CONCRETO
NO
–E tem de spray também. Cê quer ver? Ele abre a mochila e pega uma das várias latas. – 12 reais. Pra prédio, não. Só de rolo. E explica que para pichar em prédios, só mesmo tinta de parede e rolo. Por Carol Caco
Em muitos prédios e paredes de Campo Grande, os traços pintados são expostos a um grande número de pessoas. É pichação. Suas letras estão na composição da cidade e no Centro não é preciso procurar por muito tempo para encontrá-las. Nem a pressa das pessoas que circulam é obstáculo para
a percepção dos rabiscos. “Prédio é uma coisa que chama atenção. Não é qualquer pichador que faz, tá ligado. E prédio é um esquema ai pra subir, entendeu. Tem altos bagulhos, porque as vezes é em prédio comercial, prédio que funciona mesmo. Dá mais atenção, é o que representa mais”. Quem
conta é Rafael*, pichador adolescente, motivado a pichar, segundo ele, pela revolta contra o sistema, a política e a indiferença. O spray, comumente associado a pichação, não tem vez em prédios, devido ao tamanho da escrita para ter visibilidade a longa distância, o que consequentemente requer mais
Os nomes com asterisco (*) são fictícios
tinta. “O que eu uso mais é látex. Pinta com rolo, entendeu. É tinta normal, tinta de pintar casa. Com certa timidez e talvez desconfiança, ele continua a falar sobre o piche. São rabiscos que formam um meio de comunicação alternativo e que possui um código não compartilhado com a sociedade. “Ah, crimi-
nosos da comunicação, né. Eu acho que a pessoa que não sabe da letra, não consegue entender. Isso é afrontar”. Pichar edificação ou monumento urbano é crime perante o Art. 6º da Lei Nº 12.408, com pena de detenção, de três meses a um ano e multa. Se o ato for realizado
em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de seis meses a um ano de detenção e multa. “Na delegacia eu já rodei duas vezes por causa de pichação. E eu sou menor, entendeu? Não dá nada pra mim não”, conta Rafael.
DE PICHADOR PARA PICHADOR Leonardo* pichou por dez anos para se expressar, fugir da rotina, da normalidade e ultrapassar barreiras, e não picha mais. Pichação para ele é superar seus limites e os limites dos outros, como pichar em prédios. “O prédio você pode ver de muito mais lugares do que uma simples pichação na parede. Você pode tá bem longe, mas você vai tá vendo o prédio, da pra você atingir muito mais gente do que fazer uma escrita no chão (lugares baixos)”. Ele conta que maioria das vezes o piche é uma conversa entre os próprios pichadores, o que intriga quem não consegue decifrar. “A escrita urbana vem pra protestar, muito pra diversão mesmo, por adrenalina, pela anarquia – que foi um dos princípios da pichação con-
“Tem traços, régua, entendeu. Pichação pra mim tem que ser na elegância. Tem que ser bonita a pichação pra mim, não gosto de rabisqueira não” Rafael
tra a ditadura – e também têm outras referencias que é a pichação como demarcação de território, mas aqui não tem muito isso não. Tem estilos diferentes que é picho reto, bastante de São Paulo. Tem as letras que são bem jogadas, traços longos e redondos que é de Brasília e pichação em uma caligrafia própria, né. Cada um quer fazer diferente, tem que inventar uma nova pra não copiar”. Segundo Leonardo, há grupos de pichadores organizados na cidade. “Tag é o vulgo da pessoa, tá ligado. Crew é uma união de várias pessoas que vão assinar o mesmo nome”. O crew na pichação representa uma família de pichadores e só fazem parte os que são de confiança e que tem mais convívio entre si. “É difícil falar sobre a pichação pra quem não picha, entendeu. Porque é uma coisa pra você sentir assim, o que é o cheiro da lata, o barulho dela na mão”.
CAIXA DE ENTRADA URBANA
Renan* começou a pichar pelo vandalismo e por protesto. Para ele, contestar a propriedade privada está presente na cultura da pichação como um ato político, assim como a reivindicação por espaços. “O piche tem todas as mensagens. Fazer alguma coisa que é contra a lei, contra o sistema, junto com isso você acaba querendo passar outras mensagens, tipo a galera que manda negócio da Copa, tá ligado. Já vem uma questão de protesto também com o vandalismo”. O piche teve suas raízes na periferia e atualmente, encontra-se mesclado entre vá-
rias classes econômicas e sociais. “O cara sendo pobre ou sendo rico, o piche vai ser ilegal do mesmo jeito. Isso vai ser uma questão de protesto do mesmo jeito, ta ligado. Eu acho bom mesmo, quanto mais gente pichando, melhor. Um outro ponto é a contestação da estética artística. “Piche é arte do mesmo jeito que o grafite é arte, do mesmo jeito que uma tela é arte. E não é só porque o arquiteto foi lá e construiu aquele espaço bonitinho, pra ser daquela cor, que tem que ser daquela cor, tá ligado. Tem que pichar mesmo sem dó”.
Muro dos fundos da escola Maria Constan莽a Barros Machado, projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer e tombada como patrim么nio hist贸rico do estado de Mato Grosso do Sul
ESPAcO COLETIVO Para o arquiteto Ângelo Arruda, o piche intervém na cidade e em espaços compartilhados por todas as pessoas em sociedade, criando elementos simbólicos que ninguém compreende. “Eles usam a cidade que é de todos, pra conversar entre eles. Isto descaracteriza o espaço urbano, desestimula o hábito de manter os espaços físicos públicos. A pichação é uma poluição visual, isso é diferente do grafite, que é uma arte. O piche não é arte, é uma manifestação de grupos”. Ele se preocupa ainda com a pichação em prédios históricos na cidade. “Quando ele faz isso em um edifício histórico ele está, em realidade, prejudicando toda uma coletividade. A escola Maria Constança é um exemplo. Passar lá no muro branco e pichar o muro branco pra eu me comunicar com um grupo que não mora ali, que passa por ali, é um ato de rebeldia em um patrimônio público. Declarar que ‘ah, não gosto da cidade bonitinha’, isso não é um problema meu”.