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Viagem ao universo dos fundos de pensões em Portugal

NÚMERO 46 SETEMBRO E OUTUBRO 2022 .

ENTREVISTAS MICHAEL KRAUTZBERGER, BLACKROCK PEDRO FERNANDES, HEED CAPITAL NEGÓCIO PORTUGAL- MERCADO TITÃ EM FUNDOS DE INVESTIMENTO ESTRANGEIROS ESTRATÉGIAS OS FUNDOS PORTUGUESES MAIS RENTÁVEIS NA ÚLTIMA DÉCADA ESTILO VOLTA AO MUNDO EM 10 ANOS 10 ANOS DE FESTA FUNDSPEOPLE

Nos últimos 10 anos, os fundos de pensões cresceram em cerca de 50% o seu volume gerido. Diversas variáveis contribuíram para este crescimento, mas o debate sobre a sustentabilidade da segurança social continua a aportar oportunidades para os produtos.

ANOS

UMA DÉCADA DE TRANSFORMAÇÃO

27/09/2022 12:21 Os fundos de pensões representam uma das formas de poupança para a reforma. Já vai distante o ano de 1987 com a constituição dos primeiros fundos de pensões em Portugal e, desde essa altura, muito mudou na legislação, nos incentivos à sua constituição, ao tipo de benefício e aos investimentos dos fundos de pensões. Independentemente destas alterações, mantém-se o desafio e a necessidade de este tipo de veículos representar uma forma de poupança para a reforma.

Nos últimos 10 anos, e considerando o período entre dezembro de 2012 e junho de 2022, verificou-se um aumento de cerca de 50% do volume de ativos financeiros sob gestão, passando de 14,5 mil milhões de euros para 21,8 mil milhões de euros.

Apesar de uma parte significativa deste montante se ter devido a valorização de mercados e refletir contribuições resultantes de planos de benefício definido (planos mais antigos, nomeadamente da banca e de ex-empresas públicas), é interessante verificar que os ativos financeiros dos fundos abertos (que financiam, em grande parte, planos mais novos de contribuição definida/capitalização) quase que triplicaram, passando de 1,3 mil milhões de euros para 3,4 mil milhões de euros.

O crescimento dos ativos sob gestão dos fundos de pensões abertos é também consequência do número de fundos de pensões abertos disponíveis. Se no passado cada entidade gestora disponibilizava um ou dois fundos abertos com estratégias de investimento diferentes, atualmente é comum a disponibilização de três ou quatro fundos com alocações de ativos que vão de uma exposição maioritária a obrigações a uma exposição predominante a ações, permitindo uma amplitude de escolha maior. Este facto é particularmente importante dado que o perfil de risco, normalmente correlacionado com o horizonte temporal até à reforma, é diferente de pessoa para pessoa.

Verificamos também que o número de fundos de pensões abertos nos últimos 10 anos aumentou de 73 para 107 fundos (em tendência contrária aos fundos de pensões fechados que reduziram de 155 para 133). Da mesma forma, o número de adesões coletivas

ATIVOS SOB GESTÃO DO MERCADO DE FUNDOS DE PENSÕES

(Milhões de Euros)

FUNDOS DE PENSÕES FECHADOS FUNDOS DE PENSÕES ABERTOS

2012 13,2 1,3

TOTAL

14,5

2022 18,4 3,4 21,8

Fonte: ASF

(adesões de empresas que financiam os seus planos de pensões através de fundos de pensões abertos) quase que duplicou, passando de 669 em 2012 para 1.274 em 2022.

EVOLUÇÃO DA ALOCAÇÃO

Também ao nível da alocação de ativos os fundos de pensões registaram uma alteração relevante. Essa alteração foi no sentido de uma maior diversificação e da alteração dos veículos financeiros utilizados. Ao longo dos últimos 10 anos, foram-se colocando diferentes desafios. Se numa primeira fase ações e obrigações proporcionaram rendibilidades elevadas, mais recentemente surgiu uma busca de yield, com os investidores a procurarem classes de ativos alternativas. Essa situação refletiu-se numa maior utilização de fundos de investimento para aceder a classes de ativos como hedge-funds, high-yield ou mercados emergentes, entre outras classes. Isso explica o crescimento dos fundos de investimento, aumentando de 25% em 2012 para 37% em 2022.

O investimento em obrigações governamentais e privadas manteve-se praticamente estável (ligeiro aumento), essencialmente devido ao facto de continuar a existir, como referi, um peso grande de fundos de pensões que financiam planos de benefício definido e cujo matching com as responsabilidades favorece um peso elevado a esta classe de ativos.

Atualmente, a rendibilidade dos fundos de pensões é dificilmente representada por um único valor. A existência de políticas de investimento muito distintas entre os fundos de pensões que, como referido, se podem situar desde maioritariamente alocados a obrigações a maioritariamente alocados a ações implica que existam rendibilidades representativas de vários universos de fundos de pensões consoante o seu asset allocation ou perfil de risco.

Se analisarmos o mercado em termos globais, verificamos que nos últimos 10 anos os perfis mais conservadores (maior peso em obrigações) registaram uma rendibilidade mediana acumulada de aproximadamente 25%, enquanto que os perfis com maior peso em ações registaram rendibilidades acumuladas de perto de 80%. Estes números evidenciam a relevância

NÚMERO 46 SETEMBRO E OUTUBRO 2022 .

PANORAMA DE FUNDOS ABERTOS E ADESÕES COLETIVAS

NÚMERO DE FUNDOS ABERTOS NÚMERO DE ADESÕES COLETIVAS

ENTREVISTAS MICHAEL KRAUTZBERGER, BLACKROCK PEDRO FERNANDES, HEED CAPITAL NEGÓCIO PORTUGAL- MERCADO TITÃ EM FUNDOS DE INVESTIMENTO ESTRANGEIROS ESTRATÉGIAS OS FUNDOS PORTUGUESES MAIS RENTÁVEIS NA ÚLTIMA DÉCADA

ESTILO VOLTA AO MUNDO EM 10 ANOS 10 ANOS DE FESTA FUNDSPEOPLE

2012 73 669

2022 107 1.274

Fonte: ASF

ANOS

UMA DÉCADA DE TRANSFORMAÇÃO

27/09/2022 12:21 deste tipo de investimento, quer no caso dos planos de benefício definido, em que as rendibilidades contribuem para a redução do esforço financeiro das empresas para financiar as responsabilidades com pensões, quer no caso dos planos de contribuição definida em que as rendibilidades contribuem para uma maior acumulação na conta individuais e, consequentemente, acesso a um maior valor de complemento de pensões aquando da reforma.

DESAFIOS

A discussão sobre a sustentabilidade da segurança social tem suscitado diferentes sensibilidades e opiniões. Mas tem sido generalizada a noção de que, no futuro, a pensão da segurança social representará uma proporção (taxa de substituição) menor do último salário. Assim sendo, a poupança individual para a reforma (3º pilar) e a poupança através de planos de pensões patrocinados pelas empresas (2ºpilar) serão essenciais para que se consiga manter ou até mesmo incrementar os rendimentos após a idade de reforma e, dessa forma, assegurar que as pessoas mantêm um nível de vida adequado a esse período.

Para tal, é fundamental reforçar a cultura de literacia financeira e de necessidade de poupança ao longo do ciclo de vida de cada pessoa nas organizações.

Os fundos de pensões contribuirão certamente para o aumento da poupança para a reforma no âmbito do 2º e 3º pilar, nomeadamente pela sua eficiência, transparência e independência patrimonial. É por isso muito importante a existência de produtos que vão ao encontro dos objetivos de diferentes gerações e de uma fiscalidade favorável para a sua constituição e reforço.

A OPINIÃO DE

ANA CLAVER Diretora-geral para a Península Ibérica, América Latina e EUA Offshore, Robeco

A INDÚSTRIA DA GESTÃO DE ATIVOS 2.0

Há mais de quatro décadas que os investimentos têm atendido ao binómio rentabilidade/risco. No entanto, com a evolução da indústria de gestão de ativos, e face a uma mudança de paradigma nesta década, foi incorporado um terceiro eixo ao binómio rentabilidade/risco, a sustentabilidade. Aqui entra em jogo uma importante variação na nossa forma de pensar sobre o investimento sustentável e a rentabilidade. A indústria já teve de lidar com mudanças no passado, como a globalização, a utilização da Big Data ou a aprendizagem automática, mas agora trata-se de compreender a sustentabilidade. Para onde nos dirigimos? Uma das principais tendências que identificamos é conjugar os objetivos de sustentabilidade com as necessidades de rentabilidade. Um inquérito do CFA Institute intitulado O profissional de investimento do futuro já o antecipava, no sentido em que o gestor de fundos tem de saber mais do que apenas maximizar o alfa, nomeadamente a integração de aspetos substanciais de sustentabilidade na tomada de decisões de investimento, incluindo nesses trabalhos orçamentos de custo do carbono e avaliação das repercussões externas. Uma segunda grande tendência é a importância de saber avaliar o impacto sobre o mundo real que as decisões de investimento da indústria de gestão de ativos terão. Como dizia Albert Einstein sobre o conceito de juro composto: “Aquele que o entender, ganhá-lo-á, aquele que não entender, pagá-lo-á”.

COMO SE VAI MOLDAR O PROFISSIONAL DE INVESTIMENTO NA PRÓXIMA DÉCADA?

Um bom profissional tem a responsabilidade de evoluir com o mercado e um estudo recente levanta o véu sobre o percurso a seguir na próxima década.

C

omo líder desta associação tenho enfatizado muito a mensagem de que o papel da indústria de investimentos e de nós, como o fator humano em que assenta essa indústria, tem um propósito social importante: contribuir para o bem-estar através da criação de riqueza. Posto isto, e respondendo ao desafio da FundsPeople para dar a minha opinião acerca de como é que podemos continuar a cumprir com este nobre propósito na próxima década, destaco algumas das conclusões de um recente estudo desenvolvido pelo CFA Institute - The Future of Work in Investment Management: Skills an Learning - que ilumina um pouco mais o caminho que a profissão terá que percorrer. A verdade é que a nossa profissão esteve e está em constante evolução. Os mercados os instrumentos financeiros adaptam-se às novas realidades e evoluem no sentido de satisfazer novas necessidades. Por isso, uma carreira no mundo dos investimentos traz sempre consigo muitas oportunidades para ultrapassar desafios intelectuais e para imprimir um impacto positivo na sociedade. Uma indústria de investimentos que dê prioridade às competências, à ética e à capacidade de adaptação estará bem posicionada para prosperar. Acerca do que se pode esperar da profissão, as novas fontes de dados, por exemplo, irão afetar as competências necessárias para a tomada de decisões de investimento. Segundo o CFA Institute, as competências que a maioria dos profissionais estão interessados em obter, de olhos no futuro da profissão, incluem uma compreensão fundamental da inteligência artificial e machine learning, bem como o conhecimento em matérias de sustentabilidade. Nós, na Europa, temos que estar especialmente atentos e preparados para enfrentar e dominar esta última área de competência. Mais do que voluntária, esta tornou-se mandatória, quando as instituições supranacionais passaram a exigir que se dessem passos na integração da sustentabilidade nas decisões dos negócios e investimentos. Claro que toda esta evolução não vem sem os seus desafios para aqueles líderes que têm que combinar de forma funcional equipas multidisciplinares. Os líderes devem encontrar as melhores formas de potenciar as competências especializadas e as mais generalistas, e combinar as duas de forma eficaz. Profissionais com competências em forma de T - uma combinação de competências transversais com o domínio aprofundado de uma determinada temática - podem ajudar a colmatar lacunas no entendimento entre diferentes especialidades e com profissionais de investimento mais genéricos. Por exemplo, um especialista em temas ESG pode e deve ter competências em forma de T para conectar os temas de investimento com as questões de sustentabilidade. Por fim, ao nível das soft skills, o profissional do futuro mostrar-se-á, provavelmente, interessado em desenvolver a sua capacidade de comunicação, influência, persuasão e negociação, bem como a capacidade para gerir bem o recurso mais limitado que enfrentamos, o tempo. Tornou-se especialmente importante que os profissionais e líderes mostrem a capacidade para adaptar as suas soft skills num ambiente de trabalho que se tornou, repentinamente e recentemente, mais flexível e disperso. Muito mais haveria para escrever e muitas outras conclusões se podem encontrar no estudo supracitado, mas não queria concluir, sem reforçar o quanto a indústria de investimento depende do fator humano. Os líderes da indústria devem reconhecer o valor do investimento contínuo em capital humano e o seu impacto na elevação dos padrões de prática profissional para criar uma indústria de investimento mais eficaz e adaptável, para o benefício último da sociedade.

Por fim, não posso concluir sem, também, dar os parabéns pelos 10 anos da FundsPeople em Portugal e pelo seu papel ativo de promoção da indústria de gestão de ativos e investimentos.

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