ADRIANO GAMBARINI SIMONETTA PERSICHETTI FOTOPINTURA CLICK LITERÁRIO ENSAIOS ARTIGOS
ed.
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w w w . r e v i s t a f o t o g r a f i a . c o m . b r
REVISTA DIGITAL DE FOTOGRAFIA ACESSE LEIA CONTRIBUA D I V U LG U E
e x p e d i e n t e Editor: Ricardo Gallarza - Diretor de Arte: Felipe H. Gallarza - Diretor de Redação: Sergio Antonio Ulber - Colunista: Marcelo Juchem - Revisor: Sergio Antonio Ulber - Estagiária de jornalismo: Suelen Figueiredo - Colaboradores desta edição: Adriano Gambarini - Arthur Gustavo Pereira Monteiro - Cristiano Burmester - Dayse Euzébio de Oliveira - Erivam Morais de Oliveira - Filipe Norberto - Lucas Amorelli - Martin Lazarev - Marcos Sêmola - Maranúbia Pereira Barbosa - Simonetta Persichetti - Imagem de capa: Martin Lazarev Ilustrações: Felipe H. Gallarza ISSN: 2178-8596 Editora: RGF Comunicação e Cultura / Balneário Camboriú - Santa Catarina - Brasil / contato@grupolapis.com.br As fotografias e os artigos científicos assinados são de total responsabilidade dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião da revista. A produção total ou parcial de qualquer texto ou imagem, por qualquer meio de reprodução, sem autorização dos responsáveis ou da revista é totalmente proibida. Para participar da seleção para publicação confira as instruções no site da revista. A revista Foto Grafia é um projeto de fomento à produção fotográfica. A Lapis Comunicação e Cultura agradece a todos que colaboram com a Foto Grafia e aos autores que participam das seleções de projeto, tornando possível a realização desta edição.
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EDITORIAL O advento das tecnologias tornou a prática fotográfica acessível e difundida, mas ainda faltam ações para que o mesmo aconteça com a produção teórica
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LEITURTA DE PORTFÓLIO Fotografia d e n a t u r e z a : A d r i a n o G a m b a r i n i , fotógrafo d a N a t i o n a l G e o g r a p h i c B r a s i l , analisa as f o t o g r a f i a s d e L u c a s A m o r e l l i e revela su a o p i n i ã o s o b r e o t r a b a l h o d o jovem fotóg r a f o
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OPINIÃO Simonetta Persichetti é Jornalista e trabalha com fotografia há 30 anos, colabora com esta edição opinando sobre a fotografia contemporânea e suas problemáticas.
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NA CAPA DESTA EDIÇÃO
UNIVERSO FOTOGRÁFICO
CLICK LITERÁRIO
Nostalgia e beleza natural são características do ensaio de Martin Lazarev, fotógrafo estoniano que retratou brasileiros em sua vinda ao país
A Fotopintur a q u a s e e n t r o u e m d e s u s o com a cheg a d a d e n o v a s t e c n o l o g i a s no mercado f o t o g r á f i c o , m a s o a v a n ç o tecnológico t a m b é m f o i r e s p o n s á v e l p e l o reinvento da t é c n i c a , c o n h e c i d a h o j e como Fotop i n t u r a C o n t e m p o r â n e a
Evgen Bavcar, fotógrafo esloveno cego desde sua infância, prova ao mundo com seu trabalho que fotografar depende de diversos fatores além da visão
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ENSAIOS FOTOGRÁFICOS
ARTIGOS CIENTÍFICOS
CONTEÚDO INDICADO
Fotografias documentais, jornalísticas e experimentais compõem os ensaios fotográficos que registram Caxemira, Índia, realidade social em João Pessoa, Paraíba, e vultos de pessoas em trânsito na estação de trem de Londres, Inglaterra. Aprecie, inspire-se e envie o seu
Momento d e c i s i v o , c o n s t r u t i v i s m o , i n t e r textualidad e n a f o t o g r a f i a p u b l i c i t á r i a e aproximaçã o d a l i n g u a g e m f o t o g r á f i c a com a aud i o v i s u a l s ã o o s p r i n c i p a i s a s suntos abor d a d o s n o s a r t i g o s d e s t a e d i ç ã o : o download é g r a t u i t o e a l e i t u r a i n d i s p e n sável
Nova seção estreando na Foto Grafia! Agora, no final de cada edição, você recebe nossas sugestões de leituras complementares, livros, filmes, sites e muito mais
EDI TORI A L Com a chegada de novas tecnologias no mercado, a
volvimento de mais ações com capacidade de
aquisição de câmeras fotográficas tornou-se acessível à
desencadear uma forte produção científico-
grande parte da população brasileira, tal acontecimento
textual.
acabou despertando, bem como ampliando, o interesse
à Marieta de Moraes Ferreira e Mônica Almeida
em fotografar, seja profissionalmente ou não. O aces-
Kornis, em 2003, conta que tinha um contrato
so relativamente fácil a este equipamento básico para
de pesquisa com a Fondation National de la
qualquer fotógrafo, associado com o também fácil acesso
Recherche
à mídia digital, onde é possível compartilhar arquivos com
de Pesquisa Científica - FNRS), na França, e
qualquer pessoa em diversas partes do mundo, acabou
era muito confortável, porque era pago para
disseminando uma gigantesca produção fotográfica no
fazer pesquisa, não tinha nenhuma obrigação
Brasil e no mundo. Mesmo sabendo que a porcentagem
particular. “Durante quatro anos fui inteira-
de fotos dignas de apreciação da crítica não se iguala à
mente livre; foi um período muito interessante
de fotografias comuns, é admirável e extremamente sa-
de minha vida, porque minha única obrigação
tisfatório o impulso que as novas tecnologias trouxeram ao
era fazer pesquisa, sendo pago para isso”. Du-
mercado fotográfico.
bois se tornou um dos autores mais citados em
Com à implantação de novos cursos superiores de foto-
bibliografias e artigos aqui no Brasil, sendo um
grafia no país, a estimativa é que a produção textual dis-
profissional renomado e respeitado por seu tra-
semine-se tal como aconteceu com a prática, com certe-
balho intelectual em qualquer lugar onde se
za em escalas menores, a princípio, mas aumentando
respira fotografia. No entanto, não devemos
gradativamente com o passar do tempo. Apesar de se es-
apenas pensar em produção científico-textual
tabelecerem de forma diferente, é sabido que a produção
sem nos preocuparmos, de maneira definitiva,
teórica é tão importante quanto à prática, isso não é mais
com a ampliação e popularização dos canais
novidade, mas parece que tampouco é estímulo. Engana-
de veiculação que tornam este conhecimen-
se quem pensa que o mercado fotográfico é formado a-
to acessível aos interessados nas temáticas
penas por fotógrafos, pois muitos profissionais da fotogra-
fotográficas.
Phillipe Dubois, em entrevista cedida
Scientifique
(Fundação
fia estão dedicados à atividades correlatas à prática sem dar um clique sequer. Não cabe aqui apontar culpados pela baixa produção teórica sobre fotografia no Brasil e talvez isto nem seja possível, mas cabe alertar sobre a necessidade do desen-
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Sergio Antonio Ulber /
Diretor de Redação
Nacional
Acima Adriano Gambarini - Foto: J u s s i m a r a C o r re a , 1 2 a n o s , C o m u n i d a d e d o A u t o M e n t a e , PA .
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LEITURA
DE
PORTF Ó LIO ADRIANO GAMBARINI, FOTÓGRAFO DA NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL, OPINA SOBRE TRABALHO DE LUCAS AMORELLI, FOTÓGRAFO QUE HÁ CINCO ANOS REGISTRA AS PAISAGENS QUE ENCONTRA EM SEU CAMINHO
O
fotógrafo de natureza Adriano Gambarini é apaixonado pelo meio ambiente e pela profissão que exerce desde 1992. Sua paixão pela fotografia surgiu do fascínio que sempre teve por cavernas, mesmo motivo que o levou a cursar Geologia na Universidade de São Paulo (USP). É espeleólogo e mergulhador desde 1987. Fotografa para a National Geographic Brasil, é autor fotográfico de nove livros de arte e dois de poesia, ministra workshops e palestras sobre fotografia e documenta expedições fotográficas. Administra seu banco de imagens com mais de 100 mil fotografias do Brasil, Antártida e mais 17
países, com foco em ecossistemas, cavernas, vida selvagem, modos de vida e cultura de grupos étnicos. Registra também o mercado institucional fotografando empresas para produção de relatórios, folders e catálogos. Produz artigos para revistas especializadas em meio ambiente, participa de Planos de Manejo e Projetos de Estudos Ambientais para WWF, CI, Instituto PróCarnívoros e Centros Técnicos do ICMBio. É colunista do Blog da National Geographic Brasil e da Agência Ambiental OECO. Na terceira edição da Foto Grafia (ago/2010) Gambarini contribuiu com a revista cedendo uma entrevista exclusiva para a realização de uma reportagem sobre
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Por tifólio de Lucas Amorelli
LEITURA DE PORTFÓLIO COM ADRIANO GAMBARINI
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Lucas Amorelli. Foto: Br yan Kormann
Po r tifó li o de Luc as Amorelli
sua trajetória dentro da fotografia, vale a pena conferir. O trabalho analisado nesta edição é de Lucas Amorelli, 27 anos, natural de Guaratinguetá (SP). Iniciou sua carreira de fotógrafo em 2002 enquanto cursava Publicidade e Propaganda na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI (SC). Amorelli já trabalhou em diversos segmentos da fotografia, mas foi no fotojornalismo e no registro documental que encontrou o que considera ser seu verdadeiro caminho. Busca referência nos profissionais que fotografam para a National Geographic e desde 2006 dedica-se em registrar as paisagens os fatos que encontra em suas viagens pela Patagônia Argentina e Chilena. Em 2008 morou em San Carlos de Bariloche, onde conseguiu aprimorar seu conhecimento com grandes fotógrafos argentinos. Em 2011 os resultados de sua dedicação e persistência foram recompensados com um convite para expor seu trabalho na Europa e para apresentar seu portfólio a um dos fotógrafos que tanto admira.
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Por tif贸lio de Lucas Amorelli
Por tifólio de Lucas Amorelli
LEITURA DE PORTFÓLIO COM ADRIANO GAMBARINI
ANÁLISE A fotografia é a entrega absoluta. É o desligar do mundo e de si mesmo e viver o instante do clique em toda sua essência. Ser atraído para alguma cena, sentir, ter o instinto de fotografar é como a respiração inconsciente que nos mantém vivos. É uma honra pertencer e viver deste gesto. E por conta disto, é uma responsabilidade sem fim. Se fomos atraídos por cenas na natureza, seus animais e paisagens em todo seu esplendor, a responsabilidade é ainda maior.
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Ser um fotógrafo de natureza, de vida selvagem, de cultura de povos é se tornar parte disto tudo. Afinal, antes de termos alguma profissão, somos seres viventes. E devemos respeito à vida. E como não existe o fotógrafo invisível, quando estamos diante de uma cena querendo fotografá-la, pertencemos a ela. E, portanto, devemos nos entregar absolutamente a ela. Estas verdades sempre nortearam meus passos humanos e meu trabalho fotográfico.
Por tifólio de Lucas Amorelli
“BUSQUE A SI MESMO, ENTREGUE-SE ABSOLUTAMENTE, TENHA RESPEITO E RESPONSABILIDADE EM SEUS ATOS E CLIQUES. VOCÊ É A SUA FOTOGRAFIA, E VICE-VERSA.”
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Por tif[olio de Luacas Amorelli
LEITURA DE PORTFÓLIO COM ADRIANO GAMBARINI
Antes de olhar para as imagens de Lucas, quis saber quem ele é. Não dá para analisar o trabalho de um fotografo que tem a natureza como cenário, sem conhecer quem é este ser. E, além de sua história pessoal, neste portfólio vi seu olhar em busca de texturas e cores sutis. É evidente a curiosidade pela infinidade de possibilidades que a natureza e a fotografia outdoor proporcionam. Tudo está ali, generosamente disponível para quem ousa caminhar além. E mesmo em terrenos gelados, Lucas mostra que tem buscado.
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Sua intenção em traçar uma harmonia entre cores e texturas fica clara na Patagônia que o acolheu. Ângulos inusitados também são testados, flagrantes de animais, assim como a inserção das boas e atemporais regras fotográficas e tudo mais que pudemos importar do universo da arte. E a fotografia é isto, teste e ousadia. E muita dedicação. Mas cabe aqui ressaltar uma dica, já não olhando individualmente as fotos, mas sim o portfólio apresentado. As fotografias em um portfólio devem conversar entre si. Devem con-
Por tif[olio de Luacas Amorelli
ter detalhes em comum, devem possuir uma assinatura invisível. Creio que a grande busca de qualquer fotógrafo é ser reconhecido pela forma como ele fotografa. É deixar as fotografias serem levadas pelo tempo, e a linguagem fotográfica ser a própria legenda e assinatura do autor. Pensando nisto, pesquisei outras imagens de Lucas, bendita seja a internet! Foi então que encontrei paisagens texturais, cenários fotografados que levam o leitor a se perder em divagações. Vi uma intenção clara em entreter o leitor com tons de cinza, quando as paisagens
fotografadas eram, em nosso imaginário, ofuscantemente coloridas. É neste caminho que você deve seguir, Lucas. Busque a si mesmo, entregue-se absolutamente, tenha respeito e responsabilidade em seus atos e cliques. Você é a sua fotografia, e vice-versa. Pois seu caminho já está traçado, e se deixe levar pelo infinito silêncio que as paisagens lhe proporcionam. Ve j a m a i s d e A d r i a n o G a m b a r i n i e m :
w w w. g a m b a r i n i . c o m . b r d e Lu c a s A m o r e l l i e m :
w w w. l u c a s a m o r e l l i . c o m
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com S i m o n e t t a Pe r s i c h e t t i
COMO LER UMA IMAGEM: A FOTOGRAFIA CONTEMPORÂNEA E SUAS PROBLEMÁTICAS
A
nalisar uma imagem é muito mais do que simplesmente reconhecer seu traço primeiro. É preciso entender as estéticas fotográficas. Vou partir de um conceito – dentre os muitos possíveis – de que a fotografia antes de mais nada pertence a esfera da comunicação e não da arte. Está na sua ontologia, no seu DNA, na intencionalidade de quem a inventou. Qual a função da imagem fotográfica. Partimos de uma premissa explicitada por Andre Rouillé: “fotografias não documentam objetos ou pessoas, mas documentam situações e representações”. Devemos portanto compreender a criação fotográfica dentro de um contexto sócio-histórico. Há tempos a semiótica já nos ajudou a compreender que a significação das mensagens fotográficas é culturalmente determinada e sua recepção necessita de códigos de leitura. Neste caminho contarei com a ajuda de autores como Umberto Eco (Os limites da Interpretação); Laurent Gervereau (Histoire Du visuel ao XX si`ecle);Lorenzo Vilches (La Lectura de la Imagen); Mrtine Joly (A Imagem e sua Interpretação); Giuseppe Mininni (Psicologia Cultural da Mídia); Oliver Sacks ( O olhar da Mente); Ian
Jefrrey (How to Read a Photography; Alberto Manguel (Lendo Imagens); Luciano Trigo (A Grande Feira) e Charlotte Cotton (A fotografia como arte contemporânea). Diz Martine Joly: “como existem diversos tipos de imagens, existem inevitavelmente diversos tipos de interpretações. Nenhuma mensagem, seja ela qual for, pode se arrogar uma interpretação inequívoca”. Mesmo assim devemos também lembrar (Umberto Eco) que a interpretação de uma obra não é ilimitada, existem regras de funcionamento. Inegável também que muitas vezes somos reféns de nossos próprios olhos e de nosso referencial teórico e repertório cultural. Muitas vezes antes de interpretar uma imagem eu já criei um significado. Claro que isso não significa que ele permanece imutável. Mais uma vez recorremos a Joly: “em que medida nossa interpretação está já em parte construída, antes mesmo de termos acesso às men-
Simonetta Persichetti é Jornalista, Mestre em Comunicação e Artes e Doutora em Psicologia Social. Em 1999 recebeu o Prêmio Jabuti de Reportagem pelo livro Imagens da Fotografia Brasileira, lançado pela editora Estação Liberdade. É colaboradora do Caderno 2 e do Jornal Estado de São Paulo. Trabalha com fotografia há 30 anos, é curadora, crítica de fotografia, há 10 anos dedica-se à área acadêmica como professora universitária e ministra cursos e palestras sobre imagem contemporânea pelo Brasil.
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E DAÍ QUE TODO MUNDO FOTOGRAFA? ALGUÉM FICARIA TRISTE SE TODO MUNDO FOSSE ALFABETIZADO? SOUBESSE LER E ESCREVER? QUAL É O PROBLEMA? RESERVA DE MERCADO? sagens visuais em concreto?” Interpretar é conferir sentido. O contexto sócio-histórico de alguma maneira já nos “condiciona”a uma determinada interpretação: “o reconhecimento de representações pode requerer uma espécie de aprendizado, a compreensão de um código ou convenção além daqueles necessários para compreender os objetos”, relata Oliver Sacks. A grande dificuldade que temos é afirmar categoricamente qual linha devemos seguir para interpretar as mensagens visuais. Martine Joly nos apresenta esta multiplicidade: conhecimento (formas que o homem dispões para se conhecer e conhecer seu ambiente); percepção (teoria da revelação do mundo); recepção (teoria da recepção das obras); leitura (semiologia/semiótica) e interpretação (os limites): “durantes anos privilegiou-se o autor, em seguida a obra para terminarmos com o espectador. Todos estes conceitos, na verdade, podem ser resumidos num único: ler imagem e atribuir significados. Interpretar é criar um ritmo, uma leitura possível, atribuir sentido
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e significado para aquilo que foi construído imageticamente. Lembramos o que já sabemos: o caráter ambíguo da fotografia. Seguindo as linhas teóricas da semiótica e pensando na fotografia como vestígio do real (portanto indiciária) ela afirma a existência, mas por ser representação ela é sempre uma ficção. Aqui quem nos ajuda é o Alberto Manguel: “...a existência passa em um rolo de imagens que se desdobra continuamente, imagens capturadas pela visão e realçadas ou moderadas pelos outros sentidos, imagens cujos significados (ou suposição de significados) varia constantemente configurando uma linguagem feita de imagens traduzidas em palavras e das palavras traduzidas em imagens, por meio das quais tentamos abarcar e compreender nossa existência”. Portanto estamos na área dos símbolos, sinais, mensagens, alegorias: “a imagem da origem a uma história que por sua vez dá origem a uma imagem”. Mudanças de pontos de vista, mudanças de interpretações. A partir destas premissas tentamos compreender a construção da fotografia contemporânea e suas problemáticas. Começamos com uma frase do pintor Kandisky e que também inicia o livro de Luciano Trigo “A grande Feira”: “Cada época cria uma arte que lhe é própria e que nunca renascerá”. Parece que a arte própria da nossa época é aquela conseguida por meio da imagem fotográfica. A fotografia está na moda: todos falam sobre fotografia, festivais se sucedem pelo Brasil, cursos acadêmicos abrem sucessivamente no Brasil todo, fotografias estão sendo o tempo todo mostradas para nós. Mesmo assim parece que ainda existe um vácuo, um grande vazio sobre o pensar fotografia. Discussões giram sempre em torno de clichês do tipo : “hoje todo mundo fotografa”, “hoje qualquer um é fotografo”. Ora, isso acontece desde a invenção da fotografia. Não é nenhuma novidade. A novidade é que fala-se mais sobre isso. E daí que todo mundo fotografa? Alguém ficaria triste se todo mun-
do fosse alfabetizado? Soubesse ler e escrever? Qual é o problema? Reserva de mercado? Esquece-se que quanto mais as pessoas fotografarem maior será sua capacidade de alfabetização visual, de saber compreender a dificuldade em fazer uma imagem. Nem todo mundo que sabe ler e escrever é Machado de Assis. O que deveriam dizer os cineastas então, quando agora qualquer fotógrafo acha que pode fazer um vídeo? Um filme? E muitos de péssima qualidade sem ao menos linguagem cinematográfica? Sim, fotografa-se muito hoje, mas nunca se viu tão pouco. O que estamos vendo? Qual o papel da fotografia? Construções artísticas (no sentido mais amplo desta palavra) ou atendimento a um mercado das galerias. Como ler e interpretar um imagem hoje? Ainda nos referenciando ao livro do Luciano Trigo, lemos logo nas primeiras páginas: “o sonho que qualquer jovem artista é ser absorvido pelo sistema, ter conotação internacional, expor nas galerias e museus da moda, aparecer na mídia”. E é isso que vemos hoje, curadores e professores referenciando obras que eles mesmos cultivam, criadores de fogos de artifício. Sempre as mesmas pessoas nos mesmos lugares, um ou dois no máximo curadores da moda que nos obrigam a ver sempre as mesmas obras das mesmas pessoas. Por outro lado é bem verdade que nunca se falou tanto sobre fotografia. Diz Charlotte Cotton: estamos vivendo um momento excepcional para a fotografia, pois hoje o mundo da arte a acolhe como nunca o fez e os fotógrafos consideram as galerias e os livros de arte o espaço natural para expor seu trabalho”. Repetimos a pergunta, o que estamos vendo? “A percepção não se separa da compreensão. Todo ato de ver implica em saber o que se vê”, ensina Lorenzo Vilches. Portanto embora uma imagem possa remeter ao visível, tomar alguns traços emprestados do visual, sempre depende da produção de um sujeito. Lê-la não é tão natural como parece: “o fato de o homem ter produzido imagens no mundo inteiro, desde a pré-história até nossos dias, faz com que
acreditemos sermos capazes de reconhecer uma imagem figurativa em qualquer contexto histórico e cultural. No entanto deduzir que a leitura da imagem é universal revela confusão e desconhecimento”(Martine Joly). Ler uma imagem da contemporaneidade é tentar compreender a demanda de produção, a falta de substância ou espessura por trás de uma imagem ou que leva muitos criticos a criarem definições como estética inexpressiva nascida, na verdade nos anos 50 na escola alemã; ou “imagens de alguma coisa”, fotografias que nascem do mero encontro casual; ou a “fotografia de conseqüência”, a que se liga mais ao documental, fotógrafos que desconstroem o fotojornalimo, fotografando temas ligados à imprensa mas com um olhar artístico. Ler uma imagem contemporânea é compreender que ninguém quer mais ser fotógrafo hoje em dia, todos querem e se autodenominam artistas. Mas ao mesmo tempo que procuram criar novas estéticas, a fotografia – sempre independente – se transforma hoje pela mão destes “artistas” na imagem do banal, banalidade, uma “fotografia sem qualidade”, como afirma Dominique Baqué fazendo referencia ao livro de Musil “Um homem sem qualidade”. A arte do banal. A fotografia volta a ser a arte de expressão de massa por excelência.
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Foto - Mar tin Lazarev
Capa da edição
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capa desta edição é em uma coletânea do fotógrafo estoniano Martin Lazarev, 34, que busca, através do seu trabalho, encontrar uma beleza natural e verdadeira. Com suas imagens Lazarev quer transmitir os detalhes e emoções importantes da vida, momentos que podem ser observados diariamente por qualquer um, mas que acabam passando despercebidos. A iluminação natural, junto com a utilização de filtros, correção de cores e contrastes são características que agregam emoção às suas fotografias,
Foto - Mar tin Lazarev
Fotógrafo - Martin Lazarev
complementando-as e trazendo, assim, um sentimento nostálgico ao espectador. Apesar de parecerem instantâneos, Lazarev costuma conversar com a pessoa que pretende retratar e nega que tira fotos escondidas: “o povo brasileiro é muito simpático e gente boa. Às vezes algumas pessoas não deixam tirar foto, mas eu entendo, isso é normal. Eu respeito”. Estas imagens fazem parte de um projeto ainda maior, desenvolvido pelo próprio Lazarev, que tem como objetivo lançar um livro com retratos de 500 brasileiros.
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26 Fotos - Mar tin Lazarev
Ve j a m a i s d e M a r t i n La z a r e v e m :
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Foto - Tiago Santana
fP oI Nt ToU R A
A versão contemporânea da arte centenária nasce com a chegada de novas tecnologias, mesmo motivo que quase a extinguiu. Confira esta trajetória e conheça o trabalho de Julio Santos, Mestre da Fotopintura brasileira
urgida em meados do século XIX, pouco depois de fixada a primeira fotografia, a Fotopintura é uma das técnicas que vem sendo reinventada com o passar do tempo. O que antes era feito com pincéis e tintas se tornou quase obsoleto com o sucesso das câmeras coloridas, mas as novas tecnologias também foram responsáveis pelo resgate da técnica que hoje chamamos de Fotopintura Contemporânea. Logo após a conquista do francês Niépce (1765 - 1833) de fixar a primeira imagem fotográfica da história, em 1826, outros interessados pelo assunto passaram a buscar o aprimoramento da nova invenção. Surge, então, cerca de 13 anos depois, Daguerre (1787 – 1851), outro francês, com seu Daguerreótipo, processo que mais tarde seria o responsável pela
popularização da fotografia e que acabou assustando os pintores da época. Muitos diziam ser o fim da arte pictórica, tanto que, conforme explica a Professora de História da Arte dos Cursos de Fotografia da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), Maria Cristina Iglesias, na época, os pintores mal sucedidos acabaram mudando de ramo e tornaram-se Fotógrafos. O medo do novo não foi despertado na nobreza, que investia financeiramente na produção de retratos e cartões de visita com suas fotografias, ostentando luxo e poder. Porém, um importante fator ainda diferenciava bruscamente a pintura da fotografia: a cor.
A pintura agregada à fotografia oda a praticidade que a fotografia trouxe aos retratos, como, por exemplo, a redução do tempo de exposição do modelo retratado, era então questionada pela falta da cor. Percebendo nesta lacuna uma grande oportunidade, muitos inventores da época passaram a concentrar seus estudos na busca pela fotografia colorida, até que o também francês André Adolphe Eugène Disdéri (1819 – 1889) conseguiu o feito. É importante salientar que Disdéri foi também um dos grandes responsáveis pelo barateamento fotográfico e, assim, o povo teve acesso à fotografia, o que gerou certa impressão de elevação social, mas de fato não era isto que acontecia. O processo de Disdéri envolvia anilinas e pigmentos sobre tela ou pa-
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Foto - Tiago Santana
imagens reproduzidas do livro “Julio Santos: Mestre da fotopintura�
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pel e, tendo a pintura como base referencial, surgia a fotopintura, que buscava igualar a fotografia e pintura não só na coloração, mas também nos enquadramentos e na linguagem corporal que o fotógrafo, ou fotopintor, trazia para a fotografia. Conforme mencionado no livro “Júlio Santos, Mestre da Fotopintura” (ed. Tempo d’Imagem, 2010), este processo de colorização, por ser realizado após o processamento fotoquímico, não era considerado fotográfico, apenas decorativo. A partir daí, os pintores, já assustados
com o novo invento, buscaram uma nova estética para a pintura, algo que a fotografia não poderia alcançar, nascia, assim, o Impressionismo com suas cores “borradas” e ao mesmo tempo puras. Durante a transição do século XIX para o XX, o cenário fotográfico já adquiria novas características: se tornou popular, colorido (manualmente) e mais compreendido pelos críticos, artistas e povo. Pintores saíam de seus estúdios enquanto os fotógrafos se fechavam neles. No tempo em que uns buscavam uma nova estética para a cor, outros trabalhavam com ela no estado mais real possível. Muitos discutiam sobre fotografia ser ou não uma arte, enquanto outros se desprendiam disto e buscavam aprimorá-la cada vez mais. Junto com o Impressionismo nascia, na França, Inglaterra e Estados Unidos, o movimento Pictorialista, chamado de Pictorialismo, através do qual os fotógrafos pretendiam alcançar, com suas produções, a já consagrada arte pictórica.
imagens reproduzidas do livro “Julio Santos: Mestre d a fotopintura”
A Fotopintura como ferramenta de resgate om o avanço da tecnologia e a chegada das câmeras coloridas no decorrer do século XX, a coloração das imagens se tornou algo comum e a fotopintura foi uma arte quase esquecida. Durante este período, a técnica foi muito utilizada para resgatar imagens deterioradas pelo tempo, isto é particularmente afirmado por Júlio Santos (na obra já citada), o Mes-
tre Júlio, ao responder, em entrevista a Isabel Santana Terron, Rosely Nakagawa e Tiago Santana, que no seu trabalho o retrato é uma imagem onde a pessoa quer resgatar um sentimento. Os fotopintores interferem nas fotografias utilizando as mãos e a sensibilidade. Os que focam seu trabalho no resgate de imagens deterioradas conseguem, mesmo com pouca informação, sem uma imagem concreta, reproduzir uma fotografia pintada a partir das informações e descrições que são passadas pelos clientes. A técnica pode ser usada para restaurar e recuperar desde imagens danificadas pelo tempo a recortes de jornal de crianças assassinadas ou desaparecidas, reconstruindo-as e, algumas vezes, ressuscitando em forma de retrato uma pessoa falecida, pintando-a de
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Fotos - Tiago Santana
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olhos abertos, como se ela ainda estivesse viva. Em outra entrevista, desta vez para o filme “Câmara Viajante”, de Joe Pimentel, Mestre Júlio expressa este sentimento de forma muito clara: “vocês não podem imaginar a minha satisfação quando eu sei que consegui resgatar a história de uma pessoa que já não tinha mais história, que
tinha fragmentos dela. Eu consegui fazer com que ela tivesse parte da vida dela resgatada, porque história nada mais é do que aquilo que ele pode ver, transformado em visual aquilo que já não tinha mais possibilidade de ver.” O processo, definido por alguns autores como tradicional, era realizado em três etapas, isto em meados do século XX: a primeira consistia em reprodução e ampliação do retrato original, geralmente a partir de uma foto de documento 3x4 em preto e branco; depois, o recorte do rosto e a construção de um fundo e, por fim, o detalhamento e a inclusão dos adereços (acessórios e vestes) de acordo com o desejo do cliente.
Método tradicional ambém chamada de crayon portrait, a Fotopintura pode ser realizada de diferentes maneiras, de acordo com os costumes e preferências de cada artista, mas aqui tomamos como exemplo o passo-a-passo do Áureo Studio – fundado pelo pai de Mestre Júlio em parceria com o artista Medeiros – publicado integralmente no livro sobre o Mestre da Fotopintura brasileira: Loteamento e repasse: recebimento das encomendas e encaminhamento do material, em lotes, para a pintura e repasse da qualidade final. Reprodução: cópia e ampliação das imagens originais. Contorno: recorte do rosto no negativo reproduzido com tinta opaca. Apagam-se os relevos dos cabelos, ombro roupa e fundo.
Ampliação: ampliação da cópia em positivo do negativo já reproduzido. Lavagem: depois da revelação é feito uma lavagem para retirar os resíduos químicos da cópia. Colagem: cola-se o retrato já reproduzido, lavado e seco em um papel cartão. Retoque: é a etapa mais delicada por possuir muitos detalhes. Se faz a primeira camada da pintura no rosto e no pescoço, traça-se o formato dos olhos e da boca, corrige-se rugas, sombras e imperfeições da pele, cabelos e luzes. Colorir: após retocar o rosto todo, são coloridos os olhos, as sobrancelhas e a maçã do rosto. Roupa: as vestes são descritas pelo cliente antes de enviar a encomenda e assim são desenhadas. O paletó, o lenço e a gravata geralmente são feitos por um molde previamente recortado. Afinação: feito com lápis bem apontado ou estilete, serve para retirar falhas, imperfeições ou pequenas manchas e para riscar o retrato em pontos mais claros e irregulares. Esbatimento: retira-se o excesso de tinta com borracha e criam-se luzes nos cabelos, olhos e no fundo. Repasse: fase final do processo, quando é feita a revisão completa antes da entrega da encomenda ao cliente.
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imagens reproduzidas do livro “Julio Santos: Mestre da fotopintura”
Fotopintura Contemporânea manifestação artística em seu método tradicional se manteve durante cinco décadas até ser recriada no Brasil por Luiz Santos, Fotógrafo, Retratista Contemporâneo, Autor e Educador. Luiz, juntamente com Julio Santos, criou o termo Fotopintura Contemporânea para definir o novo processo, basicamente igual ao tradicional, mas realizado em softwares de edição de imagem. O processo tradicional quase não é mais utilizado por necessitar de muita mão de obra, ao contrário da Fotopintura Contemporânea, um tanto mais prática, que permanece ativa, principalmente em Fortaleza e Juazeiro do Norte, Ceará, onde podem ser encontradas inúmeras casas com fotopinturas penduradas nas paredes. Luiz Santos também idealizou o portal Agência Mundial da Fotopintura, em abril de 2011. O site visa representar, divulgar e compartilhar o trabalho de Júlio Santos, bem como promover e vender obras feitas pelo Mestre deste ofício. O novo termo acabou sendo utilizado para batizar um novo projeto, criado pela mesma dupla de artistas, que retrata pacientes do hospital psiquiátrico Ulisses
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Pernambucano, na cidade de Recife, Pernambuco. Este projeto resultou em uma exposição artística presente na mostra “Um Certo Brasil”, no festival chinês de fotografia Pingyao International Photography (PIP) de 2010 e, em fevereiro de 2011, os primeiros 25 retratos foram expostos na mostra também intitulada “Fotopintura Contemporânea”, na Galeria pELigro, em Recife. A nova Fotopintura também tem sido utilizada por muitos fotógrafos que buscam um diferencial em seu trabalho artístico, ora considerada manipulação e ora tratamento de imagem. Voltamos então a falar
Acima: autorretrato de Julio Santos
do avanço da tecnologia, que gerou enorme acessibilidade a equipamentos fotográficos, principalmente câmeras, resultando em enorme produção de imagens fotográficas. Tal acontecimento disseminou tantas fotografias
mundo a fora que a busca por um diferencial para fotógrafos que almejam destaque se tornou algo imprescindível. É aí que entra a Fotopintura Contemporânea como ferramenta de diferenciação, pois, segundo a professora Maria Cristina, a interferência artística em fotografias comuns pode resultar num trabalho extremamente valorizado não só pelo público, mas também pelos críticos.
Para saber mais O livro “Júlio Santos, Mestre da Fotopintura”, realizado através do ministério da cultura (FUNARTE), foi publicado pela Editora Tempo d’Imagem, em 2010, com curadoria de Rosely Nakagawa e participação de Isabel Santana Terron e Tiago Santana. A Obra registra a importância da Fotopintura e o trabalho de Júlio Santos na fotografia brasileira, esclarecendo, com riqueza de detalhes, o que é, quando surgiu, como é feita e qual a finalidade da técnica. Acompanha DVD do filme Retrato Pintado e trecho do Câmera Viajante, de Joe Pimentel. Interessados devem entrar em contato com a Templo d’Imagem através do e-mail tempodimagem@uol.com.br.
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CLICK LITERÁRIO O S E N T I D O D A F OTO G R A F I A Marcelo Juchem apresenta Memórias do Brasil, de Evgen Bavcar, fotógrafo cego desde sua infância
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omecemos com uma obviedade: o fotógrafo depende da visão. Óbvio, mas não uma verdade extrema e absoluta, é a conclusão também óbvia que se segue às imagens e palavras de Evgen Bavcar (lê-se: Eugen Bachár), fotógrafo esloveno nascido em 1946. Memórias do Brasil é um livro-quase-anotação-de-viagens, com fotos. O autor ficou cego por causa de dois acidentes na infância e, conforme suas palavras, a visão foi-se devagar, “um longo adeus à luz”. Frases poéticas e deveras filosóficas podem ser encontradas nos comentários de Bavcar sobre suas imagens, suas viagens, suas visualidades. Nos faz pensar, e muito! Se o fotógrafo depende da visão, e ele é cego, o que fotografa? Como? Com quais objetivos? Estas são algumas das reflexões trazidas à tona em Memórias do Brasil, deste fotógrafo que mora em Paris, França. Autoproclamado fotógrafo autoral, Bavcar tem várias séries de fotografias, algumas apresentadas neste livro. Já expôs no Brasil e também aqui esteve. De uma de suas visitas, surgiu Memórias do Brasil. Apenas uma passagem para ilustrar a poesia do autor, em trecho que comenta a primeira lembrança do nosso país através do café moído de manhã pela mãe: “Para nós, o café era quase uma espécie de néctar dos pobres, uma ambrosia destinada aos que de vez em quando queriam transformar o cotidiano num dia de festa, pondo à mesa essa mercadoria tão rara em minhas lembranças eslovenas. Por essa razão, beber café era como tomar um medicamento capaz de curar as doenças mais tenazes. Eu tinha certeza,
a certeza de uma criança, de que meu pai teria vivido mais tempo se tivesse tomado mais café, ou de que não teria morrido de câncer.” Passagens como estas convidam o leitor a acompanhar o fotógrafo escritor, que também é personagem do belo documentário Janela da Alma , dos brasileiros João Jardim e Walter Carvalho, cujo tema central é a visão. Outro texto traduzido deste autor esloveno encontrase em Artepensamento, coletânea organizada por Adauto Novaes, e vale a leitura, que contém afirmações como “a imagem não é apenas alguma coisa da ordem do visual, mas pressupõe, igualmente, a imagem da obscuridade e das trevas”. Ao refletir com Bavcar lembro-me do livro Ensaio sobre a cegueira, do português José Saramago, que foi adaptado para o cinema pelo brasileiro Fernando Meirelles como Blindness . O livro continua melhor do que o filme, mas ambos também nos fazem pensar sobre algumas situações bastante peculiares. Ainda mais peculiar é a produção fotográfica de Evgen Bavcar, e também o seu sistema de trabalho. De médio porte e com 150 páginas, Memórias do Brasil foi publicado pela Cosac Naify, em 2003, e merecia uma capa dura e melhor acabamento das páginas. O visual é importante, ainda mais com um conteúdo desses, que inclui ainda dois textos de pesquisadores brasileiros da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) sobre a obra do fotógrafo-filósofo.
O livro é belo: páginas negras marcadas por palavras em negativo e imagens em preto e branco. Em sua maioria, longas exposições e manipulações diversas, características plásticas de Bavcar. Tanto as fotos quanto – e especialmente – as palavras nos fazem refletir sobre o visível e, mais, sobre o invisível da fotografia. É como no início do texto que finaliza o livro Van Gogh: um sonho de sol na obscuridade do instante fotográfico: “para mim, que estou do lado das trevas, a máquina fotográfica é o prolongamento de meu espaço existencial: quando fotografo, sou eu mesmo uma câmara obscura por trás desse outro que é a máquina fotográfica”. Certos livros nos fazem pensar. Este nos faz pensar muito. Seja enquanto fotógrafos, enquanto amantes da fotografia, enquanto pessoas que veem, ou mesmo que não veem. Este livro e toda a trajetória de Evgen Bavcar nos fazem pensar sobre o que é visto, o que é fotografado e o que é sentido. Capa do livro Memorias do Brasil, lançado em 2003 pela editora Cosac Naify
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ENVIE O SEU Acesse www.revistafotografia.com.br/colabore e veja como participar
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Por favor, bata na porta Dayse Eusébio
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Muslism A r t h u r M o n t e i ro
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Por favor, bata na porta A série “Por Favor, bata na porta” é fruto de ensaio fotográfico sobre o cotidiano das famílias de trabalhadores e trabalhadoras que encontram-se desprovidos das condições básicas de habitação/moradia, ocupando prédios públicos e terrenos que não estão sendo utilizados na cidade de João Pessoa. Tendo em vista que a linguagem fotográfica é um convite para trazer a tona discussões com aspectos relativos à realidade social, a proposta do trabalho foi de estabelecer um olhar observador e questionador com foco nas pessoas, suas histórias e o impacto da mudança sobre a vida de cada um dos retratados.
S o b re a a u tora Dayse Euzébio, 25, é Repórter Fotográfico e fotógrafa há quatro anos. O interesse pela fotografia surgiu ao estudar fotojornalismo no curso de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo - da Universidade Federal de Paraíba (UFPB). “Foi a primeira vez que utilizei uma câmera fotográfica e desde então não parei mais”, revela Deyse. Atualmente tem participado de algumas exposições e da criação de um site sobre artes e cultura em geral, no qual a produção fotográfica contemporânea será uma das principais temáticas discutidas.
Ve j a m a i s d e D a y s e E u z é b i o e m :
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Mulmism Em 2010, Arthur Monteiro viajou à Caxemira, norte da Índia. A região, alvo de conflitos entre a Índia e o Paquistão, é de maioria muçulmana e vive relativamente isolada do resto do país. Ao atravessar um extenso e escuro túnel e chegar ao Vale da Caxemira, foi evidente a diferença na paisagem e nas pessoas. Os labirintos de ruas estreitas, com mercados árabes e mulheres de burca fazendo compras, tinham uma névoa suave que parecia indicar a passagem para outra época, como se estivesse caminhando há dois mil anos atrás. Se a fotografia é uma evidência de que algo existiu, Arthur viajou a um passado presente e o concretizou em si mesmo. S o b re o a u tor Fotógrafo há quase 14 anos por influência de seu pai, Arthur Monteiro tem 33 anos de idade, nasceu em Brasília e estudou Jornalismo na Universidade Católica de Brasília (UCB). Ele retornou de sua jornada fotográfica pelo continente asiático e já está preparando uma exposição, escrevendo projetos e trabalhando na captação de recursos para publicar um livro.
Ve j a m a i s d e A r t h u r M o n t e i r o e m :
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Vul to s O projeto, exposto em preto e branco, busca, através da abordagem clássica da fotografia street, uma representação estética alternativa através do elemento humano. Devido ao período prolongado de exposição enquanto o fotógrafo caminhava por uma estação de trem em Londres, Inglaterra, a ilustração dos vultos das pessoas em trânsito foi obtido. Este efeito acaba permitindo ao público maior liberdade de interpretação ao observar as imagens. S o b re o a u tor Marcos Sêmola, carioca com 38 anos de idade, é Engenheiro de Computação e Fotógrafo da Getty Images. O interesse pela fotografia surgiu durante o período de quatro anos em que viveu na Europa. Suas fotografias podem ser encontradas na galeria de Arte Metara no Brasil e em mais doze países através de livros, revistas, jornais e iniciativas publicitárias. Marcos também conduz pelo segundo ano consecutivo o projeto coletivo Mosaico Minuto, em que homenageia o dia Internacional da Fotografia reunindo fotógrafos do mundo inteiro dispostos a sincronizar seus relógios e realizar uma fotografia no mesmo dia, hora e minuto (www.s4photo.co.uk/mosaicominuto2011).
Ve j a m a i s d e M a r c o s S ê m o l a e m :
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científicos ENVIE SEU TRABALHO: Acesse www.revistafotografia.com.br /colabore e veja como participar. As reduções das titulações acadêmicas dos autores foram feitas baseadas no vocabulário ortográfico disponibilizado pela Associação Brasileira de Letras (ABL).
Fotografia – do estático ao movimento
Uma reflexão sobre as aproximações entre a linguagem fotográfica e a audiovisual M.e Cristiano Franco Burmester
Palavras Chaves: Fotografia; cinema; vídeo; convergência; tecnologia; linguagem. O texto possui como objetivo principal refletir sobre a aproximação da linguagem fotográfica com a audiovisual, decorrente das recentes transformações da tecnologia fotográfica e cinematográfica. Enquanto mídias analógicas, a fotografia e o cinema foram referências conceituais mútuas. Com a tecnologia digital e a convergência das mídias, este processo se acentuou. O trabalho reflete sobre como estes limites tem sido ultrapassados e quais são os novos contornos desta relação.
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A influência do momento decisivo de Bresson e o construtivismo de Rodchenko nas imagens esportivas Filipe Norberto & M.e Erivam Morais de Oliveira
Palavras Chaves: Fotografia; Bresson; Momento decisivo; Rodchenko; Construtivismo. O ensaio fotográfico busca aplicar as teorias aprendidas na disciplina de fotografia na Universidade Federal de Viçosa (UFV), ministrada no segundo semestre de 2010. O olhar construtivista de Aleksander Rodchenko foi o ponto de partida para as fotografias esportivas tiradas na cidade de Buritizal, SP. O ensaio apresenta possibilidades de inovação imagética nos chamados momentos decisivos imortalizados por Cartier Bresson, visando romper com o paradigma de que, na cobertura esportiva, busca-se privilegiar, salvo raras exceções, planos simples e angulações restritas em significação.
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artigos
Conhecimento de mundo e leitura de imagem: um estudo sobre a intertextualidade na fotografia publicitária M.ª Maranúbia Pereira Barbosa
Palavras Chaves: Fotografia; Cinema; Vídeo; Convergência; Tecnologia, Linguagem. Este estudo tem como proposta analisar a intertextualidade em fotos publicitárias. A intertextualidade, segundo pressupostos teóricos da Linguística Textual, é entendida como a relação, direta ou indireta, entre os textos, constituindo-se em um recurso cada vez mais utilizado em publicidade. Para que a propaganda, de natureza essencialmente persuasiva, produza efeitos de sentido, é necessário que haja uma boa parcela de conhecimento partilhado entre produtor e leitor. O produtor espera que o conhecimento de mundo do leitor possa a lhe proporcionar embasamento para que ele compreenda não apenas o dito explícito na superfície textual, mas, também e, sobretudo, o implícito e o subentendido. Nas imagens da campanha publicitária aqui analisada, da grife francesa Louis Vuitton, o conhecimento de mundo revela-se fundamental para uma leitura crítica e aprofundada.
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CONTEÚDO INDICADO
seleção de conteúdos encontrados na rede relacionados às materias desta edição
JAPÃO FOTOPINTADO
O
trabalho fotográfico do italiano Adolfo Farsari – espec i a l m e n t e seus retratos e paisagens coloridos a mão – ficou muito r e c o n h e cido no Japão por registrar a vida da população no final d o s é c u l o
XVIII até o início do século XIX. Suas fotografias formam a perce p ç ã o e x terna de pessoas e lugares pertencentes ao país e, de certa for m a , a f etam a forma como os japoneses veem sua história. Farsari morou p o r a n o s em Yokohoma, uma das maiores cidades do Japão, e seu estúd i o f o i u m dos mais prolíferos do país.
SAIBA MAIS
FOTOGRAFIAS QUE PARECEM PINTURAS
A
paixonada pela Polaroid desde a década de 80, a canad e n s e B a r bara Cole criou com a SX-70 o Painted Ladies, um ensaio e m q u e as imagens ficam na fronteira entre a fotografia e a pintu r a . C o l e
conta que após algumas experimentações conseguiu adaptar a c â m e r a à suas iluminações e técnicas de estúdio, depois cuidadosamente m a n i p u lou fotos originais até elas atingirem a qualidade pictórica pretend i d a p e l a artista. O resultado alcançado por Barbara Cole é, além de in s p i r a d o r , uma ótima referência de Fotopintura Contemporânea.
SAIBA MAIS
RPCFB
O
riginada oficialmente em 2010 na cidade de Brasília (DF ) , a R e d e de Produtores Culturais de Fotografia no Brasil (RPCFB) co n t a c o m mais de 150 representantes de iniciativas culturais de 20 e s t a d o s
brasileiros. Desde sua gênese vem estabelecendo um canal de c o m u n i cação entre os diversos setores da fotografia brasileira e mant é m i n t e r locução direta com o Ministério da Cultura (MinC). O conteúdo o n l i n e d a Rede é riquíssimo, acompanhar seu site tornou-se atividade indis p e n s á v e l para qualquer fotógrafo brasileiro.
SAIBA MAIS
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JANELA DA ALMA
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e João Jardim e Walter Carvalho, Janela da Alma é um d o c u m e ntário produzido no Brasil, em 2001, que registra o depoim e n t o d e 19 pessoas com diferentes graus de deficiência visual sob r e a s d i s -
tintas maneiras de perceber o mundo saturado de imagens. O film e r e l a t a também a influência das deficiências visuais na personalidade e n a v i d a dos entrevistados. Evgen Bavcar, Wim Wenders, José Samarago, H e r m e t o Pascoal e Marieta Severo são alguns nomes que fazem parte do e l e n c o .
SAIBA MAIS
SERRA DA CANASTRA – DIVERSIDADE INFINITA
C
om cerca de 140 fotografias distribuídas em 240 página s , o l i v r o resume mais de dez anos de trabalho empenhados no re g i s t r o d a natureza diversificada da Serra da Canastra, localizada n o e s t a d o
de Minas Gerais. O registro documental abrange desde a fauna e f l o r a da região até a cultura e estilo de vida do povo que lá habita. P r o d u z i d o por Adriano Gambarini, fotógrafo, Rogério Cunha de Paula, bi ó l o g o , e Laís Duarte Mota, jornalista, Serra da Canastra – Diversidade Infi n i t a t e v e lançamento em julho deste ano e já está disponível nas livrarias d o B r a s i l .
SAIBA MAIS
DISCURSOS FOTOGRÁFICOS
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rofissionais consagrados como Boris Kossoy, Paulo Césa r B o n i e Simonetta Persichetti fazem parte do Conselho Consultiv o d a r evista Discursos Fotográficos, periódico semestral do prog r a m a d e
pós-graduação em comunicação da Universidade de Londrina ( U E L ) . A revista, que já soma nove edições, é uma excelente fonte de re f e r ê n c i a teórica, todos os trabalhos publicados são inéditos e voltados uni c a m e n t e à comunicação visual (fotografia, cinema, semiótica e outros).
SAIBA MAIS
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w w w. re v i s tafotografia.com.br
Foto - Mar tin Lazarev