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Luís Guerreiro, os livros e a história do Algarve Por Artur Barracosa Mendonça

Luís Guerreiro, os livros e a história do Algarve

Por ARTUR BARRACOSA MENDONÇA Professor Ensinos Básico e Secundário

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Ao longo da minha licenciatura em História, na FLUC (1990-1994), comecei a apaixonar-me pela pesquisa e pela investigação de assuntos relacionados com a História do Algarve. Durante esse período comecei a frequentar, durante os períodos de férias, o Arquivo Municipal de Loulé, na época dirigido pelo Doutor João Sabóia e consultava alguma bibliografia na Biblioteca Municipal de Loulé. Comecei a encontrar com alguma frequência o Eng. Luís Guerreiro e a trocar algumas conversas com ele. Já o conhecia, mas ainda não tinha a confiança que viria a ter mais tarde. Numas férias de Verão, salvo erro, em 1999, quando estava a frequentar o Mestrado em História Contemporânea, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, ganhei coragem e levei um dos trabalhos que tinha realizado durante a licenciatura para apresentar na Câmara Municipal de Loulé para saber se tinham interesse em publicar o texto sob a forma de artigo. Foi a partir daí que se estreitou a relação com o Eng.º Luís Guerreiro. Em Coimbra, eu tinha encontrado um conjunto de jornais de Loulé e do Algarve, que se encontravam disponíveis e com muita informação para recolher. Começamos a trocar regularmente informação, com telefonemas, com e-mails e encontros em Loulé quando eu vinha a Loulé visitar a minha família. Todo este introito para referir que, a dada altura, foi o Luís que me indicou a obra Evocações, de José Guerreiro Murta (1871-1979). O autor era natural de Loulé, com formação na área do Direito e da Filologia Românica. Como professor, lecionou em vários liceus, tendo sido reitor do Liceu Passos Manuel em Lisboa. Tinha sido uma figura com alguma importância na sua época e tinha deixado uma obra curiosa com apontamentos memorialísticos muito interessantes sobre o período da I República e algumas das figuras em destaque na região e no País, embora uma personalidade próxima do regime salazarista. Nesse período da minha vida estava a tentar compreender como tinha evoluído a propaganda republicana no Algarve. Foi o «Engenheiro das letras», como intitulou Joaquim Magalhães, que acabou por me oferecer a obra em causa em ano que não consigo precisar. Evocações, foi uma obra publicada em edição do autor, impressa em Lisboa, em 1970, com 468 páginas, tendo como depositário a Livraria Sá da Costa. O autor organizou a obra em quatro partes: a Vida Estudantil, o Labor Didáctico, as Lides Sociais e os Perfis do Natural. A primeira parte ocupa 130 páginas e nelas vêm referências curiosas, embora pessoais, a algumas das figuras conhecidas do Algarve no início do século XX e como as pessoas sentiram e acompanharam alguns episódios da vida política, económica e social nesse período. Recordo as referências ao professor José Júdice dos Santos, aos advogados João Lúcio Pousão Pereira, Diogo Mascarenhas Marreiros Neto, Carlos Fuzeta, o cónego Manuel Pedro Nogueira, António Caetano Celorico Gil, contando episódios, anedotas e interessantes apontamentos memorialísticos. A segunda parte desta obra centra-se na atividade de Guerreiro Murta como professor em vários liceus pelo País. Começou no Liceu de Gil Vicente, passou pelo Liceu de Passos Manuel, de Setúbal, de Faro e por outros liceus. Estabelece a diferença entre palestra e conferência, as finalidades e processos de cada uma. Refere-se às muitas figuras de professores e intelectuais que conheceu e conviveu nas primeiras décadas do século XX. A descrição prende a atenção do leitor porque encontra referências a dezenas de

nomes conhecidos da política, da literatura e da ciência em Portugal com quem conviveu e estabeleceu relações mais ou menos próximas. Esta parte ocupa mais cento trinta e nove páginas. As Lides Sociais constituem a terceira parte da obra. Como é óbvio dedica particular atenção aos temas da cultura. Evoca a dedicação e os colaboradores na Casa do Algarve em Lisboa, sobretudo o também algarvio Mateus Martins Moreno, escritor, jornalista e militar. Relembra também a sua passagem pelo Montepio Geral e os elementos dos corpos sociais da instituição, que contou com a presença de várias figuras ligadas ao Algarve, bem como as ações que foi desenvolvendo ao longo dos muitos anos que permaneceu na direção. A passagem pela organização rotária e a boa imagem que teve desta organização internacional. Devido à sua ligação ao movimento rotário foi convidado para integrar o Conselho Superior de Previdência e da Habitação Económica. Transcreve depois excertos de conferências realizadas sobre João Lúcio, Mário Lyster Franco, Ataíde Oliveira e várias outras figuras. Na última parte da obra, intitulada Perfis do Natural, dedica atenção a muitas das personalidades como Teófilo Braga, Adolfo Coelho, Leite de Vasconcelos, José Maria Rodrigues, David Lopes, Queirós Veloso, Agostinho Fortes, Fidelino de Figueiredo e vários outros. Narra episódios de convivência frequente com algumas personalidades. As situações relatadas e o conhecimento que revela de algumas pessoas mostra a proximidade das relações que estabeleceu ao longo do tempo. A particularidade desta obra é que deu lugar à publicação de uma adenda, com o mesmo título (1976), já publicada em Loulé e que narra a ligação com o pintor Samora Barros onde destaco, se me permitirem, um conjunto de notas muito interessantes não só sobre o pintor de Albufeira. Descreve também um conjunto de situações e personalidades menos conhecidas, mas que em dado momento estiveram ligados ou passaram pelo Algarve. Esta adenda complementar é muito interessante por estes apontamentos sobre a paisagem, as exposições e pintores que pintaram a região. Uma leitura que se recomenda e pode ser encontrada no Centro de Estudos Algarvios, na Fundação Manuel Viegas Guerreiro, em Querença.

ARTUR ÂNGELO BARRACOSA MENDONÇA | Natural de Santa Bárbara de Nexe (Faro), residiu em Loulé até aos 18 anos. Professor do Ensino Básico e Secundário, actualmente a leccionar no Agrupamento de Escolas de Condeixa e aí residente. Investigador integrado do Instituto de História Contemporânea - FCSH UNL, no Grupo Economia, Soc i edade e Inovação. Co-responsável pelo blogue Almanaque Republicano. Autor de:

1) «As Associações Operárias do Algarve Durante a I República», Anais do Município de Faro, Faro, 2019, vol. XLI, p.185-233. 2) «Condeixenses na Grande Guerra», Algar. Revista de Cultura, n.º 4, Casa Museu Fernando Namora, Condeixa-a-Nova, 2018, p. 71-82. 3) «A Casa Bancária Manuel Dias Sancho no contexto do Algarve nas primeiras décadas do século XX», 3.º Encontro S. Brás de Alportel: Tradições e Memória, Museu do Trajo, São Brás de Alportel, 17 de Março de 2018. 4) Eleições em Loulé no Final da Monarquia Constitucional (1870-1910), Conferência, Arquivo Municipal de Loulé, 20 de Janeiro de 2018; [aguarda publicação]. 5) «Marçal Pacheco (1847-1896). Um político algarvio do século XIX», Encontro de História de Loulé, 8 e 9 de Setembro de 2017, Auditório do Convento Espírito Santo, Loulé [comunicação]; Publicado em Atas do I Encontro de História de Loulé, Loulé, Câmara Municipal de Loulé/Arquivo Municipal, 2018, p. 233-253.

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