REPORTAGEM
HERÓIS DOS GRAMADOS TEXTO: FRANCISCO
RIBEIRO
No futebol, eles são como deuses: têm tanto o poder de transformar o resultado de uma partida quanto o de despertar a paixão da torcida. E é no campo, com a bola no pé, que são capazes de mostrar por que no futebol, mais do que em qualquer outro esporte, eles se revelam tão imprescindíveis. Consagrados pelos gols que marcaram ou por jogadas inesquecíveis, muitos dos craques alagoanos brilharam não apenas nos campos do estado, mas em diversos clubes brasileiros e até internacionais. A Graciliano foi em busca das histórias desses campeões
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Bruno Miani - ZDL Em campo, a alagoana Marta é comparada a craques como Pelé. Sua habilidade com a bola é saudada no mundo inteiro
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o Sertão nordestino, o minúsculo município de Dois Riachos é semelhante a tantos outros pelo Brasil afora. Com apenas 12 mil habitantes e distante 245 km da capital alagoana, nasceu ali sua cidadã mais ilustre e que tornaria a cidade conhecida em todo o mundo: Marta Vieira da Silva, a jogadora Marta. Única atleta a vencer o prêmio de Melhor Jogador de Futebol do Mundo pela Fifa por seis anos, entre 2006 e 2011, foi ainda a pessoa mais jovem a recebê-lo pela primeira vez, aos 19 anos. De lá pra cá, Marta conta, em entrevista exclusiva à revista Graciliano, que “muita
vitalidade e alegria para jogar e se emocionar. É um exemplo para todos nós, atletas, homens e mulheres”, disse Lionel Messi, durante a cerimônia da Bola de Ouro Fifa, em 2011. Ao lado de Marta, vencedora pela sexta vez, ele recebeu o prêmio na categoria masculina. Antes do estrelado, a jogadora passou a infância nas ruas pacatas de Dois Riachos, que se enchem de visitantes nas poucas datas que compõem o calendário festivo local, a exemplo da emancipação do município e da festa do padroeiro São Sebastião e de Nossa Senhora da Saúde. Outra ocasião especial
coisa mudou” em sua vida. “Ganhei vários apelidos, como, por exemplo, Pelé de Saia, Rainha Marta, Marta Maravilha e outros mais”, brinca, ressaltando o peso da sua reponsabilidade: “Onde chego, sou cobrada bem mais que as outras jogadoras e para todos tenho que estar sempre em alto nível. E isso, de certa forma, é complicado”, confessa. A atacante revela que o seu maior orgulho foi driblar e vencer os obstáculos e os preconceitos que surgiram em seu caminho por ser mulher, nordestina e pobre. “Ela é incrível, insuperável. Começou tão jovem e ainda tem tanta
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que movimenta a pequena cidade acontece quando os times locais disputam os campeonatos de futebol municipais e intermunicipais do Sertão alagoano. As três maiores forças do futebol doisriachense são o União São Sebastião, o Pedra do Padre e o CSA Roberto. Foi neste último (e não no clube maceioense, como já noticiado) onde Marta, aos 12 anos de idade, teve a oportunidade de calçar as primeiras chuteiras – maiores do que seus pés – pela primeira vez. Filha de pais divorciados, a atleta acostumou-se a ver a família passar por dificuldades. A renda de sua mãe, dona Tereza, não dava conta de manter a casa e sustentar seus quatro irmãos. O caçula precisou trabalhar aos 12 anos para ajudar nas despesas. “Eu vivi uma infância muito feliz, apesar de ter sido criada sem a presença dos meus pais, pois o meu pai separou da minha mãe quando eu era bebê, e minha mãe trabalhava muito para termos o que comer e, normalmente, só nos encontrávamos à noite”, recorda a jogadora alagoana. Ainda criança, a coisa que Marta melhor fazia era jogar futebol com seus primos e amigos num campinho de terra improvisado, próximo à casa onde morava. Com a bola no pé, conta, ela esquecia a realidade difícil em que vivia.
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Foi já naquela época que percebeu a dificuldade a ser enfrentada por praticar um esporte predominantemente masculino. Certa vez, o técnico de um time rival de Alagoas exigiu que ela tirasse sua roupa para provar se era realmente uma garota, tamanha era a sua habilidade. “Precisei engrossar com os caras para não fazerem aquele absurdo”, disse José Júlio
para enviar à mãe, em Alagoas. “Participamos do Campeonato Brasileiro Sub-19 e fomos campeãs em 2001. Fui eleita artilheira e melhor jogadora. A partir dali, as coisas foram mudando e logo subi para o time profissional e depois para a seleção adulta”, conta. Após dois anos no Rio, as atividades do time feminino do Vasco foram encerradas e ela
Sentia falta de casa, da família, dos amigos, mas nunca passou pela minha cabeça largar tudo e voltar”, diz Marta de Freitas, o Tota, de 70 anos, primeiro técnico de Marta, em entrevista à revista Fut!. Em 2000, aos 14 anos, a futura melhor jogadora do mundo mobilizou seus amigos e familiares para ajudá-la a comprar uma passagem até o Rio de Janeiro, onde entrou para o time feminino do Vasco da Gama. Seu talento começou a chamar a atenção das colegas de equipe, que lhe apelidaram de Pelé de Saia. “Lá, eu encontrei meninas que já atuavam na seleção brasileira. Eu estava muito determinada do que queria. Sentia falta de casa, da família, dos amigos, mas nunca passou pela minha cabeça largar tudo e voltar”, revela. No Vasco, Marta começou na categoria sub-19. Dos R$ 200 que ganhava, tirava R$ 60
ficou sem emprego. “Naquele momento, senti medo e pensei: ‘Será que cheguei até aqui para voltar à estaca zero?’. Mas Deus sempre vem colocando pessoas no meu caminho, pessoas de bom coração, e tive apoio de amigos que me deram o suporte para permanecer no Rio”, recorda Marta. Ficar no Rio era fundamental para que não perdesse a oportunidade de ser chamada para a seleção brasileira. Antes, surgiu o convite para jogar pelo Santa Cruz Futebol Clube de Minas Gerais, onde permaneceria de 2002 a 2004. Em 2003, participou da Copa do Mundo Feminina, nos Estados Unidos, e numa partida contra o Umeå Ik, da Suécia, o presidente do clube europeu ficou impressionado com a atuação da alagoana nos
Em 2009, Marta foi emprestada pelo Los Angeles Sol ao Santos. Ela é grata por ter jogado no time onde Pelé fez história gramados. Poucos dias depois da disputa, ele ligou para Marta convidando-a a vestir a camisa do time que comandava. Em 2004, aos 18 anos, Marta arrumava as malas e partia para um país totalmente desconhecido. “Lá, treinava todos os dias, era muito intenso, o que me ajudou a desenvolver fisicamente e levar uma vida de atleta, exclusivamente para o futebol. Os treinos pareciam jogos e eu sempre buscava mostrar o meu melhor, o que me ajudou muito a ser o que sou hoje e a me tornar uma atleta de alto nível”, conta ela, que precisou vencer também o estranhamento em relação a um país tão diferente do Brasil: “A saudade que eu tinha da comida brasileira e do clima eram as coisas mais complicadas. Mas isso tudo se transformava em motivação quando eu me lembrava de onde tinha saído e aonde eu tinha chegado”. Pelo impressionante desempenho no Umeå Ik, Marta
tornou-se conhecida pela Europa e conquistou diversos prêmios. Entre eles, os títulos do Campeonato Sueco (2005, 2006, 2007 e 2008) e a Copa da Suécia, em 2007. A alagoana também vestiu a camisa da seleção brasileira nos Jogos Pan-americanos de 2007, no Rio de Janeiro, conquistando a medalha de ouro, onde foi artilheira com 12 gols. Em 2008, a equipe foi vice-campeã nas Olimpíadas de Pequim, na China. Um ano mais tarde, em 2009, durante a coletiva de imprensa que antecedeu a premiação dos melhores jogadores do mundo de 2008, Marta anunciou a sua transferência para o Los Angeles Sol, dos Estados Unidos. No clube norteamericano, foi artilheira da Liga Nacional, levando a equipe ao vice-campeonato. No mesmo ano, foi emprestada ao Santos por três meses. No período em que permaneceu no time brasileiro, a jogadora foi campeã da Copa do Brasil e da Copa Libertadores da América. “É difícil falar só uma característica marcante da Marta. Ela é uma jogadora completa: uma qualidade técnica impressionante, um preparo físico ótimo, além de uma postura profissional de primeira. Isso tudo faz com que ela seja a atleta que é”, descreveu o técnico Kleiton Lima, que a treinou no Santos e na seleção brasileira, em
entrevista à imprensa. Ao jogar no time paulista, Marta viu a chance de entrar para a história do futebol feminino no Brasil. “Eu fiquei supercontente em ter tido essa oportunidade, jogar no clube onde o Pelé fez história e onde eu também queria fazer. Foi muito bom. Em todo lugar que chego sou bem recebida. Não há nada tão prazeroso quanto sentir e ver o carinho das pessoas, do povo brasileiro. Aquilo me fez muito bem. Pena que durou pouco tempo e hoje não existe mais essa modalidade no Santos”, lamenta. Em 2010, ela retornou aos Los Angeles Sol. Nos Estados Unidos, também teve passagens pelo FC Gold Pride e Western New York Flash. Desde o início de 2012, a alagoana atua pelo Tyreso FF, da Suécia, em uma das ligas mais organizadas do mundo. Durante a coletiva de apresentação no novo clube, Marta declarou: “Minha carreira começou na Suécia e agora eu quero escrever um novo capítulo. Estou feliz e orgulhosa por estar de volta. Eu tenho muito a agradecer à Suécia”. CENÁRIO DIFÍCIL
Em janeiro de 2012, na ocasião do seu encontro com a presidente Dilma Rousseff, a alagoana Marta desabafou sobre os problemas que o
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Divulgação
Marta durante a cerimônia em que recebeu o prêmio de melhor jogadora do mundo em 2008
Em encontro com a presidente Dilma Rousseff, Marta desabafou sobre a situação do futebol feminino no Brasil. A ausência de uma liga prejudica o esporte
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futebol feminino enfrenta no Brasil. Para ela, o preconceito, a falta de apoio e patrocínio são os maiores obstáculos a serem vencidos. As jogadores brasileiras de futebol, por exemplo, continuam lutando pela criação de uma liga feminina. No entanto, os problemas enfrentados por essa categoria são comuns em todo o mundo. Dos três times por onde passou nos Estados Unidos, apenas Western New York Flash segue operando, e com dificuldades financeiras. No começo do ano, a Liga Nacional Norte-Americana foi extinta e alguns clubes
estão agora estudando como continuar com o campeonato nacional. No Brasil, o Santos, que chegou a conquistar uma Taça Libertadores com a ajuda de Marta, também encerrou a divisão feminina por falta de patrocinadores. A despeito desse cenário nada animador, a atleta alagoana não deixa de incentivar novos talentos a se lançarem no futebol. “É preciso ter muita determinação e acreditar em si mesma, no seu sonho, pois dificuldades irão existir, mas é necessário estar focada e transformá-las em motivação para continuar na luta”, diz a jogadora.
Felipe Brasil
Joãozinho Paulista, um dos maiores ídolos da torcida regatiana
Joãozinho Paulista e a fama de bom goleador Na cozinha do apartamento onde mora João Édson de Barros, um galo-de-campina canta todas as manhãs. Para esse paulista, de 56 anos de idade, o bicho é a demonstração mais explícita da sua paixão pelo CRB, time do qual vestiu a camisa por cinco vezes, e se consagrou como um dos maiores artilheiros da história do futebol alagoano, com uma impressionante marca de 153 gols.
Com exceção de uma foto em preto e branco em que vemos João com sua filha pequena nos braços, no campo do estádio Rei Pelé, são poucos os objetos que indicam que aquele homem esguio, de aparência robusta, já foi um “superstar” dos gramados. Modesto ao falar de si mesmo, ele afirma ter “pouca vaidade”, mas não faz questão de esconder seus grandes feitos dentro de campo.
No XV de Piracicaba (SP), time em que começou sua carreira, aos 14 anos, ele recebeu o apelido pelo qual se notabilizou: Joãozinho Paulista. Ao longo de duas décadas de trajetória profissional, jogou em 21 clubes brasileiros e no Cerro Porteño, do Paraguai, e encheu as redes adversárias mais de 400 vezes, o que lhe rendeu também a alcunha de “João dos Gols”. Aos 12 anos de idade, na
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cidade de Campinas, interior de São Paulo, João já mostrava o seu talento nos rachas realizados pelo time do bairro. Foi naquela época que sua fama de bom goleador nasceu. As pessoas que assistiam às partidas comentavam: “O Joãozinho tem um dom para fazer gol”. Os boatos chegaram ao ouvido do seu tio Antônio, que certa vez o levou para fazer o teste no juvenil do XV
Tudo mudou quando seu pai leu num jornal local uma matéria a respeito de uma partida entre o XV e o Portuguesa Santista, cuja chamada dizia: “Joãozinho, com 17 anos, é o único jogador mais novo no futebol paulista que vai figurar no banco do XV de Piracicaba”. O placar final foi de 1 x 0 para o time no qual jogava e o único gol da disputa foi dele. No dia seguinte, o feito de João
Ainda no começo da carreira, Joãozinho Paulista teve apenas o apoio do tio. Quando marcou o gol da vitória do XV de Piracicaba, o pai se tornaria um dos seus maiores fãs de Piracicaba. No “peneirão” com aproximadamente 200 crianças, apenas 17 foram aproveitadas. Seu nome estava na lista dos aprovados. Pouco tempo depois, João passou a figurar no elenco profissional do clube. Mas se dentro de campo o garoto, aos poucos, ganhava seu lugar ao sol, em casa a realidade era outra. Ele teve que enfrentar a resistência dos seus pais, que não aprovavam a carreira de jogador, cabendo somente a seu tio apoiá-lo. “Era ele quem me levava aos jogos, quem me dava suporte. Quando meu pai queria me bater por conta do fitebol, ele dizia que eu tinha um dom e que eu iria jogar futebol”, lembra o artilheiro.
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estava em todas as rádios e canais de TV. “Foi então que meu pai sentiu que não tinha mais condições de me segurar”, rememora. Na partida seguinte, contra o Noroeste de Bauru, encontravase na arquibancada uma comissão do CRB, que foi até a cidade paulista para fechar contrato com dois jogadores de renome do XV. Pouco tempo depois de João entrar em campo, marcou um gol. “No final do jogo, eles disseram para os diretores do time: ‘Libera aí esse menino que fez o gol’”. Em março de 1976, aos 18 anos, Joãozinho foi contratado pelo time do galo. O técnico na época, Jorge Vasconcelos, subestimou o garoto por causa da aparência
franzina. “Como é que vocês trazem um garoto tão novo pra jogar no CRB!”, reclamou com o presidente do time, Luiz Gonzaga Mendes de Barros, quando o viu no treino. “Não esqueci aquele comentário. E no clássico contra o CSA, e decisão do segundo turno, o jogador Antônio Carlos, titular da posição, se machucou. Então, Itamar Dengoso disse: ‘Seu treinador, bota esse menino pra jogar que ele tem sorte de fazer gol’. O jogo foi 3 x 2 para nós. E eu fiz os três gols”, conta ele, que logo após a façanha tornou-se titular do time. Essa foi a oportunidade que precisava para fazer a sua carreira deslanchar. Em 13 partidas, fez 20 gols e recebeu o título de artilheiro do campeonato. “Desde então, ‘seu’ Jorge Vasconcelos passou a me chamar de ‘meu filho’”, recorda, com orgulho. No extinto Campeonato Nacional de 1976, atual Campeonato Brasileiro, em que 64 clubes disputavam o título de campeão e vice-campeão, o CRB fez uma boa campanha e ocupou a 16º posição no ranking geral. Joãozinho Paulista fez nove gols e, por isso, despertou o interesse de times como Atlético Mineiro, Sport, Náutico, Santa Cruz e Internacional, de Porto Alegre, que comprou o passe do artilheiro por 1.540.000 cruzeiros, considerado o mais caro do Norte-Nordeste, na época. “Daí em diante, dei
Felipe Brasil
Joãozinho Paulista não consegue ficar afastado dos gramados. Ele voltou a jogar, agora no time de veteranos do CRB
sequência à minha carreira profissional”, diz. Entre os grandes campeonatos que disputou, estão a Libertadores, o Campeonato Gaúcho, o Pernambucano e o Brasileiro. Neste último, ele guarda a sua maior frustração. Na decisão do Brasileirão de 1977, João, que jogava pelo Atlético Mineiro, perdeu um pênalti e deixou escapar o título para o São Paulo, em pleno Mineirão. O time foi o vice-campeão com seis vitórias a mais do que o São Paulo. “Eu já estava no vestiário quando fui chamado pra bater o pênalti porque os jogadores mais experientes se recusaram a bater. O então técnico Barbatana praticamente me obrigou a fazer a cobrança”, lamenta. Após o término do Campeonato Brasileiro, o
artilheiro retornou a Maceió, emprestado para o CSA, mas uma contusão no pé direito, em 1978, o tirou dos gramados. Depois de recuperado, o Atlético emprestou o artilheiro dessa vez ao CRB, onde se consagrou tricampeão alagoano de 1976, 1978 e 1982. “Quem tem Joãozinho, tem tudo”, chegou a afirmar Valdir Espinosa, capitão do time no título de 76. Nos anos 80, Joãozinho vestiu a camisa do Botafogo de Ribeirão Preto, onde, como atacante, jogou ao lado do zagueiro Paulo Nelli, do goleiro Luís Henrique e do meia Péricles. Passou também pelo Remo (Belém), Goiás e o paraguaio Cerro Porteño. Neste último, foi campeão do país em 1987. Em 1994, aos 38 anos, o ex-artilheiro encerrou sua carreira no time
do coração, o CRB. Após a aposentadoria, montou uma escolinha de futebol (hoje extinta), foi auxiliar-técnico do Galo a convite dos dirigentes do clube e, recentemente, esteve afastado das atividades como treinador da categoria amadora por causa de uma contusão. Embora tenha oficialmente pendurado as chuteiras, João não afastou-se dos gramados. Ele voltou a disputar torneios pelo time de veteranos do CRB, intitulado Master. Numa partida promovida em comemoração aos 30 anos da TV Gazeta, foi desafiado a fazer um gol “perna mole”, assim conhecido pela forma como o artilheiro dribla o seu adversário. Ao encerrar o segundo tempo, o juiz apontou para o centro de campo. Não deu outra. Gol do empate feito por Joãozinho Paulista.
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Ricardo Lêdo
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Astro do CRB, o jogador Silva Cão: tetracampeão alagoano
Silva Cão, o rei dos dribles Na família de seu Albertino e dona Tercília, o futebol estava no DNA. Isso quem conta é Averaldo Dantas da Silva, de 65 anos, sobre a sua profissão e a dos seus quarto irmãos: Geraldo, Roberval, Cláudio e o caçula Renato, que, assim como ele, enveredaram pelo esporte. Desde criança, contrariando o desejo do pai, todos já demonstravam a vocação para os gramados nas peladas disputadas no campo
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do Sanatório, bairro próximo ao Mutange, onde moravam na época. Foi justamente o filho mais velho, Averaldo, a quem o pai mais cobrou abandonar o futebol. Seu Albertino esperava que ele seguisse a carreira de médico militar. Por conta disso, certa vez amarrou a perna do garoto a uma mesa para que não fosse treinar. Em casa, era a avó quem apoiava o seu sonho de ser jogador. Hoje,
aos 65 anos de idade, ele conta que a situação só começou a mudar quando seu pai soube do convite que recebera para jogar no time profissional do CRB, em 1964. “Meu pai, que não entendia muito de futebol, passou a assistir todos os jogos que aconteciam aqui e no interior. Quem desse uma pancada em mim, o velho entrava no campo e metia porrada. Certo dia, um cara me deu uma pancada que
caí feio. Na hora, ele puxou uma faca e partiu para cima do ‘cabra’. Foi necessário que um segurança o dominasse. Se tocassem em mim, ele não queria saber quem era e se eu estava jogando no momento. Meu pai só largou do meu pé quando viu o Márcio Canuto chegar lá em casa para me entrevistar. Percebeu que não podia mais me controlar. Ele só não ouvia o jogo para não ter notícias de que fui machucado, porque, se soubesse, ele ficava maluco. Tanto minha mãe, quanto meu pai, hoje já falecidos, acompanharam toda a minha carreira”, lembra. O seu talento começou a ser reconhecido aos 16 anos, quando foi campeão do préjuvenil jogando no extinto Bebedourense. “De lá, fui levado ao CSA, mas não fui aproveitado porque o então técnico Hélio Miranda achava que eu era magrinho e só servia para cruzar”, recorda. No entanto,
despertou o interesse do então dirigente do rival azulino, o Binel. “A minha transferência do Bebedourense para o CRB teve um custo muito alto: uma série de meiões. E a minha compra custou um par de sandálias. Era realmente um futebol feito por amor”, conta. Lá, vestiu a camisa 11, e se notabilizou como o maior artilheiro dos clássicos CSA e CRB, com 38 gols, segundo registros históricos.
vez, jogaria no clássico CRB e CSA, no campo da Pajuçara. O galo ganhou por 3 a 1. “Fiz os três gols”, recorda o feito, revelando que, dali em diante, a sua carreira deslanchou. No mesmo ano, em 67, foi liberado pelo time regatiano para passar uma experiência de quatro meses no Palmeiras, em São Paulo. Em 1968, foi para o carioca Vasco da Gama. “Na minha estreia, eu fiz um gol olímpico contra o Fluminense. Sempre tive sorte”, recorda ele, e referindo-se à experiência num grande clube, comenta: “Você sair do Nordeste para o Sul era uma mão de obra, precisava bater muita bola. Lá, disputei o campeonato carioca, fiz excursões pela Europa. Foi uma grande trajetória para mim e o caminho para chegar a outros clubes”. Após passagem pelo Vitória da Bahia (1968), Olaria (1969 e 70), Juventus de São Paulo (1971) e Sport (1974), Silva retornou ao CRB , onde se consagrou como tetracampeão em 1976, 1977, 1978 e 1979. Na década de 80, foi para o CSA onde levou a Taça de Prata, pelo segundo lugar no Campeonato Brasileiro. Em 1982, voltou de uma temporada no Goiânia e fixou-se em Maceió, onde jogou pelo Capelense, time no qual encerrou a carreira. Com tempo livre e incentivado pela esposa, deu continuidade aos estudos, graduando-se
NOVOS RUMOS
A sorte sempre esteve ao lado de Silva Cão. Sua estreia no profissional do CRB, em 1967, foi contra o Estivadores, mas ele não estava escalado no elenco principal. Longe disso: era o terceiro no banco de reservas do juniores e o quinto da escala geral. Aos 20 minutos do segundo tempo, o placar estava 1 x 0 para o Estivadores. Foi
Com 1,68m, Silva se transformava num homem “endiabrado” quando estava em campo. Daí o apelido de “Cão” com apenas 64 kg e 1,68m, Silva se transformava num homem “endiabrado” com a bola nos pés. Não à toa, uniram a palavra “Cão” ao seu último nome. Driblador de talento, Silva Cão, como se tornou conhecido,
quando o treinador Claudinho pediu: “Cão, vai lá e resolve essa parada para mim”. “Eu entrei em campo e arrebentei. Fiz o gol do empate”, lembra. Na partida seguinte, Silva foi novamente convocado. Dessa
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em Ciências Contábeis. Atualmente, Silva coordena o setor de contabilidade e finanças da Secretaria de Estado da Assistência e do Desenvolvimento Social. “Quando voltei a estudar, arrastei alguns jogadores que disputaram comigo em campo também”, conta. Mas sua paixão pelo futebol não o deixou muito tempo afastado dos campos. Formado pelos jogadores mais experientes, acima dos 40 anos, os clubes abriram os times chamados de Master. Silva Cão jogou nessa categoria durante seis anos pelo CSA, até que, na época, por problemas internos, o time foi interrompido. Foi então que ingressou no CRB Master, onde está há mais de 15 anos. “A gente tem título que não acaba mais. É tanta faixa, que na minha casa não tenho mais espaço para guardar”, brinca ele, justificando porque não consegue ficar longe dos
Silva diz não ter saudades dos gramados:“O que eu e os meus companheiros jogávamos não se compara ao futebol brasileiro atual” 48
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gramados: “É onde tiro todo o meu estresse, é a minha alegria. Eu nasci com a bola nos pés”. RIVALIDADE FRATERNAL
Os momentos mais difíceis da sua carreira, lembra Silva, foram os quais teve que se afastar do futebol por conta de graves contusões. Em 1975, quando jogava no CRB contra o CSA, “num lance bobo” rompeu três ligamentos. “Passei um ano sem jogar. Mas quando voltei, estava biônico, pois o meu preparador físico me recuperou com bola de basquete e correndo na areia da praia. Eu batia na bola como se ela fosse de pano”, brinca. Entre os lances que marcaram Silva estão os campeonatos em que disputava contra os times em que seus irmãos jogavam. “Gel foi do extinto CSE, um grande clube daqui. Eu era o ponta-direita do CRB, e a posição dele era de ponta-esquerda, então a gente sempre se chocava. Dentro de campo, não tinha alisamento. Agora, depois do jogo a gente tomava banho, entrava no carro e ia pra casa”, diz ele, que faz questão de destacar os times nos quais seus irmãos jogaram: “Geraldo, ou Gel, foi do CSA, CSE e do Penedense. Anivaldo, conhecido como ‘Olhão’, Roberval e o Cláudio, apelidado de Bira, vestiram a camisa
regatiana. O Ailton foi lateral esquerdo do CRB e do Goiás. E o meu irmão caçula, o Renato, jogou no São Domingos”. Após duas décadas em campo, Silva Cão pendurou as chuteiras. Ele confessa que não têm saudades do futebol profissional, especialmente, quando compara o que vê hoje em dia com o esporte praticado na sua época.“Muita gente já ficou magoada comigo com essa resposta que vou lhe dar, mas eu não tenho saudades. Porque o que eu e os meus companheiros jogávamos não se compara ao futebol brasileiro atual. O Brasil exportou o que tinha de bom e importou o que tinha de ruim deles, como, por exemplo, o sistema de jogo. Tanto é que a imprensa daqui valoriza mais o futebol europeu. Certa vez, o Felipão disse que, na minha época, se amarrava cachorro com a linguiça. Eu concordo com ele. Hoje, você amarra na corrente e ele ainda corre para morder o povo. É sinal de que os jogadores não sabem de nada”, observa ele, que também trabalha como comentarista esportivo. E se tivesse a oportunidade de voltar aos estádios com a formação dos times nos quais fez história? “Éramos campeões toda hora. Só precisaria aperfeiçoar um pouco mais a parte física, porque a técnica a gente já domina”, diz, sem falsa modéstia.
Francisco Ribeiro Paranhos era conhecido como um jogador que não brincava em serviço
Paranhos, o “deus da raça” “Paranhos Paulada, por onde anda você, rapaz?”. Era assim que o jornalista mineiro Milton Neves costumava apresentar, em seus programas esportivos, o ex-zagueiro alagoano Marivaldo Paranhos Prado. A fama de que o jogador não brincava em serviço corria dentro e fora dos estádios. Tanto é que, ao longo da carreira, colecionou algumas polêmicas. Mas aqueles que hoje saem em sua defesa garantem que
seus adversários confundiam a dureza de Paranhos nos gramados com deslealdade. Durante os mais de 15 anos de carreira, Paranhos vestiu a camisa de grandes times, como o São Paulo e o Santa Cruz, e se consagrou como ídolo da torcida alvinegra. Com frequência, jogava contra nomes de peso do futebol brasileiro, e até mesmo, mundial, a exemplo de Pelé, Rivelino e Zico. Sua missão era
marcá-los e dificultar a atuação deles em campo. “Veja só como são as coisas: a gente pode até achar que passa desapercebido, mas o ser superior nos mostra que não. Por exemplo, eu era um jogador que tinha preparo físico, saúde, disposição e determinação. Mas, ao chegar no São Paulo, time extremamente técnico, fiquei um pouco perdido. Sem ninguém dizer nada, percebi que precisava me aprimorar. E
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toda vez, ao encerrar os treinos, eu ficava sozinho, praticando. Inclusive, o técnico dizia: ‘Venha embora! Parece que é louco. Se deixar, ele treina o dia todo!’”, lembra. O resultado de tamanha dedicação era visto nos gramados. Não à toa, o zagueiro é considerado até hoje uma espécie de “deus da raça” no São Paulo, clube onde jogou nos anos 70.
por isso Ivon pediu para treinar na posição dele, que era a de zagueiro. No final do treino, ele me disse: ‘Olhe, você não vai mais sair daí’”, recorda. Após ser bicampeão da categoria nos anos de 1964 e 1965, passou a figurar no primeiro quadro. Em casa, a cobrança para que fizesse um bom trabalho em campo era grande. “Meus dois irmãos foram jogadores de futebol: Manassés e Mário
Ao encerrar os treinos [no São Paulo], eu ficava sozinho, praticando. O técnico dizia: ‘Venha embora! Parece que é louco. Se deixar, treina o dia todo’”, lembra Paranhos Aos 65 anos, Paranhos continua com a mesma aparência da época em que era um craque do futebol: cabelos relativamente grandes, que lembram o corte de cabelo usado pelo cantor Roberto Carlos, uma corrente de prata no pescoço e camisa social aberta até o peito. Fora dos gramados, num bate-papo informal, é difícil imaginar que esse homem de fala tranquila algum dia foi tão temido pelos seus adversários. O ex-artilheiro foi descoberto aos 14 anos, pelo então treinador do CSA Ivon Cordeiro, que, após o famoso “peneirão”, o convidou para fazer parte do segundo quadro do juvenil. “Um jogador estava de férias,
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Paranhos, mas ambos largaram a carreira. E como eu continuei, eles diziam para que honrasse o nome da família. Então, minha responsabilidade era grande. E eu procurei fazer o melhor possível”, conta. Por conta de seu bom desempenho, o então treinador Roberto Mendes o colocou no time profissional. Lá, foi tetracampeão do Campeonato Alagoano em 1965, 1966, 1967 e 1968. Em 1972, Paranhos recebeu uma proposta para jogar no Corinthians, mas por questões contratuais, não concluiu a transferência. “Na época, a imprensa disse que eu era louco por ter negado aquela oportunidade, que a sorte não batia duas vezes na mesma
porta”, recorda ele. A máxima não se aplicou à carreira de Paranhos. Dois meses depois, ele foi contratado pelo São Paulo. No clube paulista, o artilheiro enfrentou algumas dificuldades para se adaptar. “No início, foi meio difícil, porque tive que lidar com uma nova alimentação e um ambiente diferente. E o time do São Paulo não estava bem naquela época, com uns ‘cabras’ já de certa idade. Me dei mal no início, mas depois o tempo foi passando, teve umas mudanças de jogadores, colocaram os jovens, como o Valdir Peres, o Chicão, o Mirandinha. Aí começamos a dar bons resultados. A gente, inclusive, chegou a uma marca incrível de 46 partidas sem nenhuma derrota”, lembra. De 1973 a 1977, Paranhos defendeu o Tricolor Paulista e, ao longo desses cinco anos, conquistou um Campeonato Paulista e um vice-campeonato da Libertadores da América. Depois de passar uma temporada no já extinto Colorado, do Paraná, o “xerife” jogou pelo Santa Cruz, do Recife. “No clube, fiquei dois anos e meio, de 1977 a 1979. Fomos bicampeões do Campeonato Pernambucano de 78 e 79”, conta. AZULINO DE CORAÇÃO
O retorno ao time que lhe consagrou ídolo da torcida
Francisco Ribeiro
“Aos trancos e barrancos, nós tiramos a hegemonia do CRB”, conta Paranhos, ao lembrar a incumbência que recebeu para não deixar que o clube regatiano levasse o pentacampeonato alagoano
azulina aconteceu em 1980. Foi quando a direção do CSA ligou pessoalmente para Paranhos pedindo que vestisse novamente a camisa do clube, pois o CRB partiria para ganhar o pentacampeonato alagoano, um título inédito até então. Com a promessa de um bom salário, próximo ao que o Paysandu, de Belém, havia lhe oferecido na mesma época, ele aceitou se desligar do Santa Cruz e voltar para perto de sua família, em Maceió. “Graças a Deus, mesmo aos trancos e barrancos, nós tiramos a hegemonia do CRB”, ressalta ele, comentando os obstáculos que precisou ultrapassar para obter o título: “Tinha jogador que não estava levando o negócio a sério. E como eu era capitão do time, a responsabilidade caía toda sobre mim. Foi então que juntei
a equipe e disse: ‘Tem nêgo fazendo corpo mole, chegando alcoolizado, enquanto eu estou tomando infiltração e prejudicando a minha musculatura’”. Com um elenco de peso, o Azulão conquistou outros feitos inéditos no futebol alagoano. Um deles foi a conquista do vice-campeonato da Taça de Prata, equivalente, hoje, a uma segunda divisão do Brasileiro. Mas Paranhos não esconde duas grandes frustações que guarda daquela época no CSA: “Na Taça de Ouro, em 1981, fui o bode expiatório da derrota por 3 x 0, que levamos na estreia contra o Atlético Mineiro. Na partida seguinte, contra o Fluminense, o técnico Alberto Menezes me deu a camisa do time reserva”, diz ele, com certo ar de decepção. Esse
episódio, somado ao fato de não terem lhe dado o emprego que prometeram para voltar ao CSA, levou Paranhos a encerrar sua carreira em 1981. “Quando acabou o contrato no final de 81, eles queriam me vender pro Santa Cruz, de Caxias do Sul. A minha família desejava que eu aceitasse, pois o contrato era de três meses. Minha mulher me disse: ‘Vai e dá a volta por cima’. Eu respondi: ‘Não, porque o que tinha pra fazer, eu já fiz. Não preciso mais provar nada’”. O ex-zagueiro, então, deu continuidade aos estudos, graduando-se em Direito. Hoje, é aposentado e ainda permanece na memória da torcida azulina como um dos maiores ídolos da história do CSA. “Um time de raça, de força”, faz questão de pontuar o “xerife” Paranhos.
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Felipe Brasil
REPORTAGEM
Ídolo do CSA, Peu é um dos jogadores mais queridos pelos torcedores alagoanos
Peu, o reserva de luxo Dos dez filhos de dona Maria e de seu Antônio Ângelo, quatro descobriram nos gramados a verdadeira vocação. O ponta-direita Manoelzinho Caranguejo, o ponteiro-direito Jorge Siri e os atacantes Chico Xié e Peu Sururu formavam a “família de frutos do mar, da lagoa e do mangue” do futebol alagoano. Os garotos passaram a infância assistindo às partidas que aconteciam no campo do
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CSA, no Mutange, bairro onde moravam na época. Aos 10 anos, Júlio dos Santos Ângelo era um moleque franzino que adorava participar dos rachas com os colegas de rua, que lhe apelidaram de Peu. Numa sexta-feira, lembra ele, estava de bobeira próximo ao campo do Azulão quando foi convidado por seu Osvaldo para ocupar a vaga de zagueiro num time que acabara
de formar. Com a permissão da sua mãe, deu início aos treinos e, no domingo seguinte, durante o intervalo do jogo entre o CRB e o São Domingos, no estádio Rei Pelé, o time amador fez a sua primeira apresentação numa partida contra o Sport Clube Pajuçara. Júlio marcou o gol da vitória. O feito não passou despercebido e logo surgiu a oportunidade de ingressar no sub-15 do
CSA. “Foi quando o técnico me apelidou de Peu Sururu. Mas, graças a Deus, não pegou”, diz ele, rindo. Colecionando títulos nos campeonatos das categorias de base (sub-15, 17 e 20), Peu não tardou a figurar no quadro profissional do clube. Em 1978, num jogo contra o Volta Redonda, o atacante fez a sua estreia marcando o gol da virada. Placar final: 4 a 2. “Naquele ano, fui escolhido como o melhor jogador em campo”, recorda ele, que na ocasião tinha só 17 anos. Em 1980, o CSA foi vicecampeão da Taça de Prata, primeiro título nacional do clube. Peu foi escolhido o jogador re velação do campeonato, o que atraiu o interesse de times maiores, como, por exemplo, o Flamengo. “Mas o então presidente do time azulino achou por bem me segurar para que a gente evitasse que o CRB fosse pentacampeão alagoano. E nós conseguimos”, conta o exatacante, que faz questão de detalhar o gol da vitória: “Era a final do segundo turno e nós disputávamos pelo empate contra o galo. Aos 45 minutos, o placar estava 1 a 0 para o CRB. Foi quando meu irmão Jorge Siri bateu um pênalti e a bola foi para a lateral. Pedi para um companheiro me passá-la. E mesmo distante da trave, decidi chutar. A bola fez uma curva muito grande... e foi gol. O
locutor disse: ‘Quem tem Peu, tem tudo’. Eu acertei um gol num chute milagroso”.
feitos que considera mais marcantes: “Numa partida contra o Fortaleza, o Mengão fez 8 a 0. Eu fiz dois gols e dei passe para mais quatro. Esse é o recorde de goleada que o clube já fez no Brasileirão”, conta ele, que vestia a cobiçada camisa número 10. Na sua passagem pelo time carioca, ele fez amizades que perduram até hoje. “Certa vez, a gente veio jogar aqui, contra o CRB. E, enquanto o Zico estava na seleção brasileira, eu vestia a camisa número 10, que era a dele, no Flamengo. Naquela partida, fiz um gol histórico: peguei a bola no meio-campo, driblei cinco jogadores, um deles puxou a minha camisa, que a rasgou, e eu não caí. Quando olhei para o César, vi que ele tinha se afastado da
RESERVA DE LUXO
Na equipe profissional do Azulão, Peu ficou de 1977 até 1980, quando foi contratado pelo Flamengo graças ao então olheiro Sebastião Lazaroni. O alagoano, hoje com 53 anos, participou da chamada “geração de ouro” do time carioca – período no qual o clube ganhou importantes títulos e contava com uma equipe muito forte. Por conta disso, Peu foi um reserva de luxo, substituindo grandes nomes do futebol brasileiro, a exemplo de Zico, Nunes e Tita. Mas isso nunca o incomodou,
Até hoje, temos uma grande amizade”, diz Peu, sobre a sua relação com craques do futebol brasileiro, como Zico e Raí pois sempre havia a hora de entrar em campo e mostrar seu futebol. Durante os quatro anos na Gávea, o atacante foi campeão da Taça Guanabara três vezes (1981, 1982 e 1983), do Campeonato Carioca, do Brasileiro, venceu a Libertadores e conquistou o Mundial de 1981. Ele não esconde o orgulho de um dos
trave, foi aí que eu fiz um golaço. Naquele dia, o narrador da Rádio Globo disse: ‘Foi um gol de Pelé. Mas quem fez foi o Peu. Então, vamos chamar de Peulé’. E na revista Placar, saiu: ‘Ninguém sentiu saudade do Zico’”, rememora ele, confessando que não gostava de ser comparado com o craque Pelé devido à cobrança que iria cair sobre os seus ombros.
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Felipe Brasil
REPORTAGEM
Peu participou da “geração de ouro” do Flamengo – período no qual o clube ganhou importantes títulos e contava com uma equipe muito forte
Na semana seguinte àquela partida, Peu conheceu pessoalmente o ídolo Zico. “Ele me esperava com a edição da revista Placar na mão, quando me disse: ‘Venha cá, seu neguinho, quem foi que botou isso aqui?’ E eu nem sabia da matéria. Respondi: ‘A 10 é tua e eu pego qualquer uma, não tem problema nenhum’. Foi muito engraçado. Até hoje, temos uma grande amizade”, conta ele, que sempre foi querido pelos colegas dos times nos quais jogou.
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Em 1983, Peu foi emprestado por dois meses para o Santa Cruz do Recife, onde ganhou o Campeonato Pernambucano daquele ano. Outra conquista importante foi o título TriSuper, no qual o time venceu os três turnos (hoje dois), superando as marcas do Sport e do Náutico. “Até hoje, se você for para o Arruda, tem lá ‘Tri-Super’. É o título que eles acham mais importante. Tanto é que, até hoje, têm uma gratidão muito grande a mim pelo título”.
Após retornar para o Flamengo, em 1984, o alagoano foi para o Botafogo de Ribeirão Preto. Lá, jogou ao lado do ídolo Raí. No Campeonato Paulista de 1987, consagrou-se viceartilheiro, com 12 gols. No mesmo ano, foi vendido para o Monterrey, onde conquistou o Campeonato Mexicano de 1986. Antes de encerrar definitivamente a carreira, aos 34 anos, no CSA, teve uma rápida passagem pelo Cruzeiro. Já de volta ao time azulino, ganhou dois títulos (1990 e 1993) para o clube que o revelou. Depois de pendurar as chuteiras, trabalhou como técnico do Itacuruba (PE), Comercial de Viçosa, MuriciAL, Corinthians Alagoano e do Dínamo, do qual é proprietário. Peu abriu uma escolinha de futebol junto com os irmãos, Jorge Siri e Manoelzinho Caranguejo, onde espera revelar novos craques.
Publius Virgilius/Folhapress
brasileiros venceram por 2 x 0. Após voltar para casa como bicampeão mundial, Zagallo se machucou e pediu para jogar nos aspirantes enquanto se recuperava. O ponta-esquerda pendurou as chuteiras em 1965, aos 34 anos, mas não abandonou o futebol, tornandose um dos treinadores mais bem sucedidos. Como treinador, Zagallo comandou a seleção brasileira dos anos 70, vitoriosa na Copa do México. Outras de suas conquistas foram o Campeonato Carioca de 1972, pelo Flamengo, e o bicampeonato, pelo Botafogo (1967 e 1968). Conhecido também por ser muito supersticioso (costuma afirmar que o 13 é seu número da sorte) e “pé quente”, Zagallo voltou a comandar a seleção brasileira na década de 90. Ao lado de Parreira trouxe para o Brasil mais um título: o de campeão da Copa de 94, nos Estados Unidos. Assumindo a função de técnico, mais uma vez, ele dirigiu o time vicecampeão na Copa do Mundo da França, em 1998. O alagoano foi o recordista no comando da seleção, com 102 jogos, nos quais obteve 74 vitórias, 23 empates e cinco derrotas. Para Zagallo, seu maior orgulho foi ter participado dos quatro mundiais vencidos pelo Brasil, sendo, por essa razão o único realmente tetracampeão do mundo.
Zagallo, o pé-quente do futebol brasileiro Mário Jorge Lobo Zagallo é incansável. Mesmo hoje, aos 82 anos, o “Velho Lobo”, como ficou conhecido, não perde o fôlego ao embarcar em novos desafios. A energia para o trabalho o fez ganhar o apelido de “formiguinha do time”, na Copa da Suécia, em 1958, pela forma como o então meio-campo jogava. Graças às conquistas e à coerência das suas exibições, além de ter sido tricampeão pelo Flamengo (1953, 1954 e 1955), foi bicampeão pelo Botafogo (1961 e 1962) e bicampeão mundial pela seleção brasileira, nas Copas de 1958 e 1962. Nascido na capital alagoana em 1931, a família de Zagallo mudou-se para o Rio de Janeiro quando ele tinha oito meses. No início da década de 50, foi para o Flamengo, time onde conquistou o tricampeonato. Nos gramados, jogava numa linha de ataque que contava
também com o alagoano Dida. Por conta do seu bom desempenho, Zagallo foi convocado para a seleção brasileira que disputaria a Copa do Mundo em 1958, na Suécia. “Na primeira Copa, tive a felicidade de fazer o quarto gol e cruzar uma bola para o Pelé fazer o quinto. Isso em 1958, na primeira Copa que o Brasil conquistou. Foi sensacional”, disse em entrevista ao programa Arena SporTV. No ano em que ganhou o mundial, transferiu-se para o Botafogo. Lá, brilhou ao lado de Garrincha, Didi e Nilton, no período áureo da história do clube. Com a camisa alvinegra, levaria dois campeonatos cariocas e dois torneios RioSão Paulo. Em 1962, voltou a ser convocado para a Copa, desta vez no Chile. Na estreia em Viña del Mar, fez o primeiro gol na partida contra o México. Os
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Fotos: divulgação
Ídolo de Zico, o alagoano Dida atuou na seleção brasileira durante a Copa Mundial de 1958 e vestiu a camisa do Flamengo por uma década
Dida, o menino de ouro do Flamengo Considerado um dos maiores nomes do futebol brasileiro, o alagoano Edvaldo Alves Santa Rosa, o Dida, começou no esporte ainda garoto, quando estreou no juvenil do saudoso América, de Maceió, chamando a atenção de todos que o viam jogar. Costumava dar um show nos rachas realizados na Praça da Cadeia, na capital alagoana. O técnico do CSA à época, Alfredo Ramiro Basto, foi conferir uma daquelas partidas
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e decidiu levá-lo para seu clube. No Azulão, foi campeão, defendeu a seleção alagoana e começou a despertar o interesse dos grandes times. Apesar de receber muitos convites de clubes de fora, seus pais não admitiam sua saída do futebol alagoano. Era o craque e artilheiro do CSA e muitos torcedores iam aos campos apenas para assistir suas jogadas sensacionais. Torcedor fanático
do Flamengo, ele viu a oportunidade de vestir a camisa rubro-negra após uma partida entre a seleção de Alagoas e a da Paraíba. Ao final do jogo, Dida fez uma exibição considerada impecável, com dois golaços. Por conta disso, em 1954 recebeu o convite para fazer parte da equipe carioca. Sua estreia aconteceu no mesmo ano, numa partida contra o Vasco da Gama. No ano seguinte, a decisão do
campeonato carioca contra o América, quando o alagoano fez os quarto gols do Flamengo, consagrou Dida e ele ficou como titular do Flamengo. Durante os dez anos em que jogou pelo clube carioca, conquistou o tricampeonato carioca, e, na seleção brasileira, o Mundial de 1958. Pela seleção brasileira, o alagoano atuou em oito partidas: com sete vitórias, um empate e cinco gols, de acordo com o livro Seleção Brasileira 90 anos, de Antônio Carlos Napoleão e Roberto Assaf. Nos primeiros treinamentos, Dida era sempre o titular. Depois, começou a revezar com Pelé. Com um problema no tornozelo, jogou duas partidas na Itália antes do mundial. Participou do primeiro jogo da Copa contra a Áustria e agravou sua contusão. Sem condições físicas para o segundo jogo, foi substituído por Vavá. Pelé, que também estava contundido, recuperou-se e entrou no time com Zito e Garrincha. Dida foi substituído pelo maior jogador de futebol do mundo. Daí em diante, sua carreira como jogador sofreu uma reviravolta, encerrando-se em 1968. Vestindo a camisa rubronegra, Dida fez 350 jogos (216 vitórias, 59 empates e 75 derrotas) e marcou 263 gols, segundo o Almanaque do Flamengo, de Roberto Assaf e Clóvis Martins. Ele é o segundo maior artilheiro da história do
clube, atrás apenas de Zico. O alagoano vestiu a camisa rubro-negra por 10 anos. Seu amor pelo Flamengo era tão grande que costumava assinar seus contratos em branco, prova da sua confiança no clube. Em 1963, afastado do Flamengo, transferiu-se para a Portuguesa Desportos de São Paulo, onde passou dois anos e foi vice-campeão paulista. Em 1966, passou a jogar no Junior, de Barranquilla, na Colômbia. Por conta de problemas familiares, Dida resolveu voltar ao Brasil antes do término do seu contrato. No Rio, outro alagoano, Zagallo, tentou levar Dida para o Botafogo, mas a negociação não deu certo porque o clube colombiano havia pedido muito pelo seu passe. Encerrando sua carreira como jogador profissional, Dida resolveu ser treinador. Fez curso na Escola de Educação Física do Exército e começou no clube Ferroviário, de Maceió, em 1972. No ano seguinte, voltou ao CSA como técnico, mas acabou retornando ao Rio para aceitar um convite do Flamengo: os dirigentes queriam que ele coordenasse as equipes de base do clube. Maior ídolo de Zico no futebol, Dida morreu no dia 17 de setembro de 2002, no Rio de Janeiro, aos 68 anos. Em homenagem ao campeão, o Museu dos Esportes de Alagoas recebeu o seu nome.
PARA SABER MAIS Título: Histórias de um campeão do mundo Autor: narrado por Dida e escrito por seu irmão, Luiz Alves Onde encontrar: disponível para consulta no Museu dos Esportes Edvaldo Alves Santa Rosa (82 3326-6329)
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1. Pelé e Dida na Copa Mundial de 1958, na Suécia 2. O alagoano com Zico, com o qual dividia a paixão pelo Flamengo
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ELES TAMBÉM BRILHARAM JACOZINHO O sergipano Givanildo Santos Vasconcelos, 57, o Jacozinho, começou nas categorias de base do Vasco Esporte Clube, de Aracaju. O período de maior sucesso da sua carreira foi na década de 80, quando vestiu a camisa do CSA, time pelo qual foi campeão alagoano em 1984 e 1985. Jacozinho fez história também no Santa Cruz do Recife. O ex-atacante passou por 22 clubes, a exemplo do Sergipe (SE), Jequié (BA), Galícia (BA), Lêonico (BA), Corinthians de Presidente Prudente (SP), ABC (RN), Baraúnas (RN), Nacional (AM) e Ypiranga (PE).
ZÉ PRETA O alagoano José Marques da Silva, 59, foi um dos maiores zagueiros da história do CSA. Com a transferência do jogador Paranhos para o São Paulo, Zé Preta assumiu a zaga titular do time azulino, consagrando-se campeão alagoano em 1971, 1974 e 1975, sob o comando do então treinador Laerte Dória. No auge da carreira, aos 28 anos, foi obrigado a abandonar o futebol após uma contusão no joelho numa partida contra o Criciúma.
ITAMAR DENGOSO Itamar Lourenço do Nascimento, 79, ficou conhecido como um dos melhores quarto-zagueiros do futebol alagoano. Dengoso, como foi apelidado, começou no juvenil do CRB, mas aos 17 anos transferiu-se para o CSA, onde foi campeão alagoano. Em 1953, voltou a vestir a camisa do clube regatiano. Seu talento despertou o interesse do Sport do Recife, time no qual passou a jogar em 1955. Lá, assumiu a condição de titular e foi bicampeão pernambucano.
BIBIU Natural do Recife, Severino Brasilino de Braga começou no juvenil do Santa Cruz. Depois de um amistoso em Maceió, foi contratado pelo Estivadores, onde permaneceu por dois anos. Em 1965, foi contratado pelo CSA, onde se consagrou tricampeão alagoano em 1965, 1966 e 1967. Após quatro anos no Sport do Recife, time no qual foi campeão do Nordestão em 1968, retornou para o CSA e encerrou a carreira no rival, CRB.
GOLEIRO CÉSAR Carlos César de Oliveira iniciou a sua carreira no juvenil do CSA e logo foi para o CRB, atuando na mesma categoria. Lá, foi campeão em 1972. Pouco tempo depois, subiu para o profissional e conquistou os títulos de 1973, 1976, 1977, 1978 e 1979. Sua fama de goleiro talentoso levou César para o Corinthians em 1982. No clube paulista, viveu o céu e o inferno. Nos anos seguintes, jogou no Juventus, de São Paulo, no ASA, de Arapiraca, e no Flamengo, do Piauí.
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