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Por João da Silva Miguel
Sessão de encerramento
João da Silva Miguel*
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Inicio a minha intervenção felicitando a Fundação Manuel Viegas Guerreiro e toda a equipa que concebeu e pôs em prática este Seminário, onde destaco a relevância do tema, que distingue e enobrece o patrono da Fundação, a excelência da organização, e a criteriosa conciliação e equilíbrio entre as dimensões científica, cultural e, porque não, a gastronómica ligada à região, todas elas associadas numa simbiose perfeita. O Seminário honra a Fundação, o conselho de administração, o seu fundador, e Luís Guerreiro, o seu primeiro presidente, hoje aqui evocado e que reavivou a saudade e a emoção na visita ao Centro de Estudos Algarvios e ao seu espólio. Na pessoa da Marinela Malveiro expresso o meu reconhecimento, que julgo ser de todos, pela incansabilidade em nos guiar nestes dois dias. Na Newsletter distribuída anunciava-se Querença: Aldeia Internacional da Antropologia. Quem não esteve presente e leia o título pensará tratar-se de um exagero próprio dos publicitários. Quem cá esteve sabe que não é assim. Corresponde ao que aqui se passou. A síntese que se apresenta é a minha leitura do fruto das excelentes comunicações e intervenções de todos os oradores, moderadores e participantes, a todos também significando uma palavra de agradecimento. Houve expressão do conhecimento, houve vivacidade, houve partilha e troca de saber e saberes. Todos estamos mais ricos. Da minha parte estou profundamente reconhecido pelo que aprendi, sentimento que julgo ser partilhado por todos. Não conheci profundamente Manuel Viegas Guerreiro (MVG). Mal o conheci. Falei pessoalmente com ele, uma ou duas vezes. Conhecia-o do Livro A Nossa Pátria, de que foi coordenador. Era o assim chamado “livro de leitura” do então 1.º ano do 1.º ciclo do curso geral dos liceus, como a memória recorda esse tempo, porventura sem o rigor das designações, e em cujas
* Director do Centro de Estudos Judiciários e presidente do Conselho Geral da FMVG
MANUEL VIEGAS GUERREIRO: O PERCURSO E A FILOSOFIA DE UM ANTROPÓLOGO E HUMANISTA
páginas constava a lenda do Gil da Pena, da Rocha da Pena, ali entre Salir e Alte, de que não mais me esqueci. Conhecia-o, também, dos Estudos Gerais Livres, ideia sua que espelha bem o perfil e a dimensão de intervenção cívica de Manuel Viegas Guerreiro. Humanista, dedicado ao seu povo, que queria ver dignificado e reconhecido. Fiquei a conhecê-lo melhor ao fim destes dois dias. Muito obrigado por me terem concedido esta oportunidade. Haverá outros momentos para retomar e desenvolver o estudo, reflexão e debate, desta pessoa singular, a crer pelo que foi dito e do espólio ainda por tratar. Sobre o seminário, pede-se-me que faça uma síntese dos trabalhos, o que cumpro, associando uma declaração de interesses: como outsider da etnologia, é a minha leitura e só a mim vincula, falando sob o controlo de todos vós, que me corrigirão se algum aspeto for menos rigoroso. Expresso a minha visão das comunicações e debates, através das seguintes ideias força, que enuncio e desenvolvo sinteticamente, socorrendo-me, tanto quanto possível, da palavra ou expressões usadas pelos autores:
Humanismo Humildade Comunicação Memória Cooperação Futuro e digitalização Divulgação
Humanismo MVG era um “humanista, completo, autêntico e com domínio da multidisciplinaridade”. Foi um etnólogo hipotecado com a cultura popular e o seu aproveitamento, como fator de inclusão do povo, que estudou com método científico, produzindo obra extensa, em múltiplas dimensões: estudo dos povos, hábitos, tradições, nas músicas e outras tradições orais (de que gostava muito, como foi aqui dito), tudo captando e registando, porque, como afirmava: “Sem a voz do povo não sentimos a dimensão exata do saber”, com isso expressando também uma função de inclusão. A sua ideia de educação para todos, para aproximar culturas, é também uma visão profundamente humanista e democrática. O estudo da sua época perpetuou-se e continua a ter interesse. Nessa dimensão continua na modernidade. MVG foi um homem do Mundo – Portugal, de norte a sul e regiões autónomas,
1 Referência de Richard Kuba, Frobenius, Goethe University Em francês “un savant et curieux incurable”
SESSÃO DE ENCERRAMENTO
África, Oriente… , como o roteiro da sua biblioteca mostra. Foi, como aqui mencionado, “um sábio e curioso incurável”1 . Estabeleceu e firmou, favorecendo, como mais ninguém, o conhecimento do Outro, na sua dignidade - diria, também, na sua dimensão ética -, hoje tão em voga, em todas as profissões. Aqui destaco a comunicação da Prof.ª Luísa Monteiro, de há pouco, em que MVG “levanta a voz” para Oliveira Martins. Hoje dir-se-ia que era um defensor, promotor e divulgador dos direitos humanos.
Humildade MVG foi um homem do povo, de Querença, onde tinha as raízes e entre cuja gente se sente bem e com à vontade, no “mundo rural, ladeado de valados”, entre os camponeses, como com outros desfavorecidos. Essa mesma humildade e à vontade sente-a com as elites. Humildade e liberdade, de todas as liberdades, sua e da natureza, sua aspiração maior.
Comunicação MVG tinha uma comunicação exímia; era impossível não se aproximar das pessoas. Era autêntico. Era fácil pô-las à vontade. De forma natural estabelecia comunicação franca com qualquer pessoa, característica que lhe facilitava a aquisição do saber que lhe interessava.
Memória A memória que o espólio de MVG incorpora. Memória riquíssima, em texto, em imagem (com destaque especial para os diapositivos), em som, nalguns casos filigrana sonora, não estudado. Um espólio com forte valorização da memória e da ciência; valorização que tende a globalizar-se e a devolver à comunidade, a toda ela, incluindo a académica, através das imagens já disponíveis e de acesso livre.
Cooperação Os trabalhos do seminário mostraram uma forte componente colaborativa, não só nacional como estrangeira, com a participação de investigadores estrangeiros. Interpreto essa participação como um interesse que a obra e pensamento de MVG despertam, e o que isso significa também na divulgação e aprofundamento da compreensão da mesma.
Futuro e digitalização O futuro do espólio e do saber de MVG é hoje. Ou, num lugar-comum, já começou. Começou com a digitalização da coleção de artefactos oferecida ao Liceu Nacional de Faro efetuada pelos alunos desta escola secundária, num excelente trabalho, pelo envolvimento e interesse da comunidade escolar, pelo rigor da técnica e pelo
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resultado ofertado à comunidade e, em particular à científica; mas a toda ela operada dos arquivos. E prossegue com a digitalização do espólio fonográfico e da imagem (fotografia e diapositivos), como ontem vimos.
Divulgação Uma última ideia é transversal a todas as outras: a divulgação. É «absolutamente essencial divulgar, dar a conhecer todo este saber», como foi afirmado durante os trabalhos. Divulgar a memória, a dimensão de humanidade, humildade e poder de comunicação de MVG.
Há muito a fazer. Há muito que estudar. Temos responsabilidade para o fazer, para estudar e divulgar o conhecimento e as ideias desta pessoa singular, com obra notável e, no seu contexto, pioneira. Está a finalizar o seminário. Está já aí aberta a porta para um outro. Interpreto essa aspiração das palavras dos intervenientes. A obra e o pensamento de MVG interpelam-nos. A reflexão e o debate sobre a obra e o pensamento de MVG, como via e visão de futuro convocam-nos como missão da Fundação. Esse, um desafio que fica lançado. Muito obrigado à Fundação, muito obrigado a todas e todos Vós, pela partilha de saberes que tanto nos enriqueceram, que tanto me enriquecem. E, com estas palavras, com a permissão do Presidente da Fundação, dou por encerrados os trabalhos do Seminário.
SESSÃO DE ENCERRAMENTO
João Manuel da Silva Miguel na sessão de encerramento
Galeria fotográfica final
Numa iniciativa paralela ao seminário, a Praça da Fundação recebeu, na noite de 17 de Setembro, uma sessão do 1.º ciclo de Cinema Lençol, promovido pela associação cultural Figo Lampo, em parceria com a Fundação Manuel Viegas Guerreiro. Exibiu-se o documentário Gunda, de Viktor Kossakovsky. Na abertura: a curta Vestido feito de água, conto de Maria Adelaide Fonseca filmado na Fonte da Benémola por Verónica Guerreiro e Paulo Tomé.
Frente e verso do programa do seminário dedicado a Manuel Viegas Guerreio. Num cancelamento de última hora, não se verificou a conferência O desafio do estudo do património imaterial no quadro do programa científico do CIDEHUS, pela directora do centro de investigação da Universidade de Évora, Hermínia Vilar.
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Junho de 2022