ELAS NA MÚSICA
ELAS NA
A MÚSICA
A história da mulher é marcada por séculos de repressão. A mudança desse contexto histórico começa a partir de movimentos sociais feministas, que tiveram papel fundamental na conquista por direitos iguais. Mesmo com tantas reivindicações ao longo da história, as mulheres ainda lutam para se igualar aos homens, e no universo musical não é diferente. Em Campo Grande, a mulher começa a ganhar espaço na cena musical em 1959, com a gravação do primeiro disco da dupla sertaneja Délio e Delinha. No mesmo ano, a dupla Beth e Betinha, conhecidas como “As Princesinhas da Fronteira”, começa a se destacar no estado com um repertório representativo da música regional. Mato Grosso do Sul se destaca nacionalmente por lançar artistas da música sertaneja, porém, o cenário atual tem demonstrado um crescimento na diversidade de gêneros musicais no estado. Estilos musicais alternativos ganham espaço em Campo Grande, que também passa por um período em que surgem cantoras e compositoras. Do blues ao rap, a mulher ganha cada vez mais força ao ocupar um espaço predominantemente masculino. Para mostrar que existem outros estilos musicais além do sertanejo, as cantoras sul-mato-grossenses Aline Calixto, Erika Espíndola, Ju Souc, Marina Peralta e Sofia Basso, contam a seguir sobre suas carreiras, experiências e projetos musicais. TEXTOS E FOTOS POR ALESSANDRA MARIMON
Marina Peralta
V
ocê não escolhe a música, é a música que escolhe você. Eu não tinha ideia de que a música mais tarde me escolheria, me fazendo alcançar o primeiro lugar no Festival Universitário da Canção, (FUC) promovido pela UFMS, em 2013. Nessa mistura do rap, reggae, samba e MPB, minhas influências, encontrei um espaço para externar o que eu sinto. Nas minhas composições, ressalto a realidade do povo oprimido, na qual tenho oportunidade de transformar histórias em poesia e música, que é um prazer pra mim, mas também uma responsabilidade. Acredito que a música seja uma ferramenta que pode transformar, tocar a mente e o coração, incomodar.
Quando tinha 12 anos, ganhei o primeiro do violão do meu pai, mas confesso que não curti. Fui criando gosto pela música aos poucos. Geralmente toco em eventos de rap que acontecem de vez em quando na rodoviária velha e acho isso muito importante para mostrar que essa cultura existe e tem expressão, e que a mulher também tem voz nesse espaço.
Em maio de 2014 tive a oportunidadede de abrir o show da Ju Souc no Som da Concha. Foi uma experiência bacana e senti uma energia muito forte vindo da plateia. Meus amigos e familiares estiveram presentes em peso e isso realmente me motiva. Todos eles tiveram verdadeira importância ao me apoiar na música, principalmente a minha família. Nunca ouvi uma palavra de desmotivação por parte deles. No entanto, enfrentei algumas dificuldades nesse ramo. Já sofri preconceito por me declarar feminista e expor esse assunto nos meus sons. A figura da mulher está cada vez mais representada nesse espaço, mas em geral, o fato de ser mulher, faz com que as pessoas prestem mais atenção pra sua roupa, pro seu corpo, do que pro seu som, e isso é bem opressor.
A
Aline Calixto
os 14 anos ganhei a primeira guitarra do meu pai e comecei a tocar e a cantar em casa. Depois, fui guitarrista por quatro anos em uma banda de thrash metal composta só por homens, o Katastrofe. Apesar da predominância masculina e do som mais pesado, nunca sofri nenhum tipo de preconceito dos meninos.
Hoje sou vocalista da banda de rockabilly The Aristocats e fazemos covers de bandas de rock antigas, principalmente dos anos 50. Sou atriz, então o teatro me ajuda na sensibilidade e na percepção que todo artista precisa ter. As esferas musical e teatral se complementam. A música é por mim utilizada no teatro e vice-e-versa.
A mulher tem se destacado muito em Campo Grande e isso mostra que também podemos fazer música e com uma poética bem peculiar. Temos tantas cantoras aqui na capital que estão mandando muito bem: Erika Espíndola, Bianca Bacha, Jane Jane, Sofia Basso e Ju Souc só mostram ainda mais a nossa força.
Acho que a mulher, quando tem talento e o cultiva, mostra que também sabe fazer Rock ‘n’ Roll. Desse modo, nós fazemos história e transgredimos os limites sociais que nos são impostos.
Ju Souc
M
eu pai era tecladista e minha mãe cantava. Com nove anos, comecei a tocar piano. Hoje toco, violão e guitarra, mas o auge até agora foi na bateria, onde ganhei o prêmio como melhor do país em 2013, no festival Batuka! Brasil, um dos principais eventos do país, voltado à bateria e percussão. Confesso que o Batuka! Brasil consolidou uma trajetória na minha carreira e consequentemente deu início a uma nova etapa. Foi uma grande experiência e aprendizado, um festival de alto nível que não teve competidores e, sim, originalidade na execução de cada músico. Isso realmente enriqueceu meu mundo musical. Foi demais!
Sou fã da música brasileira, do chorinho e do pop nacional, e considero meu som, uma mistura de todos esses estilos. Toco desde os 16 anos na noite campograndense, e é necessário saber aproveitar os locais, participar de projetos, editais e programas, para depois dar passos maiores e conquistar outras cidades. Hoje, integro a banda Jerry Espíndola & Pétalas de Pixe que me ajudou a crescer profissionalmente. O Jerry me influencia muito. É um grande parceiro musical da nova geração de músicos daqui.
Mesmo com meios facilitadores pra divulgação como redes sociais e a própria internet, ainda enfrento dificuldades pra que a população em massa conheça meu trabalho. Acho que as pessoas ainda estão muito presas àquele tipo de música mais comercial. Para esse ano, pretendo continuar com a banda e, ao mesmo tempo, divulgar o meu trabalho autoral. Sinto um dever intenso de mostrar cultura para a cidade que é o meu berço musical. Vem novidade por aí!
M
Sofia Basso
inhas influências musicais vêm da minha mãe e do meu pai. A minha mãe influenciou muito com música brasileira, como Paulinho da Viola, Marisa Monte e Chico Buarque. Já meu pai era mais do lado do blues. Eu sempre escrevi, então com 19 anos comecei a compor. Comecei a ser conhecida na cidade quando fiz o vídeo da música Una, em 2012. Depois toquei no Festival Universitário da Canção (FUC), da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) em 2012 e 2013, e conquistei o terceiro lugar com a música Una em 2012. No ano de 2013 fiquei com um segundo lugar, junto com a Jaqueline Costa, que também é uma artistas que vem se destacando bastante na cena atual de Campo Grande.
No ano passado, a Lauren Cury, a Lilian Maira, a Paola Calderaro e eu, criamos o projeto musical Rockers Inna Woman Style, só de música jamaicana. Aprendi bastante, mas agora estamos começando outro projeto, voltado para música brasileira e compositores da região. Como mulher digo que agora a nossa aceitação na música está ‘estourando’, assim como em vários outros setores. Só acho que realmente há aquele apelo sexual pelo qual muitas mulheres precisam se submeter, já que é um jeito de chegar ao sucesso. Muita gente machista já passou pela minha vida, mas eu não permito de jeito nenhum que elas exerçam influência na minha carreira.
Erika Espíndola
O
blues entrou na minha vida por acaso. Quando voltei dos Estados Unidos para o Brasil em 2011 comecei a frequentar os bares onde tinha blues e fiz alguns amigos. Um ano depois formei a banda Black Tie. No mesmo ano, abrimos o show do Nando Reis & Os Infernais, no MS Canta Brasil. Foi estimado um público de 80 mil pessoas.
A princípio eu encarava muito mais como um hobby do que como trabalho, então era meio que uma “lua de mel”. Mas pude conviver e ainda convivo com pessoas que vivem somente da música. Não apenas tocando, mas também produzindo. Com o tempo fui encarando a coisa como um trabalho também e querendo me aperfeiçoar.
O blues em Campo Grande é importante para tirar o estigma de que há somente um estilo predominante na cidade. Acho injusto com o público que busca outras alternativas.
Nunca sofri preconceito por ser mulher e cantar blues. Pelo menos não que tenha chegado até mim. Mas o músico, seja homem ou mulher, na maioria das vezes é visto como louco, bêbado, drogado e promíscuo, o que, também na maioria das vezes, é puro mito. Já vi de tudo um pouco nesse meio e muita coisa é imaginação das pessoas. Eu canto o que eu amo cantar. Tento me colocar no lugar do público, já que também sou público. Acho que se posso contribuir com um pouquinho de diferença na cidade, tenho o compromisso, talvez o dever, de fazer isso. Uma das dificuldades que a banda tem é de não receber o cachê combinado, contratante não querer assinar contrato, show desmarcado de última hora... Além das noites perdidas de sono. Mas a música é maior que qualquer dificuldade. A gente sofre, mas não desiste!