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Dos CIAMs ao Team 10

Dos CIAMs ao Team 10

Durante o período entreguerras, Le Corbusier era mais purista. Dos anos 30 aos 40 ele cria um tipo de diálogo com apego à textura e densidade que não se pode perceber na época antes de 30. Um ponto é que ele começa a viajar para fora da Europa, o que despertou percepções com relação a lugar, elementos naturais, acessibilidade material (não tão forte, mas existente). Em meados dos anos 50, é possível observar certa ambiguidade e indecisão em suas obras, ele deixa as marcas da construção no concreto, fica mais rugoso, da forma “natural” que a tecnologia permitia.

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A Maisons Jaoul em Paris (1951 – 1955) de Le Corbusier é projetada com abóbadas, refletindo um pouco da arquitetura vernacular, materiais como tijolo (sem rebaixo), madeira de compensado naval e o uso de mão-de-obra de imigrantes argelinos (não qualificada) aponta para uma tentativa de pensar a arquitetura para o lugar onde ela se insere. Os traços tradicionais incorporados no método modernista não desqualificam a obra, pelo contrário. Ele expõe a tensão da sacada em balanço, ou seja, não esconde as forças atuantes. O interior da Maisons é moderno e cheio de acabamentos.

Em seu projeto da Notre-Dame du Haut – Ronchamp (1950-1955) Le Corbusier se renova, o projeto era livre, as únicas questões trazidas pelo cliente foi a dificuldade de transportar água até o topo da colina e uma estátua da Virgem Maria, em madeira, que havia “sobrevivido” a um incêndio durante os bombardeios sofridos no local durante o nazismo.

Dessa forma, Le Corbusier projeta captação de água da chuva pelo telhado de formas sinuosas para resolver a questão da água. A capela possui formas orgânicas, paredes curvas, janelas aleatórias e desalinhadas, com diferentes dimensões e formatos, tal fator junto com as paredes super grossas e a cobertura independente da vedação, deixando um vão de 10 centímetros por onde passa a luz, resultam em um jogo de iluminação interna muito interessante que passa a sensação de transcender. Para resolver a questão da Santa, o arquiteto cria dois ambientes, uma capela externa e uma interna, usando a mesma parede, onde, na parte superior, se encontra a escultura com mecanismos que possibilitam sua rotação, para que pudesse se voltar tanto para a capela externa quanto para a interna dependendo da necessidade e interesse dos usuários. Tal obra foi muito criticada por ser algo inesperado vindo de Le Corbusier, mas o que faz dela tão interessante é exatamente essa característica, pois expressa a ousadia do arquiteto mesmo após tantos anos de trabalho. Na Índia, Le Corbusier é convidado a projetar Chandigarh em 1950 – 1965. O que seria o centro da cidade. Dessa forma, foca a atenção nos edifícios que compõem o core. Entre eles o Secretariado (1951-1958); a Assembleia (1953-1961) e a Alta Corte (1951-1955). Observa-se a racionalidade mecânica, outro fator importante é a preocupação com o lugar, ele não descarta o passado e passa a dialogar com coisas novas. Ainda seguindo essa tendência à percepção do lugar, ele projeta a Shodan House em Ahmedabad, Índia (1951-1954), onde há maior preocupação com a composição climática. E o projeto de uma Associação também em Ahmedabad (1951- 1954) expressando sua preocupação com o controle climático a partir de brises e filtros de chuva e a relação harmoniosa com o espaço onde se instala a obra.

No Brasil houve o experimentalismo formal em meados de 50 por Niemeyer.

Declaração de La Sarraz e os CIAM

Os Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAM) surgiram para definir objetivos comuns necessários para a arquitetura.1928 é marcado pela crise na Europa central que abre espaço para a ascensão dos regimes autoritários de extrema direita fascismo e nazismo. Os CIAM tiveram três fases notórias: a primeira, entre 1928 e 1933 foi protagonizada por arquitetos alemães com ideias de esquerda; a segunda, até 1947, onde se destacam as ideias de Le Corbusier; e a terceira, até 1956, quando se iniciam as críticas aos modelos até então seguidos, quando as discussões acerca das necessidades emocionais do ser humano com relação ao lugar e as soluções arquitetônicas para tais questões. As experiências particulares dos arquitetos nem sempre refletiam o pensamento coletivo. Em certos momentos as discussões nos CIAM foram tão acirradas que tornaram-se intoleráveis, não chegando a conclusões coesas.

CIAM I – Declaração de La Sarraz, Suíça 1928. Esse congresso serve para definir vários objetivos para a arquitetura moderna. Devido à destruição das cidades no pós primeira guerra, dão ênfase maior à produção industrial em larga escala a fim de resolver o problema pós guerra. Foi um grito contra o academicismo. Ideia de supressão de desejos individuais para o coletivo ganhar. A Declaração coloca o arquiteto acima do Estado, devido a grande demanda por construções como consequência da destruição das cidades pós primeira guerra mundial. CIAM II – Die Wohnung Für das Existenzminimum (unidade mínima de habitação) – Frankfurt-am-Main, 1929. Surge a ideia de célula de moradia devido aos debates sobre o mínimo necessário para se viver. CIAM III – Rationelle Bebauungsweisen (desenvolvimento racional do lote) – Bruxelas, 1930. Surgem questões como a massificação da cidade, a quadra, o lote, os espaços entre os blocos para promover boa ventilação e insolação nas edificações. CIAM IV – Die Funktionelle Stadt (a cidade funcional – carta de Atenas) (Marseilles FR) Atenas, Grécia, 1933. Publicação e difusão da Carta de Atenas. Nesta edição Le Corbusier passa a se destacar. O pensamento funcional é introduzido à escala da cidade. A divisão da cidade por funções (moradia, trabalho, lazer...) com espaço, insolação e áreas verdes, é debatida como a mais interessante para resolver as necessidades humanas. O contexto pós gripe espanhola trouxe estratégias racionais visando a diminuição dos impactos em momentos como tal, ou seja, espaços arejados, com iluminação e ventilação naturais ganharam destaques no pensamento racional. A Carta de Atenas é publicada 10 anos mais tarde, após a segunda guerra mundial, sendo um elemento importante para a reconstrução das cidades europeias. CIAM V – Logis et Loisirs (habitação e lazer) – Paris, 1937. CIAM VI – Reafirmação de Objetivos, Bridgwater, Inglaterra, 1947. Reafirmação dos CIAM. Após a segunda guerra mundial, a nova geração de arquitetos começa a questionar a racionalidade dos CIAM. Aldo van Eyck critica o “mecanicismo” (funcionalismo) na arquitetura, ideias que influenciam as ideias de J. M. Richards sobre o “homem comum” com base emocional, que não é especialista. Dessa forma,

novos objetivos são definidos: “Trabalhar para a criação de um ambiente físico que satisfaça as necessidades materiais e emocionais do homem e estimule seu crescimento espiritual”. Entra em debate as necessidades subjetivas do homem, das quais a materialidade não é capaz de suprir, procura-se complementar o funcional com o emocional, nesse primeiro momento. CIAM VII – La Grille CIAM (sobre a cultura arquitetônica) – Bergamo, Itália, 1949. Procura discutir o “habitar”. Cria-se um documento quantitativo, uma tabela para organizar as funções da cidade, de forma a pensar as funções através dos diversos temas. CIAM VIII – The heart of the City – Hoddesdon, Inglaterra, 1951. O coração da cidade: a cidade tem um centro. A cidade funcional dividida em zonas necessita de um espaço central para reuniões. A ideia de encontro volta a ser importante, a arquitetura deveria pensar e criar espaços que permitissem o encontro. O plano de massas debatido no CIAM III era baseado em uma visão do espaço onde a perspectiva do olho humano estava ausente, gerando espaços ineficientes. CIAM IX – Aix-en-Provence (habitar), França, 1953. Carta do Habitat: Habitat, Cidade, Cultura e Práticas Cotidianas. O habitat é entendido além da concepção do espaço e seu uso, é a vida, o cotidiano, as práticas e vínculos comunitários que acontecem no espaço. É debatida a criação de espaços urbanos complexos e densos que possibilitam a interação. Pensar a cidade de acordo com suas práticas culturais. O arquiteto deixa de ser o sujeito que detém do conhecimento e que irá instruir os governos. Passam a experimentar o espaço a fim de conhecê-lo antes de projetar. Interações no lugar de reparações. Procuram aprofundar os debates visando a elaboração de um documento síntese sobre as questões do habitat. CIAM X - Carta do Habitat - Dubrovnik, Iugoslávia, 1956. E TEAM X: Identidade, lugar e cultura. A nova geração de arquitetos protagoniza as reuniões: Alison e Peter Smithson, Aldo van Eyck, Georges Candilis, Shadrach Woods e Jacok Bakema (Le Corbusier se afasta e manda uma carta) buscam pensar respostas para as questões do habitat. A fim de sintetizar as ideias para a arquitetura e o urbanismo com base na realidade presente.

O cenário pós segunda guerra mundial é composto pela ideia de homem real, que ocupa as ruas e habita as cidades. Há preocupação com o emocional, as necessidades subjetivas que o materialismo não supre. Enquanto que no CIAM de 1928 foi falado para suprimir as ideias individuais em prol dos coletivos enquanto que no pós guerra esse discurso muda completamente.

Continuação dos CIAMs ao Team 10

Por muito tempo, os CIAM procuraram respostas às questões da cidade na mesma estrutura de organização, com algumas mudanças internas pontuais. De forma que, o pensamento sobre funcionalidade fosse evoluindo com o tempo e a funcionalidade pragmática deixou de ser um dogma. Ou seja, os espaços nem sempre exercem a função a qual foram dados primeiramente. Durante a década de 50 as críticas ao modernismo visam superá-lo.

A cidade funcional não possui centro, portanto a retomada do centro da cidade é colocada em debate. O coração da cidade como local de encontro. A discussão acerca do centro urbano ou falta dele e a quebra da monofuncionalidade, pois a cidade é viva, o uso misto é um fator indutor de uma certa vitalidade urbana. O centro naquele momento é denominado CORE pelo CIAM. A ideia de core é pensada como um centro cívico, com os poderes, o fórum como espaço para reuniões cívicas. O CIAM de 1951 coloca um pouco a ideia de um novo humanismo. Uma cidade que dê conta das necessidades humanas, buscando pensar a cidade para uma experiência de cidade de fato, a vida nas ruas, a vitalidade. Critica o tecnicismo e coloca as qualidades humanas em perspectiva.

Tal transformação indica uma mudança sensível, de valores, que focam nas relações do sujeito com dimensão sensível. A ideia era dar mais vitalidade ao desenho urbano a ser criado posteriormente. Há grande reflexão sobre a ideia de habitat com a carta do habitat. Começam as questões sobre qual é a noção de habitat. A espacialidade deixou de ser o foco, passam a pensar a cultura, os vínculos cotidianos, a vida na cidade. Consideram as sobreposições entre usos e escalas, pensando em criar espaços urbanos mais complexos que pudessem transmitir e possibilitar maior dinâmica na vida urbana.

As particularidades de um lugar estão relacionadas aos seres que ali habitam, ou seja, a cidade histórica que está ali tem suas peculiaridades, não existe o homem universal, existem ideias universais. Cada lugar é único e tem suas particularidades. A arquitetura tem que propiciar essas trocas no lugar.

A arquitetura moderna possui um traço peculiar, o arquiteto tem que explicar para o homem como e onde ele deve habitar, cada coisa tem seu espaço para ser feita. A resposta a isso no pós guerra é entender a complexidade da cidade que vai muito além da mecanização e funcionalidade da vida. A realidade demanda acomodações e soluções que fogem ao dogmatismo. Dessa forma, os CIAM cada vez mais não conseguiam responder às necessidades com a estrutura padrão que tinham, sendo necessária uma ruptura de ideias e adaptações.

A função continua existindo, ela é necessária na arquitetura, mas a ideia é projetar espaços mais mistos, mais complexos onde há possibilidade para a espontaneidade da vida, espaços não estritamente funcionais, espaços flexíveis, que tenham a mesma vitalidade que as cidades demonstram.

A Grelha dos Smithson é um contraponto direto ao modelo da grelha do CIAM da Carta de Atenas, as categorias e termos técnicos são substituídos por termos não técnicos que aproximam o arquiteto e urbanista do espaço a ser pensado. A relação de pertencimento acontece por escalas de aproximação. Dessa forma, os arquitetos

adotam um olhar mais subjetivo com relação ao espaço. Os Smithson respondem a mesma pauta de forma diferente da dos CIAM.

O fim dos CIAM e início do Team X, cujas reuniões acontecem entre 1956 e 1983, eram encontros informais, sem estrutura hierárquica, onde não havia pretensão de divulgar um documento elaborado ao final com dogmatismos estipulados para os arquitetos, pelo contrário, haviam variações de ideias. É importante ressaltar que os arquitetos dessa nova geração foram formados pelos mestres modernos e por isso ainda carregavam vários conceitos da arquitetura moderna de vanguarda, mas com interpretações que se traduzem no projeto de formas diferentes.

Em meados dos anos 50, o movimento contracultura e geração Bitch nos EUA ganham espaço. São movimentos não desconexos, mas também não esquematizados. É uma “ebulição” social e cultural do movimento contracultura. A própria ideia de “jovem” está ligada aos anos 50 para frente no pós guerra e como os Team X se relacionam com cultura pop europeia. No final de 1968 na França dizem: “não acredito em nada anterior”. As discussões que eles colocam vira pauta para as práticas posteriores. A ideia de uma cultura que cuida do lugar menor. Sempre com a ideia de associação.

A cena britânica no pós-Guerra

A cena britânica no pós-Guerra era de uma grande falta de recursos materiais e devastação com a destruição que a guerra trouxe. Um olhar que se aproxima das ciências sociais vão pautar as discussões do Team X. A ideia era romper com o conceito de separação funcional estrita que vinha dos primeiros CIAM e a lógica de planejamento urbano. Le Corbusier faz uma crítica sobre o “caminho dos burros” visto que, racionalmente, para ir de um ponto a outro, o mais funcional seria uma linha reta, mas não é assim que os caminhos se formavam, eles seguiam uma estética e não a lógica da grelha moderna regular muito recorrente nos anos 50. Que era profundamente criticada logo após sua aplicação na reconstrução pós guerra.

A ideia de racionalidade e cidade funcional era baseada em se locomover, trabalhar, habitar e o lazer. Os arquitetos então vão organizar a cidade em um gradiente de escalas: do mais individual e privado - a casa; seguindo pela rua - onde ainda se tem certo conhecimento e individualidade; passando pela escala do bairro - onde também se encontram traços pessoais de cada indivíduo; até chegar à cidade em si - que é entendida como a junção dessa pluralidade. Tal escala de proximidade é vista como mais importante do que a funcionalidade para os arquitetos desse período, portanto procuram criar a partir do projeto, situações e espaços que privilegiem as relações criadas nessas etapas, permitindo a identidade e sensação de pertencimento nas cidades. A arquitetura é pensada na escala da cidade e se une com o plano, se diluem em uma mistura entre os espaços privados e públicos gerando um todo único. Pensam como se daria as expansões urbanas se o planejamento interferir o mínimo possível nos espaços pré-existentes. Começam também a se interessar pela arquitetura dos trópicos como uma forma de investigação de como solucionar as questões bioclimáticas na arquitetura de lugares quentes. Desenvolvem essas ideias, experimentam em projetos (nem sempre construídos) e as repensam várias vezes. A exemplo de experimentação há projetos no norte da África, como o caso de Chade. Territórios coloniais franceses no norte da África até os anos 60 serviram de espaços de experimentação dos “novos” modelos desenvolvidos pelos arquitetos. No contexto colonial ou se ignorava completamente o território pré existente e as arquiteturas ou se fazia um espaço separado em estilo europeu, cidades jardins, onde o poder colonial se instalava, formando duas estruturas autônomas entre colonos e nativos.

O Chade, país no deserto do Saara, ao norte da África, foi um espaço de experimentação. Fazem propostas para a região onde apresentam o habitat nativo tradicional com uma proposta nova, criando uma conexão entre as duas condições de existência. O projeto possui cunho arquitetônico e político, mas não foi construído. Alison e Peter Smithson apresentam a ideia de Cluster - caule/tronco, que são estruturas centrais que articulavam elementos secundários. Nesse sentido, a estrutura urbana se diferencia do planejamento urbano racional histórico, formando uma ideia diferente de pensar a cidade onde ela seria um produto da arquitetura e não a arquitetura que chega para a complementar. A perspectiva de crescimento e expansão da cidade moderna na grelha era de possibilidade de crescimento “infinito”. Na nova lógica também há essa ideia, mas não como repetição da estrutura quadrangular como se vê muito nas cidades americanas. Mas sim a criação se daria seguindo um ritmo “natural” do desenho irregular. É um

crescimento previsto, mas não limitado territorialmente, existe uma lógica de conceito aberto. Surge também o conceito de Web, sendo uma estrutura urbana permeável que segue certa repetição pelas atribuições que cada edifício desempenha, que se interligam formando uma rede (web) com coesão externamente e mais “livre” internamente, tanto esteticamente quanto funcionalmente com o programa interno. A estrutura em web se desenvolve em uma malha/rede que se expande horizontal ou verticalmente. Permite desenvolvimento ilimitado, mas permite homogeneidade. Possui muita repetição dos elementos, variando as escalas e criando ambientes que possibilitam o crescimento.

Tal conceito foi usado na proposta da Universidade Livre de Berlim, onde cria vários tipos de ambiências, alguns abertos, outros fechados, procuram simular a complexidade do surgimento e uso dos espaços. Possui espaços maiores, menores, jardins que são acessíveis por caminhos e espaços que eles delimitam. Ao passo que o projeto é permeável/poroso, é também muito fechado externamente. Seguindo essa forma de pensamento, procuram planejar o crescimento espontâneo, porém entra em contraste, pois o espontâneo não pode ser planejado, já que a ideia de desenvolvimento espontâneo não está relacionada à planejamento e sim ao crescimento natural, ou seja, essa forma delimita como será o crescimento espontâneo, o que o torna planejado e não “natural”. Essas ideias se cruzam futuramente com as megaconstruções.

A praça e o parque europeu são mais contemplativos da paisagem, (os instrumentos urbanos nesses espaços são pouco usados e difundidos) o sujeito não possui muita interação com o espaço, são espaços de contemplação, mas van Eyck, quando atua como arquiteto na prefeitura de Amsterdã, faz uma série de propostas utilizando espaços vazios e os transformando em espaços de lazer ativo, possibilitam maior interação, principalmente para crianças. A materialidade também é explorada de forma interessante, como por exemplo quando usa troncos de árvores em sequências dando formas e volumes à praça e possibilitando espaços de permanência. Esse tipo de experimentação vai além do funcional e das ideias dos CIAMs do pré guerra.

Outra ideia formulada nos anos 60/70 foi o Mat-building (edifício esteira) que possui desenvolvimento horizontal e ambientes modulados e organizados entre si, tal modelo foi aplicado por van Eyck à Universidade Livre de Berlim e o orfanato Aldo van Eyck. Ambos os projetos são bem distintos entre si em escala e propostas, mas possuem um ponto comum, a intensa diversidade interna espacial e formalmente. O orfanato possui uma estrutura angular que ancora o projeto com espaços pontuais como salas de aulas, pátio interno, etc. novamente a ideia de uma trama que se desenvolve horizontalmente. Bem visível a ideia de modulação, produção seriada, montagem e pré fabricação, além da riqueza cromática e de materiais. Parte da premissa de pensar a escala de acordo com a necessidade do usuário. Ou seja, o orfanato é pensado para um público infantil, portanto possui dispositivos que instigam a apropriação, permite maior sensação de pertencimento para o sujeito e instiga à explorar o espaço, é um projeto que foge aos “depósitos de criança” mais comuns, no caso, elas assumem um protagonismo do espaço, garantindo uma forte relação e interação do projeto com o usuário. A lógica de van Eyck é a mesma, mas ele utiliza de diferentes aparatos para a consolidação dos projetos a fim de tornar o ambiente convidativo para a apropriação.

Ao fim da segunda guerra mundial diversas cidades estavam destruídas, era preciso reconstrução física e econômica. Muitos países invadidos pela Alemanha tinham sua economia revertida para economia-de-guerra. Dessa forma recuperar a

economia e os outros sistemas era uma grande demanda. Nesse período educação, saúde e segurança deixam de ser mercadoria e se tornam um direito. O nível de desemprego estava alto. As políticas de bem-estar social fizeram-se necessárias até mesmo nos governos da direita tradicional. Nesse sentido, a indústria da construção civil foi muito importante, visto que, eram necessários projetos para as obras públicas. O Estado britânico passa a ser um grande agente de demanda da produção arquitetônica para atender às necessidades coletivas, com projetos de escolas, hospitais, habitações sociais, entre outras, por isso muitos arquitetos trabalharam para LCC (órgão responsável por governar Londres) refletindo em um maior engajamento nas questões políticas, diretamente ou indiretamente por meio da arquitetura.

O Festival Britânico de 1951 marca a retomada da economia com uma Feira que apresentava as novidades tecnológicas e novas mercadorias utilitárias. A arquitetura produzida pelo LCC, apesar de seu traço racional, era vista pelos Smithsons como muito tradicional, a ideia de que a arquitetura antiga e a contemporânea dividiam o mesmo espaço irá proporcionar o novo empirismo com uma certa recusa a arquitetura moderna.

O Realismo socialista: o Partido Comunista era quem promovia as transformações e não os construtivistas. A arte moderna dos construtivistas não era entendida pelos trabalhadores e por isso, os alienava, ela era vista como degenerada e elitizada. Dessa forma, o realismo socialista restaurou a arte neoclássica como oficial do governo. A pintura passou a ser retratista enaltecendo a grandiosidade do governo. Surge o questionamento: “como fazer arquitetura coletiva com linguagem tradicional se isso não existia antes?”

Os anos 50 retrata uma grande dualidade. De um lado os Smithsons contra a arquitetura moderna, de outro, no contexto britânico, eram eles que defendiam a arquitetura moderna por se recusarem a fazer a arquitetura “tradicional” vista como populista.

Após o fim da segunda guerra, a volta dos soldados, gera muitos casamentos e muitos filhos (baby boom), então era preciso promover habitações.

Se aproximar da realidade torna-se uma dimensão ética. O homem comum. A banca de revistas é a porta para o mundo contemporâneo. A rua propiciando o encontro será uma das chaves para pensar os projetos, a ideia dos encontros que a circulação propicia será levado para dentro dos edifícios. As instalações aparentes devem evidenciar como os mecanismos acontecem. Não é a arquitetura moderna para os especialistas, mas sim feitas para o homem comum. Os Smithson e o contexto inglês no pós segunda guerra fermenta uma série de questões com origem no contexto inicial durante a guerra e mudanças no pós, no contexto espacial e principalmente social. A ideia de liberdade crescendo nesse período e a busca pelo novo no pós segunda guerra mundial.

A geração pós segunda guerra é marcada fortemente por uma difusão de uma série de ideias existencialistas (genericamente). Principalmente a ideia do cultivo e busca da autenticidade, supõe uma relação do sujeito com o mundo que procura se confirmar em sua dimensão concreta, como uma tomada de consciência, quanto mais o sujeito tivesse essa relação direta com a realidade que ele vivencia de maneira tátil, mais plena sua consciência seria, estando mais apto a uma vida mais plena.

Alison e Peter Smithson pertencem a essa nova geração com um certo teor existencialista, batendo de frente com a geração de Le Corbusier. Então quando os Smithson fazem a escola em Hunstanton, procuram trazer essa ideia de se apropriar

do mundo de maneira mais plena, sob uma perspectiva de uma relação mais autêntica com o mundo que se dava pelo domínio do entorno. Muito explorado pelos Smithson na ideia de representar a realidade tal como ela se apresenta, como uma ideia realista, o novo brutalismo, apresentando a realidade em sua própria natureza, sem ilusões e dissimulações. Explorar a realidade de forma estética e também carregada de sentido, dessa forma, possibilitando dar ao sujeito um domínio maior da realidade no contexto que está inserido. Busca despertar o sujeito por meio da desfamiliarização (trazendo algo novo ou de uma nova forma inserido em um espaço ou ideia já existente e comum, fazendo com que a atenção se volte à esse elemento novo.) mostrando as coisas como elas são (como mostrar o caminho da água nos banheiros). Confirma uma abordagem estética e ética, pois tem o compromisso de trazer o sujeito para a realidade que ele vivencia.

Busca de autenticidade. A relação se constrói entre o sujeito e o mundo material no existencialismo, perspectiva tátil. Supõe uma relação do sujeito com o mundo de forma mais direta com a realidade que ele vivencia, mais apto a uma vida mais plena. Domínio do entorno que as pessoas habitam. A ideia de trabalhar com a realidade tal como ela é, sem ilusões, dissimulações. Vai se confirmando no conceito de realidade “tal como encontrada”.

Desde o cubismo na década de 10, com Picasso, já supunha uma apropriação da realidade querendo criar uma conexão entre a obra e a realidade do mundo no qual esta obra está inserida. Tentativa de trazer a realidade como ela é.

Golden Lane: O projeto tinha intenção de ser uma crítica à Ville Radieuse e ao zoneamento das quatro funções, entretanto os Smithson se prenderam a um processo de racionalização ainda com muita relação com os projetos corbusianos, era uma lâmina mesmo que “quebrada”, que não dialoga com o pré-existente. A dimensão ética ali estava em dialogar com a realidade (até o edifício semidestruído é incorporado) mas não tinha ligação histórica. O projeto tem muita influência das obras de Henderson, nessa época o casal frequentava bastante a casa do artista e mantinha uma relação com suas obras que tinham a vida das ruas como tema.

Golden Lane: o projeto tinha a intenção de ser uma crítica à Ville Radieuse e zoneamento das quatro funções, porém, os Smithson acabaram por entrar em um processo racionalista, com uma lâmina “quebrada” que apresenta relação formalmente (incorpora o edifício destruído no projeto) mas não historicamente com a área devastada de Londres onde se situa. É um edifício que se coloca diferente, não dialoga com a cidade. Chega a ser um raciocínio bem moderno. Ao mesmo tempo que querem se distanciar do modernismo, a resposta da criação é bem modernista. A estrutura exposta da escola é meramente estética. A Golden Lane não foi construída, mas ela fica como um estudo de cultura urbana.

O Golden Lane tem uma relação oblíqua com a cidade. Ele tenta incorporar os resquícios do que tem ao redor, incorpora o ponto de vista da forma, não da arquitetura. Não tem uma ligação com a história, se relaciona com o que está ativo, o que foi destruído não é incorporado. A rua como elemento estruturador urbano é muito importante, mostra as pessoas exercendo funções, grande elemento urbanístico.

A Robin Hood Gardens é projetada nos anos 60 e construída até os anos 70, em um momento onde a arquitetura moderna e o espaço de moradia já havia sido muito criticado. É demolida em 2017. Trazia a ideia de “Streets in the Sky”, que eram ruas elevadas. Os métodos não se distinguem muito de Marselha, pré fabricados, produção industrial, padronização de peças, etc. Mostra a intenção de potencializar os espaços de circulação como ativos na sociabilidade comunitária. Criam camadas

internas no conjunto tentando criar um core, formando uma área de convívio e lazer em uma espécie de morro feito com restos da construção. Alguns traços da Robin Hood Gardens remetem levemente à Golden Lane. A solução dos Smithson de ruas elevadas é muito difundida e utilizada na Grã Bretanha, mas ao mesmo tempo essas soluções acabam gerando uma série de críticas devido á insegurança dos espaços que essas tipologias criam. Á exemplo, o filme Laranja Mecânica se passa nos edifícios comunitários/habitações sociais dos anos 50 e aponta de maneira negativa a abertura para gerar espaços perigosos e mal vistos nessas soluções urbanas. Se a princípio a ideia era criar espaços seguros para convivência social e o lazer comunitário, essas ruas elevadas criavam espaços propícios para delitos.

O Brutalismo ou Novo Brutalismo tinha um cunho ético e estético ligado ao fato de se projetar baseando-se na realidade, surge com um toque sarcástico, de autodepreciação. Assim como o cubismo surge como uma perspectiva crítica.

Uma série de projetos nos anos 50 e 60 trouxeram o conceito de urbanismo em camadas e o “urbanismo vertical”, fazendo divisões entre os usos, para que pudessem circular carros nas ruas e os pedestres em outra camada acima, criando um tecido regular sobreposto. Serviu de estudo para críticas sobre a vida urbana.

Sede do Jornal The Economist foi um projeto dos Smithson, apresentando uma linguagem brutalista, a proposta era criar um espaço único. A ideia dos Smithson era quebrar os espaços, implantam o edifício maior ao fundo do terreno, os pés-direitos possuíam diferentes alturas para dialogar com o entorno, elevam a praça com relação ao nível da rua, e fazem o acesso por rampas e escadas. A ideia era ser um projeto a ser replicado pela cidade a fim de criar uma grande malha caminhável acima do nível da rua.

Uma estratégia de Vanguardas é o intuito de ganhar visibilidade, a grande proposta das vanguardas dos anos 20 é de diluir a arte na vida, criando um embaralhamento onde não há hierarquia entre vida e arte, uma não quer transformar ou limitar a outra, mas estão relacionadas e podem coexistir. Os Smithson se definem como uma Vanguarda, participaram da exposição Parallel of Life Art Exhibition - Institute of Contemporary Art (ICA) em 1953, em sua exibição colocam várias imagens, elementos gráficos, recortes de livros infantis, revistas, cadernos escolares, etc. expostas de forma não ordenada, algumas penduradas, como em uma banca de revistas, com a intenção de envolver o observador em sua proposta de o quanto a arte está relacionada com a vida. De maneira geral essa é uma estratégia comum da Cultura Pop, ou seja, embaralhar esses âmbitos do cotidiano e caldo de culturas que começam a aparecer no pós guerra como um todo. Incluem elementos diversos da cultura em ebulição desse período.

Os Smithson criam The House of the Future em 1956 para uma exposição de um jornal, com o intuito de mostrar a casa ideal do futuro, na qual montaram uma estrutura monolítica de plástico, com inovações futuristas, tais quais banheiro auto limpante, controles remotos, eletrodomésticos, com espaços retráteis e outras ideias que apontavam para uma grande curiosidade e entusiasmo pela ideia de futuro que seria em 1981. Seis meses depois os Smithson fazem a exposição “This is Tomorrow” e montam um pavilhão específico “patio and pavillion”, onde o pátio era entendido como um lugar no mundo e o pavilhão era o lugar do sujeito no interior desse pavilhão e nesse espaço estivesse presente o essencial para uma perspectiva do amanhã, coisas importantes para o futuro, de maneira simbólica, feito de madeira prensada e uma chapa metálica como cobertura, repleto de imagens e outras simbologias no interior. Carregando uma mensagem otimista com relação ao futuro enquanto a House of the Future seria entendida mais como uma apologia ao excesso da sociedade de

consumo nos países desenvolvidos no pós segunda guerra. As exposições apontam para duas formas de ver o futuro, a primeira apresenta uma ideologia pop de como poderia vir a ser o futuro, e a segunda com resquícios de casas formando casas. Esses dois tipos coexistem, uma não anula a outra, existe a tecnologia, mas também existe a falta dela no mundo contemporâneo.

The Sugden House do Smithson aponta para traços vernaculares com detalhes modernistas, uma tipologia de casa de campo da classe média inglesa. Ela aparenta algo mas é muito mais complexa. É uma releitura crítica da casa tradicional. Há um contraponto entre imagem externa, com a fachada trazendo aspectos convencionais e o interno, onde o interior não dialoga com os traços tradicionais, a ambientação é diferente do usual vernacular. Mas a visão dos Smithson sobre esse projeto é de uma moradia do homem comum, onde os materiais são tradicionais, mas é utilizado de uma maneira não convencional.

De maneira geral, os Smithson capturam o momento de forma forte, são contraditórios, a dimensão de elementos e materiais que podem ter um passado, mas estão presentes da mesma forma que querem fazer o presente e negar o passado, os projetos induzem a uma análise crítica e reflexão. O mundo do séc. XX não é igual ao mundo do séc. XIX. Se abrem para a realidade do mundo como ela é.

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