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Saudades de Luís Guerreiro Por António Ventura
Saudades de Luís Guerreiro
Por ANTÓNIO VENTURA Historiador
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Omeu livro 120 Anos de Maçonaria no Algarve 1816-1936, publicado em 2019 pela editora Sul, Sol e Sal, começa com estas palavras: «Este livro começou a ser esboçado há anos atrás, numa conversa com o engenheiro Luís Guerreiro, que entusiasticamente acarinhou o projecto. Infelizmente, as Parcas não o deixaram ver a sua concretização». De facto, ele ficaria muito feliz se tivesse tido a oportunidade de folher o livro, embora já conhecesse parte dos seu conteúdo que ainda desvendei em diversas palestras e conferências que fiz em várias localidades algarvias. Conheci Luís Guerreiro em Julho de 2007, em Loulé, no Curso Livre de História Contemporânea, «O Algarve no contexto da II Guerra Mundial», onde proferi a conferência «Os Anos 40 à luz dos memorialistas algarvios». Diga-se que o contacto fora estabelecido através da minha antiga aluna, amiga e colega Maria João Duarte. Fiquei de imediato muito bem impressionado pela forma dinâmica e empenhada como Luís Guerreiro olhava e vivia a História em geral e da sua região em particular, embora não tivesse uma formação naquela área, o que, aliás nunca foi condição indispensável para fazer História. Recordemos que alguns grandes historiadores portugueses como Jaime Cortesão, Rainaldo dos Santos e mesmo Leite de Vasconcelos, eram médicos, e que Luís Albuquerque era licenciado em ciências matemática e em engenharia geográfica, mas esse facto não os impediu de se terem distinguido em campos para os quais não tinham uma formação inicial. Ora, Luís Guerreiro, se não frequentou cadeiras de História na universidade, soube compensar essa eventual carência com leituras, com o estudo e o amor à sua pequena pátria de Loulé em particular e do Algarve em geral. O engenheiro Luís Guerreiro foi um «amador» da História, no sentido etimológico da palavra. Gosto muito de a usar no seu verdadeiro sentido: amador é aquele que ama, e Luís Guerreiro amava profundamente a sua região e manifestou esse amor por uma dedicação sem limites, pela recolha e inventariação de documentos e outras fontes em especial da época contemporânea –mas não só – e produzindo diversos estudos que são modelares a todos os níveis. Olhou sempre com especial interesse para a I República - época que também tenho estudado - e, por isso, tivemos diversos contactos mesmo antes das comemorações do centenário da proclamação da República. A seu convite, lá fui de novo até terras algarvias, a 15 de Outubro de 2008, para outra conferência, em Loulé, na alcaidaria do castelo sobre «A Maçonaria em Loulé». Comecei nessa época a estudar a Maçonaria no Algarve, com um levantamento das fontes maçónicas disponíveis, mas que tinha que ser complementado com outras informações biográficas, que só a nível local se podiam descortinar. Importava não só fazer o levantamento das estruturas maçónicas algarvias, mas também dos homens e mulheres que as integraram ali ou noutros pontos do território nacional. A conclusão do livro foi sucessivamente adiada por várias razões, a principal das quais foram as solicitações variadas e os compromissos com projectos mais urgentes, alguns até relacionados com efemérides, como o centenário da proclamação da República em 2010. Luís Guerreiro insistia sempre comigo, para que o terminasse e publicasse o trabalho e forneceu-me informações preciosas tanto biográficas como iconográficas, não só referentes a Loulé, mas também a outras localidades algarvias. Recordo a alegria e a surpresa que
manifestou ao ter encontrado e salvo um conjunto de documentos sobre o Partido Republicano Evolucionista em Loulé… Voltei por diversas vezes àquela cidade para participar em iniciativas de índole cultural. Uma delas incidiu sobre a figura do almirante Mendes Cabeçadas, com uma belíssima exposição e a publicação do volume colectivo José Mendes Cabeçadas Júnior e a Primeira República no Algarve, que ele coordenou e no qual colaborei. Encontrámo-nos em variadíssimas ocasiões, sempre no quadro de interesses comuns, vários, e com os quais nos identificámos. Finalmente, Luís Guerreiro foi a Portalegre – a minha terra natal – como há muito pretendia. Foi a última vez que o vi. Estas palavras pretendem ser uma modesta homenagem ao Homem, ao Estudioso e acima de tudo ao Amigo, com quem partilhava o apego aos ideais da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade.
António Ventura Professor catedrático da Faculdade de Letras de Lisboa
ANTÓNIO VENTURA | Doutor em Letras (Histórias Contemporânea), com o título de Agregado. Professor catedrático do Departamento de História da Faculdade de Letras de Lisboa. Foi Vice-Presidente do Conselho Científico, Director do Departamento de História, do Centro de História da Universidade de Lisboa, da Área de História da mesma Faculdade e da Revista da Faculdade de Letras. Académico de Número da Academia Portuguesa da História (Cadeira n.º 5). Sócio Efectivo da Academia de Marinha (Classe de História Marítima). É autor de uma vasta bibliografia sobre História Contemporânea.