Rever a Constituição: Uma solução urgente

Page 1

Francisco Lucas Pires

1


Rever a Constituição: Uma Solução Urgente

2


Francisco Lucas Pires

3


Rever a Constituição: Uma Solução Urgente

4


Francisco Lucas Pires

Rever a Constituição: Uma Solução Urgente Introdução Por uma Sociedade de Iniciativa

A justificação desta publicação é simples. Em primeiro lugar, o nosso combate pela revisão económica e social da Constituição não terminou e não terminará enquanto esse texto normativo fundamental for uma fonte de limites ao desenvolvimento da sociedade portuguesa. Brevemente voltaremos, pois, com a nossa proposta, à própria Assembleia da República. Em segundo lugar, este combate é para nós exemplar. Traduz um dos sentidos fundamentais da nossa Oposição. Temos oposto uma filosofia e um modelo de sociedade a uma política desgarrada e puramente “pragmática” como é a do actual Governo. A nossa filosofia e o nosso modelo de sociedade são, pelo contrário, o de um país onde a liberdade seja real e não apenas jurídica, seja prática e não apenas política, seja geral e não circunscrita a um certo número de actividades e dimensões mais facilmente controláveis. Em suma, defendemos uma sociedade da iniciativa porque o princípio era a liberdade e não o Estado. Em terceiro lugar, queremos com esta publicação iniciar uma colecção versando sobre opções práticas, desde a economia à cultura, da informação à educação, do nuclear à segurança interna, da segurança social ao património cultural, da defesa à política externa, da justiça à informática, que ilustrem através de contribuições concretas, sob a forma de projectos de lei, ou outras, um mesmo comum ideal de sociedade aberta, activa e independente que, no respeito do passado, procura o futuro de Portugal. Esta edição compreende algumas das “peças” que “instruíram” o nosso processo de revisão constitucional da parte económica e social e nelas se dá conta dos nossos principais argumentos, objectivos e alterações propostas. Por eles se avaliará da importância fundamental que damos a este processo e da justeza das posições que nele assumimos.

Francisco Lucas Pires Janeiro de 1985

5


Rever a Constituição: Uma Solução Urgente

6


Francisco Lucas Pires

Vinte razões para rever a constituição 1. Em primeiro lugar, há um estado de consciência pública e mesmo política propícia à revisão da constituição económica. Basta lembrar conhecidas declarações do Senhor Ministro da Indústria, do Senhor Vice-Primeiro-Ministro, ou reler as análises políticas e económicas publicadas pela maioria dos nossos semanários. Quer dizer: um alerta e uma proposta, apresentados pelo CDS em Setembro de 1983 tornaram-se meses depois um tema dominante da maioria dos órgãos de Estado, partidos democráticos e meios de comunicação social.

2. Em segundo lugar, é preciso completar a anterior revisão constitucional que foi, sobretudo, uma revisão política, incidindo em especial sobre as releações entre o Presidente, o Governo e a Assembleia e sobre a distribuição de competências do extinto Conselho da Revolução, pelo Tribunal Constitucional, o Conselho de Estado e os restantes órgãos do Estado já existentes. Essa revisão foi, sobretudo, política, apesar do problema do país ser sobretudo económico. A última revisão aumentou os poderes do Parlamento, mas que sentido tem aumentar os poderes do Parlamento sem aumentar os poderes e liberdade da sociedade civil, empreendedora e criadora de riqueza? Ou, por outras palavras, o que é que vale extinguir o garante da Revolução (Conselho da Revolução) e manter “as conquistas irreversíveis” que ele garantia? Não se trata, pois, de “mais uma” revisão, mas de completar a revisão anterior e, assim, assegurar um equilíbrio funcional entre a Constituição económica e a política.

7


Rever a Constituição: Uma Solução Urgente

3. Em terceiro lugar, a revisão justifica-se porque a anterior revisão constitucional diminuiu a carga “revolucionária” da constituição económica e social mas manteve a sua carga “socialista”. O que isto quer dizer é que a maioria da esquerda poderia facilmente relançar as nacionalizações, a socialização dos meios de produção e o crescimento da intervenção estatal. É que a única garantia contra essa nova onda socialista não está na constituição, está no facto de as maiorias de governo existentes não terem adoptado essas políticas. A única garantia é, pois, a da exigência do princípio da maioria e da forma de lei para os actos de intervenção económica mais graves (v. artº 92º). Mas e se as próximas eleições derem origem a uma maioria de esquerda? Então voltará a ser possível com esta Constituição, regressar ao estatismo e ao colectivismo, sem que a Constituição oponha a tal movimento outros limites que não os formais, do princípio de maioria.

4. Em quarto lugar, os sectores, acções e objectivos que a Constituição económica apadrinha e promove dão prejuízo; os sectores, acções e objectivos que a Constituição limita proíbe ou circunscreve dão lucro – pelo menos até ao momento em que se tenham exaurido os seus recursos para pagar os défices do sector público nacionalizado. O enorme sector público criado pelo 11 de Março criou défices, pesa fortemente no nosso endividamento e está descapitalizado. Com a agravante, porém, de que, a partir de agora, não é mais suportável continuar a recorrer aos aumentos dos preços e dos impostos para financiar situações de saldo repetidamente negativo. Recorrer-se-á, talvez, isso sim, à emissão de moeda que é tributação disfarçada. É geralmente reconhecido que o sector público é o principal responsável pela crise económica portuguesa. Primeiro, foi a crise do sector público industrial, de que por exemplo, o sector químico, a siderurgia e a construção naval são casos paradigmáticos. Depois, é já a crise dos seguros que em 1983 saltou para a zona de prejuízos contabilizados, o que significa que a crise chegou à zona de serviços. O que se tema já hoje, devido ao aumento de incobráveis, é que a D. Branca seja já, um objectivo afloramento e prenuncio de grave crise bancária generalizada.

5. Em quinto lugar, uma das críticas que mais se ouve sobre a política económica e financeira é a de que em Portugal nunca houve e ainda não há um plano de médio e longo prazo. E isto apesar de sempre ter havido um Ministério da Economia, Finanças e… Plano e de, constitucionalmente, aspirarmos a ser a economia mais planificada, ou planificadora, da Europa Ocidental. Mas pode perguntar-se de facto: como é que pode haver um plano de médio e longo prazo para a economia portuguesa se o plano económico que está na Constituição nunca foi cumprido, não pode ser cumprido e nenhuma maioria democrática o quer cumprir?

8


Francisco Lucas Pires

Não admira assim que um prestigiado professor de Economia tenha recentemente proposto ao Primeiro-Ministro (de um governo socialista e com uma constituição socialista) a extinção da própria Secretaria de Estado do Planeamento… Se um país que quer caminhar para a CEE, todos os planos têm de ser à revelia do “Grande Plano” que a nossa Constituição económica contém, melhor seria rever este super-plano constitucional. Só assim se criarão condições de uma fiável política de longo e médio prazo.

6. Em sexto lugar, na actual Constituição Económica, os vários sectores da economia são determinados segundo o critério da propriedade, em vez de os determinarem segundo o critério da especialização, dimensão ou eficácia. É ym critério antiquado e negativo que valoriza um aspecto secundário e prévio em vez de realçar os aspectos operacionais. O critério da “concorrência coexistencial” tende mesmo a produzir três sectores estanques, cada um com regras próprias ou privilégios específicos, em vez de um único sistema económico que trabalhasse com um fito dominante e nacional de racionalização produtiva e competitividade. A concorrência “coexistencial” tem sido concorrência por formas de proteccionismo e não por formas de competitividade. Deveria, pois, haver um único sistema, ainda que misto e comportando diferentes formas de organização empresarial, mas com base no mercado.

7. Em sétimo lugar, o acordo com o Fundo Monetário Internacional impõe condições às empresas públicas e intervencionadas que podem determinar a necessidade de despedimentos maciços, senão até, nos casos mais gravosos, de encerramento das empresas. O conjunto do sector público deixou de oferecer segurança e independência para os seus trabalhadores (o que, em teoria, poderia ter representado no passado, a sua vantagem) e ter-se-á mesmo tornado uma ameaça para os trabalhadores portugueses. Para salvar tais empresas e empregos pode agora ter de se sacrificar o seu carácter público e admitir a sua transformação noutras formas mistas ou privadas. Não se conhece, aliás, nenhuma outra política alternativa global, proposta para salvar e relançar o sector público como tal e apresentada pelo governo ou forças partidárias que nisso, ideologicamente, mais poderiam estar interessadas. O exemplo que se conhece de uma política para o sector público – a ANOP – revela todas as ambiguidades e toda a importância de uma política para o sector público no actual quadro.

8. Em oitavo lugar, não se trata apenas de um problema de emprego. São também as desigualdades crescentes no sector público e entre este e a Administração Pública que começam a tornar-se insuportáveis. O leque delas vai desde o privilégio para uns até ao desemprego para outros. São também as conquistas sociais que estão ameçadas pelo

9


Rever a Constituição: Uma Solução Urgente

peso do actual sector público. E a manutenção dos esquemas de distribuição social pode exigir e justificar também a “dessocialização” ou “desnacionalização” dos esquemas de produção económica. O essencial está no bem-estar e na sua preservação. Não no modo como se chega lá. O modo de distribuição é mais eficaz com um modo de produção mais eficaz, mesmo que este seja de outra natureza.

9. Em nono lugar, há ainda motivos para pensar que a dimensão e inércia das estruturas do sector público está a tornar a alternância democrática em parte ineficaz e explica que este não tenha sido capaz de resolver os problemas. É que as zonas de poder efectivo representadas pelo sector público subsistem inalteradas, apesar das mudanças de maioria. O sector público constitui-se como um bloco de poder masi do que como uma necessidade de defesa da democracia ou uma forma de eficiência económica. Quando muito, está para o poder político como o domónio das terras estava para a Aristocracia e dos Pares, mas não se vê já outra justificação. Começa a entender-se que é mais fácil às instâncias democráticas controlar e dominar os abusos do poder económico privado do que os de um intocável sector público. A simples intocabilidade pode transformar os vícios em virtudes. Estamos, aliás, a constatar quanto, no quadro económico existente, se depende do Estado. É uma dependência brutal a que consiste em poder comandar quase todos os preços e é claro que isso resulta da própria omnipresença económica do Estado e do Sector Público. A crise súbita que nos sacode, diariamente, com decisões pesadas e surpreendentes, mostra até que ponto é preciso aliviar esta dependência e construir uma economia mais ligada à nossa liberdade e à nossa natureza. A dependência do poder económico em relação ao poder político está sempre assegurada em democracia e, em qualquer caso, é contraditório que para manter um sector público em nome desse princípio, tenhamos de regularmente fazer acordos de dependência e controlo da situação do país por parte dos organismos financeiros.

10. Em décimo lugar, estamos de acordo em que é preciso limitar o sector económico privado, mas desde que ele, antes disso, possa existir, funcionar e prosperar. Se não existe, para quê limitá-lo? O que é preciso em Portugal não é diminuir e limitar o poder económico privado. O que é preciso é reanimá-lo e dar-lhe condições.

11. Em décimo primeiro lugar, também para o poder político democrático o actual sector público nacionalizado se tornou um peso e não uma garantia. Ou será que os govenos chegarão a estar dispostos a vender o outro e entregar as bases militares, mas terão de continuar a manter as conquistas irreversíveis e a limitar a iniciativa privada e

10


Francisco Lucas Pires

só para respeitar a Constituição. Porque é que a Constituição há-de ser considerada mais um tabu do que o nosso ouro, ou o nosso território?

12. Em décimo segundo lugar, não se vê, além disso, como, nas condições actuais do seu sector público e da economia em geral se pode proceder às indemnizações devidas aos anteriores titulares de participações nas mesmas empresas e como se poderão, pois, restabelecer condições de justiça, confiança e esperança da parte dos investidores no futuro da economia portuguesa. As novas possibilidades abertas pela revisão da Constituição económica abriram, pois, uma via de efectiva indemnização e relançamento da confiança.

13. Em décimo terceiro lugar, além disso, tal revisão poderia tornar mais efectiva a “abertura de sectores”, dar-lhe um sentido mais útil e mais nacional. Tal como se vai fazer, a abertura de sectores vai produzir a concorrência de dois sectores estanques entre si e em crise – o público e o privado -, embora este pudesse vir ajudar a financiar, através de impostos, uma agonia ainda mais prolongada do seu concorrente público. Não é claro que a iniciativa privada portuguesa esteja a correr atrás da actual abertura de sectores e que essa abertura pareça a base de um renascimento possível que todos, porém, parecem considerar necessário.

14. Em 14º lugar, em 1984, o Prof. Alfredo de Sousa afirmava que as empresas públicas devem ao Estado 300 milhões de contos e que deve àqueles entre 150 e 200 milhões. Esta prisão financeira de duplo sentido mostra que as empresas públicas já têm uma dimensão mais estatal que “empresarial” e que a recuperação desta última só pode ser feita através da sua maior abertura interna e externa à lógica do mercado. O que os números citados mostram é que, a pouco e pouco, as empresas públicas estariam a regressar ao regaço do Estad, o que é uma traição do objectivo pressuposto na noção de “empresa”. A essa carga de estatização progressiva há, também, de acrescentar uma partidarização progressiva que nelas se acentua, como as últimas designações de gestores bem revelam. Esta estatização e esta partidarização crescentes só podem ser compensadas se o carácter “público” destas empresas deixar de ser um privilégio constitucional.

15. Em décimo quinto lugar, também a paz social tem a ver com esta questão. Há anos que se persegue em vão o famoso “pacto social”. Mas deveria ser evidente que, enquanto os parceiros sociais e económicos não tiverem posições de partida iguais na Constituição económica e social, difícil será que façam um “contrato”. Um contrato

11


Rever a Constituição: Uma Solução Urgente

social e a paz social supõem, pois, uma parificação dos estatutos económicos e sociais, ou a abolição dos privilégios constitucionais nesse domínio.

16. A restauração da credibilidade, motivação e eficácia da grande parte do sector público supõe a adopção de mecanismos internos, não só semelhantes ao da Assembleia Geral e do Conselho Fiscal, como igualmente operacionais, o que, sem dúvida, seria facilitado pela abertura das empresas públicas ao mercado, e pela democratização do seu capital e das estruturas orgânicas, num quadro de competição segundo regras idênticas às dos restantes competidores.

17. A alternativa, hoje, em Portugal, não é entre liberalizar ou manter o socialismo. É entre liberalizar e corporativizar. A alternativa não é “mais socialismo” porque nem o governo socialista acredita nele e segue visivelmente ajousado ao peso do seu arrependimento. A alternativa à liberalização é a corporativização, porque muitos dos que querem evitar a revisão económica da Constituição pretendem apenas que também o sector público caia por si, para mais facilmente poderem integrá-lo nos seus grupos de interesses, senão até em qualquer forma de economia paralela. O deixar andar é o deixar cair para depois negociar em saldo. Esta tendência pelo menos existe e pode chegar até aí, porque, como dizia recentemente um brilhante comentador económico, a economia portuguesa já só trabalha para satisfazer interesses. A liberalização seria, pois, agora, uma aliada clara da democratização, contra a corporativização.

18. A crise económica mundial, por sua vez, nestes anos 80, a mesma dos anos 30. A crise dos anos 80 é a do modelo social-democrático e keynesiano. A crise dos anos 30 era a do velho modelo liberalista. A solução hoje recusa os dois vícios passados e seria necessário rever a Constituição.

19. A iniciativa privada portuguesa não beneficiou até agora nada da chamada liberalização do Governo e a austeridade só enfraqueceu, desanimou e pôs em fuga os agentes económicos, porque foi interpretada como a confissão de mais uma “panne” do sistema económico. O único horizonte de mudança e mobilização dos agentes económicos é a revisão económica da Constituição. Enquanto isso não acontecer, esteremos condenados ao pessismo expresso pelo Primeiro-Ministro ao dizer, tranquilamente, que somos “a Democracia mais pobre do mundo”. Esqueceu-se de dizer que somos também a mais socialista…

20. A luta pela revisão constitucional não pode acabar, enquanto na Constituição houver um traço de imposição político-militar das conquistas comandadas pelo Partido

12


Francisco Lucas Pires

Comunista. As lutas de “libertação” também, não se interrompem por causa dos prazos. De resto, não se trata de revolucionar o que quer que seja, mas, tão só, de fazer da economia portuguesa a economia normal de um regime de Democracia e Liberdade.

13


Rever a Constituição: Uma Solução Urgente

14


Francisco Lucas Pires

Por uma Constituição liberal da sociedade As razões da proposta de revisão constitucional da parte económica têm sido longamente explanadas pelo CDS. Aliás, o simples facto de a crise se ter alargado a todos os sectores e aspectos da vida nacional mostraria como tal crise é constitucional, no sentido mais vasto desta expressão. Desejaria, porém, resumir, numa perspectiva de fudno, as três razões fundamentais desta proposta.

Uma primeira razão é ditada pela própria estabilidade política e constitucional. O CDS foi desde sempre partidário da revisão da constituição económica, assim como da de todos os impedimentos que se opõem, ainda, à livre expressão e afirmação da identidade da sociedade portuguesa. Mas porquê, agora, a apresentação desta? O CDS começou por apresentar em Setembro de 1983 um projecto articulado de revisão da parte económica da Constituição, que entregou ao Senhor Presidente da República e ao Senhor Vice-Primeiro-Ministro e submeteu à discussão pública. O assunto foi, desde então, amplamente discutido e pode hoje considerar-se que há condições claras de decisão sobre o assunto. De resto, de há muito que a questão constitucional se reacendeu e se tem alargado o número de portugueses e o espectro dos apoiantes políticos da revisão constitucional e não apenas, aliás, da parte económica. De facto, houve tempo em que só o CDS e algumas personalidades ou tendências do PSD exigiam alterações substanciais neste domínio. O Partido Socialista opunha-se

15


Rever a Constituição: Uma Solução Urgente

então drasticamente às mesmas. Hoje, porém, parece já haver socialistas, alguns dos quais, ministros, que, talvez por a isso se sentirem honestamente obrigados, reconhecem a necessidade de revisão da parte económica da Constituição. Para o próprio Primeiro-Ministro, como para o Presidente do Grupo Parlamento do PS, como ainda para a Comissão Política do PS, a necessidade dessa revisão parece apenas oferecer dúvidas em sede de oportunidade ou de modo de apresentação, mas não se sabe que qualquer objecção de fundo tenha sido suscitada pelo PS. Mais ainda: o Primeiro-Ministro manifestou já o seu acordo à alteração do sistema eleitoral e o Presidente da República queixou-se recentemente, em Coimbra, no aniversário da sua posse, pelo menos, da falta de poderes de intervenção suficientes, sendo de crer que não se trata apenas de juízos intelectuais. De resto, várias outras personalidades da actual maioria presidencial se têm mesmo referido por escrito à necessidade de combater o sistema e fazer uma revisão global ou, mesmo, ao propósito de “rasgar” a Constituição… É evidente, por tudo isto, que a democratização do regime não está concluída, nem sequer estabilizada, estando a diminuir, tanto à Direita como à Esquerda, o nível de consenso sobre a actual Constituição. O número dos que defendem uma nova Constituição é cada vez maior! Defendendo o CDS uma revisão constitucional parcial, limitada a aspectos fundamentais de relevância imediata para o quotidiano dos portugueses, o nosso partido situa-se, hoje, nesta controvérsia, afinal, numa posição moderada, mediadora e reformista. Estamos contra o imobilismo dos que continuam a fazer da Constituição um fetiche, mas estamos também contra o aventurismo dos que querem fazer outra revisão global, ou dos que querem, mesmo, “rasgar” a Constituição. Consideramos irresponsável quer a atitute imobilista, quer a atitute aventurista e qualquer delas aliadas potenciais, ainda que involuntárias, do regresso a 75 ou, mesmo, a 73… A luta constitucional agudizou-se, pois, e receamos mesmo que venha a ser dramatizada a propósito do próximo 25 de Abril. É neste quadro que a proposta do CDS quer obviar a um claro factor de instabilidade, conflito e perigo para o próprio sistema democrático. De facto, queremos limitar a revisão ao que é prático e imediato e não alargá-la à questão do poder político que envolveria a dispita de todos os órgãos de Estado e seria, porventura, inútil sobre o plano prático. Queremos uma revisão constitucional, legal, sem aceitar que se vá fazendo a revisão de facto da Constituição económica, como admitem, porventura, alguns dos defensores do statu quo e sem esperar que a revisão se faça por referendum ou até por um novo pacto, imposto por um novo MFA, como poderá estar no espírito dos partidários da alteração global do sistema. Queremos, sobretudo, completar a anterior revisão constitucional para concluir uma transição democrática que já atingiu o Estado e o Conselho da Revolução, mas não chegou à sociedade e às “conquistas irreversíveis”. Enquanto se não atingir a autonomia económica e social plena dos portugueses e das suas instituições, a Constituição é de transição. A sua estabilidade defende-se, portanto, mantendo viva a possibilidade da sua mudança, revisão e actualização. Só 16


Francisco Lucas Pires

assim se manterá intacta a sua capacidade normativa e se porá fim à instabilidade que, de outro modo, resultará para a vida portuguesa.

Uma segunda razão é ditada pelo progresso, pluralismo e iniciativa plena da sociedade portuguesa, nomeadamente nos campos económico, informativo e educativo. É claro que muitos pedem uma nova revisão da Constituição apenas para que se distribua de novo o poder político. Nós próprios não negamos que a questão da distribuição do poder é decisiva. Rever o sistema eleitoral num sentido mais liberalizador, rever o modo de designação dos juízes do Tribunal Constitucional de modo que este não pareça tanto uma instância de recurso interno da Assembleia da República, rever o funcionamento da AR de modo a acentuar a sua função e capacidade fiscalizadora e a sua operacionalidade em geral, rever mesmo o estatuto do Presidente da República, de modo a que o peso do seu método de eleição não se choque com a escassez dos seus poderes, produzindo o tipo de nervosismo político a que já estamos habituados na vida portuguesa – todas estas são preocupações sérias que partilhamos e cuja análise deverá ser feita na altura própria. Do ponto de vista do CDS, porém, a prioridade absoluta e a plena justifificação da assumpção de poderes extraordinários de revisão estão, sobretudo, do lado da revisão da parte económica da Constituição e, da revisão de todos os impedimentos essenciais à livre expressão e afirmação da identidade e maturidade cultural dos portugueses e das suas instituições. A crise portuguesa é em grande parte resultante de uma frustração. A frustração de uma sociedade historicamente adulta e rejuvenescida pelo 25 de Abril que continua, porém, tutelada por um estado velho, naquilo que são as suas fórmulas de expressão mais quotidiana e concreta. Se o 25 de Abril tinha pleno sentido como democratização do Estado, a verdade é que teria ainda mais sentido como liberalização da sociedade após 40 anos de corporativismo. A verdade, porém, é que no plano da sociedade, a quarenta anos de corporativismo se vieram juntar mais dez anos de socialismo de Estado. Esse problema de dependência de cidadãos, trabalhadores e empresários, em relação ao Estado é, aliás, o problema histórico português e a causa da instabilidade democrático do país durante tantos decénios. De facto, como é que um Parlamento pode, entre nós controlar a Administração e o Governo, assegurando a superioridade da democracia, quando o pluralismo parlamentar não pode ser alimentado nem justificado por energias de poder económico e social realmente autónomos, abertos ao mundo e eficientes? E não será por tudo isto que o Parlamento em Portugal sempre pode menos que a Administração e que os cidadãos, trabalhadores e empresários, foram entre nós, permanentemente, subalternos da burguesia do Estado?

17


Rever a Constituição: Uma Solução Urgente

De resto, se esta é uma questão histórica por resolver entre nós, a verdade é que também no alargamento dessa emancipação social que, no Ocidente, numa dimensão já mais avançada, se vai descobrindo uma espécie de “novo mundo” actual e é através dessa descoberta que se procura superar a crise. Em todo o mundo desenvolvido, a transformação da sociedade faz a poucp e pouco emergir uma procura pessoal, familiar, empresarial, social, cada vez mais diferenciada e articulada, enquanto a intervenção pública do Estado se estandartiza e só oferece hoje respostas excessivamente burocráticas, anódinas e incaracteristicamente unitárias. Quando se fala, hoje, tanto de “nova revolução industrial e tecnológica”, também não se pode esquecer que é a sociedade ocidental e não o Estado que pode e deve ser o protagonista central dessa nova revolução. Por toda a parte se reconhece este momento de passagem profunda e se quer chegar à fase de maturação do processo que, iniciando-se no plano económico com os alvores da industrialização, se estende agora a todos os campos da vida social e civil, para lá do plano económico. A crise não deve, pois, ser vista como um fenómeno negativo e pessimista que requeira mais controlo. Pode ser vista como um fenómeno positivo de avanço que exprime, sim, uma maior, mais nova, mais larga reivindicação de autonomia, diferenciação e iniciativa por parte de todos os sectores da sociedade. É o erigir de toda a sociedade como formação autónoma que reivindica mais liberdade e mais responsabilidade. É o colocar-se a sociedade inteira na sua própria dimensão política! Não se trata, pois, por isso, até só ou sobretudo, de reprivatizar. Trata-se sim, bem mias, de responsabilizar e mobilizar todas as novas energias de criação social, desde o voluntariado ao uso social diversificado da informação e ao novo pluralismo educativo. Também não se trata de renunciar ao Estado. Trata-se de permitir ao Estado governar com a sociedade. Estado e Sociedade devem ter um novo contrato em que nenhum deles seria instrumento do outro e o Estado se possa concentrar nas tarefas políticas de garantir, enquadramento, apoio a infra-estruturas e defesa dos cidadãos, sobretudo dos que mais necessitam. O projecto do CDS visa, pois, contribuir para resolver este problema. O objectivo essencial é, mesmo, o de abrir uma nova fase de democratização do Regime constitucional – o de completa autodeterminação da sociedade portuguesa. A última revisão teria sido, sobretudo, a da democratização do Estado com a eliminação do Conselho da Revolução. Era preciso reconhecer agora à sociedade portuguesa, ao fim de dez anos de luta política, a completa maioridade dessa mesma sociedade, para prosseguir os seus próprios fins com os seus próprios meios. Era preciso dar agora aos cidadãos portugueses e às suas instituições o lugar que até a Constituição ainda reservfa para o socialismo de Estado, para a Revolução e para a partilha partidária da sociedade. É preciso, pois, desestatizar e despartidarizar os mecanismos sociais e económicos. Ultrapassar esta situação é o único modo de resolver a crise actual, assim como a crise histórica permanente da sociedade portuguesa. Além de meio de consumo de recursos que poderiam ser mais eficazmente reservados para a acção dos cidadãos, o sector público considerado irreversível pela Constituição

18


Francisco Lucas Pires

tornou-se uma forma de loteamento do poder partidário e de controlo político do emprego e da sociedade, além de ser também um limite essencial ao poder democrático da maioria e à eficácia da alterância.

A terceira e última razão corresponde às próprias necessidades económicas e sociais do nosso país no curto prazo. Os objectivos e estruturas básicas da nossa Constituição económica falharam totalmente. É unanimemente reconhecida a grave crise do sector público nacionalizado que é uma espécie de fita de tornesol da nossa Constituição económica. É unanimemente reconhecido que é ele que mais contribuir para a crise geral, porque com ele a despesa pública será sempre exponencialmente crescente e, em qualquer caso, com ele, a rigidez da despesa corrente tornou-se excessiva. Quanto mais se desenvolvia o sector público, mais se subdesenvolvia o Estado. A manutenção das conquistas irreversíveis não tem hoje qualquer argumento económico a seu favor. Tem a seu favor apenas argumentos políticos. A nossa Constituição económica deixou, também, de ser um factor de confiança. Ela própria desde o início traduzia uma desconfiança em relação à empresa e à sociedade, e nunca se percebeu muito bem como é que algum Governo consegue pedir confiança à sociedade se é a Constituição que começa por desconfiar dela. Agora essa desconfiança está na situação de ruptura. Por um lado, porque o sector público, além de ineficiente e custoso, não semprenha sequer já um papel de segurança, e é o próprio governo que todos os dias faz ameaças sobre ele, como vem acontecendo no caso de algumas das empresas, desde o início da actividade governativa. Por outro lado, devendo ser as instituições públicas um momento de síntese, capaz de organizar o interesse geral e impor-se a todos os interesses particulares, suspeita-se crescentemente de que não seja esse o caso da maioria das nossas instituições públicas da economia. É, pois, também, a ruptura deste contrato básico de confiança que exige novas instituições e novas regras do jogo no campo económico. A ruptura dessa confiança está patente no aumento da insegurança económica, da corrupção e da economia paralela. Falta certeza, transparência e responsabilidade e o conjunto actual, aliás, povoado de ambiguidades políticas, não tem coerência suficiente. Sem uma nova constituição económica, não haverá, pois, uma nova confiança. A grave descapitalização do sector público faz com que ele se apresente em estado de necessidade a curto prazo e a sua crise estrutural tornará ilusórias simples soluções de reorganização interna, como são algumas das que o governo vem propondo. É claro que o problema não é fácil, mas será tanto mais grave quanto mais tarde se puser. Seria, também, grave que continuássemos outra vez a esperar apenas que o aumento da ajuda em dólares compensasse a falta de produção em escudos, ou que a economia internacional produza restos suficientes para compensar a falta de produção da economia interna, mas não no sentido de dependermos cada vez mais da primeira. É certo que não se pode ver o problema da economia nacional de um ângulo puramente

19


Rever a Constituição: Uma Solução Urgente

nacional, como a existência de um sector público nacionalizado suporia, mas, então, a solução não é a da espera da recuperação internacional, é sim a da criação de estruturas que nos permitam ser um país desenvolvido e não apenas um país que aproveite o desenvolvimento dos outros. Com a actual Constituição económica, o desemprego estará também cada vez mais perto e as indemnizações cada vez mais longe. A inflação e o défice podem ser suspensos com o custo do não desenvolvimento, mas serão sempre, com esta constituição económica, males permanentes e graves da nossa economia. As desigualdades e as injustiças elas próprias também se multiplicarão no interior, aliás, do próprio sector público irreversível e já, hoje, atingem nivéis de intolerabilidade crescente e visível. Tudo razões pelas quais, a Constituição económica é, não apenas uma questão necessária, como, além disso, uma questão urgente.

20


Francisco Lucas Pires

Perguntar-me-ão quais são os objectivos da revisão a propor. É claro que nas razões invocadas já está implícito o objectivo de fixar um quadro positivo e novo de orientações e estruturas constitucionais para a sociedade portuguesa. Trata-se de ultrapassar um modelo de conflitos e contradições e substitui-lo por um modelo positivo e coerente. É também claro, por igual, que se pretende que esse novo quadro positivo seja um novo quadro integrado, abrangendo aspectos sociais, educativos e informativos, e não apenas económicos, embora se trate neste caso do núcleo fundamental da revisão proposta. A proposta de resolução que hoje apresentamos na Assembleia da República identifica, por sua vez, as matérias sobre as quais desejamos que incida em concreto a revisão extraordinária da Constituição. De resto, já em Setembro de 1983, apresentámos um projecto articulado, entretanto melhorado e ampliado que apresentaremos publicamente uma vez aprovada a actual proposta de resolução. Desejaria neste momento apenas sublinhar, de maneira ampla, os principais objectivos a que nos propomos em matéria de revisão da parte económica e social: a. Validade do princípio da maioria em relação a todo o sector público, sem a reserva das chamadas “conquistas irreversíveis”; b. Afirmação do pluralismo dos vários tipos de iniciativa, empresa e actividade económica, mas eliminação da divisão do sistema económico em sectores de propriedade dos meios de produção; c. Afirmação da primazia dos critérios de rentabilidade, de competitividade e de abertura internacional no funcionamento do sistema económico; d. Profunda revisão do conceito de reforma agrária como instrumento da política agrícola; e. Simplificação e redução dos mecanismos de decisão, participação e controlo de Estado e valorização da Empresa como célula base da constituição económica; No plano especificamente social, os objectivos da revisão do CDS são, sobretudo, estes: a. Afirmar o princípio da liberdade, produtividade e mobilidade de emprego, mas reforçar, ao mesmo tempo, os mecanismos de segurança dos trabalhadores e suas famílias; b. Eliminar as concepções e estruturas de oposição classista dentro das empresas e fora delas, mas reforças os princípios e mecanismos de integração e solidariedade entre empregados e empregadores; c. Eliminar os excessos de regulamentação, de burocratização e politização da constituição e confiar ao princípio da maioria e à lei a regulamentação desses aspectos. Parece-nos, igualmente, importante, noutros aspectos, afirmar claros princípios de liberdade de imprensa, rádio e televisão, assim como de pluralismo educativo. São estas as princpais condições de uma sociedede menos conflituosa e mais operativa. O Estado não deve mais aparecer como o “grande educador”, o “grande informador” e o 21


Rever a Constituição: Uma Solução Urgente

“grande produtor”, mas apenas como o grande mediador, regulador e árbitro das questões nacionais. Perguntar-me-ão, por último, como pensa o CDS obter o acordo do PS e do PSD para levar avante esta revisão da parte económica da Constituição. A verdade é que desde Setembro de 1983, o CDS tem feito todos os esforços para o conseguir. Desde a apresentação pessoal do seu primeiro projecto, até um alargado colóquio organizado há poucas semanas, passando por uma interpelação na Assembleia cujo principal objectivo fora também esse. Contamos, aliás, com todos os compromissos partidários e pessoais que, do lado da actual maioria, se tornaram, entretanto, públicos a favor da revisão da parte económica da constituição. Esperamos que esses partidos e essas personalidades não sejam meras produtoras de palavras para uso informativo. Não há, pois, que esperar mais tempo e faremos, com que, logo que possível, seja agendada na Assembleia da República a votação da nossa proposta de resolução. A questão está madura e protelá-la seria fazê-la apodrecer. Faremos, entreatnto, um último esforço activo junto dos líderes, dos partidos e dos Grupos Parlamentares da Maioria. Daqui desafiaria, aliás, o Senhor Primeiro-Ministro a um debate público na televisão que permita esclarecer todas as últimas dúvidas sobre a necessidade e a urgência da revisão da parte económica da Constituição. Durante estes dez anos de Revolução, verificou-se que, afinal, não era da sociedade portuguesa que havia de desconfiar. Era sim do Estado e do seu excesso. Tornou-se mesmo manifesto que, para salvar o 25 de Abril, não há que reincidir nos erros, mas procurar o objectivo do 25 de Abril por uma via diferente daquela porque foi procurado até agora. É preciso sim passar do 11 de Março ao 12 de Março para verdadeiramente ainda se chegar ao 25 de Abril. 12 de Março de 1984

22


Francisco Lucas Pires

23


Rever a Constituição: Uma Solução Urgente

24


Francisco Lucas Pires

O sentido das principais alterações propostas Carta ao Presidente do Grupo Parlamentar do CDS apresentando um projecti articulado de revisão de parte económica e social de Constituição e explicando as principais alterações propostas. Exmº Senhor Dr. José Luís Nogueira de Brito M.I. Presidente do Grupo Parlamentar do CDS Todos nós sabemos que mais tarde ou mais cedo a revisão económica e social da Constituição se fará, qualquer que seja a votação sobre o nosso projecto de resolução, visando a assumpção de poderes de revisão pela Assembleia da República. O país, de facto, não poderá ser infinitamente prisioneiro de uma estrutura económica e social que resultou do golpe político-militar do 11 de Março de 1975 e que +e, no ssecnial, um tributo que a democracia continua a pagar ao Partido Comunista e aos seus interesses. Além disso, será amanhã terça-feira dia 12 de Junho votado na Assembleia da República o projecto de resolução por nós apresentado e acima referido. Contra esse projecto de resolução, o Partido Socialista e o Primeiro-Ministro invocaram até agora apenas argumentos de “oportunidade”, aliás não especificados. O Partido Social Democrata, por sua vez, limitou-se a discutir a prerrogativa do CDS como partido de Oposição para servir de alavanca deste processo. Ambos, porém, pareceram mais recentemente e durante a própria discussão da Moção de Confiança do Governo interessados em discutir o poder do Partido Comunista, pelo que poderá haver já hoje condições para pôr em causa a principal tese institucional e histórica de influência e

25


Rever a Constituição: Uma Solução Urgente

condicionamento do Partido Comunista sobre a vida portuguesa – os limites à iniciativa, pluralismo e livre desenvolvimento da sociedade portuguesa e a hegemonia económica do sector público e das conquistas irreversíveis. Parece-me neste quadro inteiramente oportuno que o GP do CDS inicie a discussão de um projecto concreto e articulado de revisão da parte económica e social da Constituição, assim como do artº 290º, na medida em que ele, é aliás, uma expressão sintética dos limites e impedimentos que se opõem à liberdade do futuro português. É este o sentido do projecto que lhe endereço, para ser submetido à discussão e eventaul alteração pelo GP do CDS e seus deputados. Não se trata de fazer uma nova constituição, ainda que restrita aos aspectos económicos e sociais da vida colectiva – até porque essa nova constituição só por processos contra ou extra-constitucionais poderia ser aprovada e tal teria que ser recusado por um partido democrático. Trata-se sim de eliminar na actual Constituição os princípios de carácter ideológico, estrutural ou prático do desenvolvimento da iniciativa, pluralismo e eficácia da economia e da sociedade portuguesa, com vista a permitir-lhe uma expressão plenamente moderna e democrática. Com este objectivo propõe-se a alteração dos seguintes artigos da actual Constituição: Artªs 1º; 2º; 7º; 9º; 24º nº 1; 38º; 50º; 54º; 58º; 62º; 64º; 73º; 74º; 80º; 81º; 83º; 84º; 85º; 91º; 96º; 98º; 99º; 106º; 109º. Propõe-se também a eliminação ou a absorção noutros artigos dos artºs 55º (a absover em parte no artº 54º); 75º; 82º; 86º; 87º nº2; 89º; 90º; 97º; 100º; 101º (em parte absorvido pelo 99º); 102º; 103º; 104º e 107º. As modificações mais importes são as seguintes: a) Eliminação da “ideologia” e objectivos socialistas dos Princípios Fundamentais da Constituição (“sociedade sem classes”, “transição para o socialismo” e concepções igualitárias ou do internacionalismo proletário) – são as alterações propostas aos artigos 1º; 2º; 7º e 9º. b) Alargamento da concepção do “direito à vida” como “direito” à vida humana desde o momento da concepção – é a alteração do artº 2º nº 1, proposto em nome de uma cultura positiva da vida e para esclarecimento de uma dúvida os juízes do Tribunal Constitucional numa questão que tem toda a vantagem de ser decidida com a máxima clareza. c) Afirmação da plena liberdade de comunicação por todos os meios, terminando com o obsoleto princípio do monopólio estatal de televisão – artº 38º. d) A experiência recente aconselha um pequeno aditamento ao artº 50º - o de que a “inscrição num partido não pode constituir fonte de privilégio público ou motivo de indicação para cargos públicos não electivos”. Este princípio hoje é tanto ou mais útil que o seu inverso, já inscrito na Constituição no artigo 51º nº 2- de que o estar inscrito num partido não pode ser motivo de privação de qualquer direito. Os dois princípios completam-se e devem ser entendidos conjuntamente. Um objectivo reflexo da norma cuja introdução se propõe é contribuir para a despartidarização da Administração.

26


Francisco Lucas Pires

e) Os direitos das Comissões de Trabalhadores são concebidos como direitos de participação e elementos integrantes da constituição interna das empresas a definir por lei - é–este o sentido das alterações e eliminação operadas nos artºs 54º e 55º. Tenta-se assim reforçar o espírito de empresa e a lógica da solidariedade e participação no seu entendimento e funcionamento. f) O direito à grave é entendido como um direito regulável por lei e não absoluto – é este o sentido da alteração proposta do artº 58º. g) A alteração do artº 62º visa eliminar qualquer excepção aos princípios de legalidade e de indeminização no caso de expropriação. h) O Serviço Nacional de Saúde deixaria de ser concebido como necessário e absolutamente universal, geral e gratuito (artº 64º), comportando a integração de elementos privados e de pagamento de custos mínimos de certos serviços. Manter-se-ia, porém, o princípio constitucional da existência de tal serviço. i) A Educação e a Cultura passariam a ter como seu princípio estruturador fundamental o “Pluralismo”. O pluralismo do sistema educativo deveria substituir o princípio do carácter puramente supletivo do ensino particular (ver alterações aos artºs 73º; 74º e 75º. j) As alterações aos artºs 80 e 90º visariam: 1. A eliminação do princípio das nacionalizações irreversíveis – princípio que, aliás, diminui o poder do Estado. 2. A eliminação da separação entre si de vários sectores da economia, com base no respectivo tipo de propriedade (público, privado e coexistencial). 3. A afirmação de uma maior abertura da economia, de uma diminuição do papel do Estado e de um maior lugar à iniciativa empresarial, sem renunciar aos instrumentos de intervenção do Estado mas na convicção de que a redução do papel deste na economia é também a melhor via para a justiça e o bem estar social. A experiência portuguesa mostra que a actual Constituição Económica é completamente irreal, que não é uma base de confiança dos cidadãos e que é um factor de empobrecimento colectivo que aliás, não nos permite enfrentar os desafios futuros, como o da integração europeia, o qual requererá, desde já, um sector privado reforçado. l)

As alterações respeitantes ao título III (Plano) destinam-se a simplicar a estrutura e a reduzir o papel do Plano. m) em relação às normas referentes à Reforma Agrária, os objectivos principais foram os seguintes: 1. dar um lugar à empresa, como factor de mudança e progresso no domínio da agricultura. 2. considerar que a reforma agrária enquanto processo de expropriação de terras devido à sua dimensão excessiva está encerrado e considerá-lo apenas como possível instrumento ao serviço da melhoria da produção. 3. eliminar a ideologia e os limites constitucionais da política agrícola e transferir da Constituição para a lei aspectos não fundamentais da regulação da política agrícola. 27


Rever a Constituição: Uma Solução Urgente

n) em relação ao sistema financeiro e fiscal, os objectivos foram três: 1. introduzir o princípio expresso de proibição de eficácia retroactiva da lei fiscal. 2. eliminar a definição de objectivos concretos de política fiscal de que o princípio de maioria é um garante suficiente. 3. reduzir a carga ideológica do sistema e torná-lo mais maleável. o) a alteração do artº 109º visa a eliminação dos limites à liberdade interna e externa do comércio e transforma o Estado num garante e não num obstáculo dessa mesma liberdade. p) as alterações propostas ao artº 290º vão no sentido geral atrás afirmado e na mesma linha de coerências (alíneas f e g) – pensando-se, porém, que se deveria aproveitar a revisão do artigo 290º para dele retirar tudo aquilo que não é essencial à defesa de uma concepção e organização democrática moderna e, por essa via, preparar, pois, também, a revisão da parte política da Constituição e, nomeadamente, do sistema eleitoral, a fazer, porém, só na altura da revisão normal do texto fundamental. Seria este último o sentido da alteração da alínea h) e m) e da eliminação da alínea j) do artº 290º. A leitura das propostas concretas de alteração dará uma melhor ideia do que pretendi e de como desejei cingir-me ao essencial. Utilizei, aliás, trabalhos passados como o projecto de revisão constitucional da Aliança Democrática, o projecto de revisão subscrito pelos doutores Barbosa de Melo, Cardoso da Costa e José Carlos Andrade e, em certa formulação, o projecto do Prof. Dr. Jorge Miranda – o que, naturalmente, em nada os compromete. Todos esses projectos me foram também extremamente úteis como pontos de referência. Por outro lado, a votação que amanhã terá lugar, é da maior importância e será bom que a enfrentemos já de posse de um conjunto articulado de soluções. Só desimpedindo o futuro poderemos criar uma base de reconstrução democrática. A nossa proposta de revisão da Constituição pretende ser, de facto, antes de mais, uma proposta de reconciliação democrática. Só na base de que o povo deve ter toda a liberdade para poder conformar o seu próprio futuro se pode hoje reconstruir plenamente a legitimidade e a eficácia do próprio poder político. Não é, pois, apenas, a liberdade da sociedade que está em causa, mas a possibilidade de um novo entendimento e autoridade do Estado e dos partidos democráticos. Esperando que o vosso trabalho seja muito frutuoso, deixo este projecto nas vossas mãos.

Subscreve-se com a maior consideração, O Presidente da Comissão Política Francisco Lucas Pires

28


Francisco Lucas Pires

29


Rever a Constituição: Uma Solução Urgente

30


Francisco Lucas Pires

Evitar que a crise se transforme numa desordem Senhor Presidente, Senhores Deputados, O sistema económico da constituição chegou ao fim e tornou-se completamente inviável. De facto, os dez anos que decorreram, mostraram que a subsistência do nosso sistema económico está a ser pago através de:               

Da baixa do nível de vida; Do endividamento externo crescente; Da desvalorização do escudo; Da carga fiscal reforçada; Do consumo do ouro e das reservas; De desemprego; Da quebra do investimento; Da quebra da produção e da produtividade; Da deterioração da razão de troca, isto é, da desvalorização internacional do trabalho e dos produtos portugueses; Dos contratos a prazo; Da economia paralela ou alternativa; Do aumento das falências; Do aumento dos salários em atraso e dos atrasados em geral; Dos aumentos brutais e permanentes dos preços; Do adiamento dos abonos e pensões.

31


Rever a Constituição: Uma Solução Urgente

Não vale a pena citarmos os números, porque todos estes são já conhecidos de cor e o seu montante é tão desproporcionado que gerou mesmo uma espécie de aturdimento que talvez os tivesse tornado indiferentes se a realidade desses números não fosse já fonte de pobreza para muitos e de rebaixamento internacional para todos os que ainda vêem no seu país um desafio. A crise alastrou já do sector industrial ao sector dos serviços e deste ao sector financeiro; da economia pública à economia privada e, nesta, dos têxteis à construção civil e da agricultura ao comércio e à indústria. O sistema económico no seu conjunto caminha para a entropia, a desordem e rigidez e fá-lo aceleradamente. De facto, os incobráveis da banca, por exemplo, aumentam já hoje, em três meses mais do que antes, num ano; cerca de 50% das responsabilidades do sector público são já a curto prazo; os resultados líquidos do sector público, que foram sempre negativos, cresceram porém exponencialmente nos últimos anos. Previase este ano uma quebra de investimento na ordem dos 10% e todos os fenómenos de erosão económica e social estão em queda livre, ou a atingir os seus recordes máximos neste ano de 1984. A inviabilidade do sistema económico é revelada pelo facto de o investimento já não chegar, em quase nenhum caso, sequer para amortizar o capital investido, não havendo já resposta para a pergunta sobre qual é o negócio lícito que ainda há no país. A noção do limite absoluto que se está a atingir é revelada, sobretudo pelo aumento do desemprego. Então, é porque o sistema já atingiu mesmo o nível da sua auto-destruição. A conclusão é fatal, de facto, porque o pleno emprego aparecia como um dos objectivos fundamentais do sistema económico e correspondia a uma exigência da sua ideologia básica, porque o aumento do desemprego será um factor de recessão acrescido e porque o sistema económico não prevê sequer o aumento do desemprego como uma possibilidade do seu funcionamento e está, portanto, completamente desarmado perante ele. É evidente, de resto, que quando um sistema que não prevê nem admite a possibilidade do desemprego produz mais desemprego que um sistema que aceita o desemprego como um custo possível, então o fundamento político do primeiro está destruído. A crise económica alastra, começa a transformar-se em crise social e fica mesmo à beira de se tornar crise política. Se as empresas não sabem as linhas com que se cosem e a economia paralela se torna a economia normal, os sindicatos, por sua vez, deixam de ver sentido na sua luta e vêem-se transformados em meros comentadores críticos da descida dos salários reais. Da fase de insuficiência de responsabilidade social, pode passar-se a uma fase de irresponsabilidade generalizada e ao laissez faire moral. A falta de autonomia constitucional da sociedade está a converter-se em desagregação e isolamento corporativo. A falta de poder de iniciativa e alternativa suficiente na informação, na educação e na economia, está-se hoje a tornar em paralisia. Do outro lado, no plano do Estado, a crise é idêntica, na dificuldade de direcção, de autoridade e de eficácia, na crise e isolamento de funções vitais como a Defesa, de funções de normalização como a Administração, ou de funções de orientação como o Governo. O Estado parece muitas vezes um polvo cujos tentáculos chegam a toda a

32


Francisco Lucas Pires

parte. O seu problema fora o oposto do da sociedade, mas o excesso de responsabilidades, inciativa e poderes fizeram dele um ente adormecido, inútil e disperso. A irrealidade e descontrole do sistema político e político-social torna-se patente com o agravamento da dependência externa, parecendo mesmo que o controlo externo de terceiras potências ou instâncias sucedeu ao anterior controlo do MFA e que, em rigor, o sistema passou de uma fase de quase completo controlo a uma de quase completo descontrolo. Começa-se a descarregar quase tudo no passado, no futuro e no estrangeiro, o que é, rigorosamente, uma grave forma de alienação colectiva. Sempre julgámos no CDS que estas consequências do sistema económico da Constituição eram inevitáveis. De facto, condensam-se no modelo existente três contradições e três crises que atingem hoje o auge do seu nó-górdio. Primeiro, aceitouse o modelo de desenvolvimento marcelista, baseado nos grandes projectos industriais da era do petróleo, depois acrescentou-se a estrutura socialista e revolucionária das nacionalizações e, por último, tentou-se orientar isto para a CEE, segundo um espírito de possível reformismo tecnocrático. Um tal caldo não poderia funcionar e a indecisão, a anemia, a irresponsabilidade de hoje tem a ver com esta acumulação artificial de três modelos em contradição e em crise. Mas hoje o problema já não é só o da nossa convicção no CDS como partido. O problema hoje é o de que já ninguém acredita na ideologia e na estrutura desse modelo que é como um peso crescente no porão do navio. E, sobretudo, o problema hoje é o de que para fazer face à crise já não chegam: 1. Meras políticas de estabilidade, já tentadas três vezes e sempre sem atingir as causas da crise, conduzindo a maior dependência externa, rigidez do sistema e níveis mais baixos de equilíbrio; 2. Nem novas maiorias parlamentares que, como a actual maioria, chegaram ao maior formato de concentração parlamentar do poder que é possível e que só com a eleição presidencial do candidato do Bloco Central poderiam ainda ir mais longe, se isso não fosse também por si mesmo um novo factor de instabilidade; 3. Nem o aumento do controlo político e social com que este Governo excedeu todos os recordes através do controlo directo, desde a televisão à banca, e que levou a que 70% dos gestores sejam hoje, segundo o Banco Mundial, escolhidos por motivos políticos, até ao controlo indirecto, por vias do Conselho de Concertação e de outros órgãos. Em suma: já não chega hoje a normalização da crise, porque os níveis sucessivamente mais baixos a que essa normalização se consegue começam a ser níveis de ruptura. Não há normalização de um mecanismo e de um espírito já mortos. Se os reequilíbrios financeiros já só se conseguem através das falências, desemprego e baixa generalizada do nível de vida, numa situação que já era antes de pobreza, então é porque o sistema e a expectativa sobre ele faliram completamente. Chegou-se a um ponto, pois, em que a própria reposição dos equilíbrios conjunturais já não pode ser feita sem reformas estruturais profundas que tornem, pelo menos, o

33


Rever a Constituição: Uma Solução Urgente

sistema comandável ou gerível. O simples aumento do poder político e do seu controlo – a que o Bloco Central será, ainda, mais uma vez, tentado com a eleição presidencial – nada resolverá porque, no contexto existente, toda a intervenção do Estado é uma nova fonte de instabilidade política de incertezas do agentes e de consumo de recursos numa situação cada vez mais complexa e cada vez com menos alternativa. Por tudo isto é que nós dizemos que é preciso ultrapassar o conceito de crise. Isto é: é necessário reformar o sistema, e não ultrapassar a última das suas crises. Num sistema baseado sobre a ideia de controlo, a crise provoca o aumento do controlo mas a verdade é que este já atingiu a sua máxima expressão parlamentar e política e, por outro lado, tal controlo, já começou a tornar-se inútil e negativo, como numa lei de rendimento decrescente. Quando a paz já só resulta de acordos políticos e parlamentares sucessivamente mais amplos, é porque se tornou artificial. Daqui em diante, a tendência para resolver os prblemas existentes com o aumento do poder político e da sua intervenção poderia mesmo transformar-se numa tendência autoritária, sendo, aliás, curioso notar como alguma esquerda converge sobre esse ponto com alguma direita, como se as nostalgias de dois passados diferentes convergissem no mesmo presente. Perante a situação, outra direita e outra esquerda resignar-se-ão, por sua vez, à sulamericanização crescente, à transferência progressiva para o estrangeiro de decisões sobre nós próprios, o que não é uma forma de violência menor que a do restauracismo, apesar de ser seguramente mais dócil e mais invísivel. A nossa ideia não é nenhuma dessas e tem um sentido nacional, positivo e democrático. A crise, mesmo a crise da falta de autoridade, resulta em primeiro lugar da falta de liberdade económica e do bloqueamento da mobilidade social. Precisamos é de um novo modelo constitucional de sociedade e de um novo modelo constitucional de sociedade e de um novo modelo económico de desenvolvimento. Precisamos de assegurar a plena liberdade da sociedade, a plena liberdade do futuro do país e das suas alternativas, a plena liberdade do futuro do país e das suas alternativas. Precisamos que essa liberdade seja real, isto é, económica, informativa, pedagógica e não apenas jurídica. Queremos que essa liberdade se traduza numa sociedade aberta, aberta interna e externamente, à iniciativa, isto é, a todas as restantes formas de liberdade. E pensamos que só tendo mais liberdade para a sociedade teremos mais autoridade para o Estado. Não se trata, pois, de opor a “reprivatização” à “nacionalização”, o que aliás, não interessa muito à maioria dos empresários em dificuldades. Trata-se sim, de opor uma sociedade liberta a uma sociedade bloqueada e uma democracia plena a uma democracia condicionada (ainda que já não tutelada). Trata-se de inverter um processo que consistia em fazer crescer o Estado económico que aconteceu mesmo com os governos mais liberais do passado, transformando-o num novo arranque e num novo processo de diminuição gradual do Estado económico e intervencionista. Entendemos, em suma, que o melhor processo de libertação é o da própria liberdade, que a melhor via para a liberdade é a da própria liberdade.

34


Francisco Lucas Pires

E porque haveríamos do que falta obter? E porquê apostar no medo – uns no medo de revolução, outros no medo de Salazar – e não na liberdade? Depois de termos pago os custos do medo, dos controles dos limites quando não há mais a perder, porque não tentar o risco de liberdade económica, informativa, educativa? Porque haveríamos de ser prisioneiros de conquistas que todos na área democrática consideramos ser apenas conquistas do Partido Comunista? Temos razões para pensar que estas posições são largamente partilhadas. Mas há um argumento que nos tem sido oposto, o de que ainda não é boa oportunidade. Este argumento tem sido, nomeadamente, usado pelo Partido Socialista. Há, no entanto, uma pergunta que ocorre imediatamente: não será esse argumento o produto da inércia que o próprio sistema produz? Que crises é ainda necessário esperar para que a reforma do sistema seja oportuna? Será possível manter pendente uma questão de que depende toda a vida nacional portuguesa, por falta de “oportunidade”? Em que medida esse argumento não equivale a destruir pela via de facto o que, simplesmente, se poderia fazer renascer pela via do direito? Se o próprio Primeiro-Ministro tem dramatizado a crise do sistema, porquê querer então escondê-la? Se a panela de pressão está de novo a ferver e comporta tendência explosiva, a solução será tapá-la ou destapá-la? Se se está de acordo em abstracto com uma Constituição aberta e com um processo de desenvolvimento mais liberal, porquê pensar que estamos adiantados, em vez de pensar que estamos atrasados e a provocar novos atrasos? Não será inclusivamente verdade pensar que por causa de todos esses atrasos se estão a desenvolver já hoje na sociedade portuguesa novas forças constituintes reais, como resposta à irrealidade e fuga perante o sistema actual? Será que essas forças constituintes reais irão esperar até 1987? Será que não é altura de terminar, ao fim de dez anos, com o período de transição? Será que não teríamos vantagens em entrar em 1986 na CEE com uma sociedade politicamente emancipada, um sector privado mais forte e um Estado simplificado e, portanto, reforçado como negociador? Será que a disputa “tridimensional” do poder político em 1985 terá de decorrer sobre o signo de confronto constitucional, em vez de se fazer num novo terreno de esperança? Não se percebe o que se diz quando se afirma que a revisão não é oportuna! A não ser que o argumento seja uma desculpa. Ou será que a manutenção do poder político comunista e socialista e o seu controlo e manietamento do Estado e da Sociedade não podem prescindir da actual constituição económica? Residirá aí a oculta falta de oportunidade? Gostava que o Partido Socialista, sobretudo ele, nos respondesse a esta questão. Será que o PS se deixa liderar pelo PC em todas as questões fundamentais? Será que o PS não percebe que poderá não haver até 1987 outra oportunidade para dispor dos quatro quintos necessários à revisão antecipada da Constituição? Afinal o PS considera que a Constituição Económica actual é essencial ao 25 de Abril ou que é antes um produto do 11 de Março? Afinal, será que o PS mantém a

35


Rever a Constituição: Uma Solução Urgente

necessidade do pagamento deste tributo ao Partido Comunista ou irá aproveitar este debate para se emancipar do compromisso constitucional com o Partido Comunista? Será que o “Bloco Constitucional” é, afinal, um bloco de maioria de esquerda, e dessa posição o PS apara e resguarda as próprias críticas que recebe na sua outra veste de líder do Bloco Central? Será que o PS e o Primeiro-Ministro protestam tanto mais contra o PC quanto maior é o seu compromisso constitucional com ele? É com o seu voto que o PS responderá a estar perguntas. Estamos dispostos a diferir a votação sobre este projecto para que o Partido Socialista possa analisar melhor as nossas propostas e intenções. E é com essa resposta que mostrará a sinceridade ou a falsidade dos seus propósitos de modernizar e libertar a sociedade portuguesa contra ou apesar do Partido Comunista. Mas a questão é ainda mais grave. É a da opção entre a mudança e o progresso, entre a paz e confrontação, entre a autonomia e a dependência, entre a iniciativa e a burocratização, entre o renascimento e o definhamento da sociedade e do Estado democrático em Portugal. É esta a escolha que o CDS pede a esta Assembleia na ambição de um futuro livre, seguro e moderno para o nosso país, para o nosso povo e para a nossa juventude.

12 de Junho de 1984

36


Francisco Lucas Pires

Projecto de Resolução 1. Considerando que a última revisão constitucional se concentrou de maneira dominante e quase exclusiva sobre a democratização política do Estado, eliminando a componente militar e revolucionária do regime, mas não fez progressos significativos no domínio da democratização da própria sociedade e por isso não conferiu relevo suficiente aos princípios democráticos da maioria e da alternância; 2. Considerando que as condições económicas e sociais definidas pela constituição continuam, assim, a ser, no essencial, as resultantes do 11 de Março de 1975 e que, no décimo aniversário do 25 de Abril, tem todo o sentido romper as barreiras então impostas e iniciar a segunda grande fase da completa democratização do regime – a sua democratização económica e social; 3. Considerando que uma das principais razões da persistente crise do Estado e da sociedade portuguesa reside no facto de a actual constituição inviabilizar as mais autênticas manifestações de pluralismo e solidariedade, não reconhecendo a uma sociedade democrática e adulta, como é a nossa, suficiente capacidade de autodeterminação económica e social, adequada equiparação entre os seus principais agentes sociais e económicos e possibilidade de os mesmos estabelecerem directamente o respectivo diálogo e entendimento; 4. Considerando a ameaça de insegurança crescente que existe para os trabalhadores e empresários portugueses no actual quadro económico e social, e a necessidade de encontrar rapidamente, no plano constitucional, vias de maior liberdade, segurança e entendimento que conjugem os respectivos interesses e aspirações num esforço comum para vencer a crise, o único pacto social possível, não assente nem na luta de sectores nem na luta de classes; 5. Considerando que está demonstrado que os défices do sector público, definido como “irreversível” pela constituição são a principal causa da crise económica, e que todas as soluções para a ultrapassar recomendam e reconhecem a necessidade de diminuir e reconverter o papel do Estado e criar um novo equilíbrio com o papel reservado à livre iniciativa e à empresa; 6. Considerando que a verdadeira integração na Comunidade Económica Europeia, quase concluída ao nível de negociações, depende, sobretudo, de nós e da capacidade para modernizar as nossas estruturas, tornar pluralisas e competitivos os nosso mecanismos sociais e começar por abrir novos espaços à livre iniciativa, confiando na acção conjugada dos empresários e dos trabalhadores portugueses; 7. Considerando que o CDS apresentou publicamente e aos principais órgãos do Estado, já em setembro de 1983, um projecto de revisão da Constituição Económica que tem vindo a ser objecto de intensa discussão pública, reveladora de uma ampla aceitação do princípio de revisão antecipada, pelos principais membros e forças da actual coligação; 8. Considerando que, entretanto, os campos se extremaram, entre os defensores do imobilismo do sistema constitucional e os defensores da alteração radical e global do mesmo sistema, criando assim uma questão constitucional de regime e

37


Rever a Constituição: Uma Solução Urgente

tornando portanto necessária uma proposta mediadora e moderadora com vista a viabilizar o sistema constitucional numa via reformista?; 9. Considerando que desde a última revisão constitucional, houve já uma eleições legislativas gerais, e a formação de uma nova maioria de governo, e apesar disso, a crise da constituição económica do país persistiu e se agravou, tendo-se aliás, alargado o número de apreensões, queixas e conflitos, em relação ou com base no texto constitucional; 10. Considerando assim que há um vasto leque de disposições que constituem impedimento ao livre desenvolvimento da sociedade portuguesa, da sua própria capacidade de solidariedade e iniciativa, torna-se necessário rever algumas das matérias da constituição com os seguintes objectivos fundamentais: a) Eliminar no artº 290º os elementos que transformam a Constituição numa barreira ideológica e a impedem de ser o quadro de desenvolvimento do país em democracia de acordo com o verdadeiro espírito do 25-A; b) Eliminar os objectivos da transição para o socialismo, o princípio das conquistas irreversíveis de natureza colectivista e a divisão do sistema económico por sectores de propriedade dos meios de produção, reconvertendo a intervenção do Estado na economia portuguesa; c) Eliminar das disposições inseridas nos “princípios fundamentais” as expressões, objectivos e conceitos de carácter partidário, ideológico e classista; d) Retirar as limitações ao pluralismo e à liberdade de expressão e comunicação que subsistem em algumas disposições referentes aos direitos, liberdades e garantias; e) Estabelecer garantias expressas e mais eficazes de despartidarização da administração pública e do acesso a cargos na carreira administrativa e na gestão do Sector Empresarial do Estado; f) Criação de condições de liberdade de trabalho e de fomento e segurança do emprego, de autonomização do diálogo social em condições de verdadeira paridade e entendimento dos parceiros sociais e de fomento da participação responsável dos trabalhadores na vida das empresas; g) Afirmação inequívoca do princípio do pluralismo educativo e reforço das garantias individuais em todos os casos de nacionalização e expropriação. Nestes termos, e de acordo com o disposto nos artigos 286º n.º 2 e 169º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, propõem os deputados do CDS abaixosassinados que a Assembleia da República delibere assumir poderes extraordinárias de revisão constitucional.

Lisboa, 12 de Março de 1984 OS DEPUTADOS DO CDS

38


Francisco Lucas Pires

39


Rever a Constituição: Uma Solução Urgente

40


Francisco Lucas Pires

Projecto de revisão da parte económica e social da Constituição da República Portuguesa

41


Rever a Constituição: Uma Solução Urgente

PREÂMBULO PRINCÍPIOS GERAIS Artigo 1º (República Portuguesa) Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana, na vontade popular e na solidariedade social.

Artigo 2º (Estado de Direito democrático) A República Portuguesa é um Estado de Direito democrático baseado na soberania popular, no respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais e no pluralismo de organização e expressão política democrática.

Artigo 7º (Relações Internacionais) 1. Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios do respeito dos Direitos do Homem, da independência nacional, do direito dos povos à autodeterminação e independência, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não-ingerência nos assuntos internos de outros Estados e da cooperação com os outros povos para a emancipação e o progresso da Humanidade; 2. Portugal preconiza o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, e a criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos; 3. Portugal mantém laços especiais de amizade e cooperação com os países de língua portuguesa e participa em igualdade com os demais Estados na organização política, económica e social da Europa.

Artigo 9º (Tarefas fundamentais do Estado) São tarefas fundamentais do Estado: a. (idêntica) b. (idêntica) c. (idêntica)

42


Francisco Lucas Pires

d. Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais, mediante a modernização das estruturas económicas e sociais; e. (idêntica)

***

PARTE I DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS TÍTULO I PRINCÍPIOS GERAIS ***

TÍTULO II DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS CAPÍTULO I DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS Artigo 24º (Direito à vida) 1. A vida é inviolável desde o momento da concepção. 2. (Idêntico)

Artigo 38º (Liberdade de imprensa e meios de comunicação social) 1. É garantida a liberdade de imprensa, rádio, televisão e comunicações, através da palavra ou de imagens, por todos os meios;

43


Rever a Constituição: Uma Solução Urgente

2. 2. A liberdade de imprensa implica a liberdade de expressão e criação do jornalistas e criadores literários; 3. (idêntico); 4. (idêntico); 5. (idêntico); 6. Nenhum regime, administrativo ou fiscal, nem política de crédito ou comércio externo pode afectar directa ou indirectamente, a liberdade de imprensa, devendo a Lei assegurar os meios necessários à salvaguarda dos órgão de informação perantes os poderes públicos e poder económico; 7. Eliminado; 8. As estações emissoras de rádio-difusão e de televisão só poderão funcionar mediante licença a conferir nos termos da Lei.

***

CAPÍTULO II DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA Artigo 50º (Direito e acesso a cargos públicos) 1. (idêntico); 2. (idêntico); 3. A inscrição num partido político não pode constituir uma fonte de privilégio ou motivo de indicação para cargos públicos não electivos.

44


Francisco Lucas Pires

CAPÍTULO III DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS DOS TRABALHADORES Artigo 54º (Comissões de trabalhadores) 1. O direito dos trabalhadores criado em comissões de trabalhadores para defesa dos seus interesses e participação na vida da empresa, e elegerem os seus membros. 2. Os membros das comissões são eleitos em plenário de trabalhadores por voto directo e secreto e gozam de proteção legal e reconhecida aos delegados sindicais. 3. A lei definirá o estatuto e direitos de participação das comissõe de trabalhadores como elementos integrantes da constituição interna das empresas.

Artigo 55º Direitos das comissões de Trabalhadores) (Eliminado)

Artigo 58º (Direito à greve e Lock- Out) 1. (Idêntico) 2.Competirá à lei definir o âmbito, os limites e as modalidades do exercício do direito à greve. 3. O exercício do direito à greve não pode prejudicar a ptrestação dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação de necessidades sociais e essenciais e impreteríveis. 4. É proíbido o Lock- Out.

Artigo 62º (Direito de Propriedade Privada) 1.(Idêntico) 2. A requisição e expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei, e , mediante pagamento de justa indeminização.

45


Rever a Constituição: Uma Solução Urgente

CAPÍTULO II DIREITOS E DEVERES SOCIAIS

Artigo 74º (Saúde) 1. (Idêntico) 2. O direito à protecção na saúde é realizado pela existência de um serviço nacional de saúde, pela proteção da infância, da juventude e da velhice,pela melhoria sistemática das condições de vida e do trabalho, vem como pela promoção da cultura física e desportiva, escolar e popular e ainda pelo desenvolçvimento da educação sanitária do povo. 3. (Idêntico) 4. (idêntico)

***

CAPÍTULO III DIREITOS E DEVERES CULTURAIS Artigo 73º (Educação Ciência e Cultura) 1. (Idêntico) 2. O estado respeita, garante e promove uma organização pluralista da educação e da cultura. 3. (Idêntico ao actual nº 2) 4. O Estado assegura a defesa e valorização do património cultural português e garante e promove o acesso de todos os cidadãos à fruição e criação cultural. 5. (Idêntico ao actual nº4)

Artigo 74º ( Ensino) 1.(Idêntico) 2. Incumbe prioritariamente ao Estado na realização da política de ensino:

46


Francisco Lucas Pires

a) Estabelecer em articulação com as escolas privadas e cooperativas, uma rede pública escolar que cubra as necessidades de todo o país. b) Assegurar o ensino básico, universal, obrigatório e gratuito. c) garantir a educação permanente e eliminar o analfabetismo. d) Assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa, é garantir a existência, o desenvolvimento e o controle do ensino particular e cooperativo, no quadro de um verdadeiro pluralismo do sistema de ensino.

Artigo 75º ( Ensino Público, Particular e Cooperativo) (Eliminado)

***

PARTE II ORGANIZAÇÃO ECONÓMICA TÍTULO I PRINCÍPIOS GERAIS Artigo 80º (Fundamento e Fins) A organização económica assenta na diversidade de formas de iniciativa e organização empresarial e na subordinação do poder económico ao poder político democrático, e tem pior fim a construção de uma democracia econónima e social, orientada no sentido da melhoria das condições de vida e da promoção do bem estar dos portugueses.

Artigo 81º (Incumbências prioritárias do Estado) Incumbe prioritariamente ao estado: a) Promover a justiça nas relações económicas e na distribuição da riqueza e do rendimento; b) Orientar o desenvolvimento económico e social no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões;

47


Rever a Constituição: Uma Solução Urgente

c) Assegurar a equilibrada concorrência entre as empresas e combater os monopólios socialmente nocivos, bem como reprimir os abusos e práticas económicas lesivas do interessse geral; d) Zelar pela eficácia da acção pública do Estado e pela sua contínua concordância com o interesse geral; e) Realizar a reforma agrária; f) Estimular a participação dos agentes económicos e respectivas organizações na eleboração e execução das grandes medidas económicas e sociais; g) Desenvolver as relações económicas externas com respeito pela indepêndencia nacional e os interesses dos portugueses; h) Proteger o consumidor.

Artigo 82º (Intervenção, Nacionalização e Socialização) (Eliminado).

Artigo 83º (Iniciativa Privada) 1. A Iniciativa Privada é livre no quadro definido pela Constituição e pela Lei. 2. Incumbe ao Estado incentivar e apoiar a iniciativa privada e criar condições adequadas às empresas económica e socialmente viáveis. 3. O Estado fiscaliza o respeito pela Constituição e a Lei por parte das empresas privadas, assegurando o interesse geral e garantindo os direitos dos trabalhadores.

Artigo 84º (Intervenção do Estado) 1. Para a realização das incumbências enunciadas no Artº81, a Lei determinará as formas e os limites da intervenção do Estado na Economia. 2. Para o mesmo efeito a Lei poderá determinar: a) A criação de empresas públicas ou de economia mista; b) A nacionalização de empresas privadas ou do respectivo capital; c) A transferência da propriedade de empresas ou outros meios de produção públicos para entidades privadas ou cooperativas com capacidade para os aproveitarem e gerirem com maior vantagem social e económica; d) A concessão da exploração de empresas, serviços e outros meios públicos. 3. Cabe à Lei regular o disposto nos nºs anteriores e definir os critérios de fixação de justa indeminização devida por nacionalização, expropriação ou requisição. 4. A Lei definirá os bens e recursos naturais que pertencem ao domínio público.

48


Francisco Lucas Pires

Artigo 85º (Cooperativismo) 1. O Estado deve estimular e apoiar a criação e a actividade das cooperativas, designadamente de produção, de transformação, de comercialização, de consumo, de crédito e de serviços. 2. Desde que observados os princípios cooperativos, não haverá restrições à constituição de cooperativas, as quais poderão livremente agrupar-se em uniões, federações e confederações. 3. A lei define os benefícios fiscais e financeiros e as condições de apoio técnico às cooperativas.

Artigo 86º (Actividade económica e investimento estrangeiro) Eliminado.

Artigo 87º (Meios de produção e abandono) 1. Idêntico. 2. Eliminado

Título II Estruturas da propriedade dos meios de produção Eliminado.

Artigo 89º (Sectores de propriedade dos meios de produção) Eliminado.

Artigo 90º (Desenvolvimento da propriedade social) Eliminado.

49


Rever a Constituição: Uma Solução Urgente

PLANO Artigo 91º (Objectivos do plano) 1. O plano destina-se a orientar a política económica e social do país e a coordená-la com as restantes políticas. 2. Eliminado.

Artigo 92º (Força jurídica) 1. Idêntico. 2. O Plano tem carácter indicativo para as empresas privadas e cooperativas, definindo as políticas de incentivo e apoio do Estado a essas empresas.

Artigo 93º (Conteúdo) 1. O Plano compreenderá projecções a médio e a longo prazo e conterá programas de acção globais, sectoriais e regionais para o período considerado. 2. O Plano anual constitui a base fundamental da actividade do Governo e deve integrar o Orçamento Geral do Estado para esse período.

Artigo 94º (Elaboração e execução) 1. Idêntico. 2. Idêntico. 3. A elaboração do Plano é coordenada pelo Governo e nela devem participar as Regiões Autónomas, as autarquias locais e os parceiros sociais. 4. Eliminado. 5. Idêntico.

50


Francisco Lucas Pires

ARTIGO IV POLÍTICA AGRÍCOLA E REFORMA AGRÁRIA Artigo 96º (Objectivos da política) A política agrícola tem como objectivos principais dois pontos: a) Promover as melhoria da situação social, cultural e económica dos que vivem no mundo rural e criar as condições necessárias para a realização da justiça no sector agrícola; b) Aumentar a produção e a produtividade da agricultura, dotando-a das infraestruturas e meios adequados e estimulando o espírito, a formação e as condições da vida empresarial e de iniciativa no seu âmbito; c) Idêntica. d) Assegurar o uso e a gestão racionais do património do solo e dos restantes recursos naturais degradáveis e perecíveis. 1. A reforma agrária é um dos instrumentos a utilizar pelo Estado para promover as transformações da estrutura fundiária e biofísica que forem indispensáveis à realização dos objectivos da política agrícola.

Artigo 97º (Eliminação dos latifúndios) Eliminado.

Artigo 98º (Redimensionamento da terra) 1. As terras que pela sua dimensão excessiva, tenham sido objectivo de expropriação poderão ser transferidas, em propriedade ou posse útil para: a. Trabalhadores rurais ou agricultores, com vista à formação de explorações familiares economicamente viáveis; b. Cooperativas de produção de trabalhadores rurais ou agricultores constituídos segundo os princípios cooperativos; c. Outras associações ou organizações de trabalhadores rurais ou agricultores cujo estatuto satisfaça aos requisitos a definir na Lei. 2. A transferência a que se refere o número anterior só poderá ser feita sem prejuízo do direito do proprietário à justa indemnização e à reserva da área suficiente para a viabilidade da sua própria exploração. 3. Sem prejuízo do direito de propriedade, o Estado procurará obter um adequado rendimento das explorações nas regiões minifundiárias, mediante incentivos à

51


Rever a Constituição: Uma Solução Urgente

integração em cooperativas ou pelo recurso a operações de emparcelamento ou outras adequadas. 4. As operações previstas neste artigo efectuam-se nos termos que a lei definir.

Artigo 99º (Meios da política agrícola) 1. No desenvolvimento da política agrícola, o Estado apoiará de forma adequada as explorações familiares, os pequenos e médios agricultores e as cooperativas agrícolas, e incentivará a formação e o desenvolvimento de novas empresas agrícolas. 2. O apoio do Estado compreende, nomeadamente, dois pontos: a. Concessão de crédito e assistência ténica; b. Apoio de empresas ou serviços públicos e de cooperativas de comercialização a montante e jusante da produção. c. Socialização dos riscos resultantes dos acidentes climatéricos ou fitopatológicos, impresíveis ou incontroláveis. 3. Incumbe ainda ao Estado, fomentar a contribuição de cooperativas agrícolas de produção de compra de transformação e de serviços, e apoiar outras formas de associativismo de trabalhadores rurais e agricultores. 4. Os regimes de arrendamento e de outras formas de exploração de terra alheia, serão regulados por Lei, de modo a garantir a estabilidade e os legítimos interesses do cultivador.

Artigo 100º (Cooperativas e outras formas de exploração colectiva) Eliminado. Artigo 101º (Formas de exploração de terra alheia) Eliminado. Artigo 102º (Auxílio do Estado) Eliminado. Artigo 103º (Ordenamento, reconversão agrária e preços) Eliminado. Artigo 104º (Participação da Reforma Agrária) Eliminado. 52


Francisco Lucas Pires

TÍTULO V SISTEMA FINANCEIRO E FISCAL Artigo 106º (Sistema fiscal) 1. O sistema fiscal é estruturado por Lei com vista à satisfação dos custos da actividade do Estado e outros entes públicos, à equitativa distribuição do rendimento e da riqueza e ao desenvolvimento equilibrado do país. 2. Idêntico. 3. Idêntico. 4. A Lei fiscal não tem eficácia retroactiva.

Artigo 107º (Impostos) Eliminado.

***

TÍTULO VI COMÉRCIO E PROTECÇÃO DO CONSUMIDOR Artigo 109º (Comércio) O Estado garantirá a liberdade do comércio e concorrência e combaterá as actividades especulativas e as práticas comerciais restritivas.

DO ARTIGO 111º AO ARTIGO 289º Não se propõe qualquer alteração, dado tratar-se de uma revisão extraordinária da Constituição, limitada aos aspectos económicos e sociais.

53


Rever a Constituição: Uma Solução Urgente

TÍTULO VI COMÉRCIO E PROTECÇÃO DO CONSUMIDOR Artigo 290º (Limites materiais da revisão) As leis de revisão constitucional terão de respeitar dois pontos: a. b. c. d. e. f. g. h. i. j. l. m. n. o. p.

54

Idêntica. Idêntica. Idêntica. Idêntica. Idêntica. Eliminada. Eliminada. O sufrágio universal directo, secreto e periódico na designação dos titulares electivos dos órgãos de soberania, das Regiões Autónomas e do poder local. Idêntica. Eliminada. Idêntica. A fiscalização da constitucionalidade das normas jurídicas; Idêntica. Idêntica. Idêntica.


Francisco Lucas Pires

55


Rever a Constituição: Uma Solução Urgente

56


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.