#4 - As Freguesias e a reforma da Administração Local

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Dezembro de 2011

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Neste número: Notícias \\ Reforma da Administração Local \\ Conselho Científico Instituição \\ Instituto Geográfico do Exército

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Tema de capa \\ As freguesias e a reforma da administração local Conceito \\ Cumeada / águas vertentes Referências \\ The legal geographies reader: law, power and space Equipa Geojustiça \\ Vera Gois Freitas

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Notícias

\\ Apresentada reforma da administração local O Governo apresentou n passado mês de Setembro o “Documento verde da reforma da administração local”, onde apresenta as principais linhas orientadoras da reforma da Administração Pública local. A Reforma da Administração Local proposta assenta em quatro grandes pilares: 1. A restruturação do Sector Empresarial Local; 2. A reorganização do território; 3. A redefinição do modelo de gestão municipal, intermunicipal e de financiamento; 4. O reforço da democracia local. O Documento está neste momento em discussão, de acordo com um cronograma de implementação definido, e pode ser acedido a partir do seguinte link: www.portugal.gov.pt/pt/GC19/Documentos/MAAP/Doc_Verd e_Ref_Adm_Local.pdf

\\ Geojustiça reúne Conselho Científico A Geojustiça reúne no mês de Dezembro o seu Conselho Científico constituído por pessoas individuais de reconhecido mérito nas áreas do Direito, Geografia, Cartografia, Arquivística e florestas e baldios, naquela que será a primeira reunião deste Órgão. Este Órgão tem como missão contribuir para uma melhor orientação científica e técnica dos serviços prestados pela spin-off.

Instituição

Mais informação em www.igeoe.pt

\\ Instituto Geográfico do Exército O Instituto Geográfico do Exército (IGeoE) é o órgão responsável pela informação geográfica do Exército Português. A Carta Militar de Portugal na escala 1:25 000 é considerada o seu ex-libris, no entanto, as suas actividades são bem mais abrangentes e diversificadas. Os produtos produzidos pelo Instituto Geográfico do Exército vão desde a informação digital e impressa à fotografia cartográfica e publicações diversas associadas à cartografia e sua evolução. O IGEOE presta ainda vários serviços on-line, de que se destacam o IGeoE-SIG, um visualizador de informação geográfica, o SERVIR - Sistema de Estações de Referência GPS VIRtuais, que permite receber por GPS coordenadas com margem de erro de apenas 10 centímetros e a cartoteca, que disponibiliza cerca de 3500 documentos nesta base, associando as imagens das cartas militares à sua descrição bibliográfica.

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Tema de capa

\\ As freguesias e a reforma da administração local Da reforma proposta pelo Governo no “Documento Verde da Reforma da Administração Local” recentemente apresentado, o ponto mais mediatizado, e talvez de mais difícil implementação, é sem dúvida a reorganização das freguesias. Vejamos sucintamente em que consistem estas autarquias. As freguesias foram integradas na organização administrativa portuguesa pelo decreto de 26 de Novembro de 1830, publicado nos Açores (Angra). Contudo, as freguesias civis só foram criadas pelos liberais em 1836, tendo pouco depois sido suspensas, em 1840, e regressado novamente 1878. Todavia, mesmo antes da sua integração na organização administrativa, as freguesias já exerciam eminentes funções públicas. Entre estas funções destacam-se as respeitantes aos assentos de registo civil e ao recenseamento eleitoral. Durante séculos a sua existência respeitava à organização eclesiástica, de quem constituíam a sua célula-base. A sua acção esteve presente em múltiplos campos da área social, com relevância directa ou indirecta e em maior ou menor grau, nos concernentes a desempenhos de beneficência, instrução pública, orfanatos, misericórdias e hospitais e, em torno delas, firmaram-se no dia-a-dia os vínculos religiosos, culturais, educativos e assistenciais das populações, substituindo em muitos aspectos a acção do Estado central. A Constituição de 1976 consignou às freguesias a manutenção do estatuto autárquico que vinham detendo, ocupando o nível autárquico de base no sistema administrativo português. Elas são aliás uma particularidade do nosso sistema administrativo, não existindo nos restantes países da Europa, com a excepção da Inglaterra e do País de Gales. Reformar o quê, como e porquê? Ao longo de mais de 180 anos de existência, as freguesias nunca foram objecto de uma reforma territorial significativa. Contudo, ainda que a realidade de hoje seja muito distinta da realidade de 1836, quando foram criadas, não cremos que existam razões suficientemente fortes para uma reforma territorial das autarquias como a que se desenha.

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São efectivamente necessárias alterações pontuais, norteadas pela racionalidade, no sentido de ajustamentos necessários ao nível de configuração e mapa, mas acima de tudo ao nível de funções e competências. A agregação de freguesias poderá fazer sentido em algumas situações, como forma potenciadora de escala, de consistência e de optimização de recursos. Agora fará sentido impor esta medida como uma solução geral, não poderá este objectivo ser atingido, por exemplo, pela promoção de medidas conjuntas de eficiência, que passem pela partilha e dinamização de infra-estruturas, actividades, património ou instituições de apoio social? Ou outras acções desenhadas de acordo com a realidade e a necessidade de cada território? Resumir uma reforma tão profunda unicamente a critérios demográficos e de acessibilidade (distância) parece-nos demasiado redutor para uma realidade tão complexa e rica como a das freguesias portuguesas. Outros critérios deveriam igualmente ser contemplados, como critérios económicos (as freguesias com autonomia financeira, por receitas próprias, podem igualmente vir a ser extintas?), de desenvolvimento (freguesias que apresentaram, para além de aspectos económicos, uma evolução ambiental, de dotação de infra-estruturas e equipamentos) e sociais (importância real da autarquia para a população local, em termos de prestação de serviços), entre outros, que ressalvem as particularidades positivas e desencadeadoras de políticas de proximidade, sociabilidade e desenvolvimento.

Carta Administrativa Oficial de Portugal, com a representação das freguesias no continente. Fonte: CAOP, 2011 - IGP

A importância das freguesias cresce quando as analisamos num contexto de forte ruralidade e desertificação que caracterizam parte do território Português. Nas áreas rurais há menos barreiras na relação com a comunidade, há contactos mais estreitos, compreensivos e pessoais, que ocorrem em espaços territorialmente circunscritos, constituindo a aqui a freguesia um elo na intermediação entre os municípios (por vezes mesmo o Estado central) e as populações locais, na representação e defesa das pretensões da comunidade, bem como na prestação de serviços de proximidade. O “Documento Verde” apresentado pelo Governo, neste caso, atende a estas particularidades, fazendo uma discriminação positiva das áreas rurais e periféricas relativamente às áreas urbanas e às sedes de concelho, o que nos parece muito positivo.

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Dezembro de 2011 Qualquer que seja o cenário futuro, a fixação dos limites de freguesia centra e problematiza um dos aspectos da maior acuidade para as freguesias, para as populações e municípios. A alteração de um limite acarreta frequentemente paixões e outros sentimentos de identidade local, assim como rivalidades entre espaços vizinhos. Para alem disso, vão surgir outros problemas que ainda subsistem no nosso território: situação de demarcações de limites administrativos ainda não definitivos, muitas vezes em processo de disputa por diferentes autarquias. Em regra as demarcações e limites das freguesias são imemoriais, assumem carácter consuetudinário, mas muitas vezes a complexidade da sua aferição a par das rivalidades entre freguesias adjacentes provocaram ao longo de várias décadas confrontações e conflitos, que afectam as populações em diferentes níveis: na justiça, pelo elevado número de casos de reivindicação e reconhecimento de propriedade, que tendem a aumentar com a realização dos trabalhos para o cadastro predial; na área económica, privando autarquias do usufruto de património, fundos e apoios financeiros enquanto os conflitos não se encontrem resolvidos; finalmente, na área de planeamento e consequentemente na aplicação dos instrumentos de gestão territorial, entre outras. Outro aspecto que deve merecer especial atenção e ponderação por parte do poder politico é a possível fragmentação de aglomerados populacionais de pequena dimensão por diferentes freguesias e até por distintos municípios, com consequências evidentes em termos de gestão e coesão do território. Para uma reforma bem-sucedida é necessário uma reflexão em torno da realidade autárquica, das suas dificuldades, potencialidades e diversidade local. E essa reforma, a ser implementada, deve partir da discussão sobre o que pretendemos e qual o papel das freguesias no nosso território, que ainda não aconteceu, e que deve preceder qualquer estabelecimento de critérios gerais. Bibliografia FREITAS, Carla, 2007, “A Geografia e o Direito: a informação geográfica ao serviço da justiça”, Tese de Mestrado, ISEGI-UNL: Lisboa. OLIVEIRA, António Cândido de, 2011, “É necessário uma reforma territorial das freguesias?” Direito Regional e Local, 13, Janeiro/Março, pp. 5-9. OLIVEIRA, César, 1996, “História dos Municípios e do poder local -dos finais da idade média à união europeia”, Círculo de Leitores: Lisboa. SANTOS, José António, 1995, “As freguesias: história e actualidade”, Celta Editora: SILVEIRA, L.N.E. da, 1997, “Território e Poder: nas origens do estado contemporâneo em Portugal”, Patrimonia Histórica: Cascais.

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Conceito “Cumiada: a parte superior das montanhas ou dos seus contrafortes no sentido da sua extensão. A linha que se imaginar passando pelos pontos mais altos d’uma cordilheira de serras ou montanhas aonde se repartem as àguas pelas suas vertentes.” GUERRA, 1870.

\\ Cumeada/ águas vertentes/ linha de divisão de águas Nos dicionários jurídicos verifica-se que o conceito de águas vertentes, também designado por linha de cumeada, linha de divisão ou separação de águas, ou linha de festo surge algo abreviado, designando as águas vertentes como as que se encontram no prédio inferior, vindas do superior. Na prática a linha de cumeada é um divisor de águas de pelo menos duas bacias hidrográficas. Como cada elevação no terreno, pequena ou grande, é caracterizada pelo seu cume (um ponto a partir do qual o terreno declina em todas as direcções), a linha que une esses pontos mais altos de uma sequência de morros ou montanhas constitui-se no seu divisor de águas. Esta linha determina o lado para o qual escoam as águas, pelo que deve ser obtida de mapas topográficos bem elaborados que contemplem os pontos cotados, as curvas de nível e a representação das linhas de água.

Desenho esquemático de linha de cumeada e águas vertentes STRAHLER, 1997

Uma bacia hidrográfica é uma área definida topograficamente, por um sistema interligado de cursos de água. O contorno da bacia é definido pela linha de separação de águas que divide as precipitações que escorrem ao longo das vertentes de uma bacia das que caem em bacias vizinhas, através da força da gravidade e que encaminham o escoamento superficial. Esta linha segue pelas linhas de cumeada em torno da bacia, passando pelos pontos de máxima cota entre as bacias, o que não impede que no interior de uma bacia hidrográfica existam picos isolados com cotas superiores. Bibliografia BAUD, Pascal et. al., 1999, “Dicionário de Geografia”, Plátano: Lisboa FRANCO, João e MARTINS, Herlander, 1993, “Dicionário de conceitos e princípios jurídicos”, Almedina: Coimbra. GUERRA, Manuel José Júlio, 1870, “Diccionario topographico para uso dos engenheiros civis e seus auxiliares”, Vol 1, Typ. Universal, Lisboa

Desenho de linha de cumeada sobre cartografia 1:25.000 (IGEOE)

LOPEZ, Francisco, 1992, “Geografía física”, Cátedra: Madrid. PRATA, Ana, 2009, “Dicionário Jurídico”, Almedina: Coimbra. STRAHLER, Arthur N., 1997,”Geografia física” Ómega: Barcelona.

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Referências BLOMLEY, Nicholas, 2001, “The legal geographies: law, power and space”, WileyBlackwell: Oxford

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\\ The legal geographies reader: law, power and space Este livro aborda a relação entre o Direito e a Geografia, numa tentativa de clarificar as ligações cada vez mais complexas entre estas duas disciplinas. Os tópicos abordados incluem o espaço público, racismos locais e lei, a propriedade e a cidade, a formação estatal e a centralização legal, a regulamentação ambiental e a globalização, recorrendo a aproximações antropológicas à lei e à sociedade em num contexto de globalização. O autor combina análises amplas com estudos de caso detalhados e recorre a diferentes escalas geográficas – locais, nacionais e globais. Este é um valioso livro que invade os espaços confinados de disciplinas como o Direito, a Geografia, mas também da Sociologia e Antropologia.

\\ Vera Gois Freitas Geógrafa, licenciada em Geografia e Planeamento pela Universidade do Minho. Tem diversa experiência e formação em áreas como os SIG - Sistemas de Informação Geográfica, CAD e GPS . Tem experiência em projectos de expropriação e cadastro, designadamente ao nível de cadastro geométrico e predial (caracterização e avaliação).

vera.freitas@geojustica.pt

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