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SOLIDARIEDADE ENDÊMICA
Após deixar uma trilha de perdas irreparáveis, inclusive de vidas, a pandemia do Covid-19 trouxe uma nova rotina ao mundo: quarentena, isolamento social e cuidados emergenciais. Mas também revelou uma incrível corrente mundial de solidariedade como há muito não se via. Em meio a tantos gestos de esperança, grupos de motociclistas brasilienses se uniram e mostraram um louvável exemplo de cidadania, contagiando outros grupos em âmbito nacional e sustentando esforços em prol do país
HENRIQUE CAVALCANTI/LÍGIA BOECHAT/JULIANA JACINTO
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Grupos de motociclistas do DF: campanha que “contagiou” o Brasil
DA REDAÇÃO
Quem insistentemente tentou acompanhar os noticiários das primeiras semanas após o carnaval no Brasil constatou que eles só pareciam tratar de um único assunto: a emergência planetária do coronavírus, com seus desastrosos desdobramentos econômicos, políticos e culturais, além dos dolorosos efeitos sociais. Mas não só isso: os jornais e a internet também destacaram uma notável onda mundial de solidariedade, surgida na esteira das dores pelas vidas perdidas e pelos estragos deixados pela pandemia.
HENRIQUE CAVALCANTI/LÍGIA BOECHAT/JULIANA JACINTO
Serenatas e espetáculos de música nas varandas dos prédios, doações milionárias de celebridades dos esportes e do show business, “vaquinhas” virtuais diversas e incontáveis, o delivery social, cestas básicas para pessoas em situação de rua... Os exemplos são inumeráveis no Brasil e no mundo, o que mostra a bela capacidade que a humanidade tem de sair da sua rotina habitual e de se reinventar pensando no bem-estar do próximo.
Em Brasília (DF), chamou também a atenção uma campanha de auxílio, vinda de grupos de motociclistas da cidade, que se espalhou por outros grupos afins de vários outros estados do país, como uma solidariedade endêmica, para ajudar caminhoneiros pelas estradas brasileiras. Na última semana de março, o tocante vídeo de um caminhoneiro e motociclista, que mostrou a necessidade vivida por seus companheiros de ofício, acabou viralizando e mobilizando os motoclubes da capital.
No vídeo, o integrante do Coyoty’s MC Brasil clamava à irmandade motociclística do país por auxílio aos caminhoneiros. Com a quarentena, eles ficaram até com dificuldade de alimentação, pois rodam muitos quilômetros de rodovias por dia Brasil afora, mas encontravam todos os restaurantes e comércios de estrada fechados. O empresário Alexandre Boechat, presidente do Urubându Moto Clube, sediado no DF, foi um dos idealizadores do movimento solidário. Surgia, assim, em 28/03, a campanha: “Mate a fome de um caminhoneiro, para a fome não matar o Brasil”.
Auxílio à rede arterial que abastece o país
“Sentimos que precisávamos fazer algo. Logo que veiculamos a ideia da campanha na nossa rede de contatos, já conseguimos doações em dinheiro. Assim, fizemos as encomendas de marmitas de um restaurante de conhecidos e organizamos a ação”, afirmou Alexandre, que também contou com a esposa (Lígia) para planejar a logística. O plano era ambicioso, mas viável: abastecer os caminhoneiros com refeições ao longo das rodovias pelo Brasil. Mas, para isso, necessitavam da adesão dos outros motoclubes da cidade e também de outros estados, o que logo aconteceu. Demais companheiros de motoclubes brasilienses também se integraram à campanha: Suzete Avelino e seu marido, Henrique Cavalcanti, do Motojus MC, ajudaram a coordenar a logística nas BRs, solicitando o auxílio da Polícia Rodoviária Federal, que prestou toda a ajuda possível. Sócio da Capital Moto Week Entretenimento, Pedro Affonso Franco, juntamente com Juliana Jacinto, também aderiram e ajudaram na coordenação, na
mobilização e na divulgação da campanha, que foram intensas. A ação começou na BR 060 e foi um sucesso. Em um só dia, foram 100 marmitas distribuídas para caminhoneiros. Com a primeira iniciativa, ideias novas surgiram: resolveram encomendar refeições de restaurantes comunitários, ao custo de R$ 1,00 a marmita, o que fez render o que eles já tinham de valores doados em caixa. Na ação seguinte, decidiram dividir o grupo em equipes, para atender também outras rodovias que cortam o DF (a BR 020 e a BR 040), além da BR 060. A campanha continua, sem prazo para acabar. Até o fim de abril, mais de 5 mil refeições foram servidas.
HENRIQUE CAVALCANTI/LÍGIA BOECHAT/JULIANA JACINTO
“Foi intensa a união de todos. Serviu para consolidar a irmandade motociclística, que se fortaleceu quando nós nos vimos atuando juntos numa causa social dessa importância”, declara Alexandre. Ele explica que os caminhoneiros compõem a rede arterial de um país, por onde passam todos os recursos para o abastecimento da nação. “Se lhes falta algo, todo o país e nossa população são prejudicados”, destaca.
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Eco às ações mundiais de solidariedade
Pedro Affonso está certo de que a campanha é só o início de muitas outras ações solidárias semelhantes da irmandade, para fazer a diferença nas vidas das pessoas, a fim de modificar positivamente suas difíceis realidades. “Quando as pessoas se unem para fazer o bem, essa corrente contagia mais pessoas e se multiplica, envolvendo todos à sua volta. É uma forma de dar eco às ações de solidariedade que ocorrem pelo Brasil e pelo mundo afora”, explica.
“Uma campanha como essa é uma oportunidade que nós, motociclistas, temos de mostrar a nossa verdadeira face de solidariedade para a sociedade. E é isso o que a gente sempre quis desde o início: ajudar indistintamente, pela união da irmandade motociclística, para auxiliar a irmandade dos caminhoneiros. E, consequentemente, assim, estamos ajudando o país como um todo”, acredita Alexandre.
Suzete Avelino é da mesma opinião. “A campanha significa a preocupação com o próximo, independentemente da classe, da amizade ou do conhecimento. Nós, motociclistas, nos colocamos no lugar do outro e estamos sempre na estrada, vivendo e convivendo com a parceria dos caminhoneiros. Essa ação nos dá a oportunidade de fazer por eles o que eles sempre fizeram por nós. Esse é o nosso sentimento, inclusive de agradecimento”, finaliza.