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PELA DIGNIDADE DOS EXCLUÍDOS

MSF: PELA DIGNIDADE DOS EXCLUÍDOS

A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) faz, de sua intensa atuação pelas populações vulneráveis em todo o planeta, a sua marca de compromisso com a vida. Em quase meio século de história, a entidade foi agraciada com um Nobel da Paz, chorou a perda de vários de seus profissionais em zonas de guerra e se consolida como a maior ONG de ajuda humanitária do mundo na área da saúde

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PAULO CASTRO

AGNES VARRAINE-LECA/MSF

Atendimento a pacientes com suspeita de cólera, em plena guerra civil (Iêmen, 2017)

Em 1971, de volta a Paris, vindos da então autoproclamada República de Biafra, envolvida em violenta guerra civil, alguns jovens médicos franceses ainda tentavam digerir os horrores presenciados. Após muita discussão, todos concluíram que não poderiam ser mais condescendentes com a política de neutralidade e de reserva da organização humanitária à qual pertenciam. Uma entidade internacional que não tomava partido em relação aos jogos políticos que deflagravam guerras, surtos e arbitrariedades, que deixavam vulneráveis – às decisões dos governantes e dos braços do capital privado

ISABEL CORTHIER/MSF

Centro para tratamento contra o HIV (Maláui, 2019)

– as populações dos países envolvidos em conflitos. Aliados a jornalistas franceses, eles decidiram criar uma outra entidade, independente, sem fins lucrativos, que, além da ajuda humanitária, também denunciasse injustiças e promovesse ações de sensibilização perante a mídia global e instituições políticas de todo o mundo, em prol da dignidade e da defesa dos povos mais afetados pela desigualdade. Nascia, assim, a ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF). Em 49 anos de existência, além da intervenção e do socorro marcante a emergências humanitárias terríveis e prementes em todo o mundo (inclusive no Brasil), responsável pelos cuidados de saúde de um número incalculável de vítimas de todos os tipos de ocorrências (de guerras a desastres ambientais, de epidemias a urgências sociais), a organização – assim como muitas das populações que socorre – também registra baixas de difícil assimilação, como a morte de muitos de seus profissionais durante suas atividades.

Talvez a pior delas – pelo número de atingidos – tenha ocorrido no trágico ano de 2015, quando 14 profissionais de MSF perderam suas vidas, depois que o hospital de traumas que a organização mantinha em Kunduz, no Afeganistão, foi alvejado, por engano, por ataques aéreos norte-americanos. Na ocasião, diversos profissionais de MSF, mesmo sob intenso bombardeio, apesar do risco às próprias vidas, lutaram para salvar seus pacientes com ingentes e heroicos esforços. O caso teve repercussões drásticas, inclusive com grave crise diplomática. Em 1999, a organização foi agraciada com o Prêmio Nobel da Paz, “em reconhecimento ao trabalho humanitário pioneiro em diversos continentes” e também como uma forma de honrar seus profissionais médicos, cuja atuação em mais de 70 países possibilitou – e ainda possibilita – o tratamento de dezenas de milhões de pessoas.

No discurso de recebimento da premiação, o dr. James Orbinski, então presidente do Conselho Internacional de MSF, afirmou que, “embora a dignidade das pessoas em crise seja tão central para a honra que vocês nos concedem hoje, o que vocês reconhecem em nós é a nossa resposta particular a ela”.

UMA MÉDICA DE BRASÍLIA EM ATUAÇÃO NA FAIXA DE GAZA

Dentre tantos profissionais de MSF das mais diversas nacionalidades, registramos um depoimento tocante de uma médica, moradora da Capital Federal, que atua na ONG e traz muitas lembranças marcantes da experiência.

ESCRITÓRIO DE MSF/RJ

A história da médica anestesista Liliana Andrade em MSF começou em 2010, quando participou pela primeira vez de um projeto. Liliana mora em Brasília e trabalha no Hospital de Base do Distrito Federal e no Hospital da Criança de Brasília José Alencar. Ela costuma dedicar seus períodos de férias para atuar nos projetos de MSF. Ao partir para sua primeira missão, no Haiti, ela ingressou na organização. Liliana integra um grupo de cerca de 200 profissionais brasileiros que trabalham todos os anos em projetos de MSF. Eles ficam, em média, seis meses em um projeto. No caso de Liliana, a situação foi diferente. Como ela costuma atuar em missões de emergência ou em áreas de conflito, os períodos de permanência nos projetos são excepcionalmente mais curtos.

Ela contabiliza 12 missões e coleciona episódios marcantes. “Acho que desafio é a palavra que resume meu trabalho em MSF”, afirma Liliana. “No início, minha motivação para trabalhar na organização era por ter perdido meus pais e meu irmão. Hoje, recebo esta oportunidade de trabalho como um presente, um verdadeiro divisor de águas na minha vida”, diz ela.

Durante sua trajetória, além do Haiti, Liliana passou por países e regiões como Sudão do Sul, Paquistão, Afeganistão e Oriente Médio. Dentre as muitas histórias que tem para contar, a que compartilha a seguir ocorreu durante um projeto na Faixa de Gaza, em uma das

ARQUIVO PESSOAL

A médica Liliana Andrade durante trabalho em projeto de MSF na Faixa de Gaza

três vezes que esteve na Palestina, uma região marcada por conflitos milenares, onde conheceu o menino Youssef.

DEPOIMENTO DE LILIANA ANDRADE

Youssef foi uma criança que atendi em um projeto que oferecia cirurgias plásticas reconstrutoras no sul da Faixa de Gaza. Em 2012, quando cheguei à região pela primeira vez, o projeto atendia principalmente crianças, vítimas do conflito entre forças israelenses e grupos palestinos, ocorrido no final de 2008 e início de 2009. Na época, Youssef tinha 3 anos de idade e apresentava queimaduras nas mãos e no rosto. Fizemos a primeira cirurgia nele, mas infelizmente ele perdeu o enxerto. Anestesiei-o algumas vezes para as intervenções cirúrgicas necessárias. No último dia em que eu estava lá, chamei o tradutor, porque nem Youssef e nem sua mãe falavam inglês. Apesar da barreira da língua, eu percebia que ele sempre prestava muita atenção quando conversávamos em in-

BENOIT FINCK/MSF

Cuidados emergenciais a crianças e gestantes com desnutrição aguda grave (Nigéria, 2016)

glês entre nós, os profissionais estrangeiros (como eu) e os funcionários locais.

Chamei o tradutor porque queria avisar ao menino que era meu último dia na Faixa de Gaza. Então, a mãe dele pegou o véu que usava e o colocou em mim. Youssef, que sempre me via sem véu, ficou me olhando. Quando me ajoelhei para ficar na mesma altura que ele, pedi para o tradutor dizer a ele que era o último dia que ele me veria. O menino me olhou, e ele, que não falava inglês, disse: “I love you, Lili”. Foi muito emocionante.

O reencontro

Anos mais tarde, em 2014, quando eu ia a um projeto no Afeganistão, foi feita uma força-tarefa para levar à Faixa de Gaza profissionais de MSF com experiência em conflitos. Fiquei bem próxima à fronteira com Israel. Perguntei ao coordenador médico, que é um profissional local, se ele tinha notícias do menino Youssef, e a resposta foi positiva.

Um dia, quando cheguei do hospital, Youssef estava me esperando no escritório. Foi uma das vezes que mais chorei de emoção em toda a minha vida. Ele havia crescido, mas demonstrava muita timidez. Quando lhe perguntava se ele se lembrava de quem eu era, ele respondia que sim, mas não levantava o rosto para me olhar. Conversando depois com o tradutor, soube que Youssef passava por problemas na escola, porque as pessoas (crianças e mães) não queriam que uma criança assim, com o rosto tão deformado, estudasse com elas. Aquele momento, em que nós nos reencontramos, era uma situação de muita vergonha para ele. Levei lápis de cor, papel e livros para colorir e ficamos brincando no jardim do escritório por um tempo. Ele se despediu e não nos vimos mais por alguns anos.

Youssef mais maduro e resiliente

Quatro anos mais tarde, retornei à Faixa de Gaza e, mais uma vez, perguntei à equipe se não seria possível ter algum contato. A informação que tive era que, daquela vez, seria um pouco mais difícil, por eles terem mudado o número de telefone. O contato finalmente foi

feito, e a mãe de Youssef disse que só poderia ir ao encontro dois dias depois. Soube pela mãe que ele estava bem ansioso e ficava perguntando quando veria a Lili. Quando eu estava retornando do hospital, vi que ele me aguardava na calçada do escritório. Ele estava bem comprido. Dessa vez, quis ser fotografado e não escondeu mais o rosto. Novamente, não pude conter a emoção em revê-lo. Embora seu aspecto estético não permita uma recuperação cirúrgica, a parte da funcionalidade dele (como as mãos, a abertura da boca e dos olhos) foi toda recuperada. Youssef fez muito tempo de fisioterapia em Gaza. A região da mão, após a cirurgia para separar os dedos, necessitou de fisioterapia para a recuperação do movimento dos dedos, que estavam enrijecidos. Inicialmente, ele também não se alimentava bem com alimentos sólidos (apenas líquidos) e havia problemas na abertura das pálpebras. Todos os procedimentos para a sua recuperação foram fundamentais para lhe restaurar a funcionalidade do corpo e para a sua própria sobrevivência. Fiquei feliz por ver que, em 2018, ele não estava mais com todos aqueles problemas que apresentava quatro anos antes. Soube, pela mãe, que ele está na escola e que perdeu um pouco da timidez que sentia como consequência do preconceito que sofria.

LAURIE BONNAUD/MSF

Profissionais de serviço social e psicoterapia de MSF (Territórios Palestinos, 2018)

AGNES VARRAINE-LECA/MSF

MOHAMMAD GHANNAM/MSF

Crianças posam na frente de sua casa bombardeada (Iêmen, 2018) Haussian (13 anos) e sua família moram numa tenda há três anos. Quando lhe perguntam o que quer ser quando crescer, ele diz: “se eu sobreviver, quero ser médico” (campo de Amriyat al-Falluja, Iraque, 2018)

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