newsletter #16 Fevereiro de 2017
Neste número:
A
Gestão
da
Água
Notícias \\ Sessão de Estudo: Domínio Público Hídrico e o reconhecimento da propriedade privada – Como voltar a 1864? Instituição \\APA Tema de capa \\ A Gestão da Água Conceito \\ Aquíferos
GEOJUSTIÇA Rua Bernardo Sequeira, nº16, 1ª Andar - Sala 4 4715-671 Braga
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Notícias
\\ Sessão de estudo: Domínio Público Hídrico e o reconhecimento da propriedade privada - como voltar a 1864 No próximo dia 23 de fevereiro, a Geojustiça marcará presença no painel de oradores da Sessão de Estudo “Domínio público Hídrico e o reconhecimento da propriedade privada - como voltar a 1864”, organizada pela Associação Jurídica de Braga e Delegação de Braga da Ordem dos Advogados. Saiba mais e increva-se em: http://www.ajb.pt/?p=282
Instituição
\\ Agência Portuguesa do Ambiente A APA-Agência Portuguesa do Ambiente é uma instituição da tutela do Ministério do Ambiente e surge da fusão de 9 organismos (Agência Portuguesa do Ambiente, do Instituto da Água, I. P., das Administrações de Região Hidrográfica, I. P., da Comissão para as Alterações Climáticas, da Comissão de Acompanhamento da Gestão de Resíduos e da Comissão de Planeamento de Emergência do Ambiente).
https://www.apambiente.pt/
Nela se incluem as 5 Administrações Regionais Hidrográficas (ARN) responsáveis pelos planos de gestão das bacias Hidrográficas e planos de gestão das águas. São também responsáveis pela emissão dos títulos de utilização dos recursos hídricos e a sua fiscalização garantindo a aplicação das medidas estipuladas. A APA tem ainda como missão geral propor, desenvolver e acompanhar a gestão integrada e participada das políticas de ambiente e de desenvolvimento sustentável, de forma articulada com outras políticas sectoriais e em colaboração com entidades públicas e privadas que concorram para o mesmo fim, tendo em vista um elevado nível de protecção e de valorização do ambiente e a prestação de serviços de elevada qualidade aos cidadãos.
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Tema de capa
\\ A gestão da água Dos diplomas legais fundamentais relacionados com a gestão da água Por se tratar de um bem essencial, e escasso, o valor económico da água é claramente elevado. Contudo, e como refere o considerando da Directiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23/10/2000, a água não é um simples produto económico sendo antes “um património que deve ser protegido, defendido tratado como tal”. A Directiva foi transposta para a ordem jurídica interna pela Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro, que, por sua vez, foi regulamentada pelo Dec.-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio. A última alteração que conheceu a Lei 58/2005 foi-lhe introduzida pelo Dec.-Lei n.º 130/2012, de 22 de Junho, enquanto que ao Dec.-Lei 226-A/2007 foram introduzidas alterações pela Lei n.º 44/2012, de 29 de Agosto. Entre nós as águas são públicas ou particulares. As particulares, de acordo com o disposto no art.º 1386.º do Código Civil, são: a) As águas que nascerem em prédio particular e as pluviais que nele caírem, enquanto não transpuserem, abandonadas, os limites do mesmo prédio ou daquele para onde o dono dele as tiver conduzido, e ainda as que, ultrapassando esses limites, e correndo por prédios particulares, forem consumidas antes de se lançarem no mar ou em outra água pública; b) As águas subterrâneas existentes em prédios particulares; c) Os lagos e lagoas existentes dentro de um prédio particular, quando não sejam alimentados por corrente pública; d) As águas originariamente públicas que tenham entrado no domínio privado até 21 de Março de 1868, por preocupação, doação régia ou concessão; e) As águas públicas concedidas perpetuamente para regas ou melhoramentos agrícolas;
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f ) As águas subterrâneas existentes em terrenos públicos, municipais ou de freguesia, exploradas mediante licença e destinadas a regas ou melhoramentos agrícolas. São ainda particulares os poços, canais, levadas, aquedutos, reservatórios, albufeiras e demais obras destinadas à captação, derivação ou armazenamento de águas públicas ou particulares, assim como o leito ou álveo das correntes não navegáveis nem flutuáveis que atravessam terrenos particulares – cfr. alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 1387.º daquele Código. Esta formulação do conceito de águas particulares é a que, com insignificantes alterações, consta dos n.os 1.º a 5.º do artigo 2.º do Decreto n.º 5787-IIII, de 10 de Maio de 1919. A nossa Constituição reduziu ao mínimo o âmbito do domínio público hídrico, estabelecendo que a ele pertencem “As águas territoriais com os seus leitos e os fundos marinhos contíguos, bem como os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respectivos leitos” – cfr. alínea a) do n.º 1 do art.º 84.º. Por sua vez a Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro integrou no domínio público hídrico “o domínio público marítimo, o domínio público lacustre e fluvial e o domínio público das restantes águas” (cfr. art.º 2.º). Os recursos hídricos do domínio público podem ter uma utilização privativa, considerando-se como tal aquela em que “alguém obtiver para si a reserva de um maior aproveitamento desses recursos do que a generalidade dos utentes” ou aquela que “implicar alteração no estado dos mesmos recursos ou colocar esse estado em perigo” – cfr. art.º 59.º. Este direito de utilização privativa só pode ser concedido por licença ou por concessão. As autorizações, as licenças e as concessões constituem títulos de utilização dos recursos hídricos, conferindo aos seus titulares o direito de utilização exclusiva, e estão sujeitas não só à Lei n.º 58/2005, como também ao Dec.-Lei n.º 226-A/2007, supra referido, que prevê instrumentos de reacção contra a utilização abusiva de qualquer parcela do domínio público hídrico (cfr. art.º 2.º), e estabelece regras precisas quanto a realização de obras pelos interessados, proibindo a alteração do uso assim como a sua alienação, oneração ou hipoteca, salvo autorização da entidade competente para o licenciamento, cominando com a nulidade o acto de transmissão ou oneração que infrinja aquela proibição (cfr. art.º 4.º e n.ºs 6,7 e 8).
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Do uso da água Atividade humana e necessidades hídricas Os Recursos hídricos correspondem ao volume de água disponível numa dada região, durante um determinado período de tempo. As águas subterrâneas são os principais reservatórios de água doce disponíveis para os seres humanos (é a principal fonte de água para aproximadamente 60% da população mundial). Sendo a água um recurso renovável, deveria estar sempre disponível para o homem utilizar. Contudo, quando o seu consumo excede a sua renovação (sobre-exploração), ocorre stress hídrico (falta de água, principalmente em grandes centros urbanos) e diminuição da qualidade da água, sobretudo devido à poluição hídrica provocada por esgotos domésticos e industriais. Numa abordagem de desenvolvimento sustentável, a gestão sustentável dos recursos hídricos compreende acções que visam garantir padrões de qualidade e quantidade da água no âmbito de bacias hidrográficas, considerada como a sua unidade de conservação. O conceito de gestão integrada de recursos hídricos é actualmente considerado um paradigma de gestão da água e quase todos os países já adoptaram legislação especialmente orientada para essa gestão integrada.
Conflitos associados ao uso da água Para ser exercido o direito de uso da água, são necessárias normas que assegurem a sua utilização eficiente e ordenada, preservando o seu papel ecológico e mantendo ou incrementando a sua qualidade. Grande parte dos recursos hídricos encontra-se comprometida pela poluição e por desequilíbrios ambientais resultantes do uso indevido do território. Em muito locais do mundo, tem aumentado a disputa entre os sectores que competem pelo uso da água, gerando conflitos relevantes. A solução para estes conflitos passa por uma gestão integrada e compartilhada do uso, do controlo e da conservação dos recursos hídricos. Esta gestão deve ser realizada holisticamente e de forma multidisciplinar, deixando-se de lado o conceito de gestão apenas baseada no abastecimento, na rega, na produção hidroeléctrica e no saneamento básico.
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Impactes negativos do uso da água A poluição aquática é a contaminação de água por elementos que podem ser nocivos ou prejudiciais ao organismo humano. A água pode ser poluída por um grande número de produtos, podendo ser dividida pelas suas características: Poluição pontual - quando o foco de poluição é facilmente identificável como emissor de poluentes, como no caso de águas residuais, industriais, mistos ou de minas; Poluição difusa - quando não existe propriamente um foco definido de poluição, sendo a origem difusa, tal como acontece nas drenagens agrícolas, águas pluviais e escorrência de lixeiras. A introdução de substâncias poluentes nos corpos aquáticos, ao modificar as características do meio, altera a relação entre produtores e consumidores. Se diminuir o oxigénio dissolvido, as espécies que realizam fotossíntese têm tendência a proliferar, enquanto as que necessitam do oxigénio na respiração podem derivar em situação de hipóxia. Esta alteração da relação entre produtores e consumidores pode levar igualmente à proliferação de algas e organismos produtores de produtos tóxicos. A inserção de compostos tóxicos pode ser absorvida pelos organismos, ocorrendo bioacumulação, compostos que entrando na cadeia alimentar pode causar sérios danos ao ser humano. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, pelo menos 2 milhões de pessoas (principalmente crianças com menos de 5 anos de idade) morrem por ano no mundo devido a doenças causadas por água contaminada. As águas subterrâneas estão relativamente melhor protegidas dos agentes de contaminação que afetam rapidamente a qualidade das águas dos rios, na medida em que ocorrem sob uma zona não saturada (aquífero livre) ou estão protegidas por uma camada relativamente pouco permeável (aquífero confinado). Ainda assim, estão sujeitas a impactes ambientais, tais como, a contaminação e a sobre-exploração. O desenvolvimento bombas elétricas mais potentes tem levado à extração de água dos aquíferos com maior rapidez do que a sua recarga, Para além disso, é necessário considerar que os aquíferos possuem diferentes taxas de recarga. Em quase todos os continentes, muitos dos principais aquíferos são explorados com uma rapidez superior à sua taxa natural de recarga.
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Existem diversos exemplos no mundo de esgotamento de aquíferos devido a sobre-exploração para fins de irrigação. Por exemplo, o esgotamento das águas subterrâneas já provocou o afundamento dos solos situados sobre os aquíferos na cidade do México e na Califórnia. O maior aquífero dos Estados Unidos da América (Ogallala) diminui a uma taxa de 12 km3 por ano e a sua redução total chega a 325 km3. Esta sobre-exploração tem levado a que muitos agricultores região abandonem a agricultura irrigada ao tomar consciência das consequências de um bombeamento excessivo e de que a água não é um recurso inesgotável. A utilização de poços e nascentes deve ser feita sob orientação de um profissional habilitado nesta área de modo que o seu uso não comprometa o uso futuro desses recursos (seja por contaminação ou por sobre-exploração) nem a saúde da população abastecida a possíveis doenças de origem ou veiculação hídrica, devido à utilização de águas inadequadas ou contaminadas. Bibliografia - ALMEIDA C. (Ed.), Glossário de termos hidrogeológicos, Instituto da Água, pág. 54, 2000 - CAETANO, Marcello, Manual de Direito Administrativo, vol. II, 10.ª edição, 6.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 1999 - CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa, vol. I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007 - Decreto n.º 5787- IIII, de 10 de Maio de 1919. Lei das Águas - Diário da República, 1ª série – Nº105, Decreto de lei nº 226-A/2007 de 31 de Maio de 2007; - DIRECTIVA 2000/60/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 23 de Outubro de 2000 - HIPÓLITO J.R & VAZ A.C., Hidrologia e Recursos Hídricos, IST Press, 2ª Edição, pág. 796, 2013 - LENCASTRE A. & FRANCO F., Lições de Hidrologia, Universidade Nova de Lisboa, 2ª edição, pág. 451, 1992 - LIMA, Pires de; VARELA, Antunes, Código Civil Anotado, vol. III, 2.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, 1984. - LOBO, Mário Tavarela, Manual do Direito das Águas, vol. I, 2.ª edição revista e ampliada, Coimbra Editora, 1999. - MOREIRA, Guilherme Alves, As Águas no Direito Civil Português, Livro I, Coimbra Editora, 1920 - http://www.abas.org (website da Associação Brasileira de Águas Subterrâneas)
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Conceito \\ Aquíferos Um aquífero é uma formação geológica constituída por rochas permeáveis que armazenam água nos seus poros e/ou fracturas. Uma outra perspectiva define aquífero como sendo apenas as rochas com capacidade para armazenar e também para disponibilizar a água aí armazenada. Assim sendo, uma litologia só será aquífera se, para além de ter os seus poros saturados (cheios) de água, permitir a fácil transmissão da água armazenada. Um aquífero pode ter uma extensão muito variável, de alguns a milhares de km2 e pode apresentar espessuras de poucos metros a centenas de metros. Etimologicamente, aquífero significa aqui = água, fero = transfere; ou do grego, suporte de água. Quanto à superfície superior (segundo a pressão da água), os aquíferos podem ser de dois tipos: - Aquífero livre ou freático - é constituído por uma formação geológica permeável e superficial, totalmente aflorante em toda a sua extensão, e limitado na base por uma camada impermeável. A superfície superior da zona saturada está em equilíbrio com a pressão atmosférica, com a qual se comunica livremente. Os aquíferos livres têm a chamada recarga direta. Em aquíferos livres o nível da água varia segundo a quantidade de chuva. São os aquíferos mais comuns e mais explorados pela população. São também os que apresentam maiores problemas de contaminação. - Aquífero confinado ou artesiano - é aquele constituído por uma formação geológica permeável, confinada entre duas camadas impermeáveis ou semipermeáveis. A pressão da água no topo da zona saturada é maior do que a pressão atmosférica naquele ponto, o que faz com que a água ascenda no poço para além da zona aquífera. O seu reabastecimento ou recarga, através das chuvas, dá-se preferencialmente nos locais onde a formação aflora à superfície. Neles, o nível da água encontra-se sob pressão, podendo causar artesianismo nos poços que captam suas águas. Os aquíferos confinados têm a chamada recarga indireta e quase sempre estão em locais onde ocorrem rochas sedimentares profundas (bacias sedimentares).
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Numa perfuração de um aquífero confinado, a água subirá acima do teto do aquífero, devido à pressão exercida pelo peso das camadas confinantes suprajacentes. A altura a que a água sobe chama-se nível potenciométrico e o furo é artesiano. Numa perfuração de um aquífero livre, o nível da água não varia porque corresponde ao nível da água no aquífero, ou seja, a água está à mesma pressão que a pressão atmosférica. O nível da água é designado então de nível freático.
Fontes: - ALMEIDA C. (Ed.), Glossário de termos hidrogeológicos, Instituto da Água, pág. 54, 2000 - LENCASTRE A. & FRANCO F., Lições de Hidrologia, Universidade Nova de Lisboa, 2ª edição, pág. 451, 1992
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