivual (revólver, fusil) resume e condensa - cristaliza - toda a violência ambiente, ela a faz circular, ela a projeta, se ouso dizer, sobre o rosto daqueles que são filmados, mesmo quando eles são filmados com a preocupação de domesticar Moore (e o espectador), negando, às vezes gentilmente, a ameaça ligada a essas armas que não evitam possuir, ao contrário, que eles prometem mesmo controlar. A arma é esta ferramenta de morte tornada imagem, e as imagens circulam muito mais do que as armas. É primeiro como imagem que as armas fascinam e metem medo. Ícone, fetiche, símbolo, falo: tudo o que quisermos. Mas aqui, abreviação que impede o filme de se interrogar mais adiante sobre as condições históricas, sociais e políticas através das quais os Estados Unidos tornou-se o campeão mundial dos crimes por armas de fogo. Tomemos um exemplo. Moore passa em revista (é o termo) - sobre a música e a letra de What a wonderful World, cantada por Louis Armstrong - as guerras, golpes de Estado e assassinatos políticos atribuídos aos Estados Unidos da América desde o início dos 133
anos 50. A própria acumulação adquire aqui um caráter ao mesmo tempo assustador e grotesco, como num delírio à la Panurge.1 A enumeração dos fatos é, ela mesma, um requerimento sem apelação, o acento é colocado sobre a repetição obstinada de atos antidemocráticos e sangüinários. No entanto, falta alguma coisa aí, uma dimensão do pensamento, uma articulação lógica, um termo político - este mesmo que ainda ressoa na câmara de ecos dos anos 70, através, por exemplo, do filme de Chris.Marker, Le fond de l’air est rouge (que premonitoriamente é a uma só vez anti-Bush e anti-Moore): a palavra imperialismo. Que deveria escandir esta enumeração e apareceria, a partir de então, mais pertinente do que nunca. Se formos ainda mais a fundo, como se convencer da relação direta (para não dizer casual) colocada pelo filme entre a livre venda de armas de fogo individuais, a derrubada das democracias e a guerra de exércitos em grande escala? Da mesma forma que as guerras e golpes tortos que Moore cita não podem ser atribuídos à NRA, as bombas A que assolaram Hiroshima e Nagasaki (antes de 1953, início da lista de Moore) não foram o resultado da venda de armas de fogo em solo americano! A força do mais forte não está ligada a nenhuma paixão pelas armas. No entanto, é esta palavra - weapons - que reaparece através do filme na lista de extorsão U.S. Contraint, o liame entre o registro de armamento individual e aquele da guerra levada pelo complexo militar-industrial soa sem sentido. O filme opera assim a redução do campo das questões a um engodo2: a arma como engodo agitado sob nossos olhos. O filme atravessa de passagem o centro negro da questão: a onipresença e a onipotência das armas de fogo não são a uma só vez sintoma e máscara de uma 134
vontade de poder ligada a um desejo de morte que atravessa toda a sociedade e toda a história americana? É o caso do encontro de Moore com Marilyn Manson, esta figura ludicamente mortífera apresentada por diversas vozes como causa, e que responde antes como conseqüência. Mas o filme passa em revista este artigo como os outros, incômodo en passant, apenas um item numa lista. Pois trata-se de passar a outra coisa, à coisa: mais uma vez, a arma do crime designa ao mesmo tempo o crime e a escamoteação. Por mais poderosa que seja a condensação da pulsão de morte nas armas de fogo, a fascinação por essas armas que o filme espetaculariza curto-circuita toda razão. O curto-circuito atua sobre dois planos: como forma acabada do discurso do filme (de sua propaganda) e como resultado do drama espetacular-mercantil. Centelha e fumaça. 10. Círculo. Tal é a contradição na qual o filme cai, e que poderia explicar o aspecto paroxístico da montagem. Há de um lado a relação de toda uma série de causas, umas mais inquietantes do que as outras, e, no outro extremo, a insistência da imagem da arma. O macro e o micro. As guerras, os bombardeios, a violência na televisão, o espetáculo mercantil das carnificinas, o racismo, a miséria, as iníquas leis sociais, o conformismo pequeno-burguês do cidadão médio americano, o tédio provincial, a história violenta do país, o western, o medo do outro, o medo de tudo e de nada, o consumo, a publicidade, a informação... tudo passa por aí, todas essas razões são alfinetadas, sem que nenhuma seja particularmente trabalhada. Turismo político. De repente, tudo se equivale, como cartas de faces diferentes confundidas pela maestria de um prestidigitador que as faz aparecer, desaparecer... enquanto sempre volta sobre o topo da pilha a carta
1 Panurge é o fiel amigo de Pantagruel, de François Rabelais (1483?-1553). A personagem de Panurge é descrita como uma pessoa debochada, cínica, medrosa e astuciosa: “(...) num estado tão lastimável que parecia como se sempre tivesse acabado de fugir dos cachorros”. Sofria de uma doença chamada “falta de dinheiro”, mas tinha 63 maneiras de conseguir o que lhe faltava, sendo que a mais honrável de todas era o roubo. 2 Em sua crítica cinematográfica, Comolli utiliza com frequência o conceito leurre, aqui glosado como engodo, para sugerir um procedimento ou uma trucagem utilizada pelo filme para ludibriar ou enganar o espectador. A analogia buscada é entre o comportamento do espectador - que “se deixa levar ou enganar” pelos múltiplos efeitos do filme (de cor, de velocidade, zapping, short cut, jump cut…) - e aquele do animal - que se deixa enganar pelas múltiplas “iscas” artificiais (que se assemelham na cor e no movimento a outros bichos) utilizadas pelo caçador ou pelo pescador.]
mestre: o gosto dos americanos pelas armas de fogo, sua necessidade de possuí-las, amplamente satisfeita pelas leis e pelo mercado. Causas imensas, insondáveis, coletivas, mundiais: as políticas belicosas e os complôs dos sucessivos governos americanos; corolário dessas causas, infatigavelmente reiterada: a posse individual de armas de fogo. Entre as causas maiores, mas obscuras, e os signos perfeitamente visíveis e mesmo cegantes (o cego que atira no alvo) há certamente um vínculo, mas não há sentido. O vínculo é a arma. Estamos numa tautologia. Presente na escritura do filme, como tentei demonstrar, esta contradição toma emprestado seus traços de estilo às mídias e às publicidades que o filme denuncia como sendo, entre outras, fatores de violência. Mudanças bruscas, breves embargos, enfrentamento de personagens, falas, lugares, momentos, tudo isso resultando num grande turbilhão em que tudo é igual a tudo: do míssil ao fusil, do pai da vítima de Flint a Charlton Heston, que está no outro extremo da contradição. O filme bate-se sem cessar nesta aporia. Moore demonstra que não se sai do espetáculo pelo espetacular. A violência das imagens não faz obstáculo à imagem triunfante da violência. Todo espetáculo se inverte sem ser entabulado. Elasticidade do espetáculo. 11. Boa palavra. O curto-circuito entre violência de estado e violência do indivíduo encontra sua encarnação gloriosa no discurso de Charlton Heston - presidente da NRA e adversário escolhido por Moore. O ator vincula solidamente a liberdade individual garantida pela Constituição, a responsabilidade do cidadão em relação à sua família e à posse de uma (pelo menos uma) arma de fogo carregada. Este vínculo nunca é
examinado como tal: é dado como intangível. Impede então todo o acesso à problemática da relação entre indivíduo e sociedade, ou da passagem da violência à lei, questões tratadas pelos grandes westerns, particularmente os filmes de John Ford. Moore faz cintilar esses motivos e apressa-se em descartá-los. É exatamente por aí que seu filme soa amável, por evitar todo questionamento da dimensão individual enquanto tal. Para a rede de lojas Warl-mat, para a NRA, para o próprio Moore, é do indivíduo que é preciso escapar. Um exemplo. A pobreza é denunciada como uma injustiça que seria necessário reparar, que Moore à sua maneira tenta reparar: bastante edificante é a cena em que ele se esforça em fazer o proprietário de uma cadeia de restaurantes falar que são iníquas as condições de vida e de trabalho impostas à sua empregada negra, mãe de uma criança atiradora e sangüinária. O proprietário recusa-se a falar e mesmo a escutar. Ele ordena que a porta de sua limousine seja fechada. O automóvel parte embaixo do nariz de Moore, impotente e irado, mas que mesmo assim denunciou o egoísmo e a maldade. Que seja. Seria preciso então que os proprietários compreendessem, que entendessem, que fossem forçados a se confrontar homem a homem, olhos nos olhos, corpo a corpo. Talvez não haja porque se espantar da falta - estranha nos Estados Unidos - de toda voz religiosa no filme, na medida em que Moore sozinho encarna a lógica do pecado, do castigo e da redenção. O fim do filme ilustra este princípio em que o erro da indiferença está ligada à recusa da redenção espetacular, da comunhão na imagem. Lembramos que Moore, após o fracasso de seu diálogo com Charlton Heston (encontro que ele apresentou como uma obrigação à qual era preciso obedecer), chama a atenção do velho ator que lhe vira as costas, enquanto Moore 135
lhe mostra, à distância, a foto daquela garotinha que foi morta por um moleque armado (o do exemplo anterior). Charlton Heston volta-se para ele, depois vai embora. Ele não é tocado pela graça. A conversão não tem lugar sob nossos olhos, mas ela era esperada, e, quem sabe, ainda poderia vir: Moore deixa a foto da garotinha encostada numa coluna da residência da vedete. Nunca se sabe... E se ele se arrependesse? E se ele sauvasse sua alma? É claro que o gesto de Moore é ignóbil. Mostra-me que é menos importante para ele combater as posições de Charlton Heston do que de convertê-lo eu, cúmplice. É a mesma lógica da redenção na presença de Moore e com a benedição do espectador que prevalece na longa seqüência da visita das vítimas de Columbine à sede da cadeia de lojas Warl-mat. Desta vez o milagre tem lugar, saudado como tal pelo próprio Moore, que bate palmas e troca com as câmeras olhares radiantes, olhares de santo: ao final de uma longa espera, - durante a qual as vítimas, levadas ali por Moore, encontraram o reforço das mídias -, a firma cede e promete retirar de venda as munições do tipo das que deixaram seus estigmas nos corpos das vítimas (não invento nada: há mesmo o levantamento da camisa e a exposição das chagas). As televisões filmam o evento. Moore ganhou. O mal teve que suportar um fracasso. De um lado, o face a face do cidadão íntegro e consciente (Moore) e de um dos elos do sistema mercantil (os representantes de um grande magazine); de outro, as mídias convocadas a registrar e difundir a redenção destes àquele. Não insistamos. Moore, se nem sempre venceu o dragão, fez com que ele ficasse com vergonha - sob meus olhos. Espectador, estou do lado bom: aquele em que o espetáculo da redenção da dívida me dá prazer duas vezes: enquanto espetáculo e enquanto redenção. Tudo vai bem no pior dos mundos. 136
12. Armadilha. O mundo dos negócios, o da publicidade, o da propaganda religiosa e política mesclam-se sob um único slogan: o fim justifica os meios. Eu diria que nesse caso o cinema é a uma só vez o meio da manipulação e seu traço conservado. Tudo isso que é torcido pela propaganda, pelo programa, pela preocupação da eficiência, tudo isso vê-se (lê-se) no próprio filme, em seu texto, enquanto traço significante de uma torção da escritura. Volta, reviravolta: o filme sempre supõe espectadores mais lentos, mais obtusos, mais frágeis, mais idiotas, mais manipuláveis. Se Moore parece dividir com o presidente da NRA os “valores” do individulismo sacralizado, se seu filme não coloca nem em dúvida nem em crise a posição central do indivíduo na ideologia americana, o indivíduo que ele trata é a uma só vez apresentado como entupido de publicidades e como ávido de efeitos espetaculares. Um parece não poder ir sem o outro. Digo que este é o espectador solicitado pelo filme sem recorrer à sociologia de seu público. Digo-o na medida mesma em que o jogo de significantes dispostos pelo sistema do filme define de parte a parte este lugar do espectador. O lugar é definido, os espectadores em seguida o ocupam como um lugar real, mas ele é uma estrutura, uma armadilha. Esse espectador, o de Moore, fascinado pelas televisões comerciais e pela obsessão sensacionalista das mídias, não é mais aquele dos filmes de Capra ou de Ford. Não que MM. Smith ou Lincoln tenham desaparecido do solo americano: este modelo de homem não é mais desejado, não é mais imaginado, nem por Moore, o contestador, nem por seus adversários. O “Bem” e o “Mal” partilham o mesmo uso imoderado das técnicas publicitárias e espetaculares, as quais não é certo que não sejam a princípio responsáveis
pelo estado do mundo como não é a circulação de armas de fogo individuais. 13. Casas negras, casas brancas. Conhece-se o argumento principal de Couchemar de Darwin: supõe-se que os aviões (brancos) que asseguram o transporte dos filés de pescado exportados por Mwanza, cidade negra às margens do lago Vitória, levam, na ida, armas (brancas para os Negros). Esses aviões passeiam pelo céu como abutres (não exagero, esta “imagem” é explicitamente fornecida pelo filme). Tráfico sinistro: a destruição e a morte nos dois extremos da pista. Diferentemente do filme de Moore, Le Couchemar de Darwin não pratica o zapping. Cada seqüência é associada a um lugar; cada lugar, dado como sem saída, fecha o horizonte de cada outro; e todos concorrem à partilha de uma impotência horripilante. O filme inteiro se passa entre as pontas de um tabuleiro de xadrez do qual não se sai: do aeroporto ao lago, da rua à fábrica, do bar à descarga, da ilha ao avião - e volta. Jogo fechado: cada casa ocupada marca um ponto fatal no inexorável avanço de um destino sempre mais negro (o léxico da lamentação sem fim se impõe aqui). O filme consegue magistralmente fazer dessa circulação repetitiva a figura mesma, horrível, da opressão - que não é, insisto logo agora, que não é a exploração, mesmo que dela seja o efeito. Mas não sejamos tão rápidos. Se fizéssemos a lista dos lugares do filme, não encontraríamos aí escola, domicílio, prefeitura, hospital, tribunal, delegacia de polícia, prisão, caserna, Rotary club, igreja ou templo... Alguns representantes desses organismos ou instituições aparecem no filme, mas terrivelmente isolados, desligados de seu corpo
social, inicialmente indivíduos (aqui também) - o que acaba sendo um sintoma num filme que atravessa e quer descrever os principais estratos dessa sociedade assujeitada ao comércio do pescado do Nilo e por ele desfeita. Tomemos a escola: a falta de qualquer estrutura de ensino (escola, colégio, centro de aprendizagem...) é tão mais estranha quanto os diversos personagens do filme - e o filme, então - que insistem sobre o seu desejo de aprender, a começar pela hostess que sonha estudar informática, seguida pelo guarda noturno, mais tarde por seu filho, e, desta vez de forma crucial, por um desses meninos de rua que lançam seus grandes olhos pela lente da câmera sobre mim, espectador desolado, impotente, revoltado, com o coração ferido. Sei, infelizmente, que este desejo de instrução será fatalmente decepcionado. Como posso estar tão seguro? Primeiro, porque é a cada vez exprimido sob a forma de um arrependimento, já murcho no momento em que o descubro. Depois, é claro, porque o filme não me mostra nada que possa concretizar essas aspirações ao estudo. Os personagens que acabo de citar não são nunca tão comoventes quanto nesse momento em que formulam este desejo - e, no entanto, nenhum traço de escola no filme. 14. Mais uma vez, a boa palavra. Tomemos a religião. Há no filme um pastor. Filmado sozinho, separado de seus fiéis, ele responde às questões do realizador, dizendo que a despeito da contabilidade necessariamente macabra que tem a respeito dos mortos de AIDS na vila onde é pároco, continua opondo-se ao uso do preservativo. Por quê? Porque é um pecado (fornicar), precisa ele com um triste sorriso entediado. Tal é o pastor. Mas onde 137
estão os crentes? Eles crêem? Praticam? Nós não saberemos isso. Um pouco mais tarde, veremos um evangélico, microfone em punho, comentar diante de um público de pescadores a projeção a céu aberto de um filme em que vemos Jesus (branco) tirar os filés da miraculosa pesca num outro lago. Ainda desta vez, é o pregador que é filmado, individualizado, singularizado, e o filme me mostra os destinatários de sua arenga apenas como um grupo anônimo de figurantes dóceis. Há ainda, num outro momento, dois coros, um de mulheres, outro de homens, cantando o mesmo cântico (?) ao lado de um túmulo prestes a ser fechado (uma vez mais, não invento nada). Quem são eles? Quais relações têm eles? São parentes do defunto? De qual culto se trata? Onde estão os pastores, os evangélicos? O que diz esse canto, que não é nem traduzido nem legendado? Teremos apenas a equação fatal: morteAIDS-pescado-sofrimento. Basta ao filme a colagem desses belos rostos de mulheres e da morte. Como não ver uma intenção nessa estética mórbida? Bem sei que na prática de filmagem de um documentário a questão não é nem filmar “tudo” nem filmar cada um. Mas enfim, trata-se aqui de religião, de celebração religiosa, de fé, talvez de conversão, talvez de milagre (quem sabe?) - e até de cinema. O problema crucial da relação de um indivíduo ao grupo é necessariamente colocado. O que é assemelhar-se para receber a boa palavra? Para ver um filme? É precisamente manifestar a existência de um conjunto, de um comum, de uma partilha, como se diz nos recintos religiosos - tudo o que é tabu no filme de Sauper. Um por um, os personagens são abandonados. Digo-me que, enquanto espectador, prefiro ver no outro o que sei ser também minha condição. A solidão, o isolamento, o corte, a separação. 138
15. O rumor de Mwanza. Tomemos ainda a polícia, corpo constituído por excelência. É mostrada diversas vezes sob a forma de um ou dois policiais isolados, armados mas sem hierarquia, apresentados com um discreto sorriso de um dos pilotos ucranianos como “tendo acabado de acordar”. Uma vez mais, estranho. Até aceito que a polícia tanzaniana faça vista grossa, seja preguiçosa, ineficaz, que a administração seja corrompida, as autoridades cúmplices, tudo o que se queira. Mas enfim? Trata-se, me diz o filme, de um tráfico de armas de guerra. No entanto - e apesar do clima pesadamente paranóico, o qual o guarda noturno da fábrica de pescados nos dá o perfeito exemplo -, o aeroporto é filmado como um terreno baldio. No entanto, ainda, escuto a observação de um piloto cheia de subentendidos - que para decolar é preciso “esperar os documentos” (enquanto o peixe está sendo carregado), eu o escuto indicar dessa forma que as autoridades, apesar de se ausentarem no campo do filme, desempenham um papel não negligenciável. Se há corrupção, há presença. O contrário da representação dada pelo filme de uma autoridade em vias de dissolução. Até aceito, mesmo que isso me surpreenda, que a escola, a igreja e a polícia sejam entidades fantasmas ou inoperantes em Mwanza, mas o filme não me diz isso, não me mostra isso, não me confronta, como espectador, às suas eventuais falhas, não critica a ineficácia ou a falta, procede mesmo ao contrário: a miséria é filmada com insistência, a morte, a enfermidade, a indignidade, o horror são filmados longa e largamente, mas a organização (ou a desorganização) social nunca é filmada como tal: são apenas suspeitáveis e dedutíveis, pelo espectador do filme, a partir de um feixe de insinuações e de suposições.
Por sempre voltar na mesma questão (“esses aviões, o que eles transportam na ida?”), o filme me faz considerar as respostas sistematicamente negativas que lhe são dadas como mentiras e me enreda assim na lógica perversa da suposição (corolário da tese do complô). Sou chamado a juntar os dois pedaços e a duvidar do outro (e não de Sauper!). Isso acontece, com efeito, porque não há no filme nenhuma instância de validação coletiva. Isolado, o indivíduo diz o que ele quiser, e eu posso não acreditar nele. A cada um sua mentira. O método de Sauper é aquele do rumor. Insinuações circulam fora de toda possibilidade de controle. “Ouvi dizer”, “me disseram que”, alusões, boatos. Até aceito que toda sociedade humana comunica-se mesmo vagamente, mas enfim, esse filme alfineta com maestria e precisão extrema um certo número de gestos, de palavras, de condutas, de sofrimentos 16. O espectador suposto pela propaganda. Tomemos o exemplo do guarda noturno, personagem, a bem dizer, central do filme, com seu sorriso inquietante, seu olhar insistente. Este personagem condensa a ênfase efetuada pelo filme. Ele guarda a fábrica de peixes com arco e flechas. As quais, esclarece ele com o famoso sorriso no rosto, são envenenadas; ele as mostra, a câmera reenquadra o arco e sobe até as pontas das flechas: eis-nos advertidos, nós, espectadores e chamados a crer no que vemos. Mas e o que não vemos? Sauper foi criticado por não mostrar as armas das quais o filme tanto fala. Falso: as flechas são filmadas com insistência. O mesmo personagem, Rafael, insistirá, uma outra vez, sobre esses altos-fatos de guerra e os inimigos que matou: “não pode dizer o nome”. O ponto de vista “pacifista” do filme é então de uma hipocrisia dificilmente
suportável. Guerras? Quais? Quem contra quem? Armas? Quais? Vindo de onde exatamente? Para quais fins? “A guerra” é uma abstração vazia de sentido. O autor, aqui, passa por João-sem-braço. Seu cinema, no entanto, é tudo menos inocente ou ingênuo. Como em Moore, trata-se de trazer o espectador para o seu lado, qualquer que seja o preço, notadamente o da insistência, que aqui não é apenas indício do único delírio do guarda, mas da preocupação do filme de dizer as coisas duas, três, quatro vezes, para que não percamos nenhuma migalha. E quando não é dito com essa insistência obstinada, é insinuado com a mesma preocupação de não deixar nenhuma chance de fora-de-campo (fora do quadro, fora do assunto) ao espectador do filme. Sauper coloca a mesma questão cinco, dez vezes: “Esses aviões, na ida, o que eles transportam?”. Sou chamado a me colocar a questão que Sauper impõe a quase cada um de seus interlocutores, e, como ele, de não me satisfazer com suas respostas invariavelmente negativas. Na Europa, a insinuação historicamente faz parte da retórica da extrema direita. Ditos pela metade, os enunciados são completados pelos espectadores: o cortar na linha pontilhada ou o siga o meu olhar pertencem ao arsenal propagandístico de J.M. Le Pen. O cinema de propaganda sempre considera seu espectador como um retardado a quem convém dar uma lição, duas vezes mais que uma. Não há nenhuma escola no filme já que o filme inteiro é uma lição dada por um mestre. Formemos a hipótese de que é isso o que agrada: a mestria à beira do abismo do horror. Mas se por acaso eu confrontar (nem digamos: comparar) o filme de Sauper e o poema de Dante, outro mestre, veria precisamente que em A Divina Comédia o autor, o próprio Dante, coloca-se em cena e se mostra 139
enfrentando os perigos em primeira pessoa. A narração engloba o autor, abandonado aos perigos da expedição ao Inferno, aos riscos dos encontros com “almas” que não são ternas. Já Sauper fica prudentemente no fora-de-campo do filme - e não estou longe de pensar que a totalidade desse fora-decampo pertence apenas a ele.
juntiva que organiza tudo o que se chama cinema: corpos móveis atravessando um quadro, inscrevendo-se nele, aparecendo nele, saindo dele. Aparecimento, desaparecimento. Traço, apagamento. Passagem. Entrada, saída. Visível, não visível. Sem a dura realidade de um quadro, seus efeitos são inoperantes. O quadro define um fora-de-quadro, e este redefine aquele como janela (André Bazin).
17. O tempo atravessa a imagem. A começar pelo mais célebre dentre eles, Triumph des Willens (Triunfo da vontade, Leni Riefensthal, 1934), todos os filmes de propaganda trapaceiam e mentem. A realidade que apresentam é manipulada, travestida, reduzida: alguém se espanta? O que fazem é apenas sistematizar e forçar em grandes traços o que todo filme coloca em obra: uma tradução do mundo na linguagem particular do cinema, que não é homólogo aos nossos sentidos, mas é sua alteração. Assim como os outros, os filmes de propaganda são devedores deste intervalo - irredutível - que separa o gesto cinematográfico do que é o seu ponto de apoio ou seu referente - essas realidades, essa vida, essas experiências, a uma só vez singulares, estranhas, fugidias. Até aí, nada de muito cinematograficamente ordinário. Mas e depois? O cinema de propaganda não trai apenas o mundo que abraça com um gesto interessado: ele perverte o próprio cinema ao deixar ao cinespectador um lugar estreito, fechado, guiado. Há uma ambigüidade fundamental nas imagens cinematográficas, devido ao fato de que elas nunca se limitam ao que parecem mostrar, simplesmente porque desde o primeiro sopro de cinema, desde os primeiros filmes Lumière, o campo e o fora-de-campo estão intimamente ligados, poderosa disjunção con140
A passagem do campo ao fora-de-campo implica evidentemente que o plano tenda a uma duração: para atravessar o campo é preciso dispensar um certo tempo. Os Lumière compreenderam isso muito bem, tanto que, muito rapidamente (A chegada do trem...), adotaram um eixo oblíquo valorizando a diagonal do retângulo do quadro, e exigindo assim alguns fragmentos suplementares de segundo para que fosse inteiramente percorrido por um móvel, homem, animal, veículo. O tempo que passa entre o início e o final de uma tomada é o fator mecânico de uma produção de ambigüidade: entre o primeiro e o último fotograma do mais fixo dos planos há uma diferença irrecusável, aquela do tempo que passou, de uma usura, de uma transformação; mesmo que o tempo que passa não seja “visível a olho nu”, ele é registrado e contado pela máquina-câmera. Um fotograma é sempre o possível do fotograma precedente, é seu futuro, seu outro. Filmar é registrar o tempo que passa e, então, o devir em obra; depois, construi-lo, compô-lo, montá-lo, agenciá-lo, fazê-lo jogar. Esta dimensão do futuro em obra no registro fotogramático do tempo é então generalizável ao conjunto do processo cinematográfico e mais particularmente ao funcionamento da tela mental do espectador. Diferença entre cinema e informação: o fora-de-campo não é apenas o espaço do outro, mas o tempo da promessa.
Tomemos o mais simples dos filmes de plano fixo (Le déjeuner de bébé, por exemplo): há sempre uma margem de jogo que faz tremer os corpos filmados e o quadro filmante, tão fixo quanto ele seja. Esta margem - e tal é a promessa do fora-de-campo - não é apenas a porção do espaço não visível (mas suposto) que o campo aborda; ela é tempo em espera, uma reserva de acontecimentos ou de acidentes. Poderia acontecer de o bebê cair no chão e sair do quadro. Ou que o gato da casa aparecesse e viesse se enquadrar. Poderia acontecer que nada disso acontecesse, o que não anularia de forma alguma o possível de todo porvir. Esta margem é exatamente o mínimo vital de liberdade do espectador. 18. Repetição controlada. Num esforço sempre desesperado, o qual testemunha a crispação de modos de escritura, o cinema de pro-paganda tenta abolir esta margem. Dito de outra forma, tenta acabar com toda a dimensão do fora-de-campo - receado (de forma justa) como abrindo-se sobre algum fora-de-jogo, fora do discurso, fora da linha, fora do programa (a angústia dos propagandistas). Se parece um pouco ridículo querer fazer cinema recusando o jogo do fora-de-campo, não é difícil reduzir este jogo, limitar esta margem, regulá-la para que o “fora” de cada campo seja de fato sempre da mesma ordem. Tal é a operação bem sucedida em Le Couchemar de Darwin: saltamos da fábrica à rua, da rua ao descarregamento, daí ao aeroporto, depois ao bordel, à ilha dos pescadores, e volta. O sucesso do filme talvez esteja nessa construção em círculo, fechada sobre si mesma. Não é impossível que este filme suponha um espectador desejoso de tal fechamento, que seria talvez para ele mais reconfortante do que inqui-
etante, cada elemento jogando aí como ponto de apoio dos outros, o mundo desconstruído que é ordinariamente o seu achando-se felizmente reconstruído pela mestria da narrativa. No segundo minuto do filme (o inseto - sic - esmagado sobre o vidro da torre de controle), deveríamos saber que o acaso aqui, não mais do que a aventura, o encontro, o desregramento, a desordem, não tem o menor lugar, e que desde já não haverá nenhum lugar que não seja regulado de antemão e perfeitamente previsto. Ordem na representação do horror. O sistema de escritura e de composição do filme impõe uma circularidade e uma coerência a um mundo, a uma sociedade, a relações sociais, mercantis, amorosas, que nos apresenta como o próprio caos. É isso o que distingue o sistema de Luis Buñuel em Terre sans pain (Terra sem pão, ) e o de Sauper: em Buñuel, o gosto pelo mórbido é francamente expresso pelo narrador-mestre da viagem e do jogo do filme. Os crânios do início, as cabeças de galo arrancadas pelos recém-casados, os amuletos no pescoço das crianças, as serpentes cujas mordidas são menos mortais do que os cuidados que os mordidos se dão, o mel, única riqueza preparada pelas abelhas que atacam as bestas, o encontro com os “cretinos”, a mulher com bócio que parece ter sessenta anos e tem apenas trinta, os mosquitos paralelos ou perpendiculares, a jovem cuja garganta está doente (apesar de nossos esforços, diz o narrador, nós chegaremos muito tarde para salvá-la), a cabra abatida com um tiro de revólver invisível mas abertamente lançado sob a câmera, o que constitui um índice visível da artificia-lidade extrema do filme, tudo isso é contrário à maneira de Sauper, que sempre finge uma grande seriedade, a mais sombria 141
gravidade, sem nunca dar ao espectador o menor índice de artificialidade de sua mise en scène. A voz narradora de Terre sans pain nos irrita e nos desaponta: nosso desejo de ajudar o outro, de lhe socorrer em sua miséria atroz, nossa necessidade de sermos compassivos são sistematicamente desapontados pelos comentários que nos repetem em cada caso: muito tarde, a morte já está aí. Sabemos, graças aos rushes encontrados por Marcel Oms, que Buñuel descartou tudo o que podia induzir uma versão menos unívoca, mais ambígüa, mais confusa, menos seca mesmo, em todo caso menos desesperada, do mundo das Hurdes. Em Sauper, a representação sistematicamente enegrecida dessa atroz exploração da qual os habitantes de Mwanza são vítimas pode sucitar apenas um sentimento de horror e um desejo sem fim de compaixão. A má consciência do homem ocidental, herdeiro do colono, torna-se aqui gozo da boa causa enfim reencontrada. Eis o que responderia a Michel Guerrin e Jacques Mandelbaum que num artigo do “Le Monde” estabelecem também um paralelo entre o filme de Buñuel e o de Sauper. Negros filmes os dois, sem dúvida, enegrecidos a todo preço, salvo que em Buñuel é o filme que escandaliza e é rejeitado por seus espectadores (a tal ponto, é preciso lembrar, que Pierre Braunberger, produtor da versão francesa do filme, sentiu-se obrigado a acrescentar, em 1937, um letreiro final esclarecendo que o destino das Hurdes havia mudado desde a tomada de poder pelas forças populares na jovem República espanhola, e que a esperança abria-se novamente com a vitória próxima sobre o franquismo (sic) e a redução para sempre da pobreza nessa região)... Enquanto que, em Sauper, é a realidade representada que horroriza, enquanto o filme mesmo, agrada. 142
19. “O representado não é o real”. Esta fórmula de Roland Barthes pode ser citada sem fim, pois sem fim a confusão retorna. Nenhuma lição é suficiente diante da potência desse desejo de crença manifestada por todos nós, espectadores de documentários, ávidos, impacientes em querer que o representado, sim, seja realmente o real. O espectador de documentários se apóia legitimamente sobre a certeza de um liame poderoso entre o real e o representado. Mas é preciso mais: que essa relação certa seja validada por todas as aparências de uma adequação formal, de uma transparência, de uma correspondência de um ao outro. O que é desejado e mesmo requisitado é a imagem como reflexo. Um fantasma. Há muitas centenas de anos (não ouso falar de milhares) a questão foi essa com as imagens, bem antes da invenção da fotografia, e no germe mesmo dessa invenção. A imagem (desenhada, queimada, pintada, esculpida) é submetida a uma espécie de necessidade, de desejo, de dever assemelhar-se. Com a dimensão imediatamente analógica da imagem fotográfica, em que a semelhança é de alguma forma dada de partida, pelo próprio jogo do dispositivo ótico e de seu registro químico, a questão nem mesmo é colocada: como uma foto não daria uma visão análoga do pedaço de real que ela fixa? Será preciso esperar Marey e Atget para que apareçam nas imagens fotográficas formas, substâncias, figuras que não se viam a olho nu nos quadros considerados; é assim, por produção fantástica, que a foto se separa de seu modelo. Ela sempre se parece a ele, salvo um menos (Atget) ou um mais (Marey) que as distingue radicalmente.De outra forma, nos maravilhamos todos os dias diante de cada foto da correspondência quase perfeita entre essas “visadas” com que o olho
humano percebe o mundo e aquelas que a máquina ótica fabrica por seu lado. Ora, esta “semelhança” tão evidente não funciona sem denegação nem desconforto: é verdade que durante cerca de meioséculo as fotos eram todas em preto e branco, que os progressos na instantaneidade não as impediram de serem fixas, que são sempre enquadradas, qualquer que seja o ângulo, que são sempre parciais e sempre bidimensionais. A soma de todas essas diferenças não impede em nada que a maioria das fotografias continue sendo vista como a reprodução fiel da realidade observada. Confiamos nas fotos. Temo-las mesmo como provas. No centro desse desejo do espectador talvez haja o papel desempenhado pela máquina, ela que destaca de um só golpe o ver das performances e dos limites do olho humano, que abre por aí o totalmente novo horizonte - enquanto triunfa o positivismo - de uma objetividade não estranha ao poder no entanto reconhecido das ciências. O olho mecânico e o ponto de vista científico vão se ligar. A precisão maquínica torna-se uma garantia de exatidão. Os espectadores dos primeiros daguerreótipos admiram a fineza de traços de uma imagem produzida através de uma lente, longamente exposta e quimicamente gravada sobre uma placa de prata. A imagem fotográfica dá mais detalhes e por aí parece mais real do que o que vemos a olho nu. Um suplemento do visível entra em cena. A máquina permite ver mais e melhor. Ela corrige o olho humano. O que é recusado, rejeitado, não crível, não desejável, é que possa haver um intervalo e às vezes um abismo entre os dois pólos do real e do representado. Esta dimensão não é recebida. O desejo de ser logrado está no centro do lugar do espectador.
Trata-se, é claro, de ver mas sem querer ver que este ver é uma forma tanto quanto uma função, que está assim ligado às suas condições materiais e históricas de produção. O espectador crê-se fora da história, longe de toda materialidade significante, num éter propício às epifanias, espécie de criançaDeus a quem o espetáculo do mundo seria dado sem preocupação nem trabalho. 20. A era da separação. As pessoas filmadas por Sauper estão como que suspensas numa espécie de levitação social, sem ligações afetivas, sem ligações quaisquer, sem relações. De repente, é preciso se emocionar, sem ferramentas para compreender e encarar, sem armas para lutar, sem formas nem campos de batalha. Tomemos a família. O piloto ucraniano tem uma. Ele mostra as fotos dela. Ele se enternece. A família é branca, provavelmente cristã, ela é o foco sentimental. Mas e os outros, os tanzanianos? Privados de família. O guarda noturno tem um filho que se entrevê, uma vez. O resto? Crianças sem pais, pais sem crianças. Homens sem mulheres. Mulheres sem homens. A figura da puta se substitui àquela da mamãe. Nessa África abandonada à devastação do Ocidente, parece melhor não ter mais família. Impossível? Não: programa. Pois escolher não representar as famílias, escolher anulá-las, toma o sentido bastante atroz de fazer desaparecer a frágil barreira que ainda assegurava relação e solidariedade face à mundialização desencadeada que nos mostra o filme. Tão artificial e desejada como tal quanto possa ser, a decisão de isolar as figuras, de separar os indiví143
duos filmados de seus próximos como de tudo o que poderia formar um coletivo, não é aqui um gesto artístico inocente: basta representar essas pessoas filmadas como mais vulneráveis e desfeitas do que sem dúvida são na “vida real”, do que elas seriam em todo caso se fossem mostradas solidarizando-se e ajudando-se mutuamente. Isoladas, separadas: entre as figuras filmadas e a condição moderna do espectador, há este eco. Não é somente no imaginário ocidental que as lutas na Tanzânia podem parecer inexistentes ou vãs, são nas sociedades mesmas onde, como espectadores, nós nos encontramos vivendo, que a idéia de luta social teve bastante dificuldade em resistir à versão cristã da compaixão dos poderosos pelos fracos. É aqui, é agora, que o espectador ocidental não é de maneira alguma capaz de perceber a que ponto foi barrada, nesse filme, toda abertura sobre um outro devir das pessoas e das situações filmadas (“um outro possível” - como esse slogan fica mudo diante desse filme!). Um devir que passaria pelo coletivo, que não mais seria a tal ponto piedoso, que nos solicitaria um ímpeto de solidariedade e não de piedade. Há uma boa consciência da má consciência: ou a vergonha de si conduz à revolta, ou à complacência. O filme joga sobre esse conforto da culpa. 21. Troque boa causa por má consciência. Os personagens do filme não têm quase o que partilhar a não ser a infelicidade; e nós, espectadores, não temos o que partilhar com eles e entre nós mais do que essa mesma infelicidade. Pobre partilha. Que dá bem uma idéia da religião do filme: a única “coletividade” concernida não está na tela, mas na sala, tratase de convidar o espectador suposto pelo filme - mais ou menos do tipo Ocidental, branco, vivendo numa 144
democracia parlamentar em regime capitalista avançado, vagamente cristão, vagamente militante, cheio de boas intenções e de má consciência -, convidá-lo, então, a expiar seus pecados desse Ocidente devastador. O filme não desenvolve um nível de análise política que permita evitar falar de “pecado” do Ocidente - um conjunto, ele mesmo, bastante contraditório. Eu dizia: a questão da exploração das operárias e dos operários negros da fábrica pelos donos, eles também negros, não é aberta. Uma vez mais (esse é um velho hábito do cinema) o trabalho operário é filmado de forma decorativa, mesmo quando aborda a parte repugnante de corte desses enormes peixes. Ainda aí, visão de um mundo separado em mônadas: de um lado o capital, do outro os operários, do outro ainda, os sem-teto, as prostitutas, os pescadores etc. Esse filme separa aqueles que filma para unificar aqueles que os vêem filmados. Os africanos já tiveram a ocasião de rir do papel da África no imaginário branco, e não é absurdo citar Frantz Fanon: “Pele negra, Máscaras brancas”. Esse papel é hoje o de servir a uma só vez para aliviar e para constratar: exatamente como na vulgata das mídias ocidentais, a África de Sauper é o condensado de todas as degradações, depravações, desolações cuja causa é a pilhagem conduzida pelo Ocidente. Que os próprios africanos tenham consciência dessa pilhagem, que eles briguem aqui e ali para mudar de mundo (inclusive com as armas que obcecam Sauper), que haja pensamentos e condutas políticas, história de lutas na África, nada disso aparece no filme. É por isso que convém o vocabulário do pecado. O filme age como um castigo, o qual trata-se de reconhecer que era merecido. Ele desencadeia um gozo do horror, a uma só vez colonial, “econômico” e social.
22. Linhas de fuga. Visita guiada, percurso balisado... impossível perderse... o quadro não é mais janela... proibida de sair do campo... a própria idéia de que possa haver uma alma perdida sem a ajuda de um olhar, esta idéia é banida. É também neste sentido que os filmes de Moore e de Sauper se inserem numa lógica propagandística próxima do proselitismo: tudo vale para administrar a prova. A boa palavra, mas só. Num mundo de contradições que parecem intransponíveis e difíceis de negociar e mais ainda de regular, a coerência das formas fechadas fascina: as causas e os efeitos, enfim, aqui se respondem. Tudo coincidência, até a droga feita de plástico que embala os pescados do Nilo. As transgressões, derivas, doenças, são elas mesmas partes coerentes do programa. Adeus à margem de magia que nós amávamos no cinema. Deleuze: “Uma sociedade, um campo social não se contradiz, mas o que é primeiro é que ele foge, foge a princípio por toda parte, são as linhas de fuga que são primeiras (mesmo se “primeira” não é cronológico). Longe de estar fora do campo social ou dele sair, as linhas de fuga constituem o rizoma ou a cartografia. (...) As linhas de fuga não são forçosamente “revolucionárias”, ao contrário, mas são elas que os dispositivos de poder vão colmatar, amarrar (...) A estratégia poderá apenas ser segunda em relação às linhas de fuga, às suas conjugações, às suas orientações, às suas convergências ou divergências. Ainda aí, encontro o primado do desejo, pois que o desejo está precisamente nas linhas de fuga, conjugação e dissociação de fluxo. Ele se confunde com elas.”
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Imagens de Asch Sarah Elder Introdução Desde o final dos anos sessenta, a distinta carreira de Timothy Ash tem sido sinônimo de filmes etnográficos. Poucos antropólogos estão cientes, no entanto, que Asch estava interessado em mudar as maneiras com as quais antropólogos ensinam antropologia e as maneiras pela qual estudantes de antropologia enxergam. Ele mudou seu foco continuamente entre cinema e pedagogia. Dos seus anos como graduando na Universidade de Colúmbia (1955-59), até a sua posse como diretor do Centro Visual de Antropologia da Universidade do Sul da Califórnia - USC (de 1983 até sua morte em 1994), Asch imaginou inúmeras possibilidades pedagógicas para unir ensino de teoria social com cinema. Ele viu que os alunos poderiam aprender antropologia a partir do ato focado de ver com atenção e percebeu que filmes etnográficos poderiam funcionar mais efetivamente como uma mídia relacionada à observação de campo do que como documentários autônomos ou materiais de aula semi-ilustrativos. Asch vislumbrou uma nova forma de criar (e aprender) o conhecimento antropológico pela qual textos e imagens amplificam e informam um ao outro, os dois com o mesmo valor. Ele explorou sua idéia em um grande número de maneiras interrelacionadas: nas suas filmagens, ele escolheu colaborar com antropólogos que poderiam prover etnografias escritas; explorou projetos preliminares para estudos dirigidos de filmes (Asch e Seaman 1993); e, na USC, Asch desenvolveu e ensinou o protótipo de curso de antropologia cultural 146
introdutório, baseado em filmes etnográficos com leituras relacionadas. Ele também produziu inúmeras seqüências curtas de filmes para serem usadas em sala (DER) e colaborou na publicação de uma monografia/guia de filmes, publicada com quatro fitas de vídeo, Jero Tapakan: Balinese Healer: an ethnografic film monograph (Connor, Asch and Asch 1986). Quando Asch começou a ensinar na Universidade de Brandeis e mais tarde em Harvard, no início dos anos 70, descobriu que através da utilização de fotos e imagens em movimento ele poderia ensinar antropologia mais efetivamente. Ele poderia ensinar não só conceitos-chave, mas, ainda, ensinar os alunos a verem melhor, a tornarem-se observadores mais sagazes do comportamento humano. Antes de se aventurarem a campo, Asch ensinava a seus alunos a prática da observação, treinando-os a observar detalhes, a reparar, a perceber, a discernir, de maneira que pudessem ver, finalmente, além das evidências visíveis, os padrões invisíveis da cultura – além de análises culturais prévias para suas próprias interpretações originais. Continuamente pesquisando por novos meios de ensinar e gerar conhecimento antropológico, Asch persistiu em seus experimentos visuais ao longo de todo o curso de sua carreira. O trabalho da vida de Tim Asch tece três linhas distintas: produção cinematográfica, ensino e fotografia. Para Asch, estas linhas estão intrinsecamente entrelaçadas pela lógica e pela paixão. Mais que isso, ele descobriu que elas estão em constante conflito uns com os outros e com as
demandas do campo da antropologia. Meu foco aqui é a conjunção dessas trilhas nos seus primeiros anos os professores que o influenciaram, seus primeiros anos de ensino, a experiência profunda de tê-lo como professor, o seu relacionamento com a fotografia e, rapidamente, a sua produção de filmes, de 1950 até 1970. Antecedentes O extenso trabalho cinematográfico de Asch inclui mais de 60 filmes etnográficos, muitos deles ganhadores de prêmios, e sempre com colaboradores (incluindo John Marshall, Patsy Asch, Napoleon Chagnon, Linda Connor, Douglas Lewis, James Fox, and Asen Balikci). Ironicamente, muitos antropólogos o conhecem primeiramente por seus 39 filmes sobre os yanomâmi que fez com Napoleon Chagnon, de 1968 a 1975. Posteriormente, Asch veio a se distanciar de muitos desses filmes, incluindo The Feast (1975) e The Ax Fight (1970), por causa dos métodos dos filmes e da interpretação etnográfica. No entanto ele continuava a adorar o que chamava de filmes yanomâmi “suaves” como A Man and His Wife Weave a Hammock (1975); A Father Washes His Children (1974); Weeding the Garden (1975) e Tapir Distribution (1975). Ao longo de sua carreira, Asch articulou e promoveu uma metodologia distinta para formalizar a colaboração entre antropólogos e cineastas. Como diretor do Centro para Antropologia Visual no departamento de antropologia da USC, ele desenvolveu os cursos do programa de forma a melhorar esse modelo, pedindo que alunos já graduados fizessem cursos no departamento de cinema da USC e encorajando-os a formar equipes de colaboração entre produtores visuais e antropólogos. Enquanto aperfeiçoava esse modelo de colaboração, Asch também se adiantou em promover a produção e
o uso em sala de curtas seqüências de “eventos isolados” da atividade humana. Em Colúmbia, Margaret Mead experimentara com seqüências de atividades, nas suas fotos e filmes de Bali (Moore 1995) e John Marshall desenvolveu ainda mais essa abordagem em seu material não-sincrônico Ju/’hoansi ou “Bushmen” – 500 mil pés de filmagens (aprox. 152.400m) nas quais Asch iniciou-se como um jovem editor de filmes. Asch foi fortemente influenciado pelos “estudos de caso estendidos” do sul-africano Max Gluckman, nos anos 50. Ensinando na Universidade de Manchester, na Inglaterra, Gluckman defendeu que ações sociais têm supraestruturas definidas cujas regras normativas podem ser deduzidas através de uma observação minuciosa. Asch concluiu que filmes seqüenciais de atividades poderiam funcionar como estudos de casos visuais dos quais dados originais, e provável conhecimento antropológico, poderiam ser derivados (Marks 1995). O método de abordagem dos estudos de caso complementou a necessidade de Margaret Mead e outros nos anos 40 para que fossem coletadas filmagens de campo. Asch, que estudou com Mead em Colúmbia, estava entusiasmado para aplicar o modelo de pesquisa de filmagem e armazenagem de material bruto de gravações de forma que pudesse ser utilizado mais tarde para diversos modos de pesquisa não vislumbrados no momento de gravação, desenvolvido por Carleton Gajdusek e E. Richard Soreson (Sorenson 1967). Nos anos 90, Asch comentou que ninguém tivera êxito em seguir esse modelo – nem em arquivar o material ou utilizá-lo retroativamente (1992). Todavia, antes de sua morte, ele depositou todo o seu próprio material na Coleção de Arquivos de Filmes Humanos da Instituição Smithsoniana. Ainda é, talvez, muito cedo para especular o que povos indígenas e/ou antropólogos farão no futuro com material fotográfico do século 20. 147
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Já existe uma grande quantidade de publicações sobre o trabalho de Tim Asch. O artigo de Jay Ruby: “Out of Sync: The Cinema of Tim Asch” (1995), é particularmente perspicaz. Ruby criticamente posiciona “The Ax Fight” como uma ingênua, mas brilhante expressão prematura da cinematografia etnográfica pós-moderna. Contudo, um texto crítico completo sobre Asch está ainda para ser escrito. Tal tarefa elucidaria as origens da antropologia visual: muitos dos materiais visuais de Asch permanecem não enquadrados criticamente e as experimentações pedagógicas que ele nos deixou merecem atenção acadêmica. Usando as novas possibilidades das multimídias digitais, seu trabalho poderia ser examinado à maneira de níveis indiciais. Na medida em que a antropologia visual continua a estabelecer suas posições dentro do campo da antropologia, um exame dos 60 filmes de Asch, rascunho de estudos de filmes, currículos não publicados, notas pessoais e quase cinqüenta anos de fotografia contribuíriam para a história da antropologia e, talvez mais importante ainda, para suas práticas futuras. Os instintos visuais de Asch, ainda que nem sempre articulados teoricamente, eram excepcionais em intuir as profundas maneiras pelas quais humanos criam sentidos complicados a partir do visível.
– aspectos que acredito possam trazer dicas e insights a respeito de sua influência visionária sobre a antropologia visual.
Como cineasta, meu trabalho tem sido contar histórias: de outros e a minha própria. Escrevi esse artigo no mesmo estilo. Uma vez que certa quantidade de material histórico sobre Asch já existe, procurei enfocar áreas que os leitores podem estar menos familiarizados. Usei duas entrevistas que gravei com Tim em 1992 e 1994 e minhas memórias dele como meu professor de pós-graduação, colega cineasta e amigo. O que segue são pedaços de fatos, fragmentos de histórias, conversas e interpretações que moldei para refletirem partes menos visíveis e aspectos menos conhecidos do trabalho de Tim Asch
A história que segue é um combinado retirado de quatro fontes: uma conversa gravada que tive com Tim em 1992; o vídeo Morning with Asch (1995), feito por Jaysinhji Jhala e Lindsey Powell; a história que Tim contou para Douglas Harper, que a incluiu em sua publicação, Cape Breton 1952: The Photographic Vision of Timothy Asch (1994); e finalmente minhas próprias memórias de Tim contando-a em diversas ocasiões. Eua condensei e ao mesmo tempo tentei manter detalhes, e também o coloquei na terceira pessoa de forma que ele pudesse atuar para nós – não com voz, cadência e postura, como ele gostava de
História da origem Começarei com uma história que Tim contou muitas vezes e em muitas versões diferentes, dependendo da audiência. É o que eu chamo de “história-base”, do tipo de história de identidade que contamos sobre nossas vidas. Estas histórias são tão partes de nós quanto nossas impressões digitais. Nossas histórias dão forma e sentido para nossas experiências, nos permitindo fazer sentido do material bruto das “filmagens da vida”. “Histórias-chave” são significantes para onde já estivemos e para onde poderíamos estar viajando. Elas ensinam aos nossos ouvintes as complexidades e as valências de nossos valores, valores que algumas vezes estamos até inconscientes deles. Nas várias vezes que contou esta história de infância, particularmente nos anos quando estava enfrentando uma morte prematura por causa de um câncer, Tim deixou uma moldura para nosso entendimento do que era importante para ele. Ele nos dá um mapa de onde ele veio e para onde ele poderia estar indo, um lugar e espaço inscrito por seu processo de vida.
fazer, mas como um protagonista de texto. Isto é o que fazemos quando adaptamos, adotamos e recontamos a história de alguém. A história começa na cidade de Nova Iorque em 1942, quando Tim tinha dez anos de idade. A história de fundo começa quando o pai de Tim morreu em 1935, quando Tim tinha três. Sua mãe adorava o marido e desestabilizou-se – toda a família se desfez. Sua mãe recasou-se para se salvar. O padrasto de Tim era um homem frio, mas muito bem educado. Tim começou a ter problemas nas ruas, na escola e em casa. Ele foi expulso de diversas escolas; ele estava perturbado; não estava aprendendo bem. Em desespero, pela sugestão de um amigo que era psiquiatra, sua mãe decidiu mandá-lo para uma escola fora da cidade, mais ao norte. Uma noite, o garoto de dez anos foi colocado em um ônibus e mandado embora. “Ninguém foi comigo e eu era muito tímido para perguntar alguma coisa”. Ele achou que estava indo para algum tipo de escolaprisão. Ele viajou durante toda a noite sem cair no sono, nervoso e amedrontado. Quando chegou a manhã, o ônibus começou a rodar através de uma região de altos picos. “Eu nunca havia visto montanhas antes, a não ser em revistas em quadrinhos... havia montanhas cobertas de neve e neblina e nuvens. Não dava para ver os topos de forma que te fazia pensar que eles eram os mais altos”. O ônibus parou e o motorista disse: “bem, aqui estamos”. Não havia nada ao redor a não ser dois metros de neve (ou dois e meio ou três, dependendo da versão) e uma estreita estrada de terra que Tim começou a seguir. Logo, um jipe apareceu lotado com doze crianças sendo levadas para um celeiro junto a estrada. O motorista disse às crianças para andarem rápido com suas tarefas. Tim observou. Todos se apressaram, alimentando e dando água aos cavalos,
limpando baias e esvaziando uma grande geringonça para adubo. “Nunca havia visto cavalos antes.” Tim entendeu o que fazer simplesmente por observar de um canto; ele começou a ajudar. Ninguém sabia e nem questionou quem ele era com sua jaqueta Brooks Brothers e paletó de pelo de camelo. As crianças apressaram-se para o café deixando Tim para terminar a maioria das tarefas; ele trabalhou das oito até quase meio dia. “Eu fiz tudo que tinha que fazer... Eu disse pra mim mesmo ‘se isso é uma prisão, eu quero ficar aqui. Isto é fantástico’”. Então ele caminhou o resto da estrada de terra até a escola onde ele encontrou Walter Clark, o diretor, com tanta raiva que tinha quase chamado a polícia. Ninguém nunca notou que Tim havia completado as tarefas e ele nunca contou. “Eles nunca perguntaram e ninguém nunca soube e eu nunca disse nada. Era uma grande escola.” Tim frequentemente continuava contando uma história sobre sua primeira câmera: Tim: “Eu estava na escola há mais ou menos um ano quando alguém me deu uma câmera Brownie. Eu tinha me tornado muito bom com cavalos e fotografei meu cavalo. Você sabe, muitas pessoas não sabem o que vão fazer com suas vidas. Eu sabia de alguma foram que seria um fotógrafo. Eu amava aquele cavalo, sabe, e lá estava ele naquela foto. Era mágica.” Rodeada pelos altos picos das selvagens Montanhas Adirondack, a Escola North Country, em Lake Placid, Nova Iorque, foi fundada em 1938 pelos princípios do movimento da educação progressiva e altamente influenciada pelo filósofo americano John Dewey que sustentava que crianças aprendiam melhor pela experiência, ao fazer, em um ambiente de amor. A escola queria que os alunos aprendessem a serem úteis, produtivos, morais e humanos. Os professores acreditavam que todas as experiências da vida, tanto 149
fora quanto dentro de sala de aula ofereciam iguais possibilidades ao ensino. “Uma experiência, uma simples experiência, é capaz de gerar e carregar qualquer montante de teoria (ou conteúdo intelectual). Ela tende a tornar-se uma mera fórmula verbal, um conjunto de clichês para interpretar o pensamento... obscurecendo a percepção [e] prevenindo-nos de ver...” (Dewey, 1916:1944) Tim morava em North Country com seu professor Ed Bley e sua esposa Elsa, em uma fazenda com várias outras crianças. Quando eu conversei com Ed sobre a história do ônibus que Tim contava, ele sugeriu comicamente que eu não confundisse “as histórias de Tim com a realidade, mas que as entendesse como autobiografia inventiva.” “Tim, certamente, sabia como encontrar um jeito de dizer o que estava sentindo’ (Bley 2001). Mas, tendo ouvido a história muitas vezes, Eu escolhi não confundir realidade com a verdade da narrativa do Tim. Ed Bley foi o professor de Inglês e Estudos Sociais por todos os quatro anos que Tim esteve em North Country (do quinto ao oitavo ano do ensino fundamental). Ambos eram fãs um do outro e Bley teve uma influencia enorme na vida de Tim. Mimi Dow, uma colega de classe de Tim disse-me: “Ed era o tipo de professor que muda a sua vida para sempre” (M. Down 2001). Tim trabalhou na fazenda da escola e estudou na tradição progressiva. Na quinta série, Bley ensinou Tim um semestre inteiro sobre a África e a experiência dos negros na sociedade americana. As crianças encenavam e cobriam suas peles brancas e ricas com maquiagem preta. Solicitava-se às crianças que tentassem sentir como é ser “outros”. Nós até estremecíamos com essa divisão racial colonial – era radical para seu tempo. Com dez anos, Tim estava pensando sobre práticas culturais, etnocentrismo e mal-entendidos inter150
culturais. Ele começou a aprender de um jeito completamente diferente. Um slogan popular da educação progressiva era “Cada um, ensina um” levando em conta não só o valor de cada criança em particular, mas também que cada aluno deve ensinar outro aluno. Tim começou a ensinar, as crianças estavam imersas nas belas artes e nas artes performativas: eles próprios faziam suas próprias câmeras pin hole, inventavam coisas, descobriam idéias, faziam coisas com suas mãos e aprenderam a pensar a partir de observações de primeira mão – como críticos de cinema poderiam dizer: sem narração expositiva. Ele também tinha muito jeito com um cavalo selvagem indomável, “Do Tell”, do qual as outras crianças não podiam se aproximar. Somente o diretor e o jovem Tim podiam domar esse cavalo. Seu relacionamento com o eqüino tornou-se não só uma medalha de honra para ele, mas uma afeição emocional real. Uma ligação humana. Uma medida de grande prazer. Foi “Do Tell” quem abriu pra ele a inexplicável força da fotografia: “Eu amava aquele cavalo, sabe, e lá estava ele naquela foto”. Sabendo do contexto de sua primeira infância e mais tarde em sua carreira, a viajem dele para North Country torna-se uma história de transformação, de origem. Um garoto tímido e órfão de pai, aparentemente sem muito talento de repente encontra seu caminho de saída da escuridão em direção à luz da manhã. Homens e mulheres aceitamno, aceitam sua ingenuidade, suas mãos habilidosas, seu amor à sua câmera, até seus “problemas de aprendizado”. De uma disjunção radical, ele acha seu lugar. De seu mal encaixado lar familiar ele encontra família entre estranhos. Um garoto não formado é transformado em um ser humano formado. Esta história-base é menos sobre aventura de Tim no
ônibus do que sobre sua a consciência profunda de que disjunção, e eventuais conexões humanas podem trazer. É sobre o melhor do aprendizado e do ensino, sobre pensamento original e descoberta, e sobre ser útil no mundo. É sobre o trabalho da vida de Tim para transformar a antropologia e o ensino de antropologia de forma que a disciplina pudesse contribuir para fazer do mundo um lugar mais humano. Sarah: “Sua missão mudou muito no decorrer de sua vida?” Tim: “Não muito. Exceto em relação a cavalos... Eu realmente fazia uma bela cavalgada. E então alguém me deu uma câmera Brownie, e eu fotografei meu cavalo. Eu tirei umas fotos desse cavalo, e elas saíram! E elas eram legais. Era como mágica. E daquele momento em diante eu estava só tirando fotos... Acho que eu tinha uns 10 anos. Então alguns anos depois eu tinha meu próprio quarto escuro no porão da nossa casa. Eu caminhava pelas ruas de Nova Iorque, com uns 12, 13, 14 anos tirando centenas de fotos todo dia, o dia todo.” Aos 14, Tim graduou-se em North Country e mudouse para Putney School em Vermont, uma escola secundária privada, famosa por sua educação progressiva. Putney encorajava os alunos a questionar idéias estabelecidas, honrar a comunidade entre eles, fazer artes, e como em North Country, trabalhar na fazenda. Tim prosperou em desenvolver seu amor pelos estudos sociais e, mais importante, seu trabalho na fotografia. Nessa época, ele já tinha absorvido princípios fundamentais de Dewey de que a educação deve “primeiro ser humana e somente depois profissional”; ela deveria “melhorar a vida que vivemos em comum”, e mais significativamente para a mais tarde pedagogia de Tim, ela deveria usar a experiência autêntica da
percepção para evitar “o dilúvio de meias observações, idéias verbais, e conhecimento não assimilado que aflige o mundo”. (Dewey 1916:1944) Toda a experiência de aprendizagem de Tim nos seus anos de transformação moldaram sua carreira de sucesso posterior. Enquanto outros cineastas e antropólogos estavam perseguindo honras em festivais e publicações de sucesso, o começo de carreira do Tim já era dedicado a transformar a pedagogia da antropologia cultural na suposição de que conhecimento inter-cultural poderia levar os alunos não só para uma antropologia, mas também, como lhe foi ensinado em North Country, fazer alguma intervenção social boa. Professor Eu falei com Tim Asch pela primeira vez numa ligação telefônica em 1969, logo depois que me formei na Sarah Lawrence College (também uma escola progressiva). Eu queria estudar filmes antropológicos. Alguém (de quem o nome já esqueci a muito tempo) me disse que existia apenas um acadêmico fazendo esse tipo de trabalho. Eu liguei pra ele na Brandeis University, ansiosa, e na sua maneira entusiasmada ele falou comigo um tempão sobre o seu trabalho com os yanomâmi. Ele me incentivou a mandar um portifólio – fotografias do meu trabalho na reserva dos Navajo e algumas histórias e poemas. Nós parecíamos ter idéias semelhantes sobre o poder das imagens – o potencial delas para comunicar práticas culturais e o poder do papel político-social delas para mudar a intolerância ocidental. Nós éramos ambos parciais quanto a fotografia documental. Concordamos quase naquele momento que eu deveria estudar com ele. Eu matriculei em Brandeis em 1970 para meu Mestrado em Belas Artes e comecei a estagiar no 151
Centro para Antropologia de Documentário, que Tim havia fundado com John Marshall (em 1971 eles o renomearam Recursos para Documentário Educacional, DER). Naqueles tempos o DER uma casa quente, um salão para cineastas etnográficos. Eu fiz uma porção de trabalhos enfadonhos lá, editava, fazia o corte bruto dos filmes, fazia café e era anfitriã de antropólogos e cineastas, como Asen Balikci, Roger Sandall, e Napoleon Chagnon. O mais importante é que me permitiam sentar e assistir a brainstorms e sessões de edição. Assim como Tim, ao chegar a North Country, eu achei que eu tinha chegado – quase. O mundo dos filmes etnográficos ainda era muito um mundo de homens. Idéias feministas sobre filme eram suspeitas. No DER existia pouco interesse em pedir o sujeito dos filmes para falar por eles mesmos ou então em se olhar a vida das mulheres, sem mencionar o fato de dar aos sujeitos um papel direto na direção do filme, uma abordagem que comecei a explorar em 1973 como Codiretora do Centro Cinematográfico do Patrimônio Nativo do Alaska (Elder 1995). Como uma graduanda nos anos 60, eu tinha visto o que eram considerados os melhores filmes antropológicos. Eles me enlouqueciam pela distância, falta de intimidade, omissões e a espreita do colonialismo embutido na suas construções. Eu achava que deveria ter uma maneira melhor de fazer filmes e contava minhas idéias a ele em diversas ocasiões. Este era o tempo em que meu país estava matando vietnamitas e os desumanizando e mal interpretando na mídia enquanto, ao mesmo tempo, meus camaradas e eu estávamos assistindo filmagens de fazendas de arroz, vida nas vilas e invasões americanas, contrabandeadas do Norte do Vietnam. Nós podíamos ver a disjunção. Nós estávamos assistindo filmes de produção coletiva da 152
Califórnia Newsreel que mostravam imagens privilegiadas e não editadas de minorias americanas sem voz, e filmes como Attica (1969) de Lucinda Firestone sobre a rebelião e massacre na prisão do estado de Nova Iorque, mostrando negros e seus defensores falando por eles mesmos. Pela primeira vez estávamos assistindo filmes sobre mulheres, por mulheres e para mulheres. Eu estava consciente de que muitos diretores estavam fazendo filmes sobre as pessoas que não tinham nenhum poder, e que muitos daqueles filmes refletiam mais do ponto de vista dos diretores do que daqueles que diziam estar representando (Elder 1995). Estes eram os anos 60; estávamos questionando a autoridade, os cientistas sociais, a mídia – resumidamente, qualquer que pessoa que acreditava falar por ou sobre outra pessoa – incluindo diretores de filmes etnográficos. Em muitos salas de aula da antropologia, incluindo a minha em Sarah Lawrence, indígenas eram apresentados como tão especiais que eles não tinham vozes individuais, nenhuma posição nacional, nenhum lugar de autoria em filmes e nenhuma possibilidade real de cruzar nossas vidas. Eles eram inventados como ícones do comportamento humano. Os indígenas “eles” eram distantes, “culturas” bonitas e complicadas nas quais podíamos praticar nossas carreiras intelectuais e nossos desejos visuais. Tim ainda não tinha interrogado plenamente a natureza política da representação ou a natureza subjetiva do conhecimento construído na antropologia, tampouco tinha eu. O pós-modernismo estava só engatinhando. Ele estava interessado em fazer filmes sobre os outros, que poderiam diminuir a miopia cultural do ocidente e estava igualmente comprometido a fazer documentos visuais dos “modos de vida” de sociedades em rápidas mudanças, ou como dizíamos antes “culturas em
desaparecimento”. Do meu ponto de vista ele era muito mais um antropólogo da tradição dos exploradores, com teoria política ou feminista. Nós batíamos cabeça muitas vezes. E ainda sim, Tim estava sempre apto a ouvir, me dar espaço, me deixar trabalhar independentemente, buscar meus fundamentos de antropologia e cinema. Eu o admirava por me deixar fazer projetos de filme feministas, um assunto que ele dizia que o intimidava. Ele não escondia que às vezes ele se sentia ameaçado por nossas noções nos anos 60; ele ouvia atentamente. Na verdade, Tim tinha muito para me ensinar. Ele aguçou minha percepção visual; me ensinou como ver de uma maneira que nem documentaristas nem antropólogos estavam me ensinando. Ele instintivamente combinava os dois campos. Como documentarista, ele buscava pelo “momento decisivo’ de Cartier-Bressaon e como um antropólogo filmava pelos detalhes dos sistemas culturais. Ele entendia a tensão entre a natureza icônica do filme e a particularidade íntima de uma imagem, os padrões culturais invisíveis dentro da forma visível, a energia de repouso de um plano geral e a energia focada de um close. Ele me ensinou como olhar a performance visual da cultura de uma maneira que era ausente no discurso linear. Ele entendia que o processo de coleta e apresentação de imagens e sons, no seu pior, podem criar afirmações fictícias de verdade; em sua forma mais ordinária, o processo pode explicar conhecimento pré-existente; e, no seu melhor, pode criar conhecimento. Instintivamente, Tim entendeu que o processo de construção de filmes etnográficos era um processo de duas vias entre aquele que filma e o que é filmado, e, quando bem feito, poderia criar nova consciência ou insight antropológico. Como escreve David MacDougall (1998), “Se imagens mentem, por que são sinais tão palpáveis da vida
entre nós?” Eu quero olhar, às vezes enviesadamente, para espaços entre o que filma e o assunto: de imagens mentais e linguagens, de memória e sentimento. Estes são espaços carregados de ambigüidade, mas não são também espaços onde a consciência é criada?” Tim foi grandemente influenciado por seu trabalho para psicólogo educacional de Harvard Jerome Bruner. Bruner estava desenvolvendo um currículo de ciências sociais visionário, chamado: Homem: Um curso de estudos (MACOS) para escolas elementares americanas. Bruner facilitou um conjunto de pensamentos criativos entre cineastas, novelistas, designers, poetas, antropólogos e educadores. Em 1965, Tim se juntou ao projeto, gravando aulas experimentais e trabalhando no currículo. O objetivo do grupo era criar um currículo elementar baseado no material fílmico de “Bushmen” de Marshall, gravações dos Netsilik de Asen Balikci e as gravações de babuínos de DeVore. O curso examinava o que significava ser homem, como chegamos aqui, e como humanos podiam se tornar mais humanos. Brunner queria mexer com imaginação das crianças e facilitar a geração de conhecimento, ao invés de só consumilo. Perguntar era para ser tão importante quanto encontrar respostas. O projeto foi de importância seminal para a carreira posterior dos participantes (P.Dow 1991, 2001). Claramente, isso era importante para Tim, que tinha aprendido por experiência, e levado à frente seus métodos. Tim trouxe muito do currículo do MACOS para nossas aulas, incluindo guia de professores do MACOS: “estamos tão acostumados a um tipo de pseudo-idéia, uma meiapercepção, de que não estamos conscientes de quão dormente nossa ação mental está, e quão mais penetrante e mais extensa nossas observações e idéias seriam se nós as formássemos sob as condições de uma experiência vital...” (MACOS: 153
Seminários para professores 1970, em Dewey 1916:1944) Toda aula que Tim dava era uma experiência, um grande acontecimento. Ele fazia tudo que podia para nos incentivar a pensar de uma maneira nova. Ele estava experimentando maneiras de estudar antropologia e simultaneamente, testando suas próprias montagens. Ele disse que essa foi a época em que ele ensinou melhor. Tim: “Eu criava um ambiente de câmara... Eu tinha projeções de slides de 35 mm com fitas tocando. Os alunos sentavam no chão com travesseiros. Alguns desses shows eram bem complicados. Um dos últimos que fiz foi o dia que eles [os alunos] tomaram o prédio em Brandeis.” Ele desligava o som dos filmes e fazia com que adivinhássemos o significado do que estávamos vendo. Ele desligava a projeção e fazia-nos sentar no escuro ouvindo sons. Ele mostrava imagens não editadas de ju/’hoansi de Nyae Nyae (“Bushmen, ou !Kung San) e yanomâmi da Venezuela, e pedia que bolássemos estruturas de edição. Ele nos mostrava material editado e pedia que os reeditássemos. Entremeado com todo o seu ensinamento, haviam histórias. No meio de uma aula, esforçando-se para comunicar uma idéia, ele entraria em uma história. Nunca uma pausa. Nenhuma deixa lingüística. Ele só partia. Ele contava histórias de campo, de guerra, histórias de vida. Ele nos educava com histórias de sua morte próxima, suas câmeras desmontáveis nos trópicos, seu medo e admiração conflituosos pelos yanomâmi, seus erros culturais. Ele frequentemente mantinha aulas noturnas em sua casa em Frost Street, em Cambridge, Massachussets. Tim mergulhou na trilogia de filmes de Satyait, Pather Panchali (1955), Aparajito (1956), e The World of Apu 154
(1959), assim como Tokyo Story (1953) de Ozu. Ele nos fazia identificar quais qualidades eram etnográficas, e porque esses filmes especialmente narrativos funcionavam tão bem para traduzir relacionamentos sociais complexos. Fazia-nos ler The Gift (1953) de Marcel Mauss, e analisar suas implicações teóricas de reciprocidade e intercâmbio em The Feast, um filme que ele conscientemente se propôs a fazer com The Gift em mente. Como resultado, eu me lembro que dois anos depois eu estava dirigindo com segurança Leonard Kamerling, meu parceiro de filmes, a filmar uma extensiva distribuição de carne da cabeça da baleia durante uma caça a baleias dos Yup’ik Siberianos no mar de Bering. Eu insisti em incluir uma grande cena da distribuição da carne das baleias na edição final de At the Time of Whaling (1974). Tim, assim como John Marshall, fala dos sujeitos de filmes de uma maneira muito íntima, que eu nunca tinha visto antropólogos fazerem antes. Eles usavam o nome das pessoas e trouxeram as personagens de filme Dedeheiwa, Moawa, =Tomo, N!ai, e /Gunda para minha vida de forma tão profunda que estes indivíduos desses filmes ainda habitam minha consciência. Tim comparava The Hunters (1957) de ponta a ponta com seqüências poderosas de filmes como N/um Tchai (1969), permitindo-nos experimentar a profunda diferença entre o poder construtivo da narrativa versus seqüências em tempo real. Nós assistimos Bitter Melons (1971) (ainda um dos meus filmes favoritos) com e sem tradução e aprendemos o vazio das imagens sem a linguagem humana. Nós discutíamos a construção de Dead Birds (1994) e o que Tim considerava um desperdício de gravações feito por Robert Gardner, gravações que Tim achava redundante em sua cobertura e que fora filmada só para manter uma linha narrativa. Ele nos fazia estimar quantos filmes de pequenas seqüências
de atividades Gardner provavelmente havia feito e de que eles poderiam tratar. Ao mesmo tempo Tim admirava muito a estética do trabalho de câmera de Gardner e nos fazia dissecar sua composição e enquadramento. Tim: “Bob Gardner filmou 60.000 pés de rolo para Dead Birds, que tem somente 2000 pés de filme. Ele fez um trabalho de Hollywood. Ele queria estar certo de cobrir tudo. Eu teria filmado 8.000 pés de filme para o mesmo filme.” As pessoas ficam tão hipnotizadas pela natureza espetacular das coisas. Mas é como pescar na água, onde os peixes são tão bonitos, e você os tira da água e eles são sem graça. Gardner estava lá, todo imerso e completamente absorvido com o que estava acontecendo e com todos os ângulos espetaculares que ele podia conseguir, e de fato quando você leva as coisas pra casa o que você tem é muito vazio. Sarah: “Por que, o que acontece?” Tim: “Bem, as cores, a realidade delas é tão inacreditável e quando você passa para uma realidade bidimensional não é a mesma coisa. Eu tive vários amigos; a grande coisa da vida deles era terminar esse filme que fizeram em Bali. E eram gravações espetaculares, mas eles chegaram a Nova Iorque, e todo esplendor tinha, como que, partido. Eles estavam hipnotizados pelas coisas erradas. Eles não tinham idéia de como estruturar um filme. Eles simplesmente disseram: ‘Uau, olha só que beleza, e filmaram tudo...’ Qualquer pessoa pode simpatizar com isso. É o velho problema de como desenvolver uma história.” De forma a ter um feedback mais profundo sobre o filme que ele estava editando, Tim inventou o que ele chamava de uma impressão “slóptica”, que utilizava slides, a Bolex, uma máquina de datilografar, um
duplicador e um laboratório local de filmes. Ele juntava pedaços múltiplos de 16mm de texto, congelava quadros ou imagens de filmes nessa mistura e testava conosco. Uma coisa tão fácil de se fazer hoje em dia com a edição digital, esta ferramenta de edição primitiva permitia que ele se esforçasse em mostrar como a antropologia podia ser visualmente ensinada. Até onde sei, ele é o único cineasta que fazia isso naquele tempo. Sem um grande orçamento, a tecnologia de filmes de 16mm dificultava a mistura de cortes com som, intertítulos, subtítulos e quadros congelados. O sloptical artesanal era um meio barato e sujo de imprimir todos os elementos de forma a conseguir um feedback realístico da audiência. Ele nos perguntava o que pensávamos ter visto; o que não havíamos entendido. Que generalizações culturais podíamos fazer? Quem estava relacionado a quem? Por que pensamos que teve uma briga de machados? Como deveria ter filmado a briga? Deveria ter deixado na voz do cineasta? Ele estava convencido de que um filme não deveria ser lançado até que fosse testado em sala de aula e trabalhado de novo e de novo. Em 1973, quando eu estava fazendo meus próprios filmes com Kamerling no Projeto de Cinematografia do Patrimônio Nativo do Alaska, eu estendi essa mesma metodologia para uma audiência mais ampla. Nos nossos testes para edição final nós convidávamos residentes das vilas Yup’ik e Inupiaq, nossos tradutores, alunos da graduação e pós-graduação, secretárias, zeladores, antropólogos, visitantes e cineastas. Imitando o trabalho de Tim, eu trabalhava novamente com as montagens muito mais do que quaisquer outros editores de documentário que eu conhecia. Olhando para trás eu atribuo muito do sucesso desses testes ao Tim. Tim trouxe o extraordinário material sobre os Ju/’hoansi, do Marshall para a sala de aula. Para 155
mim essas eram as aulas mais poderosas. As meditações de Marshall através das lentes, sua inclinação para dirigir cinema, sua atenção para detalhes e sua afeição clara para com os sujeitos de seu filme absolutamente mudaram a minha vida como uma cineasta. Tim: “Ao introduzir The Bushmen, eu mostrava um grande show de slides sobre como era o deserto de Kalahari [na Namíbia] em todas as estações do ano. E eu tinha efeitos sonoros que rodavam junto. Eu tinha um gravador conectado ao projetor de slides e tinha um grande filme de uma tempestade no meio do deserto durante a estação da chuva, eu ligava um sistema estéreo de um projetor da Siemens e projetava essa grande tempestade e então eu perguntava os alunos, ‘bem, qual é a estrutura desse filme? Do que ele trata?’ E poucos deles entendiam que era um filme sobre as diferentes estações, e então eu pedia a eles para voltar e ver se existia algum slide que eles gostariam de rever... Então voltávamos e olhávamos esses slides... E então eu colocava um slide dos Tomo na frente de uma fogueira... e eu dizia ‘agora, o que vocês podem me dizer sobre essa cultura?’ Então eu mostrava algumas fotos dos =Tomo; haviam três aspectos significantes da tecnologia: a cabaça, a vara de cavar e os arcos de veneno. Frequentemente os alunos não conseguiam compreender muito. Algumas vezes eu trabalhava duro. Eu fiz isso em Harvard também. Eu pensava, bem, isso vai funcionar por 19 minutos. Eu ficava na pia química (de revelação) com um grande ponteiro. Eu dizia ‘eu preciso de dicas para dizer sobre o que é essa cultura.’ E eles diziam ‘o que é aquilo dependurado em uma árvore? Eu explicava que era uma bolsa de pele, e eu explicava quão importante tirar a pele de um animal era, e quão importante era ter uma bolsa. 156
Ela significava que você podia carregá-la para uma base, diferentemente de animais que tinham de ir um lugar a outro para conseguir comida. Os homens das estepes podiam ter um lugar permanente e se manter voltando para lá... Isto era importante em termos de vagens assim como enterrar casca de ovo de avestruz (para beber água) até ter o suficiente para finalmente chegar a um lugar distante onde havia nozes.” Sarah: “Então, o que estava acontecendo com esses alunos?” Tim: “Eu ensinava a eles como ver. Quando viam uma bolsa, então eu lhes dava um pouco de Etnografia. Quando descobriam uma vara de cavar, então eu mostrava a sua importância. Eu dava a eles uma tremenda quantidade de Etnografia, então eles encontravam algumas pistas. Depois de uma hora e meia em Harvard, eu disse: ‘vocês sabem que nós temos que ir. A aula acabou, e vocês não encontraram a coisa mais importante desse filme’. Havia um grande chifre de antílope que despontava, e significava que haveria um grande confronto... Então eu mostrei meu slide de Nova Iorque. Ele era todo de concreto, e eu perguntava: ‘o que as pessoas fazem aqui?’ Nós explorávamos as mesmas questões.” Nós estudamos então um ritual de nomeação – havia uma ótima seqüência de slides [dos Ju/’hoansi] que acontecia debaixo desse arco em chamas e dando nomes às crianças. Eu dava a eles bastante leitura; nós a discutimos. Então eu dizia pra eles saírem por aí a conversar com as pessoas sobre dar nomes. E eles ficaram espantados como é complicado dar nomes na nossa sociedade. Então, o que eu fazia era percorrer suas leituras, levando-os a fazer trabalhos de campo indireto com os filmes, mandando-os sair em busca de seus próprios trabalhos de campo, levando-os a tirar
conclusões dos dados que coletavam, para, então, recomeçarem em um novo tema. Foram as melhores aulas que já dei. Enquanto Tim me ensinava antropologia visual, eu também estava estudando filmes documentários com Richard(Ricky) Leacock, Ed Pincus e John Terry no MIT em Cambridge. Eles estava dando ênfase a coisas diferentes. Leacock foi um professor inspirador, eloqüente, vital, iconoclástico, brilhante. Como Asch, ele ensinava com histórias. Sob a tutela de Flaherty – ele foi o câmera-man de Flherty em “Louisiana Story” (A História de Louisiana, 1948) – Ricky ensinou o cinema como a arte da revelação. Ele martelou em nós a aceitação do processo de revelação e descoberta na filmagem e evitar idéias pré-concebidas. Isso significava não usar histórias de casos? Sem préconcepções quanto a padrões culturais? Não filmar com um plano como sugerido por Asch? “Quando o momento chega, eu já sei quem eu vou filmar e porquê o estou filmando, então estou pronto para fazer um trabalho melhor do que se eu tivesse acabado de chegar ao acontecimento”. (Asch, 1994) Onde Asch dava ênfase às ciências sociais, Leacock enfatizava o drama e a estética. Ele nos ensinou a diferenciar momentos visualmente dramáticos. Como Satyajit Ray, Leacock nos encorajou a usar os closes dramaticamente para criar tensão visual. E, como Asch e Marshall, Leacock sempre filmava espontaneamente longos planos de seqüência, mas com um olhar para a edição subseqüente a um roteiro orgânico e dramático. Sua ênfase na história era muito diferente da visão de Tim de cenas de comportamento distinto para filmes discretos. Ricky era um mestre do cinema-verdade, e nos mostrava a força cinematográfica do uso da narração, entretítulos e outros recursos interpretativos. Ele estava comprometido a fazer os espectadores
trabalharem ativamente para criar seu próprio significado. Similar aos princípios educativos de North Country School, ele acreditava que os espectadores apreendem muito mais de um filme quando eles não sabem explicitamente em quê olhar e o quê pensar. Mas como você interpreta uma briga de machados de um conceito antropológico sem um texto? Asch me ensinou que o filme não pode estar só, e Leacock me ensinou que o filme deve estar só. Claro que ambos estão corretos. Enquanto isso, nos corredores e salas do MIT, Ed Pincus estava filmando seu filme-diário pessoal da vida em família, casos de amor e amigos (Diários, 1982). Ele nos encorajou a filmar em todos os lugares e tudo, chegando às vezes ao ponto da intrusão. Picus estava procurando por modos de estabelecer um novo nível de intimidade entre espectador e objeto. Ricky e Ed modelaram um estilo de câmera-verdade mais fluida que a de Tim, e uma que permitisse aos sujeitos compartilhar seus próprios pensamentos. Sem nunca abandonar seu objetivo de uma interpretação antropológica abrangente, as filmagens de Tim eram cada vez mais influenciadas pelo ethos do cinema direto da época. Pelo fim dos anos 70, ele estava enfatizando a dicotomia entre um bom trabalho de câmera – é essencial antecipar com idéias pré-concebidas e filmar espontaneamente sem préconcepções. Tim: “É muito importante ser capaz de prever o desenrolar básico da interação social de qualquer pessoa que você está filmando, para que você tenha a câmera lá no momento certo e no lugar certo para pegar as imagens que quer. É isso que você aprende observando antecipadamente como (seus objetos) interagem uns com os outros. Porque eles fazem de modos diferentes do que fazemos.” Sarah: “Você pensa enquanto está filmando o que eu 157
posso fazer no filme que eu não posso fazer no papel?” Tim: “Não. Quando eu filmo não penso nestas coisas de modo algum. É mais uma relação humanística entre e as pessoas que estou filmando. Como no filme ‘Ata tana Ai” com Sina, eu estava num transe cinematográfico (Celebração das origens, 1992). Isso ocorre quando você tem esta relação, quando você está se movendo com eles. Você não está separado. Você não está de fora olhando dentro. Você está dentro, ou na periferia, é de um grande modo parte das coisas. Quando você realmente consegue trabalhar num objeto excitante isso acontece bastante facilmente.” Aqui está uma história final de Tim como professor. Até certo ponto uma história sentimental, mas que ainda me toca e guia meu ensino. Em 1975, Kamerling e eu ganhamos o primeiro lugar na premiação do American Film Festival em Nova Iorque pelo nosso filme At the time of Whaling (A hora da pesca das Baleias). Tim e Napoleon Changnon ficaram em segundo lugar por seu filme A man called ‘Bee’: studying the Yanomamo (Um homem chamado ‘Bee’: estudando a cultura yanomâmi). Chagnon foi ao banquete da premiação e não estava muito feliz. Recebemos parabéns precários dele. Tim telefonou em longa distância e estava em êxtase. Ele disse que se tivesse que ficar em segundo lugar, nada poderia fazêlo mais feliz que perder para um de seus próprios estudantes. Era outra forma de ganhar. No próximo ano, o derrotamos novamente com nosso filme chamado On the spring ice (No gelo da primavera) levando a fita azul e o filme de Asch e Chagnon The ax fight (A briga de machado) ficou com a fita vermelha. Tim ligou novamente. Apesar das nossas muitas discordâncias ao longo dos anos, sem mencionar nossa competitividade mútua, Tim celebrou minha carreira comigo por toda a minha vida. Aqueles de nós que tiveram a sorte de ter Tim como mentor, 158
aprenderam com ele, como Tim aprendeu na North Country School, de um lugar de generosidade e amor. Fotografia e Antropologia Nos últimos quatro ou cinco anos de sua vida, Tim me disse em diversas ocasiões que ele tinha mudado seu foco de volta às imagens estáticas – que agora tinha mais satisfação da fotografia do que filmando. Achei que essa relação dele com a imagem o tocava mais profundamente, apesar de todas as dificuldades, dos custos desanimadores e da rigorosidade do trabalho de campo envolvidos na filmagem, ou do declínio de sua energia. Tim, como muitos operadores de câmeras em documentários, experenciou uma espécie de presença Zen durante o ato de filmar. Trinta anos depois, ele ainda podia lembrar detalhes, momento a momento, desde as primeiras filmagens mais cruas. No entanto, a fotografia estática parecia dar-lhe uma consistência mais profunda. Dava-lhe a presentificação de estar lá sem as complexidades da filmagem. Passeando por praias e florestas nas nossas viagens a pé, ele parecia fotografar como um ato de meditação, um modo de conectar-se com sua origem, um modo de sentir a mesma experiência de abertura humana que ele encontrou em suas primeiras fotografias de “Do-Tell”. Ao invés de seu cavalo, ele contemplava os seres humanos e a natureza. Tim: Acho que gostaria de olhar para a luz do sol até o último minuto. Tudo que vimos hoje foi tão belo. Apenas caminhando. Apenas estando na natureza e procurando coisas para fotografar. Alguma coisa nova e bela. Fazer parte daquele lugar. E ainda está lá – aquele lugar, enquanto conversamos. A concha. A luz. (Praia Pt. Reyes, Califórnia, 1992) A trajetória fotográfica de Tim nos diz não apenas de sua cinematografia, mas também do seu desejo de
transformar o ensino da antropologia com o uso de imagens. Desde suas primeiras fotografias de seu cavalo, até a Putney School onde ele aprimorou sua habilidade generosamente, aos verões na escola em que ele foi aprendiz de Minor White e estudou com Edward Weston e Ansel Adams, na Califórnia, ele considerava vital seu treinamento primário em fotografia para seu envolvimento com a antropologia visual. Estudando com Adams, Weston e White, Tim começou a fotografar a natureza “porque era isso que eles faziam e, como um jovem, você imita para aprender. Mas o que precisava na minha vida era estar fotografando pessoas... Eu estava interessado em antropologia e pessoas sem conseguir articular isso... mas foi assim que eu aprendi”. Tim revelou e fez cópias de quase todos os negativos de 4x5cm de Minor White, durante os verões de 1950 e 1951. Ele trabalhava dormindo pouco e sem receber nada, “mas eu sabia que estava aprendendo algo”. Sarah: “O que White achava de você?” Tim: “Ele achava que eu era um jovem que iria ensinar. Ele se desgastava tentando me ensinar a ser algo.” Sarah: “Ele gostava de você?” Tim: “Sim, ele gostava muito de mim. Era maravilhoso estar perto dele... Foi assim que adquiri a disciplina e o comprometimento a algo. Depois de fazer isto, de modo mecânico por um tempo, você adquire satisfação pela coisa. Esses resultados que, bem, ficam com você a vida inteira... Eu fiz muitas cópias para Ansel Adams que era muito exigente. Argh. Mas eu passei muito tempo com Edward Weston naquele verão também e ele foi inacreditável. Ele era ótimo, tipo sensato, filósofo simples do dia-a-dia, que dizia coisas de uma maneira tão simples e penetrante. Simplesmente, uma pessoa absolutamente maravilhosa.
Costumávamos sentar e conversar e olhar fotografias por horas... Se eu não fosse um cineasta etnográfico, seria um fotógrafo.” Se Minor White, Ansel Adams e Edward Weston fecharam a questão da fotografia para mim, Morton Fried (na Columbia University) fechou-me a questão da antropologia. Ele odiava fotografias e filmes, pensava que eram coisas inúteis, mas ele era a única pessoa em Columbia que mostrava vários filmes no curso introdutório. E eu pensava: “Deus, que assunto interessante”... se você pudesse ensinar (antropologia) usando filmes... uau!” Margaret Mead e Conrad Arensberg me convenceram que antropologia era o negócio... (mas) eu tive dificuldades em Columbia porque ninguém aprovava que eu fosse trabalhar com Margaret Mead. Sarah: “Quem é ‘ninguém’?” Tim: “Bem, Morton Fried e Conrad Arensber diziam: “você nunca vai sair daqui se não abandonar esse interesse por fotografia e ficar com os livros e com a escrita.” Fried me deu muito trabalho em minha tese. Foi muito decepcionante. E eu não tinha o respeito por Margaret que deveria ter, que talvez tivesse, porque estava muito influenciado por estas outras pessoas que não a respeitavam, por homens pesados que nunca deram a ela nada mais do que um cargo de professora adjunta associada.” Por causa do trabalho de Tim com fotografia, Margaret Mead recomendou-o a Robert Gardner e a John Marshall no Museu Peabody em Harvard em 1959. Eles precisavam de um editor para Bushmen (Aborígines) e queriam alguém para fazer “o trabalho sujo, não um artista”. Tim: “Então editei os filmes Bushmen (Aborígines) com John. Bob e John tiveram uma discussão grande. 159
Tudo se baseava na visão de Bob sobre edição e na visão de John. Basicamente, eles (os Marshalls) achavam que Bob era um artista, o que ele realmente é, e que eles estavam fazendo um trabalho científico mais honesto. Quer dizer, as coisas mudaram tanto que, quando olho para tudo, hoje parece um pouco bobo, mas naquela época era o modo como eles viam as coisas.” Tim completou seu Mestrado em Estudos Africanos na Universidade de Boston e estava pensando em trabalhar como cinegrafista no National Film Board do Canadá, quando seu ex-colega de apartamento em Putney, David Sapir, o convenceu a ficar e estudar em Harvard com Tom Beildman. Tim: “Então eu conheci esse cara (Beidelman)... um professor maravilhoso e foi uma experiência fantástica porque era como se eu nunca tivesse estudado antropologia antes. Este homem tinha estudado recentemente Antropologia social britânica em Oxford. Eu estava altamente motivado porque ele era um ótimo professor. Eu trabalhava duro. Ele dava vida a conceitos entediantes. Era apaixonado por seu tema e era capaz de comunicar esta paixão de um modo muito sólido. Esse cara era erudito e sua erudição não era algo inacessível. Sua erudição era algo que ele podia dividir, ele podia transmitir, ele podia comunicála aos alunos. Ele era um erudito carismático e as pessoas começaram a se amontoar à sua volta. Ali estava um grande professor. Foi assim que aprendi antropologia e fiquei com ela. E então, li muito Max Gluckman e o método do estudo de caso e esta foi a base da minha filmografia...” Fazendo cinema Em 1968, Napoleon Chagnon convidou Tim para ser seu cinegrafista e colaborador no seu trabalho com os 160
yanomâmi no rio Orenoco, ao sul da Venezuela. Muito se escreveu nesta colaboração pioneira que produziu trinta e nove filmes e vários estudos dirigidos para acompanhar a, hoje, controversa monografia de Chagnon: “Yanomâmi: um povo feroz (1968)”. “A colaboração é uma das primeiras e, sem dúvida, a mais produtiva entre um antropólogo americano e um cineasta. Para qualquer um interessado em como um escritor e um produtor de imagens trabalham juntos, é essencial compreender esta colaboração” (Ruby: 1995:14). Mas mesmo durante a segunda filmagem em locação, ambos estavam indo para caminhos diversos. A atmosfera geral era de tensão. Conforme Craig Johnson, responsável pelo som direto em 1971, Chagnon e Asch tinham conflitos significantes no campo sobre “o que” e “quando” filmar. Chagnon tinha um roteiro claro de atividades que ele queria reunir como a narração formal de mitos, enquanto Asch estava mais interessado em filmar interações sociais espontâneas (Johnson, entrevista pessoal 2001). Alguns dos filmes que Asch ainda gosta - Children’s Magical Death (A morte mágica das crianças, 1974), Weeding the Garden (Tirando as ervas daninhas do jardim, 1974) e A Father Washes His Children (Um pai banha seus filhos, 1974) – foram filmes feitos quando Chagnon não estava por perto. Numa ocasião, Asch inclusive se recusou a filmar, quando então Johnson assumiu a câmera (Johnson, 2001). Johnson achava que havia oportunidades consideráveis para filmar as mulheres, como a mulher do líder xamã, Dedeheiva, que morava ao lado deles no shabono; entretanto nenhum dos homens estava particularmente interessado. “Explorar as vidas das mulheres era a última das prioridades de Chagnon e Asch estava seguindo as deixas de Napoleon... Tim estava interessado nas relações familiares, mas não nas mulheres em particular” (Johnson, 2002). Ele tinha começado a discordar, profundamente, não apenas
dos métodos de campo de Chagnon, mas também da sua análise teórica da agressão yanomâmi, sua suposta ‘ferocidade’. Ironicamente, os filmes dos yanomâmi de Asch e Chagnon são os que muitos antropólogos mais aproximam a Tim. Sarah: “Quando você parou de acreditar que havia um modo (de fazer filmes etnográficos)?” Tim: “Quando eu terminei o projeto dos yanomâmi, foi um esforço considerável e tudo culminou nas reuniões do AAA (American Anthropologists Association), em São Franscisco, em 1975. Houve uma tarde inteira em que exibi os filmes e conversei sobre eles com Judy Shapiro, que era uma especialista nos Yanomâmi e mulher. Então, ela como mulher e eu como homem, conversamos sobre este ‘povo feroz’, e ambos denegrimos um pouco esta idéia de Chagnon, e eu mostrei vários filmes dos yanomâmi em que eles aparecem muito pouco ferozes e interessantes, você sabe, em geral, mostrando-se afetuosos, carinhosos. Mas estava feito. Quero dizer, eu tinha feito trinta e nove filmes dos yanomâmi e era isso. Eu tinha terminado e estava indo diretamente para a Austrália para começar uma série inteira de filmes. E então a antropologia mudou. As pessoas começaram a duvidar da certeza da verdade e da ciência, do campo científico e de todo o resto. Eu trabalhei muito (na Indonésia), mas não tinha, não havia certeza do que eu estava fazendo. E comecei a fazer tipos diferentes de filmes. Comecei a fazer filmes mais longos... e descobri que era recompensador trabalhar com alunos de mestrado, que estavam completamente preocupados com seus trabalhos de dissertação, em comparação a professores, que estavam muito preocupados escalando os degraus acadêmicos. Se você filmasse o estudo de caso principal de suas dissertações, você teria transcrições, traduções e análises. Em 1972, era mais importante saber o que estava
passando na cabeça das pessoas do que ver o que elas estavam fazendo. A diferença aqui é: em uma você objetifica pessoas, elas não falam por si mesmas; seu trabalho de câmera as objetificava. E na outra: você ouve o que elas estão dizendo. E você trabalha a câmera e a move em torno do que elas estão dizendo, porque há mais cultura em suas cabeças do que aquilo que você as viu fazendo. Você faz perguntas e faz elas conversarem com outras pessoas. Eu filmei os yanomâmi em 1968 e 1971, com som sincronizado, e traduzi o que elas estavam dizendo no filme. Fui umas das primeiras pessoas a colocar legendas nos filmes. Fiz isso com o filme de John A joking relationship (Uma relação jocosa 1961), mas foi um momento tão poderoso... Tínhamos legenda em 1947, e foi apenas em 1960, que descobri quão valiosas elas seriam em filmes etnográficos.” Sarah: “Como você descobriu isto?” Tim: “Fui ver Acossado (1959) uma noite e voltei dizendo: “Meu Deus, por que não temos legendas nestes filmes?” E foi isto que fizemos a partir daquele momento... Eu sabia o tanto que aquilo era importante e fiz um grande esforço para fazer o som sincronizado no campo (com Chagnon)... Jorge Preloran não teria se importado com o som sincronizado. Mas o negócio é que Chagnon, como cientista, estava mais interessado em objetivar as pessoas do que em entrevistá-las ou em descobrir o que elas realmente sentiam sobre a vida, o que estava realmente passando em suas cabeças. Ele podia vê-las. Ele podia ver o que elas estavam fazendo... Então eu não estava colaborando com alguém que realmente poderia fazer o tipo de trabalho que sentia que deveria ser feito. Eu sabia que um tipo diferente de filme precisava ser feito.” Sarah: “Como você soube?” 161
Tim: “Eu intuí. Não sabia realmente. Só sabia que alguma coisa estava errada, mas não sabia o que estava errado.” Sarah: “Você sabia enquanto estava filmando ou quando voltou?” Tim: ‘Estava frustrado nas filmagens. Em The ax fight (A briga de machado), queria pontos de vista diferentes. Eu importunava Napoleon para fazer uma entrevista pelo menos com Dedeheiva, que saberia mais que qualquer outro (o que estava acontecendo na briga). Napoleon fez uma entrevista ridícula de meia página, em que ele não aprendeu absolutamente nada, porque não estava interessado em aprender nada. Então, sabemos o que sabemos sobre A briga de machado pelo que ouvimos as pessoas falando na trilha sonora. Ele nunca acompanhou. E foi naquele momento que descobri: ‘ei, isso é legal, mas estou trabalhando com a pessoa errada. Quer dizer, eu vou ter que fazer outro tipo de filme.’” Sarah: “O que você teria perguntado a Dedeheiwa? Como teria sido esta entrevista ideal?” Tim: “Eu teria aberto mão de tudo nos próximos três dias e teria conversado com Dedeheiwa e outras pessoas que estavam na briga sem lápis ou papel. Não teria forçado nada no inicio, mas talvez em dois ou três dias as pessoas se abrissem.” Sarah: ‘Fui para o Alaska em 1972 determinada a ter pessoas falando por si mesmas e a ter os objetos dos meus filmes decidindo o que seria e o que não seria filmado. Eu me lembro de tentar melhorar o que você tinha ensinado. Pensava que seus filmes ainda não tinham chegado lá.” Tim: “Bem, são os estudantes mais novos que vão saber destas coisas. Eu, provavelmente, aprendi muito com você enquanto você aprendia comigo. Apenas com discussões ou intuitivamente. Mas quando fui para a Austrália, sabia que estaria 162
fazendo um tipo diferente de filme... e então os filmes passaram a ser editados em torno do que as pessoas falavam, e não do que as pessoas faziam. Antes disso, sempre tinha retratado o que as pessoas estavam fazendo. E eu editava para a ação, para a beleza, tão bem quanto uma edição funciona. Agora eram as palavras. Como conseguir um bom corte a partir disso e ainda manter a integridade das palavras? Eu estava em dia com as coisas, simplesmente porque fui às reuniões (Associação Americana de Antropologia). Pessoas como Jay Ruby e Alan Lomax costumavam levantar-se e gritar às pessoas. Lomax dizia: ‘você mostrou esta imagem às pessoas? Você quer dizer que fez este filme e não mostrou às pessoas?’ Havia todo tipo de questões morais que Lomax levantava.” Sarah: “Quem mais levantava estas questões?” Tim: “Jay (Ruby) era, definitivamente, um bom crítico naqueles tempos. David e Judith MacDoughall deixaram uma tremenda impressão. Se você ia às reuniões, ficava em dia com o que estava acontecendo, e eu absorvi tudo e utilizei em meu trabalho.” Depois da certeza de seus primeiros esforços como cineasta, Tim passou muito tempo de sua carreira posterior tentando discernir uma metodologia ética com a qual ele se sentia confortável. Durante os anos 60 e 70, cineastas etnográficos estavam trabalhando em um meio cujas ramificações potenciais não tinham sido previstas. No fim dos anos 70, havia um desconforto crescente de que a prática precisava mudar. Tim: “Eu costumava saber como fazer um filme etnográfico. Quero dizer, saber realmente que havia apenas uma maneira de fazer um filme etnográfico. E, agora, é claro que sei que isso não é verdade. Eu encorajo meus estudantes a encontrar seus próprios caminhos. Mas é um pouco decepcionante; tira seu
foco quando você ainda não chegou à verdade. Quando você não tem o modo correto. Eu fiz bons filmes. Sabendo o que sei, eu não posso ir a outras culturas e fazer filmes. É um roubo. Para mim não está certo. Tenho que fazer filmes da minha própria cultura. É a única coisa honesta e justa para mim neste momento, e se meus estudantes querem ir a qualquer lugar no mundo, isto é ótimo... Os yanomâmi não querem que façamos filmes deles. Eles querem fazer seus próprios filmes. Não estamos na posição como outra cultura de fazer isso.” Sarah: “Diga-me por quê.” Tim: “Eu não quero mais contar essas histórias porque não acho que são histórias que deveria estar contando. Acho que os membros de cada cultura deveriam contálas. Ou um de meus alunos que podem descobrir uma maneira de fazê-lo de modo descente, mas eu não posso. Mostrar a eles antes do filme estar em seu estágio final, para você realmente ter um retorno deles, para que você não tenha feito uma coisa realmente burra e estúpida.” Sarah: “Você poderia articular um pouco mais por que isso é errado para você?” Tim: “Há algo de exploração nisso. Eu vou usar aquele filme. Como vai ajudá-los? Digamos que eu faça um filme espetacular, consiga vários prêmios. Eu tenho um trabalho a partir do filme, e como isso os ajuda? John Marshall está fazendo um projeto sobre como os Bushmen (aborígines) eram antes do contato e como são agora depois do contato (Kalahari Family, Família Kalahari, 2002). Ele tinha direito de fazê-lo. Ele investiu seu tempo e dinheiro para tirá-los da sua terrível reserva e colocá-los de volta na terra de modo que possam sobreviver. E ele sabe muito. Ele não está fazendo isso pela fama, e ele não está fazendo isso para ganhar dinheiro. Mas ele tem algo a dizer sobre a história destas pessoas, e ninguém mais pode dizer como ele, então apóia-lo é uma coisa nobre.”
Eu fiz um trabalho confiável. Acho que os últimos filmes que fizemos são excelentes – A celebration of origins (Uma celebração das origens). Para mim, foi feito de todas as formas certas: retorno ao longo de vários anos, eles sabiam exatamente o que estávamos fazendo, direitos autorais vão para um fundo para financiar suas crianças... Para ser um cineasta realmente bom... e para saber como chegar a uma cultura – isso demora uma vida. Sarah: “Tribos estão processando realizadores, hoje em dia, por histórias que foram reunidas no passado. Elas estão dizendo: ‘São nossas’. Se alguém tivesse publicado um livro ou usado estas historias de qualquer maneira...” Tim: “Graças a Deus havia um colonialista lá para fazer algum tipo de registro. O que Curtis fez – suas fotos, apesar de um terço delas serem fingidas, dois terços delas são valiosas como uma patrimônio. Sim, eles deveriam tê-las, e eles têm sorte que as tiramos para que eles possam tê-las. Mas deveríamos ter copias muito boas de tudo que eles tiram. Eu estou dizendo que quando os índios levam o material de volta para casa com eles, nós deveríamos ter a cópia exata para que esteja lá daqui a cem anos. Quando tiramos estas coisas efervescentes e delicadas e as preservamos, aquilo é muito pouco natural, muito artificial, mas está lá. Ainda as temos, e eles as querem. As músicas sobre cilindros de cera... uau. Aquilo é ótimo.” Sarah: “Eu concordo com você. Mas por que você diz que não o faria mais?” Tim: “Já fiz isso. Já me provei. Todo mundo adora; todos me congratulam por isso, mas ninguém segue ou assume a espada, continua a caminhada. Então, eu terminei. Bem... a única coisa que eu poderia fazer é pegar uma grande bolsa da Fundação Nacional de Ciência e começar a reunir alguns cineastas etnográficos a mestrandos antropólogos... esta seria a próxima coisa para eu fazer.” 163
Um fechamento Você aprende tudo que sabe sobre antropologia pelo que lê. Depois você vai para o campo... (e) entende que você vai aprender, eventualmente, através da sua capacidade de observação.... visualmente. Apesar de tudo, quanto mais cedo você fizer isso, suas observações vão pra notas escritas... Por que não fizemos uso melhor das mídias visuais? (Asch em conversa com Douglas Harper, 1994: 23) As possibilidades de reunir e intercalar texto e imagem são coisas que Tim Asch viu antes de haver tecnologia para chegarmos lá. Ele entendeu que processar idéias através de imagens é um dos modos fundamentais como nosso cérebro funciona; é fundamental para a maneira como a cultura se produz e se faz compreender. Por grande parte de sua vida, Asch tentou encontrar soluções para problemas que ele ia sendo capaz de articular lentamente. Quando o resto do mundo estava traçando seu caminho, cuidadosamente, em trajetórias definidas, Asch estava desbravando as vassouras, procurando o invisível no visível. Seus colegas, inclusive eu, podem ter tomado caminhos mais fáceis ao fazer filmes que não eram pensados primeiramente, para a sala de aula ou para ensinar antropologia através de modos mais convencionais. A antropologia como um todo tinha ficado salva em sua exploração em vários elementos da visualidade: produção de mídias, teorizando expressões pictóricas culturais, pedagogia visual, e examinando as próprias tradições de uma prática centrada no visual (Grimshaw, 2001). Tendo em vista a dominância da mídia visual na cultura popular hoje, isto é um mal: a antropologia parece mal preparada para o admirável mundo novo da mídia. Asch intuiu profundas possibilidades para a antropologia, que apenas hoje a tecnologia é capaz de 164
suportar. Os sistemas de imagem digital de hoje são capazes de abrir novos mundos para a profissão, da mesma maneira que sistemas bio-informáticos estão dando à ciência e à medicina novos caminhos para compreender o corpo humano e o universo. As implicações tecnológicas e intelectuais para a fertilização múltipla e a hibridização da etnografia, a mídia para documentários e a pesquisa etnográfica são atrativas. Em sua recente encarnação depois do pósmodernismo, a antropologia visual descartou muito de seus paradigmas ancestrais positivistas e suas fantasias da verdade cinematográfica do documentário. Descartou alguns dos jargões vazios do pós-modernismo, enquanto manteve a multiplicidade de autores, vozes e autoridades da ‘nova antropologia’. Antropologia visual continua a se resolver e, como Asch, ainda está tentando conseguir a atenção dos textos da antropologia tradicional baseados no conservadorismo (Ginsburg 1998). Mais de trinta anos após Asch ter começado a ensinar, muitos departamentos ainda não ensinam a pratica de ver, mas ainda esperam que os estudantes escrevam dissertações baseadas em alguns aspectos da observação de campo. Acadêmicos ainda lutam para ter seu trabalho visual reconhecido. Enquanto evoluía, Asch era um alvo móvel. Críticos (incluindo ele mesmo) encontravam problemas no seu trabalho em vários momentos: a falta de vozes locais, a falta de reflexividade, análise antropológica didática ou a falta dela, seus valores modestos de produção, falta de lirismo e narratividade, seu neo-colonialismo. Algumas destas críticas possuem seu mérito. Mas, vista a totalidade de seu esforço, o que Tim deu à antropologia visual foi uma visão formal focada contra a qual podemos mensurar. Sua visão nos deu (e a ele)
um contraponto, algo pra preencher as lacunas, para discutir, para descartar partes e pedaços, para reinventar. Apesar de sabermos neste processo, o que estamos descartando, não temos muita noção para onde estamos indo. Vemos uma mudança tão grande na tecnologia visual que é difícil imaginar seus efeitos na antropologia. Eu sugiro que vejamos os traços sutis no ensino de Asch, seu foco em modos de ver, em unir imagem e palavra, no aprendizado experimental e na percepção como direções para as quais podemos nos mover. Acredito que Tim era um visionário em seu entendimento sobre o desejo essencial dos seres humanos de conferir sentido `as nossas vidas ao vermos. Nossos cérebros fazem imagens e sonham imagens antes de termos câmeras. Imagens, como historias, comunicam informações complexamente acumuladas. Como o jovem em A briga de machado, que desenha uma linha na terra com uma vara, Tim inscreveu suas marcas, suas imagens, no mundo assim como contou suas historias – para que espectadores e ouvintes pudessem produzir sentido sobre os mundos além dos seus. Antes de ser um cineasta, Tim era, principalmente, um professor. Seus filmes e histórias eram o que ele ensinava. E ele ensinava a fazer do mundo um lugar melhor. Ele passou sua vida ensinando do mesmo lugar de prazer e descoberta como no primeiro dia da North Country School. Ele se importava com o nosso mundo, agindo sobre ele através do ensino, da fotografia, e fazendo as tarefas do estábulo mesmo quando o resto das crianças tinham ido lanchar. Como muitos grandes professores e artistas, ele moldou o trabalho de sua vida a partir de uma lugar afetuosos e humano. Sarah: “Quando você tinha dez anos e ganhou a primeira câmera e viu suas primeiras imagens, o que havia de tão excitante sobre uma imagem?”
Tim: “Eu não sei. Mas eu amava aquele cavalo. Quando as imagens do cavalo voltaram da revelação, eu não podia acreditar naquilo. Me cativou totalmente, o modo como deve ter cativado um yanomâmi... Era tão real. Era tanto aquele cavalo.” REFERÊNCIAS Asch, Timothy 1992 The Ethics of Ethnographic Film-making. In Film As Ethnography, Peter Ian Crawford and David Turton, editors. Manchester University Press in association with the Granada Centre for Visual Anthropology. 1991 The Story We Now Want to Hear is Not Ours to Tell. Visual Anthropology Review 7 (2): 102-106. 1988 Collaboration in Ethnographic Filmmaking: A Personal View. In Anthropological Filmmaking. Anthropological Perspectives in the Production of Film and Video for General Public Audiences. Jack R. Rollwagen, editor: 1-29. Harwood Academic Publishers. Asch, Timothy and Seaman, Gary eds. 1993 Yanomamo Film Study Guide. Los Angeles: Ethnographics Press. Chagnon, Napoleon A. 1968 Yanomamö: The Fierce People. New York: Holt, Rinehart, and Winston. Connor, Linda, Asch, Patsy and Asch, Timothy 1986 Jero Tapakan: Balinese healer: an ethnographic film monograph. Cambridge University Press. Dewey, John 1916 Democracy and Education. New York: Macmillan, 1944 edn.: 191-192, 139-144 Dow, Peter B. 1991 Schoolhouse Politics: Lessons from the Sputnik Era. Cambridge: Harvard University Press. Education Development Center 1970 Man: A Course of Study: Seminars for Teachers: 66. Cambridge, Mass. From Dewey 1944:139-144 Elder, Sarah 1995 Collaborative Filmmaking: An Open Space for Making Meaning,
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A Man Called “Bee”: Studying the Yanomamo (1974) Asch and Chagnon, DER A Man and His Wife Weave a Hammock (1975) Tim Asch and Napoleon Chagnon, DER The Medium is the Masseuse, A Balinese Massage (1983) Connor, Asch e Asch, DER Morning with Asch (1995), por Jaysinhji Jhala e Lindsey Powell, DER N/um Tchai (1969) John Marshall, DER On the Spring Ice (1975) Sarah Elder e Leonard Kamerling, DER Pather Panchali (1955) Satyajit Ray Tapir Distribution (1975) Timothy Asch e Napoleon Chagnon, DER Tokyo Story (1953) Yasujiro Ozu Weeding the Garden (1974) Timothy Asch e Napoleon Chagnon, DER The World of Apu (1959) Satyajit Ray
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La Chambre Akerman: a cativa enquanto criadora* Ivone Margulies Tradução: Carla Maia
*(N.T.) A autora faz referência, aqui, aos títulos de dois filmes de Akerman: La chambre (1972) e La captive (1999).
Quando situados dentro de um cômodo, os filmes de Akerman adquirem o caráter cru e direto do teatro. Uma sequência de ações ritualizadas são encenadas e repetidas. Planos simétricos e distendidos impõem uma qualidade marcante sobre os objetos e as pessoas. Suas personagens nos encaram com uma atenção oblíqua, suas falas são quase-monólogos, seus gestos cotidianos, redesenhados, ganham uma intensidade cerimonial. A imagem central desse cinema contido, feito de sobras, consiste num espaço vazio e quadrilateral1, onde umas poucas pessoas são vistas executando tarefas simples. Na maioria das situações é uma mulher sozinha, nas mais raras e surpreendentes, a própria cineasta - ela limpa, come, cozinha, troca os móveis de lugar, se enrola num cobertor e escreve. É nesse confinado teatro que Akerman exercita sua contribuição bem particular para o discurso do cotidiano, através de um rol extremamente pessoal de figuras cinematográficas em reencenação. Trata-se não de um auto-retrato da artista, nem mesmo de uma revelação das qualidades do meio. É a concentração acentuada da câmera nos gestos, e dos gestos nas tarefas em execução que encenam uma relação ambígua com o cotidiano. Claro que o interesse de Akerman pelo cotidiano emerge de uma quantidade de diferentes discursos que conformaram práticas políticas e artísticas nos anos 70. A figura da mãe, as discussões sobre a autonomia feminina e os filmes avant-garde da década de 1970
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foram elementos que inescapavelmente deram forma a sua produção. Como resultado, seu trabalho obteve uma repercussão profunda entre os mais variados grupos. Por exemplo, a materialidade ampliada dos afazeres domésticos em Jeanne Dielman, 23 Quai du Commerce, 1080 Bruxelles foi de tal forma impressionante que inspirou Luce Giard, um dos co-autores de The Practice of Everyday Life, a evitar a generalidade típica dos relatos etnográficos em suas coletâneas de narrativas orais “na cozinha”2. As lições de Jeanne Dielman..., para a cientista social, residem na maneira como ela desfamiliariza o cotidiano, tornando-o mais singular e concreto. Com sua instrumentalidade positivista, tal honrosa menção deixa escapar as consequências do foco excessivo no cotidiano, custo que Akerman dramatiza ao substituir a cozinha por um quarto de portas fechadas. O cotidiano de ambas, mãe e artista, aparecem com frequência nos filmes de Akerman. De fato, o desejo de libertar o dia-a-dia da artista da banalidade maternal é, talvez, uma das forças motrizes da transmutação da vida diária em Akerman.3 Apesar da relação mãe filha ser carregada de psicologismos, a representação de Akerman não é, definindo de saída, o ponto de distinção. Ao bloquear projeções psicológicas, ela cria personagens opacos. A orquestrada atenção com que executam suas tarefas são depoimentos firmes, às vezes mesmo maníacos contra tal fusão. A problemática relação entre a rotina diária de uma mulher e a criatividade de seu cotidiano é iluminada através de um vôo sobre um quarto isolado no qual se
experimentará sua arte sem disfarces. É nesse quarto isolado que Akerman realiza suas performances, seus rituais de ordem e desordem, como que levando à cabo um contínuo experimento estético. Esse quarto, sugiro eu, é especialmente carregado com uma obsessividade que aponta para a problemática central de seus filmes - a de uma pessoa autônoma. Um espaço meta-teatral como esse é característico das performances contemporâneas que querem comunicar, entre os vagos contornos da arte e da vida, as qualidades expressivas da obra. Akerman fez, principalmente, filmes, vídeos e instalações com projeção de imagens. Esse quarto como uma partição, um lugar e tempo adjacentes, e ainda destacado do resto, é similar, em sua função aos espaços celulares das experimentações da body art.4 Pode então o “quarto Akerman” servir de caminho para repensar a relação de seus filmes com seu trabalho artístico? Podemos nos aprofundar no estudo da teatralidade de Akerman através da figura da artista, persona que mais nitidamente encontramos em seus filmes exibida de frente, dentro de um quarto lacrado. Essa configuração espacial - o quarto Akerman - torna-se mais evidente a partir do momento em que a cineasta começa a fazer vídeo instalações com um ou múltiplos canais. A cineasta reutiliza longos planos de seus filmes em instalações como D’Est: Au bord de la fiction (1995); Self-portrait-autobiography in progress (1998); Woman sitting after Killing (2001); e From the Other Side (2002).5 Tais excertos-comoauto-citações são especialmente expressivos no contexto de sua mudança do universo da sala de cinema para a galeria de arte, pois relevam um elemento distintivo da identidade artística de Akerman espaços auto-contidos.
Nos filmes, Akerman explora as implicações do direcionamento em favor do “ao vivo” que começa no anos 60 com a performane e a body art. Ela adota um formato presencial e investe suas ações no quarto com uma postura de declaração. A duração de sua presença é instância de um mundo contido, experencial. Um pequeno quarto torna-se cenário de transformação das ações cotidianas em imagens de uma atenção obsessiva. Cenas num quarto com o artista entre quatro paredes reinventando sua própria versão de uma casa é uma estratégia familiar para a performance e a vídeo arte. Viagens existenciais, bem como novas formas de escrever com o próprio corpo, encontram seu melhor formato de exibição no conciso espaço de um quarto e de um monitor de vídeo, ao final dos 60 e 70. Room Piece de Acconci, performance na qual ele desloca objetos pessoais para um espaço neutro, foi um exemplo dessa tentativa de redesenhar a linha divisória entre arte e vida ao fazer de objetos diários objetos de cena. O quadro “encaixotado” foi usado como um análogo da televisão em Semiotics of the Kitchen em que Martha Rosler brande seus utensílios domésticos ao ironicamente dar escape à sua frustação. O espaço apertado pode também ocasionar um giro acrobático ao redor das paredes, tentativa de andar pelo cubo.6 Esse é o mote de Wall Floor, de Bruce Nauman, em que ele tenta pousar sobre as paredes e cai com um som retumbante e recorrente. Com frequência, o monitor é usado ao vivo como um espelho para guiar e garantir que os cantos da parede caibam nos cantos do quadro. O contraste entre a solidez fixa das paredes e o fracasso do corpo ao desafiar a gravidade é um instrumento que dá a ver o principal objeto da performance - a marcação rítmica de um propósito obsessivo, a repetida e patética insistência de quem o agencia. 169
Proponho, portanto, ler o quarto de Akerman como uma espécie de instalação da artista, um palco miniatura no qual a cineasta reencena seu agenciamento como artista. Apesar da afinidade desse quarto com outros vídeos e a performance, o que eu denomino “La chambre Akerman” pode ser encontrado apenas em seus próprios filmes. Isso porque esse quarto adquire sua raison d’etre performativa para ela por sua relação com outros espaços. O ímpeto primeiro em relação ao quarto é erigi-lo como um espaço separado, rigorosamente demarcado, para o self. Tanto quando todo o filme se passa num cômodo, como em La chambre I ou Saute ma ville, como quando ele delimita, como em Je Tu Il Elle ou Demain on déménage (2004), uma necessidade de isolamento, o quarto Akerman opera como revelador do conflito entre autonomia artística e as tentações de outras formas menos produtivas e obsessivas. Enquanto tal embate pode ser experenciado por todos, em seus esforços de moldar o cotidiano e fugir de sua indeterminação, em Akerman a temática da polaridade entre as rotinas domésticas e uma criatividade livre, solta, incita tanto ao rigor formal quanto às suas frenéticas descargas de energia.
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fazendo seu próprio desejo ao comer um ovo cozido. Eis o foco preciso das temáticas e estéticas de Akerman - sempre o ato de isolamento de um outro lugar. O crítico de cinema Jacques Polet aponta que a pan de 360 graus em La Chambre, um filme experimental feito em 1971, mapeia um movimento literal de circularidade que se completa com a reversão da pan, como se a câmera houvesse delimitado o espaço minimamente necessário para a performance.7 De maneira similar, em Hotel Monterey, quando a câmera se dirige aos exteriores uma mesma fobia de exteriores do espaço fílmico é registrada pela extrema cautela do seu movimento.8 A ambivalência que Akerman confere ao mundo exterior possui um significativo paralelo na facilidade com que ela filma os apartamentos e as marcantes geometrias da cidade.
Em meu tour por alguns dos cômodos de Akerman em Saute ma ville, Je Tu Il Elle e L’homme à la valise darei atenção aos modos como o cotidiano da artista é afirmado, representado e performado.
Ao ser indagada sobre o porquê de haver retornado, em La Captive, para suas rigorosas composições de apartamentos, Akerman disse que não seria preciso ir tão longe: “é a mãe”, ela diz sorrindo.9 A sentença de abertura de Molloy “I am in my mother’s room” transforma-se na obra de Akerman - “I am in a room by my mother’s”. Tomando conhecimento de como as imagens domésticas de sua mãe e de sua tia na cozinha estão marcadas em sua memória, entende-se que o protegido embora sufocante espaço de sua casa é o primeiro objeto para se testar sua autonomia criativa.
A autonomia espacial dos cômodos de Akerman é sempre relacional. Pode traduzir uma sensibilidade fóbica a intrusões externas, como em L’homme à la valise ou pode ser, como em J’ai Faim J’ai Froid , resultado de uma acurada representação de desejos fragmentados: uma jovem mulher tem sua primeira experiência sexual fora do quadro enquanto vemos sua amiga satis-
Em Saute ma ville, primeiro filme de Akerman realizado em 1968, uma Chantal Akerman dinâmica e cheia de energia sobe os degraus que vão dar num minúsculo apartamento, ocupado basicamente por uma cozinha. Sua determinação e precisão são evidentes, mas as ações seguem um padrão que não fica de todo esclarecido. Ao engraxar seus sapatos energetica-
mente, a personagem de Akerman prossegue com o mesmo gestual obsessivo até engraxar suas pernas e manchar de preto o chão ao seu redor. O mesmo gesto parece produzir de uma só vez desordem e organização. Por um momento, somos capturados pela tentativa de diferenciar uma da outra. O prazer que se obtém por testemunhar tais ações sendo levadas a cabo deriva da rapidez com que bagunça e organização, uma em forte constrate com outra, parecem se substituir reciprocamente. O enquadramento de tais gestos sem explicação pode ser comparado, por seu olhar restrito, aos filmes minimalistas, que com seus planos gravados de uma só vez, acompanham uma única ação sendo completamente executada. Mas se a ação em Hands Scraping (1968), de Richard Serra, chega ao final com uma tela branca e limpa, o espaço de Akerman não é neutro. A cozinha imediatamente define um espaço doméstico, e outros indicativos sociais se fazem marginalmente presentes. Com a cozinha totalmente em ordem, Chantal come espaguete, derrama vinho e comida sobre ela mesma. Ela então apoia a cabeça sobre o fogão e acende um fósforo. A explosão acontece sobre um plano fixo, e é apenas um som. Aqui, ela nos oferece uma imagem literal de uma câmara de compressão, consequência implícita desta louca química realizada por ela em todos os seus espaços de quatro paredes. O filme anuncia, literalmente e com um estrondo, a entrada de Akerman na maturidade artística. É um fato conhecido entre professores de cinema que o suicídio é um dos assuntos favoritos nos primeiros filmes de adolescentes. E de fato seria interessante
checar se estes que persistem em viver criativamente declaram tão alto, como Akerman nesse ritual de passagem fílmico, suas futuras ferramentas, elementos, gêneros. Escovas, espaguete, água e sabão dançam como que investidos de anima em Akerman. Neste primeiro filme-quarto passeiam humor e tragédia, o espalhafatoso e as ações rigorosamente regidas se aternam numa indistinção desconcertante. Saute ma ville apresenta em rápida sucessão, e como se pertencessem à mesma ordem de acontecimentos, os atos de limpar, cozinhar e cometer suicídio. Essa perversão das categorias, do banal ao dramático, da ação encenada literalmente à ação apenas sugerida da morte, é apresentada de frente, enfatizando a paradoxal equivalência dessas ações. Com Jeanne Dielman chega uma lição estrutural: a crua e dura separação entre a cena e o obsceno, define, como uma preocupação excessiva com o dever doméstico, substitui o desejo relegado ao quarto oculto. Em Akerman, cada espaço singular observado por um período longo de tempo será evidência do custo dessa economia. Exigirá uma testemunha, como consequência de tal economia. Numa exposição didática da fragilidade da ordem, o quadro permanece o mesmo ao cair de um garfo, ao permanecerem sujos os pratos, e ao derrubar da escova de engraxar sapatos. Essa intrusão dos objetos que se movem por conta própria dá plasticidade ao inesperado, ao indesejado, pensamentos recorrentes que personagens obsessivo-compulsivos tentam suprimir. O excesso de dúvida é o fenômeno mais comum de tal condição. Em Monomania: the Flight from Everyday Life in Literature and Art, Marina Van Zuylen explora bri-lhantemente como o pânico do “mutável” está 171
engendrado na idéia fixa e no comportamento obsessivo.10 Ainda que os rituais sejam uma parte importante do dia-a-dia e pessoas normais se concentrem para afastar o que é irrelevante, para o obsessivo-compulsivo a manifestação da ambivalência é insuportável. A submissão a ordens e horários impostos sempre parece melhor do que ter que decidir por conta própria. A atividade maníaca é uma tentativa de se desviar de um senso de autonomia deprimido através de uma competência restrita e específica. A fuga de situações consideradas contingentes por demais, muito confusas para tolerar, é encenada através de ordens inventadas, séries ou sequências imaginárias e uma falha de raciocínio, principalmente o raciocínio lógico. Em suas descrições das sinapses típicas resultantes do comportamento obsessivo, Freud declara que: “a repressão é efetuada não por meio da amnésia mas por uma série de conexões causais, que surgem devido a uma abstinência de afetos”.11 “Atos compulsivos, dois estágios diferentes, no qual o segundo ato ou pensamento neutraliza o primeiro” são para Freud outra expressão da inabilidade de lidar com o conflito.12 Akerman mimetiza essa causalidade severa com ações e palavras que se seguem uma após a outra em contínua e auto-anuladora sucessão. Há uma regra não declarada no cinema de Akerman que supõe que, caso ela se retire para um quarto, uma perversão de categorias e registros certamente irá acontecer. A energia oscilatória mantida no quarto experimental trancado é inspirada nas dinâmicas de indecisão e dúvida da neurose obsessivo-compulsiva. O cálculo de medidas, contagem e catalogação tornam-se inválidos, em suas tentativas frustadas de alcançar a certeza absoluta. E ainda, ao retratar essa impossibilidade, Akerman reafirma sua própria independência expressiva. 172
É importante observar como em seu trabalho a indecisão associada ao pensamento obsessivo é imediatamente transposta para o espaço de alguém. Em Le Déménagement (1992), um monólogo feito para a TV francesa, a personagem interpretada por Sammy Frey começa por medir as dimensões de seu novo apartamento. Com passos medidos, ele caminha duas vezes pelo comprimento e depois pela largura, obtendo diferentes resultados. A racionalidade é negada pela necessidade de repetir a ação, e esse primeiro traço físico da dúvida é acompanhado por uma enunciação verbal de uma gama de permutações entre as possíveis escolhas amorosas da personagem. “Juliette, Beatrice, Elisabeth - amei a todas com imenso amor... Elisabeth era de Toulose, Beatrice era de Toulose, Juliette era de Toulose, e nenhuma delas tinha um cão. Cada uma tinha um quarto. Elisabeth tinha um quarto, Juliette tinha um quarto, Beatrice tinha um quarto. Nenhuma tinha um cão. Havia uma forte concentração de toulosianas num apartamento em Paris.” A recusa de Akerman em resumir sua lista a uma categoria, e sua insistência, ao contrário, de nomear cada um dos termos em sua série, faz eco a escritores e artistas como Beckett, Sol LeWitt e Robbe Grillet, que desafiou a lógica clássica através de sequências absurdamente extensas de pensamento obsessivo.13 Tais permutações ilógicas são melhor demonstradas dentro de um cômodo de mobílias esparsas, cercado por três paredes rígidas entre as quais o recital do personagem é revelado em toda sua crueza. Desse olhar, Je Tu Il Elle é exemplar, por sua consistência estrutural que se desdobra em três sequências autônomas. Discutirei aqui a primeira dessas sequências de quarto. A primeira declaração do filme - E eu parti - é pronunciada sobre uma imagem de Akerman sentada ao lado
de uma pequena mesa de cabeceira, de costas para nós. O quarto está totalmente mobiliado. Vemos uma cadeira, uma pequena mesa, uma mesa de cabeceira, uma cômoda e uma cama. Num filme em preto e branco, ela dá início a futuros deslocamentos de referência, ao anunciar que, no primeiro dia, ela pintou a mobília de azul e no segundo, de verde. O uso feito por Akerman da descrição verbal com referências esporádicas ao que vemos na tela cria uma indicialidade erodida. Desde o começo, seus indicadores temporais são desvinculados por uma inexplicada elipse de dias. Essa instabilidade descritiva gradualmente localiza a personagem e a cena num estado limite. O momento limite em um rito de passagem é frequentemente acompanhado de um “desfacelamento” de posição e status, a perda de algo que se possuía, e um estranho estado de identidade não-formada. E, com efeito, por esse processo não ser investido de psicologismos, tal categoria originalmente antropológica descreve bem, aqui, a estética de desnudamento de Akerman, enquanto ela desordenadamente cobre seu corpo com roupas. Nesse olhar não-psicológico sobre a indeterminação, personagem e espaço precisam coincidir. Das muitas peças de mobília na sequência inicial de Je Tu Il Elle, vemos apenas duas serem empurradas, não para fora do quarto mas para fora do quadro. Ela move um colchão para cada canto do quarto, catalogando todas as posições possíveis de vez em vez. Esses planos iniciais mapeiam os limites da clausura da persongem. Filmando em eixos perpendiculares às paredes, Akerman encena um tour descritivo de cada uma das quatro paredes do quarto. Posicionando o colchão e ela própria em relação à câmera, ela registra a si mesma no processo da construção da mise-en-scène: fisicamente e opticamente, ela está mapeando o quarto. Seu
único objeto de cena, o colchão, torna-se um elemento de composição - ela deita nele, ou senta-se sob suas sombras enquanto ele se apóia contra a porta. Seja olhando para a câmera, seja se enquadrando com perfeição, esses planos confirmam sua maestria de mise-en-scène. O prolongamento de suas posturas após cada movimento a reduz a um objeto móvel. O artista de performance Joan Jonas descreve um processo similar em seus próprios vídeos coreografados: “a princípio eu tratei meu corpo como material para ser movido ou carregado por outros, rígido como um espelho - para ser movido por ou mover objetos de cena, para ser parte da pintura para fazer a pintura”. A simplicidade de seus movimentos e de sua relação com seu objeto cênico também pode ser comparada à “concentração proposital” com a qual Yvonne Rainer manuseia os objetos em suas apresentações de dança.14 Esse movimento foi essencial na trajetória da coreógrafa em direção a sua reconfiguração minimalista do cotidiano. Se as ações de Akerman se assemelham ao palco e à coreografia da dançarina, é porque no cinema a desestabilização do cotidiano começa com uma manobra abstrata: a teatralização do espaço. Os objetos perdem suas pretensas funções e a cena se desnuda para o começo do ato. Em The Stage life of objects, Andrew Sofer declara que “o objeto de cena não é definido pelo tamanho ou por potencial portabilidade... o objeto deve surgir como resultado da intervenção do ator... um objeto de cena é algo que o objeto se torna, não algo que o objeto é.”15 Akerman abre seu espaço e introduz novos objetos cênicos, fazendo malabarismos com eles, como o fez Beckett antes dela. São folhas de papel, uma caneta, uma colher e um saco de papel. Ela agora escreve uma carta furiosamente, e come açú173
car de um saco. Não é por acaso que, nesse segundo momento de encenação da indeterminação, da posição limiar da personagem de Akerman, ela inicia uma sequência de “desfazeres” obsessivos. Cartas são os instrumentos perfeitos para o exercício de suspensão da narrativa pelo realizador, uma vez que no drama convencional, cartaz e documentos são marcadores centrais de tempo e local. Mesmo antes, há cartas lidas que indicam uma mudança de direção à audiência, satisfazendo a necessidade de explicação e de mudanças do roteiro. Aqui, a folha de papel assinala simplesmente o começo de outro ciclo de trabalho. Mas não importa que as folhas de papel escritas se multipliquem. Nos filmes de Akerman, ver a personagem em ação é também testemunhar sua indecisão. Ela escreve 3,6 e então 8 páginas. Ela depois enriquece sua coreografia ao adicionar outro movimento rítmico: uma distraída, embora determinada, colherada vertical em direção a um saco de papel. Tais ações comuns, mundanas, em Akerman são carregadas de ritmo e estilo. Concentração e distração se alternam como afetos enquando a colher e a caneta quase trocam de função. A colher mergulha mecanicamente no saco de papel minimizando os gestos laterais de apagamento. Riscar é outra mise-en-scène do escrever, uma mudança na direção do lápis. Cada movimento torna-se, nesse espaço rarefeito, o da escrita. Sua absorção na própria escrita e nos arranjos do chão chama nossa atenção para o trabalho da mise-en-scène. Divididas entre o formato padrão e pistas de um rascunho de roteiro, as páginas tornam-se marcadores espaciais para a estética de Akerman, para sua particular interseção nas narrativas e séries.16 A declaração de Carl Andre, que diz que “um trabalho não está localizado num lugar, ele é aquele lugar. E 174
quando um corpo é usado como lugar ele é marcado”17 faz ressonância à demarcação territorial de Akerman. Sua relação objeto/tema é atravessada por marcas dessa forma. Com uma fisicalidade mais próxima da performance que da narrativa cinematográfica convencional, esse cenário suspende a própria noção de personagem, substituindo o self por uma necessidade de atualização da pessoa do discurso. Ao posicionar as páginas cuidadosamente sobre o chão, preenchendo o espaço entre sua cama (inatividade) e a câmera (sua atividade criativa) ela demarca as narrativas seriais como seu território artístico. Sua repentina aparição pela lateral da câmera depois de engatinhar sobre as páginas é o primeiro sinal que obtemos desta transversalidade. Visualmente ela produz uma imagem de concentração intencional, mas também uma superfície carregada de potencial narrativo. Fade outs e pausas sustentam uma demarcação nítida do tempo, nos fazendo respirar com Akerman enquanto ela e a narrativa são mantidas em suspenso. Quando ela se despe deitada na cama para não desperdiçar sua energia, notamos a qualidade de alguém que ocupa ao mesmo tempo a posição de pai e filho. Uma Akerman na horizontal conclui um dos muitos ciclos de atividade e performances na primeira parte do filme. A cama é reafirmada como um lugar crucial na iconografia de Akerman. Nesse filme, mais que em qualquer outro, o pêndulo entre a cama e o trabalho assinala o ritual de comprometimento de Akerman com a questão do fazer artístico. Em Lettre de cinéaste, Akerman nos espia de debaixo de suas cobertas. “Se você quer fazer um filme”, ela diz, “você precisa acordar. Então vamos acordar!” ela diz se espreguiçando. Entre a passivi-
dade preguiçosa da cama e fazer um filme, um primeiro passo, o de se levantar, é necessário. Em Saute Ma ville, Je tu il elle, The Man with the suitcase, Tomorrow we move o preâmbulo para um filme, seu primeiro movimento, é uma cena na qual a personagem chega num apartamento e mapeia seu domínio. The Man with the suitcase começa no mesmo ponto em que Meeting with Ana termina: com a protagonista voltando e reivindicando seu espaço após algum tempo fora. Ela abre as janelas, checa a geladeira, joga fora a comida vencida. Após descobrir que seu hóspede, um amigo de um amigo, não havia deixado o apartamento ainda, ela vê frustados seus planos de começar a escrever. Num sussurro pré-verbal ela se retira, com cadeira e máquina de escrever debaixo do braço, para seu quarto. Daí em diante, Akerman mapeia obsessivamente as ações e a presença do intruso desenhando cronogramas elaborados de suas idas e vindas. O filme descreve uma armadilha doméstica paradoxal. No ponto máximo de seu exílio em seu quarto, Akerman segue o invasor através de uma câmera de vigilância. Esse emblema do controle autoritário é, claro, uma imagem condensada de todo o filme. Ela não pode escrever mas ela usa seu corpo para dividir o tempo e o espaço. Ela também carrega uma bandeja, uma espécie de mala, carregando comida e um relógio pelo apartamento. Ela assim tematiza seu próprio exílio bem como sua própria obra (duração e cozinha sendo as imagens sumárias de Jeanne Dielman). O corpo de Akerman cabe perfeitamente aos propósitos de constrate da brincadeira visual. O homem que não vai embora é muito alto e distraído, enquanto Akerman é muito baixa e super atenta. A corporealidade dos
corpos, os contrastes entre eles, e a demora em se auto-expressar sugerem uma afinidade entre The Man with the suitcase e Je tu il elle. Para remeter à escrita adiada, ela exagera nos gestos ao invés de falar, tomando emprestado a expressividade da comédia silenciosa. A presença de Akerman em seus filmes satisfazem uma necessidade profunda, pessoal. Seu movimento em direção ao musical e à comédia, gêneros que triunfam pela incongruência e pelo fracasso foram tentativas anunciadas de romper com a perfeição estruturalista de Jeanne Dielman. Especialmente quando ela aparece neles, uma animação excessiva, maníaca dá energia à sua mise-en-scène: em The Golden Eighties ela rege o canto de Magali Noel com frenética e coordenada gesticulação; ela embola e acelera suas falas em Lettre de Cinéaste, ela toma todas as suas vitaminas de uma vez para ganhar tempo em Sloth. Tais ações exageradas tornaram-se uma marca de Akerman, uma série de temas e estratégias exploradas por ela cada vez que sente a necessidade de se afastar de sua seca e minimalista sobriedade. Dada sua motivação ritualística, em favor de uma quebra da rigidez na formulação, tais performances podem ser desencadeadas apenas pela diretora. Ao mesmo tempo em que o quarto Akerman não induz ao psicodrama, não está propício a uma exposição de si mesma como indivíduo. Antes de um propósito referencial, sua presença nos filmes tem um propósito performativo. Se eu suponho que os filmes mais potentes de Akerman são motivados por seu interesse em reencenar os elementos de sua autonomia artística, como podemos ampliar essas considerações para além de sua presença literal? 175
Como comprova o sucesso de Jeanne Dielman, gostaria de sugerir que, para Akerman, qualquer personagem obsessivo basta. Como uma personagem, o obsessivo permite uma encenação de uma peculiar criatividade - uma re-visita ao cotidiano como questão. A arte de Akerman reside em criar situações para que suas questões proliferem. Ela consegue fazer isso com maior sucesso quando o rigor de seus enquadramentos e a arquitetura do cenário unem forças com a compulsiva necessidade de certezas de uma personagem. 1 Patterson, Patricia e Manny Farber. “Kitchen without Kitch: Beyond the New Wave.” Film Comment 13:6 (November-December 1977):47-50. 2 Luce Giard cita Chantal Akerman e Delphine Seyrig em Jeanne Dielman, 23 Quai du commerce, 1080 Bruxelles, para justificar seu método de representação das relações femininas com o cozinhar e com o corpo. Ver de Certeau, Luce Giard e Pierre Mayol. The Practice of Everyday Life: Living and Cooking , vol.2. Ed. by Luce Giard. Trans. by Timothy J. Tomasik. (Minneapolis: Minnesota Press, 1998): pp.154155, 199. 3 Variações múltiplas do trabalho e do cotidiano da artista são temas de seus filmes e vídeos: News from Home (1976); Meetings with Anna (1978); L'Homme à la valise (1983);Family Business (1984);Lettre d'une cineaste: Chantal Akerman (1984); Letters Home (1986) um filme de uma peça de teatro sobre as cartas de Sylvia Plath; Le Marteau (1986) sobre o escultor conceitual Jean-Luc Vilmouth; Portrait d'une Paresseuse( Sloth, 1986) no qual sua inércia tem um violoncelo como música de fundo; Les trios derni`eres Sonates de Franz Schubert (1989) um filme sobre Alfred Brendel tocando Schubert; Em Trois Strophes sur le nom de Sacher (1989) Sonia Wieder-Atherton executa um solo no violoncelo; Chantal Akerman par Chantal Akerman (1996); Le Jour où (1997) onde ela endereça à câmera suas indecisões criativas; Avec Sonia Wieder -Atherton (2002); Demain on Deménage (2004). 4 Em “Personal Pronouncements in I…You…He…She and Portrait of a Young Girl at the End of the 1960s in Brussells” Maureen Turim compara as performances de "tarefas domésticas" de Akerma à coreografia de Yvonne Rainer e a outros artistas americanos da performance. Ela compara a primeira cena de Je tu il elle com Thomas Lips de Marina Abramovic, no qual a artista nua come lentamente um quilo de mel com uma colher de prata, e “[progride]…através de uma série de autoflagelações violentas.” Turim, em Identity and Memory: The Films of Chantal Akerman . ed. Gwendolyn A. Foster (Trowbridge: Flicks Books, 1999): 24-25. Veja também Nothing Happens: Chantal Akerman's Hyperrealist Everyday (Duke U. Press, 1996):48-50.
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5 O fácil adentramento dos longos planos de Akerman no universo da arte mostra como o rigor dos filmes minimal-estruturalistas tem como filtro uma vaga sensibilidade pictórica. A natureza holística de um plano com ações simples que vão resultar num rol de mudanças sutis conforma-se, com desafios mínimos, à duração dispersa do olhar na galeria. 6 Numa versão mais recente de Sorry you guys Chantal Michel repete essa noção menor de pathos. Sua câmera gira, e se ela vence desafios comperáveis com os de Bruce Nauman através de seu próprio corpo é mais devido a sua habilidade cinematográfica que pró-fílmica. 7 Jacques Polet. “La problématique de l'enfermement dans l'univers filmique de Chantal Akerman” Chantal Akerman (Cahier # 1, Atelier des Arts,1982.): 171. 8 Ibid. P.173. 9 Akerman em entrevista com Dominique Paini gravada em DVD sobre La Captive, Artificial Eye. 10 Monomania: The Flight from Everyday Life in literature and Art (Ithaca: Cornell University Press, 2005) de Marina Van Zuylen foi leitura essencial ao convocar a principal ligação na estética de Akerman entre a obsessão e o problema da autonomia. 11 Sigmund Freud. “Notes upon a case of Obsessional Neurosis” Collected Papers vol III (New York: Basic Books, 1959): 367. 12 Freud. “Notes upon a case of Obsessional Neurosis,” 330. 13 Rosalind Krauss, “LeWitt in Progress,” in Originality of the Avant Garde and Other Modernist Myths ( Cambridge, Mass.: MIT Press, 1985.) 14Sally Banes describes this particular transformation, in dance from everyday to art, Terpsichore in Sneakers (Middletown, Connecticut;Wesleyan University Press, 1987), 43. 15 Andrew Sofer. The Stage life of Props. (Ann Arbor: The University of Michigan Press, 2003): 12. 16 Ver Nothing Happens: Chantal Akerman's Hyperrealist Everyday (Durham:, Duke U. Press, 1996): 109-118. O ensaio de Jean Narboni "La quatrième personne du singulier(jet u il elle)” Cahiers du Cinéma 276 ( May 1977):5-13 chama atenção para a cosmogonia das estratégias de Akerman de dar nome e contar ao recriar seu mundo desde o princípio. 17Willoughby Sharp. “Body Works,” in Avalanche (Fall 1970), 14.
Cabeças Cortadas: Réquiem da razão colonial Jair Tadeu da Fonseca 1 LIMA. A expressão americana, p.57. 2 ROCHA. Entrevista realizada em Havana, em 30 de outubro de 1971, por Daniel Díaz Torres, publicada parcialmente pela revista Cine Cubano. O trecho citado foi transcrito da fita de gravação da entrevista.
Nas ruínas de um castelo catalão, as ruínas da razão colonial de base européia se esboroam com a desrazão revolucionária e Glauber Rocha já pratica, em Cabeças Cortadas (1970), o que defenderia na sua “Estétyca do sonho”, de 1971. O segundo filme do cineasta realizado fora do Brasil foi feito logo após O Leão de Sete Cabeças, e esse novo momento de sua carreira mostra bem em que dimensão se situa sua recorrente preocupação política com as terras do Terceiro Mundo em relação à Terra: o espaço das “cabeças”, ou seja, da imaginação e do pensamento mitopoético, ou alegórico, e intelectual. Filmado na Catalunha, o filme, em seu espaço diegético, não apresenta um lugar geográfico definido, e, quanto ao tempo, não é possível localizá-lo precisamente. A presença no filme de cavaleiros medievais, mouros, índios, ciganos, camponeses espanhóis, revolucionários catalães, rumbeiros cubanos e guerrilheiros latino-americanos mostram a interpenetração de tempos e espaços diversos, que sugerem a criação de um cronotopo misto, referente a um tempo-espaço imaginário, capaz de sintetizar o processo histórico colonial ibérico, do ponto de vista do poder autoritário em decadência e de sua contraparte, as forças liberadoras que se desgarram desse poder e o combatem. Podendo ser considerado um filme sobre o tempo-espaço da transculturação, pois algumas de suas seqüências sintetizam o
processo colonial e o que dele resulta, Cabeças Cortadas também expressa ainda mais significativamente o que o poeta e pensador cubano Lezama Lima chama de “eras imaginárias”, no sentido das quais “é preciso desviar a ênfase posta pela historiografia contemporânea nas culturas” e “estabelecer as diversas eras onde a imago se impôs como história”.1 Cabe perguntar quem cria e recria as imagens com as quais a história é tecida de modo que sejam constituídas as eras imaginárias, vastas redes mitopoéticas de caráter intertextual, ou interimagético. Ao explicar o poliglótico título de Der Leone Have Sept Cabeças, Glauber afirma que a última palavra está “em português porque eu sou brasileiro, como a cabeça é a que pensa... Porque eu é que estava fazendo o filme”.2 Glauber define quem pensa e imagina a “comunidade” de que fazem parte Brasil, América Latina e África, nesse caso, e quem elege certas imagens capazes de prefigurarem as “eras imaginárias” que convoca em seus filmes e textos: ele mesmo, em seu papel de artista-intelectual terceiro-mundista. Quanto ao título do filme realizado na Espanha, de modo a atualizar todo um imaginário colonial, através de imagens alegóricas dos processos transculturais, cabe perceber como, mais uma vez, Glauber põe em questão esse papel do artista177
intelectual, ainda mais radicalmente do que nos filmes anteriores. Em Cabeças Cortadas, trata-se de romper violentamente com o racionalismo inerente ao pensamento ocidental moderno, que justificaria a exploração colonial, criando-se a possibilidade de pensar a história e a cultura através das imagens que se forjam delas. Assim como O Dragão da Maldade retoma Deus e o Diabo, o novo filme refere-se a Terra em Transe, pois nele temos como protagonista Diaz II, ditador de Eldorado, que, no exílio, ainda dá mostras de que influi em seu país, com o qual ainda mantém laços, principalmente devido aos negócios e bens que mantém nele, dos quais tomamos conhecimento por causa de uma dupla conversa telefônica mantida por Diaz, na abertura do filme. Esse primeiro telefonema antecede as seqüências em que temos as alegorias da conquista do poder em Eldorado e seu usufruto pelo caudilho, em seu apogeu; um segundo telefonema, que anuncia uma rebelião em sua terra, desencadeia as seqüências alegóricas do longo funeral que precede a morte de um Diaz decadente. Em Terra em Transe, temos a agonia do poeta-político que morre para que sejam rompidos seus laços com o poder das elites conservadoras em Eldorado, ou seja com Diaz, que assume o governo, após um golpe que frustra as esperanças revolucionárias, já duvidosas desde antes. Em Cabeças Cortadas mostra-se o exílio de Diaz II, que começa a morrer quando chegam notícias de que a revolução ocorre em Eldorado, o que o obrigaria a abdicar de seus sonhos de grandeza, até 178
ser morto pelo Pastor, que, brandindo uma grande foice, surge em alguns momentos do filme, como um anjo exterminador. Anjo da beleza e da justiça, a operar milagres junto ao povo pobre e a combater a iniqüidade, ele se configura como mais um tipo de mediador entre o povo e as instâncias políticas de poder, mediador presente em quase todos os filmes de Glauber. Destes, Cabeças Cortadas é talvez o que mais apresenta citações e alusões diversas, como as referências explícitas à tragédia de Shakespeare, Macbeth, e alusões ao romance prototípico dos ditadores latino-americanos, Tirano Banderas, do espanhol Ramón Del Valle-Inclán, que termina com a exposição em praça pública da cabeça do tirano deposto e executado. Entretanto, no filme, não temos apenas citações literárias, o que pode ser constatado quando o anjo vingador revela-se filho do caudilho exilado/rei deposto, a quem combate e termina por matar, um pouco como nos melodramas familiares, aos quais o filme alude, apesar da solenidade hierática e da frieza que Glauber imprime à película. Esta se refere também a Buñuel, reconhecível na brutalidade onírica de Cabeças Cortadas e pela presença dos atores Paco Rabal e Pierre Clementi. O gênero popular da cinecomédia ranchera é lembrado, a começar pela música principal de Cabeças Cortadas, Allá en el Rancho Grande, canção da homônima comédia mexicana de 1936, de grande sucesso junto ao público. Tal referência é importante para que se tenha em vista a ironia de Glauber ao sugerir a relação entre a América Latina e o Rancho
Grande a que alude a música, fazendo com que o filme impeça, com seu sarcasmo sombrio, o saudosismo inerente a tantos relatos sobre o exílio. Em vez de um filme sobre seu exílio, o das vítimas da tirania vitoriosa na América Latina, o cineasta, numa inversão simétrica, realiza uma película sobre o exílio de um tirano latino-americano, o que permite devolver à metrópole colonial um dos seus principais produtos. Além do mais, Glauber ampara-se em fatos históricos para criar suas imagens de sonho e transe, pois o ditador mexicano de quem veio o nome usado pelas personagens glauberianas, Porfirio Díaz, exilouse na França, enquanto o caudilho argentino Juan Perón e o tirano cubano Fulgencio Batista buscaram asilo na Espanha de Franco, em cujo final de regime ditatorial o cineasta brasileiro realizou seu réquiem para os tiranos. Ivana Bentes mostra que em alguns de seus filmes, “Glauber tematiza o que poderíamos chamar de pulsões anarcoditatoriais da elite”: Com a mesma ambigüidade com que representa o intelectual e o povo, no mesmo movimento de torção que quer forjar heróis revolucionários partindo de cangaceiros irados e mercenários em crise existencial, Glauber, na sua infinita crença na transformação e no devir, nas forças desestabilizadoras, sejam elas impuras, ambíguas, frágeis (o macumbeiro, o cangaceiro, o malandro, o Cristo, o poeta), vai tentar subverter o
militarismo e suas pulsões anarcoditatoriais, transformando-o em força revolucionária.3
3 BENTES. O devorador de mitos. In: ROCHA. Cartas ao mundo, p.30.
O fascínio que a figura do ditador exerce sobre Glauber, em sua ânsia de compreender o autoritarismo em que se alicerçam as sociedades do seu país e da América Latina, faz do tirano uma figura importante no seu cinema. É muito evidente em Glauber a intenção de mostrar esse outro do intelectual latino-americano, que, sendo membro das elites nacionais do continente, mesmo que não colabore com o poder, é parte dele, ainda que seja sua contraparte. Em Cabeças Cortadas, percebe-se que tipo de preocupação Diaz mostra em relação à “cultura”, quando fala, no primeiro telefonema que dá para Eldorado: Ah!... Fredy, meu amigo. Quero que me faça um favor. Venda todas as nossas plantações de cacau, de café e açúcar a William Bradley... Correto, sim. E que esse dinheiro seja investido em uma fundação cultural, com meu nome, naturalmente... Claro! Você tem que vender em dólares, duzentos milhões... À vista... Sim, uma fundação cultural, ou melhor, Fundação de Ciências e Humanidades, com meu nome, Manuel Prado Diaz Segundo. (...) Pois bem, pode vender, venda, venda. Mas ouça, Fredy, deposite na conta secreta que tenho na Suiça. Sim... Não, não, não! Quero que 179
4 ROCHA. Roteiros do Terceyro Mundo, p.385-386. 5 ROCHA. Roteiros do Terceyro Mundo, p.392-393.
não esqueça de escrever minha biografia, como já havíamos combinado... E conte tudo, todo o bem e todo o mal que eu fiz... Sim, o mal! Que me julguem depois. E a estátua? Coloque-a na praça, na pracinha que está defronte o campo de futebol... (...) Pedro... morreu Pedro! Pedro, meu velho Pedro.. era um verdadeiro idealista. (...) Devemos publicar todos os seus discursos e ensaios... Não, poemas não, os poemas eram muito ruins.4 Quando do segundo telefonema, pelo qual Diaz é comunicado que há uma revolta em Eldorado, da qual participam índios e negros, o ditador, de seu “governo no exílio”, não estranha que eles estejam envolvidos na rebelião: “Não têm nada que ver conosco, nem a cor da pele, nem os ossos, nem a constituição do cérebro. Está escrito isto... Que dizes? Também os estudantes? Não, os estudantes não! São meus rapazes, têm uma universidade, uma cultura e não podem se parecer com esses pobres índios!”5 As falas burlescas de Diaz sobre a “cultura” revelam que esta, sendo a cultura oficial das fundações, das estátuas e das póstumas homenagens literárias às grandes-figuras-da-nação, serve apenas de fachada aos seus interesses e para justificar seu desprezo pelos que não teriam “cultura”, pois as diferenças que os separam desta estão inscritas tanto nos corpos quanto nos livros (“Está escrito isto...”). Ou seja,
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cultura é aquilo que as classes dominantes consideram que seja cultura, a partir de sua posição social, posição em que se situam também os intelectuais que, comprometidos, devem justificar o statu quo, responsabilizando-se pela criação de manifestações culturais válidas porque “superiores” A metrópole é o lugar do exílio do pai da pátria colonial, o cabeça das elites dirigentes que, cortado de sua terra, afastado dela, perdendo sua razão como ditador, busca refúgio na antiga capital de um império mutilado, que, desde que não tem mais colônias, deixa de ser império. Se, n’O Leão de Sete Cabeças, Glauber faz coincidirem os destinos e as raízes do Brasil e da América Latina na África, em Cabeças Cortadas ele localiza no mundo ibérico outros dos elementos componentes da formação do país e do subcontinente. O trabalho intelectual, necessário à formação das culturas nacionais em países que surgiram da colonização, está de algum modo comprometido com o poder político que, de certa maneira, continua o poder colonial por outros meios, em outra situação, porque herda esse poder colonial. O reconhecimento disso faz com que Glauber demonstre a necessidade de destruir esse poder, junto à razão que o justifica. Mas, para um artistaintelectual, destruir a razão é também destruir a si mesmo, cometendo seu suicídio como classe, e libertando-se como artista. Trilha sonora para o réquiem da razão dominadora: a espantosa música fúnebre que se repete e acompanha, ao vivo, a lenta morte em vida do tirano, na cena extraordinária em que tem seus pés banhados em sangue.
Aprender a ver (declaração de amor incondicional) Cristina Marti À Danièle Huillet in memoriam * Para o enquadramento, os alemães usam a palavra “Einstellung”. Einstellung também significa disposição moral. (Jean-Marie Straub).
Cézanne é um filme sobre pintura, dos mais importantes que já vi. Não tem artifícios nem palavras ou imagens a mais, nenhuma pedagogia mole; nele tudo é verdadeiro e justo (ou deverei dizer necessário?) e por isso mesmo fascinante. Vem de um tempo antigo e ainda por vir, de um lugar de resistência, dessa terra de ninguém onde Huillet e Straub vivem e trabalham. Todos os pensamentos de Cézanne sobre estética, política e ética e todos os pensamentos de Huillet e Straub sobre estética, política e ética surgem claros e límpidos — por um momento até parece que nunca nada nos foi tão bem explicado. Os enquadramentos (die Einstellung*), desenhados num puro plano ético/geométrico, são de um rigor inaudito. E o que é que nos ensinam? Ensinam a ver com os olhos, instauram a lógica dos olhos sobre a lógica do cérebro, como nos diz Cézanne na voz musical de Danièle Huillet. Parece simples? Só por ilusão. Na verdade é um caminho rude (não por acaso, vem-me à cabeça aquele belíssimo travelling), de desprendimento, de esforço solitário. Ultrapassar a facilidade/falsidade dos lugares comuns, dos pensamentos frouxos, das imagens tão rasas tão pobres e tão tristes que nos cercam diariamente, é tudo isso que o filme nos exige. Cézanne obriga-nos a recuar e abrir os olhos com uma vontade primordial e sim, creio que também afectuosa. Mas (é este o doce milagre) se os seguirmos, se seguirmos esse pequeno e sublime anipático e esses cineastas do contra, se seguirmos os seus movimentos livres e revolucionários, se
ousarmos perder tudo, então poderemos ver e sentir no nosso corpo a força intrépida do fogo que vive ainda em Sainte-Victoire, como uma vertigem. Os olhos fazem-nos participar misteriosamente em algo que não conseguimos explicar, uma comunhão jubilosa com a matéria primeira? Mas se isto não é aquilo a que se chama cinema, que raio é então? — digo eu, encostada às palavras provocadoras de Straub. Deixo-me perder dentro do filme. E depois sorrimos um sorriso que dura uma eternidade.
texto publicado no blogue “dias felizes” (http://last-tapes.blogspot.com), em 10 de out. de 2006.
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fotos: Livro de trabalho
Arthur Omar O zen e a arte gloriosa da fotografia
PROJEÇÃO FOTOGRÁFICA COMENTADA Fotografia e Antropologia a partir da obra de Arthur Omar com a presença do autor
cine humberto mauro
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Cinzas sagradas na Era de Kali Lena Tosta Olivier Boëls Embora tematizados como ascetas hindus desde produções clássicas das ciências sociais, falta-nos um imaginário etnográfico sobre os sadhus que provoque mais que um rastro distante do “mundo da vida”. É nesta lacuna que se insere Cinzas Sagradas, um primeiro ciclo de pesquisa com sadhus, iniciada em 1998 e premiado com o Pierre Verger/ABA 2002. Com o espírito de produzir uma sensação próxima ao encontro etnográfico através da diversidade de imagens e imaginários, Cinzas Sagradas buscou mapear as categorias majoritárias de representação dos sadhus, desenvolver uma narrativa “clássica” para posteriormente desmistificá-la com a participação de diversos públicos e dos sujeitos pesquisados.
Nesta oportunidade, propomos algumas reflexões sobre a edição e as repercussões de Cinzas Sagradas, fundamentais para a criação de uma nova perspectiva construída a partir dos momentos de interatividade com públicos diversos e com os sadhus pesquisados, que se traduz em uma produção imagética e etnográfica de critérios estéticos e metodológicos renovados. Entre os novos critérios estão o uso de filme diapositivo em cores e a tentativa de representar a contemporaneidade segundo a perspectiva dos sadhus sobre a contemporaneidade, a era da materialidade, isto é, Kali Yuga.
Mapear as categorias majoritárias de representação dos sadhus ajuda a interrogar profundamente as concepções polarizadas entre as perspectivas “clássicas” – o sadhu como asceta espelho/miragem do ocidente - homem santo hindu literalmente “retirado do mundo” – e concepções mais contemporâneas de “sadhu desencantado” – uma pessoa “deste mundo”, como “qualquer outra”. Tendo como pano de fundo um complexo de encontros e desencontros de representações, a edição da pesquisa antropológica e fotográfica Cinzas Sagradas foi pensada como uma possibilidade de contrabalançar o viés desencantador contemporâneo sem cair em seu oposto, o fascínio puro, sem aprofundamento contextual ou perspectiva crítica. 189
Sacred ashes in the Kali era Lena Tosta Olivier Boëls Although defined as Hindu ascetic since the classic productions of social sciences, we lack an ethnographic system of beliefs about the sadhus that incite more than a distant trace of “life’s world”. It is precisely in this gap that Sacred Ashes can be inserted. The first cycle of a research with sadhus started in 1998 and awarded the Pierre Verger ABA/2002. With the spirit of producing a close feeling to the ethnographic encounter through diversity of images and imaginaries, Sacred Ashes, tried to map major sadhu representation categories, to develop a “classic” narrative in order to later demystify it with the participation of several audiences and the subjects researched.
tive built from moments of interaction with the diverse audience and with the researched sadhus, translated in a visual and ethnographic production of renewed aesthetic principles and methodological criteria. Some of these new criteria are the use of photographic color slide and the attempt to represent the contemporary according the saddhu’s perspective about what is contemporary, the material age, i.e., Kali Yuga.
Mapping those major sadhu representation categories helps us to deeply question the polarized conceptions between “classic” perspectives – the sadhu as an ascetic western mirror/mirage: the Hindu holy man literally “removed from the world” – and more contemporary conceptions of the “disenchanted sadhu”: someone from “this world”, like “any other”. The editing of anthropological and photographic research Sacred Ashes, having a complex structure of encounters and mismatches of representations as a background, was thought as a possibility to balance the delusional contemporary path without achieving its opposite, pure fascination, without contextual deepen and critical perspective. We take this opportunity to propose some reflexivity regarding the editing process and the repercussion of Sacred Ashes, fundamental to creating a new perspec191
fotos: Lena Tosta Olivier Boëls
PROJEÇÃO FOTOGRÁFICA COMENTADA com a presença dos autores
fafich - ufmg sl.3056 sala vídeo do PA
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Cinco vezes quilombo Cida Reis, Júnia Torres Pedro Aspahan, Shily Ferreira 1 O’DWYER, Eliane Cantarino (org). Quilombos: igualdade étnica e territorialidade. Rio de Janeiro, ABA/Editora FGV, 2002. 2 BARTH, Fredrik. Ethnic groups and bounderies: the social organization of culture difference. Bergen, Universitets Forlaget; London, George Allen & Unwin, 1969. CUNHA, Manuela Carneiro. Antropologia do Brasil. São Paulo, Brasiliense, 1987.
As imagens que compõem esta mostra, aqui compartilhadas em forma de fotografias, são resultado do encontro entre a equipe de realização do documentário “Uma Visão sobre os Quilombos no Brasil” e as comunidades que vivem em cinco áreas remanescentes de quilombos em cinco diferentes regiões do Brasil: Gurutuba (região que compreende municípios no Vale do Rio Gurutuba, norte de MG), Comunidades do Alto Trombetas-Erepecuru (Oriximiná-PA), Comunidade de Mocambo (no sertão do São Francisco, entre SE e AL), Quilombos de Barra e Bananal, (incrustados nas encostas da Chapada Diamantina, BA), Ivaporunduva (em região que preserva 7% da Mata Atlântica Brasileira, Vale do Ribeira, SP). Termo que remetia incontestavelmente ao passado histórico do Brasil colonial, associado às estratégias de luta da população negra pela desestabilização do regime escravista sob o qual se assentava a economia colônia-metrópole, o quilombo ressurge, contemporaneamente, a partir da luta dos movimentos sociais por direitos e reparação, ganhando significado presente e um uso importante no atual contexto das relações inter-étnicas e sociais e da luta pela terra no Brasil. Os quilombos passam a ser o lugar de sujeitos históricos que existem no presente e têm, como condição básica, o fato de ocuparem uma terra que por direito deverá ser em seu nome titulada. Isso significa empreendimento fundamental para tais comunidades: “encontrar o lugar do passado no presente” (Sahlins apud O’Dwyer, 2002:14)1.
Ao contrário da idéia, muitas vezes corrente no senso comum, de uma necessária referência à preservação de diferenças culturais herdadas, facilmente identificáveis por qualquer observador externo, supostamente produzidas pela manutenção de um pressuposto isolamento geográfico e/ ou social ao longo do tempo, os sujeitos dessa história ensinam que a relação com um passado que garante pertencimento e identidade deve ser mediada pelas definições - representações - e ações - práticas - dos próprios grupos étnicos no presente. É preciso levar em conta as diferenças consideradas significativas pelos grupos, sendo os critérios de pertencimento associados a sua auto-determinação. Não são observadores externos a ditar-lhes elementos para “descobrir” ou aderir a uma identidade previamente formulada, o que os torna um “nós” em relação aos “outros”. Aquilo que são define-se, ou melhor, constrói-se, através dos chamados “sinais diacríticos” definidos pelo próprios membros dos grupos, pelos atores sociais (Barth, 1969 e Cunha, 1987) 2. Conceito de identidade validado na Constituição de 1988 e nos laudos posteriores, através do qual, aliando teoria e prática, a antropologia encontra a política de fortalecimento de grupos étnicos. É assim que o quilombo pôde ser definido por integrantes das cinco comunidades que visitamos de diferentes maneiras, todas elas importantes para a compreensão dos significados atribuídos ao termo hoje e para sua relevância na luta pela reparação das desigualdades raciais, como veremos nas atualizações e reapropriações do conceito que aparecem nas transcrições de 197
depoimentos que acompanham as fotos que a seguir apresentamos. Para além de uma função de mero “registro da realidade” das comunidades quilombolas contemporâneas, acreditamos que o documentário e esta mostra “presentificam” falas e imagens resultantes de uma reflexão que quisemos fazer juntos, eles e nós, sobre acontecimentos do presente, sobre questões históricas do passado, sobre a luta política que aponta para o futuro. Reflexões com as quais, sem dúvida, aprendemos: sobre um país complexo, surpreendente, rico e diverso culturalmente e no qual encontramos pessoas dispostas a conquistar mais igualdade étnica e social do que temos sido capazes de promover até aqui. A luta continua nos vários territórios ainda a titular. A história também.
Esse projeto foi realizado pela Casa de Tradição e Cultura AfroBrasileira de Minas Gerais, com o patrocínio da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Governo Federal/SEPPIR. Fotografias still: Cida Reis, Pedro Aspahan, Shirly Ferreira. Coordenação Geral do projeto “Um Olhar sobre os Quilombos no Brasil”: Cida Reis
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Five times quilombo* Júnia Torres *quilombo is a Brazilian hinterland settlement founded most often by Quilombolos, or Maroon in the attempt to free themselves (T.N.)
This exhibit’s images, shared through these photographs, are the result of an encounter between “A gaze over Quilombos in Brazil” documentary team and communities in five different residual Brazilian regions: Gurutuba (region that comprises the municipalities of Vale do Rio Gurutuba, norh of the state of Minas Gerais), Comunities of Alto TrombetasErepecuru (Oriximiná, state of Pará), Mocambo Comunity (in São Francisco river backlands, between the states of Sergipe and Alagoas), Barra and Bananal Quilombos (carved in the walls of Chapada Diamantina, state of Bahia) and Ivaporundunva (in a region that still preservers 7% of the entire Brazilian Mata Atlântica, Vale do Ribeira, state of São Paulo). A term that refers unquestionably to Colonial Brazil’s historic past, associated to fighting strategies of the black population in order to unbalance the slavery regime which sustained the economy of the metropolis-colony, the quilombo resurrects, currently from social movements and fights for rights and repairs, gaining a present meaning and an important use in the context of inter-ethnical and social relationships and in the fight over territory in Brazil. The quilombos become places where historic figures exist in the present and have, as a basic condition, the fact of occupying a land that must be theirs by law and right. This means a fundamental task to those communities: “to find a place for the past in the present” (Sahlins apud O’Dwyer, 2002:14)
inherent cultural differences, easily spotted by any foreign observer, supposedly produced by the maintenance of a supposedly geographical and/or social isolation over time, this history’s subjects teach that a relationship with the past that guarantees identity and belonging, that must be kept by practical definitions, representations and actions, of their own current ethnic groups. It is necessary to take into account the differences considered significant by the groups themselves, the belonging criteria are therefore associated with their self-determination. External observers should not be the ones to tell them the elements to “discover” or to adapt to a previously designed identity, what makes them “us” relative to “others”. What they are is defined, or even, fostered through the so-called “diacritic signs” defined by the group members themselves, by social actors (Barth, 1969 and Cunha, 1987). A concept of identity rectified in the 1988 Constitution and posterior compilations, through which, associating theory and practice, anthropology meets the strengthening politics of ethnic groups. This is how the quilombo can be defined by those who integrate the five communities visited, in different ways, all of them important to the understanding of the attributed meanings to the term nowadays for its relevance in the right for repairing the racial inequities, as we shall see in the reviews and usages of the concept that appear in transcripts of testimonies that are presented along with the photographs.
Contrary to the idea, often widespread by common sense, of a needed reference to the preservation of
Beyond the purpose of merely “documenting the reality” of contemporary quilombolo communities, we 199
believe the documentary and the exhibit ‘presentify’ speeches and images as a result of a reflexivity over current events, over past historic issues, over the political fight that indicates the future. We wanted to achieve such reflexivity together, us and them. Reflexivity which taught us a lot, undoubtedly, about a complex, overwhelming, rich, culturally complex country where we find people willing to conquer more social and ethnic equality than we have been able to promote so far. The struggle continues in several territories yet to be titled. So does history.
This project was accomplished by African-Brazilian Culture and Tradition House in Minas Gerais, and sponsored by the Special Secretary of Politics and Promotion of Racial Equality from the Brazilian Government/SEPPIR. Still photographs by: Cida Reis, Pedro Aspahan, Shirly Ferreira. General coordination of the project “A gaze over Quilombos in Brazil”: Cida Reis
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foto: Pedro Aspahan
PERÍODO DA EXPOSIÇÃO 17 a 30 de novembro
vitrines cine humberto mauro 201
foto: Cida Reis
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foto: Shirly Ferreira
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Programação Cine Humberto Mauro 17/11 SEXTA-FEIRA
18/11 SÁBADO
19/11 DOMINGO
20/11 SEGUNDA-FEIRA
18h30 ABERTURA Serras da Desordem 135 min. Andrea Tonacci
15h COMPETITIVA NACIONAL Anuncie Aqui 22min. Sem Rosto
17h MOSTRA CÂNONE ÍNTIMO Dukhovnyye golosa/ Spiritual Voices (partes 1, 2 e 3) Alexander Sokurov
15h RETROSPECTIVA ESCOREL São Bernardo 110 min. Leon Hirszman
SESSÃO COMENTADA por Aloysio Raulino e Cristina Amaral
Helena Zero 24 min. Joel Pizzini Paredes Pinturas 64 min. Ludmila Ferolla 17h MOSTRA CÂNONE ÍNTIMO Videograms of a Revolution 107 min. Harun Farocki e Andrej Ujica 19h MOSTRA CINEMA DE AUTOR: CHANTAL AKERMAN News from home 89 min. Chantal Akerman 21h COMPETITIVA NACIONAL Viva Volta 15min. Heloisa Passos
20h MOSTRA CÂNONE ÍNTIMO Dukhovnyye golosa / Spiritual Voices (partes 4 e 5) Alexander Sokurov
17h COMPETITIVA NACIONAL Iauaretê 48 min. Vincent Carelli A Esperança de “Seda” 57 min. Eduardo Rosse Maristela Galeano 19h SESSÃO ESPECIAL La Dernière utopie: Rossellini et la télévision 90 min. Jean Louis Comolli SESSÃO COMENTADA por César Guimarães 21h MOSTRA CÂNONE ÍNTIMO The Office 5 min. Krzysztof Kieslowski Soldier's Dream 10 min. Alexander Sokurov
A Oferenda de Sabiá 21min. Claudia Turra Magni
Listen do Britain 19 min. H. Jennings e S. McAllister
Dia de Festa 77 min. Toni Ventura e Pablo Georgieff
Un Lion nommé l'Américain 20min Jean Rouch La Soufriére 30 min Werner Herzog
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Programação Cine Humberto Mauro 21/11 TERÇA-FEIRA
22/11 QUARTA-FEIRA
23/11 QUINTA-FEIRA
24/11 SEXTA-FEIRA
15h MOSTRA CINEMA DE AUTOR: CHANTAL AKERMAN Chantal Akerman par Chantal Akerman 63 min. Chantal Akerman
15h SESSÃO FILMES DE QUINTAL Um Olhar sobre os Quilombos no Brasil 100 min. Cida Reis e Júnia Torres
15h MOSTRA CINEMA DE AUTOR: CHANTAL AKERMAN Là-bas 78 min. Chantal Akerman
15h RETROSPECTIVA ESCOREL Nelson Cavaquinho 14 min. Leon Hirszman
17h MOSTRA TIMOTHY ASCH Tug-of-war, Yanomamo 9 min. Moonblood 14min. Climbing the Peach Palm 9 min. Myth of Naro as Told by Dedeheiwa 22 min. New Tribes Mission 12 min. Magical Death 29 min. 19h MOSTRA COMPETITIVA NACIONAL Rap, o canto da Ceilândia 15 min. Adirley Queirós Tempo dos Sem Voz 37 min. Claudia Turra Magni As Vilas Volantes - o verbo contra o vento 55 min. Alexandre Veras 21h MOSTRA COMPETITIVA NACIONAL Estamira 115 min. Marcos Prado
17h MOSTRA TIMOTHY ASCH Dodoth morning 20 min. Ocamo is my town 23 min The Medium is the Masseuse: a Balinese Massage 30 min. A Celebration of Origins 45 min. 19h MOSTRA CINEMA DE AUTOR: CHANTAL AKERMAN De l'autre côté 102 min. Chantal Akerman 21h MOSTRA CÂNONE ÍNTIMO The Grizzly Man 103 min. Werner Herzog
17h SESSÃO EXTRA O Cego 12 min. Beatriz Goulart Acidente 72 min. Cao Guimarães e Pablo Lobato 18h30 MOSTRA CINEMA DE AUTOR: CHANTAL AKERMAN Jeanne Dielman, 23 Quai du Commerce, 1080 Bruxelles 200 min. SESSÃO COMENTADA por Ivone Margulies
Visão de Juazeiro 19 min. Eduardo Escorel Jubileu 45 min. Eduardo Escorel 17h MOSTRA CÂNONE ÍNTIMO The perfect human 13 min. Jørgen Leth The Five Obstructions 90 min. Jørgen Leth e Lars Von Trier 19h MOSTRA COMPETITIVA NACIONAL Xinã Bena, Novos Tempos 52 min. Zezinho Yube Caminho da Escola Paraná 54 min. Heloisa Passos 21h SESSÃO HOMENAGEM En rachâchant 7min. Danièle Huillet MOSTRA CINEMA DE AUTOR: CHANTAL AKERMAN D'Est 110 min. Chantal Akerman
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Programação Cine Humberto Mauro 25/11 SÁBADO
26/11 DOMINGO
27/11 SEGUNDA-FEIRA
28/ 11 TERÇA-FEIRA
15h COMPETITIVA INTERNACIONAL Quid Esperanza 14 min. Stephane Manzone
17h RETROSPECTIVA EDUARDO ESCOREL Os Inconfidentes 100 min. Joaquim Pedro de Andrade
15h MOSTRA CINEMA DE AUTOR: CHANTAL AKERMAN Sud 70 min Chantal Akerman
15h COMPETITIVA INTERNACIONAL Golden Kitchen 5 min. Valerie Berteau e Philippe Witjes
19h MOSTRA CÂNONE ÍNTIMO Tishe! 80 min. Victor Kossakovsky SESSÃO COMENTADA por Eduardo Escorel
17h COMPETITIVA INTERNACIONAL Errance 17 min Yuen
L'ami 65 min. Sara Rastegar 17h MOSTRA TIMOTHY ASCH Jero on Jero 17 min. A Balinese Trance Seance 30 min. Releasing the Spirits: A Village Cremation in Bali 43 min. SESSÃO COMENTADA por Sarah Elder 19h RETROSPECTIVA ESCOREL Vocação do Poder 110 min. Eduardo Escorel e José Joffly SESSÃO COMENTADA pelo diretor 21h30 RETROSPECTIVA ESCOREL Primeira Página 10 min. Eduardo Escorel Bethânia Bem de Perto A Propósito de um Show 32 min. Eduardo Escorel e Júlio Bressane Chico Antônio - O Herói com Caráter 40 min. Eduardo Escorel
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21h COMPETITIVA INTERNACIONAL Encontros 105 min. Pierre-Marie Goulet
Drei Leben - Hanoi 28 min. André Hormann L'arche de Noée 55 min Simon Leclere 19h RETROSPECTIVA EDUARDO ESCOREL Cabra Marcado para Morrer 119 min. Eduardo Coutinho SESSÃO COMENTADA por Eduardo Escorel 21h COMPETITIVA INTERNACIONAL Tameksaout 95 min Ivan Boccara
Singing pictures 40 min Lina Fruzzetti, Akos Ostor, Adith Nath Sarkar Un hazard habanero 49 min Chiara Bellina e Faustina Hanglin 17h MOSTRA TIMOTHY ASCH Children's Magical Death 7 min. Bride Service 10 min. Arrows 10 min. Jaguar 22 min. A man called “Bee” 40 min. 19h MOSTRA TIMOTHY ASCH A Man and His Wife Weave a Hammock 12 min. Weeding the Garden 14 min. Tapir Distribution 15 min. A Father Washes His Children 15 min. The Feast 29 min. The Ax Fight 30 min. 21h MESA REDONDA Timothy Asch entre os Yanomami com Sarah Elder e Maria Inês Smiljanic
Programação Cine Humberto Mauro
Sala de Vídeo do PA
29/ 11 QUARTA-FEIRA
30/11 QUINTA-FEIRA
20/11 SEGUNDA-FEIRA
15h COMPETITIVA INTERNACIONAL Dim 26 min. Vladimir Perovic
15h RETROSPECTIVA EDUARDO ESCOREL Terra em Transe 115 min. Glauber Rocha
19h PROJEÇÃO FOTOGRÁFICA COMENTADA Cinzas Sagradas pelos autores Lena Tosta e Olivier Boëls
In pursuit of the siberian Shaman 73 min Anya Bernstein 17h COMPETITIVA INTERNACIONAL Jin-Riki-Sha 13 min. Dirk Schreier Tempelhof 16 min. Eva Stotz À flor da pele 64 min. Catarina Mourão 19h PROJEÇÃO FOTOGRÁFICA COMENTADA Fotografia e Antropologia a partir da obra de Arthur Omar por Arthur Omar 21h COMPETITIVA INTERNACIONAL El Color de los Olivos 97 min. Carolina Rivas
17h MOSTRA CINEMA DE AUTOR: CHANTAL AKERMAN Toute une Nuit 90 min. Chantal Akerman 19h MOSTRA CINEMA DE AUTOR: CHANTAL AKERMAN Saute ma ville 13 min. Chantal Akerman Je Tu Il Elle 90 min. Chantal Akerman SESSÃO COMENTADA por Jean Claude Bernadet 21h SESSÃO DE ENCERRAMENTO Maranhão 66 11 min. Glauber Rocha Cabezas Cortadas 95 min. Glauber Rocha
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Programação Fafich - UFMG * 17/11 SEXTA-FEIRA
21/11 TERÇA-FEIRA
23/11 QUINTA-FEIRA
28/11 TERÇA-FEIRA
14h PROJEÇÃO FOTOGRÁFICA COMENTADA Cinzas Sagradas pelos autores Lena Tosta e Olivier Boëls
11h MOSTRA TIMOTHY ASCH A Man and His Wife Weave a Hammock 12 min. Timothy Asch e Napoleon Chagnon
11h RETROSPECTIVA EDUARDO ESCOREL Rondon, o Sentimento da Terra 52 min. Eduardo Escorel
9h RETROSPECTIVA EDUARDO ESCOREL 35 - O Assalto ao Poder 100 min. Eduardo Escorel
Sala 3056
20/11 SEGUNDA-FEIRA 9h30 MOSTRA COMPETITIVA NACIONAL Xinã Bena, Novos Tempos 52 min. Zezinho Yube Hunikui
A Father Washes His Children 15 min. Timothy Asch e Napoleon Chagnon A Balinese Trance Séance 30 min. Timothy Asch e Napoleon Chagnon
22/11 QUARTA-FEIRA 9h30 MOSTRA TIMOTHY ASCH Climbing the Peach Palm 9 min. Timothy Asch e Napoleon Chagnon Arrows 10 min. Timothy Asch e Napoleon Chagnon Bride Service 10 min. Timothy Asch e Napoleon Chagnon
24/11 SEXTA-FEIRA 9h PALESTRA Do silêncio do mar ao cinema falado: encenando idéias através do monólogo em série por Ivone Margulies
27/11 SEGUNDA-FEIRA 9h 9h RETROSPECTIVA EDUARDO ESCOREL 1930 - Tempo de Revolução 48 min. Eduardo Escorel
11 h PALESTRA Cinema e história por Eduardo Escorel
29/11 QUARTA-FEIRA 9h30 MOSTRA TIMOTHY ASCH Children's Magical Death 7 min. Timothy Asch The Feast 29 min. Timothy Asch SESSÃO COMENTADA por David Kopenawa
32 - A Guerra Civil 48 min. Eduardo Escorel
Jero on Jero 17min. Timothy Asch e Napoleon Chagnon
*as atividades da programação FAFICH serão realizadas no Auditório Professor Bicalho, exceto no dia 17 de novembro.
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Programação Extensão - Centro de Convergência de Novas Mídias - Rede.lê 28/11/2006 9h30 Escola Municipal Ignácio de Andrade Melo Filme: Caminho da Escola Paraná (2006, 54 min.) Endereço: Rua Violeta de Melo, 988 Bairro São José Ônibus:1403, 9507 29/11/2006 20h30 Escola Municipal Hélio Pellegrino Filme: As Vilas Volantes (2005, 55 min.) Endereço: Rua Guilherme Soares, 255 - Bairro Guarani ônibus: 1502 01/12/2006 14h e 20h Escola Municipal Anne Frank Filme: Rap o canto da Ceilândia (2005, 15 min) e Anuncie Aqui (2005, 22min.) Endereço: Rua K, 445 Bairro Confisco ônibus: 4403A
04/12/2006 21h Escola Municipal Paulo Mendes Campos Filme: Paredes Pinturas (2005, 64 min.) e Rap o canto da Ceilândia (2005, 15 min) Endereço: Av. Assis Chateaubriand, 429 ônibus: 9410, 9209, 8001, 9502, 9105 05/12/2006 8h Escola Municipal Professor Moacir Andrade Filme: Rap o canto da Ceilândia (2005, 15 min) e Anuncie Aqui (2005, 22min.) Endereço: Rua dos Caçadores, 93Bairro Vila Santa Branca ônibus: 623 (estação Venda Nova) 20h Escola Municipal Francisca de Paula Filme: Rap o canto da Ceilândia (2005, 15 min) Endereço: Rua Júlio de Castilho, 330 - Bairro Cinquentenário ônibus: 1207 (A, B e C), 1404C e 9250
06/12/2006 10h30 Escola Municipal Israel Pinheiro Filme: Rap o canto da Ceilândia (2005, 15 min) Endereço: Rua Desembargador Bráulio, 1147 - Alto Vera Cruz ônibus: 9407 07/12/2006 8h e 20h Escola Municipal Aurélio Buarque de Holanda Filme: Rap o canto da Ceilândia (2005, 15 min) e Anuncie Aqui (2005, 22min.) Endereço: Rua Rafael Tobias, 40 Bairro Lindéia ônibus: 1188A, 1188B (na Avenida Olegário Maciel entre Guarani e Carijós) 8h - Escola Municipal Agenor Alves de Carvalho Filme: Anuncie Aqui (2005, 22min.) Endereço: Rua Agenor Alves, s/n Bairro Nazaré ônibus: 5523 (Carijós, Espírito Santo e Bahia)
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Índice de filmes
1930 - Tempo de Revolução 64 32 - A Guerra Civil 64 35 - O Assalto ao Poder 64 A Balinese Trance Seance 40 A Celebration of Origins 42 A esperança de “Seda” 102 A Father Washes His Children 36 À flor da pele 87 A Man and His Wife Weave a Hammock 38 A Man Called "Bee": Studying The Yanomamo 37 A Oferenda de Sabiá 98 Acidente 107 Anuncie Aqui 98 Arrows 34 As Vilas Volantes - o verbo contra o vento 101 Bethânia Bem de Perto - A Propósito de um Show 62 Bride Service 35 Cabezas Cortadas 114 Cabra Marcado para Morrer 66 Caminho da Escola Paraná 101 Chantal Akerman par Chantal Akerman 50 Chico Antônio - O Herói com Caráter 63 Children's Magical Death 35 Climbing the Peach Palm 35 De l'autre côté 50 D'Est 49 Det Perfekte menneske / The perfect human 72 Dia de Festa 101 Dim 86 Dodoth Morning 34 Drei Leben - Hanoi / Three Lives - Hanoi 90 El Color de los Olivos 87 En rachâchant 106 Encontros 90
Errance 88 Estamira 102 Golden Kitchen 89 Helena Zero 100 Iauaretê, Cachoeira das Onças 100 In pursuit of the siberian Shaman 89 Jaguar 37 Je Tu Il Elle 48 Jeanne Dielman, 23 Quai du Commerce, 1080 Bruxelles 48 Jero on Jero 41 Jin-Riki-Sha 91 Jubileu 62 La Dernière utopie: Rossellini et la télévision 105 La Soufriére 73 Là-bas 51 L'ami 87 L'arche de Noée 86 Listen do Britain 72 Magical Death 37 Maranhão 66 114 Moonblood 38 Myth of Naro as Told by Dedeheiwa 39 Myth of Naro by Kaobawã 38 Nelson Cavaquinho 65 New Tribes Mission 39 News from home 49 O Cego 107 Ocamo is My Town 39 Os Inconfidentes 66 Paredes Pinturas 100 Primeira Página 63 Quid Esperanza 86 Rap, o canto da Ceilândia 99
Releasing the Spirits: A Village Cremation in Bali 41 Rondon, o Sentimento da Terra 63 São Bernardo 66 Saute ma ville 48 Serras da Desordem 25 Singing Pictures 90 Soldier's Dream / Soldatskiy son 74 Spiritual Voices / Dukhovnyye golosa 74 Sud 50 Tameksaout 88 Tapir Distribution 40 Tempelhof / They are flying planes 88 Tempo dos Sem Voz 99 The Ax Fight 34 The Feast 36 The Five Obstructions / De Fem benspænd 75 The Grizzly Man / O Homem Urso 75 The Medium is the Masseuse: a Balinese Massage 41 Tishe! / Hush! 74 Toute une Nuit 49 Terra em Transe 65 Tug-of-war, Yanomamo 36 Um Olhar sobre os Quilombos no Brasil 107 Un hazard habanero 89 Un lion nommé l'Américain 73 Urzad / The Office 72 Videograms of a Revolution 73 Visão de Juazeiro 62 Viva Volta 99 Vocação do Poder 65 Weeding the Garden 40 Xinã Bena, Novos Tempos 98
Índice de diretores
Adirley Queirós 99 Adith Nath Sarkar 90 Akos Ostor 90 Alexander Sokurov 74 Alexandre Veras 101 André Hörmann 90 Andréa Tonacci 25 Andrej Ujica 73 Anya Bernstein 89 Beatriz Goulart 107 Cao Guimarães 107 Catarina Mourão 87 Carolina Rivas 87 Chantal Akerman 48-51 Chiara Bellina 89 Cida Reis 107 Claudia Turra Magni 98, 99 Danièle Huillet 106 Dirk Schreier 91 Eduardo Coutinho 106 Eduardo Escorel 62-65 Eduardo Rosse 102 Eva Stotz 88 Faustina Hanglin 89 Glauber Rocha 65, 114 Harun Farocki 73 Heloisa Passos 99, 101 Humphrey Jennings 72 Ivan Boccara 88 Jean Rouch 73 Jean-Louis Comolli 105 Jean-Marie Straub 106 Joaquim Pedro de Andrade 66 Joel Pizzini 100
Jørgen Leth 72, 75 José Joffily 65 Júlio Bressane 62 Júnia Torres 107 Krzysztof Kieslowski 72 Lars Von Trier 75 Leon Hirszman 65, 66 Lina Fruzzetti 90 Linda Connor 40, 41 Ludmila Ferolla 100 Marcos Prado 102 Maristela Galeano 102 Napoleon Chagnon 34-40 Pablo Georgieff 101 Pablo Lobato 107 Patsy Asch 41 Philippe Witjes 89 Pierre-Marie Goulet 90 Sara Rastegar 87 Sem Rosto 98 Simon Leclere 86 Stephane Manzone 86 Stewart McAllister 72 Timothy Asch 34-42 Toni Venturi 101 Valerie Berteau 89 Victor Kossakovsky 74 Vincent Carelli 100 Vladimir Perovic 86 Werner Herzog 73, 75 Yuen 88 Zezinho Yube 98
forumdoc.bh.2006 10˚ festival do filme documentário e etnográfico fórum de antropologia, cinema e vídeo ORGANIZAÇÃO GERAL Júnia Torres Carla Maia
ORGANIZAÇÃO ACADÊMICA -UFMG Ruben Caixeta César Guimarães
PRODUÇÃO LOGÍSTICA Glaura Cardoso Vale Shirly Ferreira Yasmini Costa
PRODUÇÃO
Bernard Belisário Bernard Silva Machado Carol Canguçu Cláudia Mesquita Fabiano Bechelany Milene Migliano Paulo Maia Pedro Aspahan Pedro Marra Pedro Portella Rafael Barros Raquel Junqueira José Luiz Braga
RETROSPECTIVA EDUARDO ESCOREL Cláudia Mesquita (Curadoria) Júnia Torres (Curadoria) Shirly Ferreira
MOSTRA CÂNONE ÍNTIMO
Eduardo Escorel (Curadoria e apresentação) Cláudia Mesquita Carla Maia
MOSTRA TIMOTHY ASCH Milene Migliano Ana Carvalho (Curadoria) Paulo Maia Pedro Marra Ruben Caixeta
MOSTRA CÂNONE ÍNTIMO Carla Maia (Curadoria) Ana Siqueira
MOSTRA COMPETITIVA NACIONAL (SELEÇÃO) Glaura Cardoso Vale Júnia Torres Rafael Barros Renata Otto
MOSTRA COMPETITIVA INTERNACIONAL (SELEÇÃO)
LEGENDAGEM Renata Penedo
PROJETO GRÁFICO Marilá Dardot
DIAGRAMAÇÃO Cinthia Marcelle
Carla Maia Pedro Aspahan Raquel Junqueira
ARTE CAPA, CARTAZ E CONVITE
OFICINA “REALIZADORES INDÍGENAS”
CATÁLOGO-ORGANIZAÇÃO E REVISÃO
Zezinho Yube Hunikui Pedro Portella Carol Canguçu Cecília
MOSTRAS FOTOGRÁFICAS
Cinzas Sagradas e “A fotografia de Artur Omar” Francilins Castilho Leal Eduardo Viana Vargas
EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA “QUILOMBOS” Pedro Aspahan Shirly Ferreira
TRADUÇÃO
Ana Carvalho Ana Siqueira Carla Maia Pedro Marra Bruna Di Gioia Carolina Canguçu Elisa Marques Frederico Sabino Gustavo Machala Henrique Cosenza Juliana Marques Luiza Rocha Marina Daldegan Milene Migliano Oswaldo Teixeira Patrícia Mourão Paulo Marra Pedro Marra Thereza Junqueira
Zoologia Fantástica, Sílvia Amélia
Carla Maia Júnia Torres Glaura Cardoso Vale Oswaldo Teixeira Yasmini Costa Bernard Belizário Bernard Silva Machado Bruna Di Gioia Frederico Sabino Pedro Aspahan
ASSESSORIA DE IMPRENSA Noir Comunicação
SITE
Ícaro Brito
VINHETA
Clarissa Campolina
MOMENTOS FESTIVOS
Rafael Barros, Zé Luis e Garrafa Yasmini Costa Júnia Torres Carolina Canguçu Participação: Grupo Fala Tambor Cia Baobá de Arte Africana e Afro-brasileira Flash Dance-baile da saudade
EXTENSÃO BELO HORIZONTE Rede Lê Regina Helena Alves da Silva (Coordenação Geral) Assis (EMIAMC) Carolina Canguçu Geraldo Loyola (EMFP) Hélia Lopes (EMABH) Larissa Metzker Leda Sales (EMPMC) Mércia Castro (EMAAC) Milene Migliano Nadir Coelho (EMPMA) Paulo Nogueira (EMHP) Pedro Marra Raquel Junqueira Renata Ornelas Regina Beatriz Moraes (EMAF) Solange Pena Valéria Sanches (EMIPC) FUNDAÇÃO CLÓVIS SALGADO Mônica Cerqueira Domingos Sávio Reale Pereira Daniel Queiroz João Paulo Dumans AGRADECIMENTOS Eduardo Escorel, Maria Hirszman, Júlio Bressane, Cinusp-Maria Dora Mourão, Cinemateca Brasileira André Pires, Funarte/CTAv - Rosângela Sodré, MAMRio - Hernani Heffner, Videofilmes - Bia Almeida, Tempo Glauber - João Rocha e Sara Rocha, Eduardo Coutinho, Thomaz Farkas, Maria Andrade, Jean Claude Bernardet, Arthur Omar, Davi Kopenawa, Sarah Elder, Maria Inês Smiljanic, Andrea Tonacci, Cristina Amaral, Aloysio Raulino, Zezinho Yube Kaxinawá, Vincent Carelli, Mari Corrêa, Consuelo Lins, Jean Claude Bernardet, Arthur Omar, Beth Formaggini, Bráulio Brito, Ana Luiza Martins Costa, Romero, Jean Louis Comolli, COI - FILM IMAGES Tony Dykes, Donald Krim - Kino International Corp., Anne Marie Kurstein - Danish Film Institute, Harun Farocki Filmproduktion, Ideale Audience Carine Gauguin, Jane Balfour, Califórnia Filmes Ivan Almeida, César Guimarães, Lena Tosta, Olivier Boëls, Chantal Akerman, Ivone Margulies, Paradise Films - Marilyn Watelet, CBA - Karine de Villers, Doc & Co - Maëlle Guenegues, Consulado Geral
da França no Brasil (RJ) - Christian Boudier, Mateus Araújo Silva, Departamento de Sociologia e Antropologia - Antônio Augusto Prates, Cirene, diretoria e funcionários da FAFICH/UFMG - João Pinto Furtado, Eduardo Vargas, Regina Helena, Fundação Clóvis Salgado - Mônica Cerqueira, Domingos Sávio Reale, Daniel Queiroz, João Paulo Dumans, projecionistas, porteiros e bilheteiros da Sala Humberto Mauro, Israel do Vale, Rede Minas, TV UFMG, Centro de Convergência de Novas Mídias UFMG, Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte, Mariana Tavares, Centro de Referência Audiovisual/PBH - Neander de Oliveira Cesar, Cida Reis, Ronaldo Macedo Brandão, Leonardo Cardoso Vale e Kely, Elaine, Alice e Sérgio (Mapa do Mundo), Teia, Marília Rocha, porteiros do Edifício Maletta, Denteazul, Rafael Gazzola, Luciana França, Carol Fenati, Daniel Ribão, Alice Lamounier, Douglas Resende, Jair Fonseca, Joana Meniconi, B do Cavaco, Sílvia Amélia, DER - Cinthia Close e Brittany Gravely, Dona Isabel Cassimiro e família, Bizoca Greco, Helenise Lamounier, Revista Sexta Feira, Filipe Cerqueira, Raquel Amaral, Mariana Paulino, Ângela Azevedo, Maria Lutterbach, todos os que enviaram filmes para as mostras competitivas.
REALIZAÇÃO
ORGANIZAÇÃO ACADÊMICA
PARTICIPAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA DA UFMG PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL DA UFMG
APOIO CULTURAL CINUSP PAULO EMÍLIO PRÓ-REITORIA DE PÓS GRADUAÇÃO (UFMG) CENTRO DE REFERÊNCIA AUDIOVISUAL/CRAV
PATROCÍNIO
APOIO
CENTRO 3224-1385
3273-9051
3463-8989
3282-2343
9737-1290
3273-2055
3214-0929
9979-7962
3344-1803
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