Não é difícil entender e admitir que o governo Lula se relaciona com as dinâmicas de poder real na economia financeirizada global, em nome de recriar as condições e a infraestrutura para o crescimento, buscando um multilateralismo ativo no plano comercial e no terreno geopolítico. Reconhecer os condicionamentos internacionais dos fluxos com as mediações na forma de políticas ativas de regulação e reorientação dos rumos da nossa inserção internacional parece ser mais adequado do que nos afundar no neoliberalismo primário da era Fernando Henrique ou num cesarismo político de recriação de um certo “terceiro mundismo”. Mas como articular novas dinâmicas voltadas para redistribuir a riqueza e o poder sem mobilizar as multidões nos territórios? Como mobilizar os territórios e em particular as cidades (metrópoles) sem universalizar direitos, sem redistribuir renda? Como interferir e ampliar as potencialidades produtivas sem reverter as lógicas da desigualdade, sem redistribuir riqueza? O resultado contraditório das urnas vai além de uma polêmica sobre as alianças e as contradições do PT. Ele expressa o caráter ambivalente do resultado. Aposta no PT e reafirma o pacto com as possibilidades de aceitar regras prudentes no plano internacional e na gestão dos recursos públicos, aprofundando a derrota de oligarquias e enfraquecendo o PFL, mas ao mesmo tempo cobra um olhar mais comprometido com os territórios e as políticas universais. A pasteurização do projeto político nivelado pela lógica da subordinação sem inovação no plano macro-econômico leva o PT a não escutar a crise dos territórios, ali onde ele governa e/ou a população quer mais. As falhas do Fome Zero; a incapacidade de gastar com o social e os problemas do Bolsa Família, se ligam menos a problemas de gestão do que à incapacidade de universalização. Não se pode atacar por doses homeopáticas os pontos de estrangulamento onde a relação de forças necessita de uma afirmação estratégica de peso, uma clara inversão de prioridades. As ambivalências do projeto petista não se resolverão em golpes de força política para uma “revolução pelo alto”, nem no âmbito da lógica palaciana entre o alargamento da base governista e a tecnocracia submetida aos humores do mercado volátil. Somente uma recomposição por baixo na sociedade pode alargar o campo das estratégias de desenvolvimento, mobilizando o potencial sócio-produtivo das multidões na cidade. Mas nada se fará sem uma pactuação que responda ao falso dilema que se inscreve na concepção de inversão internacional de capital, que desconsidera a lógica da centralidade do trabalho vivo na criação das riquezas. Para mobiliar sócio-produtivamente os territórios é preciso um pacto social interno, o que muitos chamam de um “novo welfare”, o que certamente não nos separa da disputa internacional que articula a redistribuição da renda e do poder como base para uma outra globalização enfrentando o neoliberalismo. Os meios escassos não justificam uma incapacidade de realizar escolhas que podem reverter os mecanismos de desigualdade, a partir das reservas internas e da potência viva de nossas cidades. O PT tem de reconhecer que o interno também é externo, que a globalização é de cima para baixo do ponto de vista do capital e de baixo para cima do ponto de vista das multidões, dos que pertencem às classes que vivem da venda de seu trabalho, tanto de forma assalariada quanto por conta própria. Nossas potencialidades estão imobilizadas por conta de o governo não encontrar uma outra via para o choque de renda interna, sem o qual não podemos realizar uma acumulação relacionada aos modos de produção e consumo de massa. Para construir as dimensões das relações de uma economia avançada e integrada para além dos condicionamentos imediatos das forças mais predatórias da globalização. Assim, como não existe inovação no âmbito da nova economia capitalista imaterial e cognitiva sem investimento de risco, não existe possibilidade de recompor as condições e relações de classe de modo a buscar um novo paradigma de desenvolvimento sem um investimento social de risco. Seção 1 GLOBAL
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Comitê Editorial e Coordenação Executiva Alexandre do Nascimento Barbara Szaniecki Caio Márcio Silveira Ecio de Salles Ericson Pires Fábio Malini Francisco Guimarães Gerardo Silva Giuseppe Cocco Ivana Bentes Leonora Corsini Maria José Barbosa Patricia Fagundes Daros Pedro Cláudio Cunca Bocayuva Peter Pál Pelbart Ronald Duarte Tatiana Roque Conexões Globais Antonio Negri (Itália) F. Ingrassia (Argentina) Javier Toret (Espanha) Luca Casarini (Itália) Marco Bascetta (Itália) Michael Hardt (Estados Unidos) Nicolás Sguiglia (Espanha) Raul Sanchez (Espanha). Conselho Editorial Adriano Pilatti Alexandre Vogler Ana Monteiro André Basseres André Urani Charles Feitosa Emanuele Landi Eugênio Fonseca Fernando Santoro Hermano Viana João Almeida Sobrinho Joel Birman Jô Gondar Kiko Neto Leonardo Palma Lorenzo Macagno Luis Andrade Luiz Camillo Osório Mauro Sá Rego Costa Simone Sampaio Suely Rolnik
Capa Interferência urbana de Guga Ferraz Foto de Arthr LeandroCorações viciados de Marcos Cardoso Participaram deste número / Textos Alexandre Curtiss Alexandre do Nascimento Antonio Lancetti Arthur Leandro Caio Márcio Silveira Denilson Lopes Écio de Salles F. Borges/R. Adaime (Catadores de Histórias) Fábio Malini Fábio Goveia Francisco de Guimaraens Francisco Franca Franklin Coelho Gerardo Silva Guga Ferraz Ivana Bentes Jaime de Castro Filho pseudônimo Jeroen Klink Leonora Corsini Luis Carlos Fridman Margareth Hisse Paolo Gurisatti Pedro Cláudio Cunca Bocayuva Renata Bernardes Ricardo Rosas Ricardo Ruiz Ricardo Sapia Sandro Mezzadra Saskia Sassen Tatiana Wells Participaram deste número / Imagens Breno Pineschi F. Borges/R. Adaime (Catadores de Histórias) Grupo Radial Jorge Duarte Júlio Sekiguchi Lau Caminha Aguiar Lucia Guanaes Marcos Chaves Omarm Pedro Stephan Projeto Morrinho Rafael Adaime Sérgio Sá Leitão Sonia d’Almeida Quadrinhos MOA / Fusão número 2 Tarja Preta / Leonardo Jornalista responsável Fábio Luiz Malini de Lima
Revisão dos Textos Fábio Goveia Fábio Malini Leonora Corsini
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GLOBAL. 2 Sumário
Trânsitos
Apesar deles
Dossiê Desenvolvimento Local
Conexões Globais
Quadrinhos
Universidade Nômade
Maquinações
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brasil
G L O BA L (01) Editorial
(04) Liberdade chacinada Ricardo Sapia (06) Lições da derrota de Marta em São Paulo Antonio Lancetti (08) Controle dos pobres Alexandre do Nascimento
(10) Resistir, produzir, interagir Écio de Salles (12) Drogas: porquê legalizar Francisco de Guimaraens (14) Universidade: vamos fazer essa reforma Alexandre do Nascimento (16) Descontrole da comunicação Fábio Malini (18) “Anti-corpos” para a saúde disciplinar Leonora Corsini e Margareth Hisse
(20) A proposta da Expo Brasil Caio Márcio Silveira (22) O local à deriva Gerardo Silva (24) Cidades para além do Estado Saskia Sassen (26) Entre o arranjo e o paradoxo Paolo Gurisatti (28) Acumulação e sistema público de apoio ao desenvolvimento local Franklin Coelho (29) Tecendo a sociabilidade e o desenvolvimento em Santa Teresa Renata Bernardes (30) Os limites da metrópole Jeroen Klink (32) A cidade ainda resiste Pedro Cláudio Cunca Bocayuva
(34) Argentina insurgente - entrevista com o Colectivo Situaciones Sandro Mezzadra (38) Gente à deriva Luis Carlos Fridman
(42) Mendigo Moa
(44) Quem irá nos defender quando o ensino vira negócio? Jaime de Castro Filho
pseudônimo
(46) Pós-bichas, transloucas e insubmissos Denilson Lopes (48) “Anda povo! vai pra rua!” Fabiane Borges e Rafael Adaime (Catadores de Histórias) (51) Digitofagizando Ricardo Rosas, re-mixado por Tatiana Wells e Ricardo Ruiz (54) Cine Falcatrua, uma experiência acadêmica no mundo do cinema Alexandre Curtiss (55) Saiba mais sobre o Cine Falcatrua Fábio Goveia Sumário 3 GLOBAL
Foto de Sonia D’Almeida
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Me ndi g com os ad ota or ma e s istê àd rua isc nci ipli a na dos bur alb e rgu ocráti not ca es urn ea os bri gos
Na madrugada de 19 de agosto, dez pessoas que dormiam nas ruas do centro da cidade de São Paulo foram covardemente agredidas com pedaços de pau e ferro. No dia 22 do mesmo mês a brutalidade se repetia, e nos dias seguintes ocorreram novos ataques. Sete mortos e nove feridos, isso sem contar agressões registradas em outras cidades como Belo Horizonte, em que o número de mortos chegou a cinco no mesmo período dos ataques de São Paulo. Como se sabe, a liberdade nasceu nas ruas. Desde o surgimento das cidades que as vias públicas são, por excelência, locais de explosão e manifestação de potência. Curioso é que a rua não tenha condições de oferecer dignidade e cidadania aos seus moradores. GLOBAL. 4 Trânsitos
As políticas públicas, apesar de insuficientes, não têm descuidado dos “mendigos”. Albergues e abrigos noturnos são disponibilizados, preservando o “esforço” em dar cama e comida sem exigir contrapartidas. No mês de setembro o governo do Estado de São Paulo, junto com a igreja católica, deliberou a abertura imediata de quinhentas vagas em frentes de trabalho, com salário, vale refeição e transporte, além de curso de qualificação profissional. Mas é preciso estar atento, pois a primeira recusa é contra o próprio trabalho assalariado. A medida, ao que se vê, apenas reforça a idéia perversa, segundo a qual, o direito de cidadania deve assistir apenas os que têm “carteira de trabalho assinada”. Mas, vale pensar na frase de um morador de rua que declara ter escapado dos ataques: “é mais fácil conseguir alguns trocados de esmola do que um simples aperto de mão”. Vencer a morte A invisibilidade condena os “cidadãos sem cidadania” preservando a sua existência. O que pode existir de mais livre e pobre do que viver nas ruas? A liberdade do pobre é tanta que ele vence a própria morte. Ou seja, para que viva a sua condição, ele antes tem que vencer a morte que o espreita no dia-a-dia. São excêntricos, e por estarem fora do centro é que podem ver o que a visão que está dentro da média não enxerga.
O velho Marx fala da concorrência capitalista e do papel revolucionário dos operários na indústria nascente, reservando algo como “gente sem conserto” aos moradores de rua, versão moderna dos antigos vagabundos e aventureiros, que não lucram, mas também não se constituem como classe. São a expressão mais pura de recusa. Com eles não existe política pública que resolva, fábrica que funcione, contrato que se cumpra ou dívida que se pague. São avessos a qualquer burocracia ou disciplina, por isso são tão odiados. Muitos declaram que não dormem em albergues por causa das normas, ou simplesmente por que não querem declarar o nome ou se deixar conhecer. São invisíveis como uma legião de anjos e demônios. Não se sabe ao certo quantos são, com eles o recenseamento do rei não funciona. Também não se sabe o que fazem quando as luzes se apagam na calada da noite. Têm em comum a recusa e a vida na pobreza, no mais constituem-se em multiplicidade, fazendo com que, inclusive, desta forma, não se deixem pegar. São uma espécie de vírus que se reproduz e se multiplica. Uma constelação, eternidade cósmica que esta sempre se metamorfoseando. Mas, é preciso estar atento às políticas de estado e à incomunicabilidade entre o mundo real – dos corpos, dos sentidos e desejos – e o mundo das instituições, da burocracia. Faz lembrar O Inquisidor de Dostoievski. Algo como Cristo descendo na terra no auge na Inquisição espanhola e perguntando ao inquisidor o por quê de tudo aquilo. Responde o inquisidor que a sua atitude, a do Tribunal do Santo Ofício, era a salvação da igreja e do próprio Cristo. Pois o fardo da liberdade, dada por Cristo, era pesado demais para ser carregado. A Inquisição, ao tirar a liberdade em troca da segurança – garantindo o pão na terra e a salvação dos céus, “salva” o pobre do peso da liberdade (basta pensar no peso da liberdade de viver nas ruas). É assim que, ao salvar a instituição, o inquisidor manda Cristo para a fogueira.
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Lições da derrota de Marta em São Paulo Ir além do pragmatismo dos marqueteiros, acreditar na potência das lutas sociais Antonio Lancetti Muito tem sido falado a respeito da compreensão que o governo Lula tem do caráter mundial da política contemporânea. O desempenho de Lula opera, de fato, como liderança da resistência ao Capitalismo Mundial Integrado. As atitudes de Kirchner frente ao FMI – e mesmo o triunfo de Chavez –, seriam impensáveis sem o contraponto exercido pelo governo brasileiro. No entanto, pouco tem-se pensado acerca da compreensão da luta política como guerra de mídia. Só para se ter uma idéia, lembremos que o PT é o primeiro partido de esquerda a vencer uma eleição em momentos de refluxo da luta social. Em 2002, quando ocorreu a campanha presidencial, o movimento sindical estava acuado pelo desemprego, os movimentos populares em baixa, o Partido dos Trabalhadores em decadência e até as lutas protagonizadas pelo MST estavam em refluxo. De modo que a campanha na televisão teve importância decisiva. Mas, assim como determinada quantidade de cocaína no organismo é letal para qualquer ser humano, uma determinada quantidade de horas de câmeras apontadas para o próprio rosto torna-se um risco para o sentido primeiro da prática política. Se com Sun Tzu e Clausewitz aprendemos que a política é uma forma de guerra e a guerra uma forma de política, com Maquiavel, inventor do marketing político, deveríamos aprender que o marketing é uma questão demasiado séria para deixá-la na mão de marqueteiros. O exemplo mais gritante é o da campanha política para a prefeitura de São Paulo: o mesmo marqueteiro que foi fundamental para o triunfo de Lula foi fator decisivo para a derrota de Marta Suplicy. As pesquisas de opinião constataram que a saúde era o ponto mais negativo da administração de Marta Suplicy e lançaram um produto tosco, mostrando uma peça de ilha de edição fundamentada na idéia de esperança pífia. Os cartazes rezavam: Marta promete, nos próximos quatro anos farei uma revolução na saúde! Os pragmáticos da propaganda demonstraram não ter qualquer compromisso com uma das lutas mais importantes da esquerda brasileira e do movimento sanitário mais potente da América Latina, o Sistema Único de Saúde. O SUS foi construído mediante longa e frutífera luta contra a ordem capitalista. O SUS é exitoso e eficaz: em pouco Sem título, de Omarm.
mais de uma década e apesar da adversidade econômica diminuiu a mortalidade infantil, a mortalidade materna, houve redução da mortalidade proporcional de doenças infecciosas e parasitárias e aumentou consideravelmente a esperança de vida da população brasileira. Na gestão do PT, o SUS foi trazido para a maior cidade brasileira, foi conquistada a gestão plena, foram melhorados todos os índices sanitários, evitou-se um colapso na cidade cuja rede hospitalar e a rede básica de saúde – geridas pelas nefastas cooperativas do PAS de Maluf e Pitta – encontravam-se em situação de calamidade. Além disso, foi combatida uma epidemia de Dengue com a secretaria de saúde em frangalhos. Mas o comando da campanha, cego e surdo, prometeu o CEU-saúde, abrindo um vácuo semiótico preenchido pelos adversários com a idéia fértil que consiste em afirmar que Marta nada fez pela saúde do povo de São Paulo. Esse vácuo semiótico abriu outro ainda mais decisivo para o feliz desempenho da direita moderna encarnada pelo PSDB, que consiste em fazer crer que não existe diferença entre uma agremiação e outra. Não há idéia mais tenaz e produtiva que o ressentimento feito corrente micropolítica. De fato, a campanha de Serra conseguiu movimentar as paixões mais tristes de ódio à mulher e aos estrangeiros (ela é casada com um argentino e os argentinos, como se sabe, são os inimigos do povo brasileiro). As simpatias sociais movimentadas por essa corrente retomam as paixões anti que já vimos atuar na eleição de Jânio Quadros e, principalmente, na triunfante campanha de Collor de Melo. É bom lembrar também que a administração de Marta Suplicy construiu com esforço inegável uma rede municipal de saúde de costas para a opinião pública. Durante os primeiros dois anos e meio não foi dita uma palavra a respeito do estado desastroso em que encontraram as unidades saúde e, criminosamente, mantiveram nas unidades de saúde as placas do PAS. É preciso dizer de modo claro: a banalização da diferença é uma arma por demais perigosa, que confunde os esquerdistas e os faz entrar em desânimo. O PT não é igual ao PSDB, o PT é um partido moderno por sua base organizada, sua pluralidade subjetiva e por sua intensidade combativa. Para não sucumbir às armadilhas das formas capitalísticas de cooptação é imprescindível abrir este debate. Trânsitos 7 GLOBAL
C O N T R O L E dos pobres Hecatombe, fome come homem pintura de Jorge Duarte
jornalista Ali Kamel do Jornal O Globo, que antes denunciava a falta de controle, agora diz que o bolsa-família é incontrolável (O Globo, 21/09/04).
O programa Bolsa-Família precisa ser um exemplo da renda da cidadania e não um mecanismo de controle dos pobres Alexandre do Nascimento Estivemos, nos últimos dias, em meio a uma importante polêmica com relação aos programas de transferência de renda do governo federal, hoje unificados no programa bolsa família. Críticas não governamentais (e governamentais) ao programa apontaram o que seria uma falha fundamental do governo em relação a sua gestão: a falta de controle da freqüência escolar das crianças das famílias beneficiadas. É praticamente consenso no Brasil que esse tipo de programa deveria cobrar das famílias beneficiárias uma contrapartida, o que, no caso do bolsa-escola, seria a freqüência escolar das crianças, que deve ser de 85% de presença segundo a lei (de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional a freqüência mínima é de 75%). O governo se defende de forma ambígua, ora atacando o governo anterior (o qual, segundo o atual governo, controlava apenas 13% das famílias), ora dizendo que o controle não é prioridade. Mas há divergências no próprio governo: o senador Eduardo Suplicy considera o controle pouco importante; já o Senador Cristóvam Buarque, que reivindica o título de “pai do programa”, diz que, sem a contrapartida, o bolsa-família não será nada mais que uma esmola assistencialista. Cedendo às críticas, o atual governo admite sua “falha” e diz que está elaborando um sistema informatizado que permitirá maior controle, cujo controlador será o todo-poderososupergerente-das-ações-governamentais-etc ministro da Casa Civil José Dirceu, que já declarou, segundo o Jornal Folha de São Paulo (13/09/04), que “as falhas na fiscalização das transferências de renda são de articulação entre os ministérios, mas que essa situação será resolvida facilmente". Um dos críticos do governo, o GLOBAL. 8 Trânsitos
Renda da cidadania É um intenso debate que esconde um ponto de vista, para nós essencial, já expresso na chamada Lei Suplicy. Tratase de pensar um programa de renda mínima como o bolsa-família na perspectiva de uma “renda de cidadania”, ou seja, de uma renda a que todos devem ter acesso, com base na constatação de que, hoje, o que é explorado pelo capitalismo é a vida das pessoas, já que tempo de vida e tempo de trabalho tendem a ser a mesma coisa. No seu atual formato, o capitalismo sustenta-se não só do que é produzido pelos trabalhadores em seu horário de trabalho no emprego (formal ou informal), mas de todas as atividades produtivas, de consumo, de comunicação, de cooperação. A vida tornou-se produtiva. A partir deste ponto de vista, precisamos começar a pensar a renda mínima como um dispositivo de garantia de dignidade humana (renda e acesso aos serviços garantidos, como reconhecimento da dimensão produtiva da vida) e não mais como uma medida de administração da pobreza, uma esmola. Ou seja, indo no sentido oposto ao que é dado pelo Senador Cristóvam Buarque, destacamos que é uma renda insuficiente para garantir o mínimo de dignidade, e que se ainda exige contrapartida é porque não reconhece seus beneficiários como produtores. Garantir que as crianças estejam na escola é fundamental para a sociedade, mas por que não pensar em garantir que todas as crianças estejam na escola, com mais escolas públicas funcionando em horários em que crianças devem estar na escola obrigatoriamente, com mais famílias atendidas, mais renda e serviços. Por que a “renda mínima” deve ser “controlada”? Por que controlar o acesso a um “mínimo” que, de fato, está muito longe de proporcionar o mínimo de dignidade?
e Ap sar deLes O QUE É POSSÍVEL FAZER APESAR DO FMI E DO CORP ORATIVISMO
As imagens das páginas 7 a 14 são do Projeto Morrinho, Fotos de Breno Pineschi Apesar deles 9 GLOBAL
As maiores inovações do cenário cultural brasileiro nos últimos anos vieram das experiências culturais produzidas pelas favelas Já há mais de sete anos atuo, a partir dos projetos do Grupo Cultural Afro Reggae, no interior de favelas do Rio de Janeiro, notadamente Vigário Geral onde, além de tudo, coordeno um dos subgrupos da Instituição, o Afro Samba. Um dos maiores encantamentos que experimentei, e continuo experimentando, com esse trabalho é ver nascer algo novo que, no entanto, já estava ali: já pulsava, vibrante, mas ainda demandando um canal de expressão. Quando o Afro Reggae chegou, pôde se converter nesse canal, potencializar e dar vazão ao desejo latente em qualquer lugar onde os setores populares façam sua morada. Aprendi, nesse curto espaço, que a cultura popular manejada pelos movimentos sociais pode se converter em processo de resistência aos modos opressivos de gestão da cidade. Um dos critérios para a sobrevivência desses movimentos no espaço é, basicamente, criatividade. Projetos desenvolvidos com considerável sucesso em favelas do Rio de Janeiro, para ficar apenas nessa cidade, começaram a trabalhar praticamente sem grana, sem grande infra-estrutura nem apoio da mídia, empresas ou governos. GLOBAL. 10 Apesar deles
Resistir, produzir, interagir Écio de Salles Resistência cultural Os integrantes do Afro Reggae, por exemplo, nos primeiros anos de seu trabalho, sequer contavam com um salário para as exigências mínimas do dia a dia. Mesmo assim, criaram um amplo e diversificado conjunto de projetos, quase sempre usando a arte como veículo de expressão, que resultou em bandas musicais e trupes de teatro e circo, que agora interagem na indústria cultural, nos meios de comunicação e investem num importante processo de desenvolvimento local, não apenas nas comunidades onde atuam diretamente, mas em muitas outras ainda – através de parcerias ou de projetos específicos, como o Conexões Urbanas, que promove, junto com a prefeitura do Rio, grandes eventos no interior de diferentes favelas da cidade. O Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré – CEASM, que iniciou suas atividades em 1998, partiu da reunião de um grupo de pessoas moradoras do Complexo da Maré unidas pelo fato de, em sua totalidade, terem chegado à universidade e possuírem uma longa história de envolvimento com movimentos coletivos locais. Ao mesmo tempo, mostravam-se conscientes de que representavam a exceção e de que alguma coisa deveria ser feita a fim de superarem a presente realidade. O grupo então arregaçou as mangas e pôs-se ao trabalho, ocupando o espaço da igreja católica lá do Morro do Timbau, na Maré, sem dinheiro, sem verba, sem investimento de qualquer capital significativo. Pouco tempo depois, um apoio da Fase, de R$ 4.400,00, deu o primeiro impulso para o crescimento e fortalecimento do grupo, cujos resultados falam por si: em seis anos, 413 jovens moradores da Maré participantes do CEASM entraram para a universidade. Detalhe importante: esse número contabiliza apenas os que entraram para universidades públicas e para a PUC , algumas dezenas dos quais já estão fazendo pós-graduação, mestrado, e mais uma centena atua hoje no projeto,
contribuindo para que outros jovens da comunidade trilhem o mesmo caminho. O Nós do Morro estreou em 1986 e, adivinhem!, até 1999 não recebeu qualquer financiamento – era tudo realizado “no amor”, como dizem. A única forma de apoio, valiosa por sinal, era dos comerciantes da própria comunidade do Vidigal, que fornecia material para a realização dos espetáculos do grupo. Mesmo assim, grandes filmes nacionais (Orfeu, de Cacá Diegues, e Cidade de Deus, de Fernando Meireles, por exemplo) foram realizados com a participação de atores formados pelo Nós, alguns inclusive foram premiados por sua atuação. Novelas da Rede Globo também contaram em seu elenco com jovens do Vidigal, formados no projeto. “Olhando da perspectiva atual, parece inacreditável que esses projetos, que agora são referência até nacional de movimentos sociais que obtiveram grande êxito começaram com tantas dificuldades” O Jongo da Serrinha começou como organização em 2000. Mas o trabalho já era realizado, mesmo sem um centavo. A turma tinha um grupo musical, resolveu investir em um projeto que fosse além da música e possibilitasse disseminar o jongo – um ritmo que, diga-se de passagem, andava meio esquecido, só apreciado por um restrito grupo formado por universitários, intelectuais, artistas, etc. – pela comunidade da Serrinha e daí para o Brasil (ou o mundo) inteiro. A partir disso, o grupo lançou o primeiro disco de jongo na história da música brasileira e promoveu a primeira temporada de jongo na cidade. Hoje, o jongo é reconhecido nacionalmente e em várias comunidades, de onde tinha desaparecido completamente; volta a ser praticado e a fazer parte do cotidiano das favelas.
A interação dos movimentos Olhando da perspectiva atual, parece inacreditável que esses projetos, que agora são referência até nacional de movimentos sociais que obtiveram grande êxito – e olha que eu só citei uns poucos com esses traços em comum –, começaram com tantas dificuldades. Isso sem falar que aqui eu só mencionei as econômicas, mas havia e há ainda muitas outras, às vezes, até mais graves, que poderiam ter se tornado obstáculos intransponíveis para a continuidade de cada um desses trabalhos. O que os une, para além do fato de terem começado do nada, é a vontade inabalável de “agir”, a criatividade para solucionar os mais complicados problemas e o compromisso com o lugar onde atuam e de onde vêm sua força e legitimidade: a favela. Por outro lado – o lado do Estado –, o governo muitas vezes se mostra incapacitado de agir, tornado refém de uma agenda política intensa e, sobretudo, de questões relativas ao capital financeiro internacional, FMI, bancos etc. No entanto, a lição dos movimentos sociais ou socioculturais da favela pode ser aprendida, ou aproveitada, pelo governo? Isso já depende de sua própria capacidade de enxergar na criatividade oriunda da favela uma possibilidade de ação política inovadora. A favela pode ser o espaço da ausência, caracterizado pela pouca infraestrutura, pela presença do crime etc., mas pode ser outra coisa também. Ela pode ser uma forma de imaginar um lugar próprio no mundo, um lugar que não é necessariamente de oposição hostil à cidade. Afinal, foi dali que a Escola de Samba falou para o mundo uma linguagem crítica, mas amistosa; que os bailes funk mostraram seu lado violento, mas também seu lado de alegria e criatividade... que movimentos como os já citados deram vida à expressão “interagir”... Entender isso é importante, porque, talvez, melhor que um caminho para a favela, é a favela para o nosso caminho. Apesar deles 11 GLOBAL
Drogas: porquê legalizar
Moralismo em torno do debate sobre Não é de hoje que o debate sobre os entorpecentes é recheado de idéias confusas, moralismos e ações nada eficientes dos inúmeros aparatos de segurança constituídos para reprimir o tráfico. E tudo o que as idéias confusas geram é uma contínua política de moralização da discussão, que termina por impedir um mínimo de racionalização daqueles que dela participam. É preciso expor as incongruências dos argumentos dos que defendem a repressão cada vez mais intensa ao tráfico e evitam pensar em como pôr um fim ao mesmo sem a utilização de qualquer medida repressiva. O medo é o afeto mais utilizado por toda e qualquer instituição para exercer controle sobre as populações. Nesses tempos de insegurança generalizada em razão do aumento dos índices de violência, a tendência é clamar por vigilância e punição amplas, gerais e irrestritas. Isso dificulta a aceitação de qualquer argumento que não envolva uma generalização das práticas de poder fundadas no controle por rede, articulado com cada vez mais sofisticadas tecnologias para realizar tal controle. Mas há coisas que GLOBAL. 12 Apesar deles
são necessárias. Expor pontos de vista que não estejam inscritos na lógica do controle sem dúvida o é. Quais seriam as possíveis justificativas para criminalizar o consumo ou mesmo o comércio de entorpecentes? Danos à saúde dos indivíduos e aos cofres do Estado que deve prestar assistência médica àqueles que sofrem de males causados pela dependência. Outra justificativa envolve a percepção que o tráfico de drogas geraria violência. Contra-argumentações Analisando a questão dos danos à saúde individual e aos cofres públicos, parece paradoxal que um Estado permita o consumo e o comércio de inúmeros tipos de entorpecentes (álcool, nicotina, tranqüilizantes, solventes etc.) e reprima o de outros (maconha, cocaína e ecstasy, para ficarmos com as mais conhecidas do momento). Ou seja, os danos à saúde dos indivíduos consumidores e aos cofres do Estado permanecem do mesmo jeito, mesmo criminalizando certos entorpecentes. Além disso, o que justifica o Estado intervir no próprio corpo dos cidadãos, definindo
aquilo que deve e o que não deve por eles ser consumido? A quem pertence o corpo de cada um? O outro argumento, o de que o tráfico produz violência, é o mais difícil de se refutar. Já existem muitas vozes hoje na opinião pública e na classe média que defendem a descriminalização do consumo, mas não do comércio, até porque, via de regra, não é ela, classe média, quem vende, e sim quem compra. A liberação do comércio de entorpecentes ainda é vista com muitas ressalvas e com muito medo, como se o comércio de entorpecentes fosse a causa primeira da violência. O tráfico produz ou reproduz violência? Não seria a violência anterior ao tráfico? Será que um lugar onde quatro dentre seis bilhões de pessoas que nele habitam vivem na pobreza já não é violento? Será que um país que ocupa a quarta posição no “ranking” da concentração de renda não é já violento? Ao que me parece, o tráfico reproduz violência e, por vezes, serve de canal para intensificá-la, tendo em vista a necessidade de armamento pesado para defesa dos pontos de venda contra ofensivas de bandos rivais e de policiais.
Francisco de Guimaraens
entorpecentes dificulta o avanço no combate ao tráfico É nessa hora que surge o bode expiatório do consumidor. Sem consumidor não haveria tráfico, é o que defendem muitos hoje em dia. Por que essas mesmas pessoas não dizem que sem criminalização do comércio e do consumo também não haveria tráfico? A definição legal de tráfico envolve a proibição jurídica do comércio de certas substâncias. Sem essa proibição, não existiria tráfico do mesmo modo. A questão do consumo É preciso expor que o consumidor é só um dos componentes de uma imensa rede de negócios que movimenta de 3 a 5% do PIB do planeta. Ou seja, trata-se de “big business”, de capitalismo sem regulação alguma. Por mais paradoxal que possa parecer, toda e qualquer repressão criminal ao comércio e ao consumo de entorpecentes gera a falta de qualquer regulamentação dessa rede de negócios. É o capitalismo em sua fase de acumulação mais primitiva e violenta, sem nenhum tipo de mediação entre as forças que atuam nessa área (só para lembrar que não se trata de pouca coisa, o sistema bancário mundial lava, por ano, US$ 400 bilhões provenientes do tráfico).
É preciso expor que o consumidor é só um dos componentes de uma imensa rede de negócios que movimenta de 3 a 5% do PIB do planeta. Ou seja, trata-se de “big business”, de capitalismo sem regulação alguma. Enxergar a questão dos entorpecentes mediante políticas de criminalização significa manter sem qualquer regulação a circulação de trilhões de dólares que envolvem não só negócios relativos aos entorpecentes, mas também a armamentos, a produtos químicos para refino da coca, a milícias privadas, a trabalho infantil etc. Criminalizar a questão dos entorpecentes significa evitar qualquer regulação dos negócios que guardam relação com os entorpecentes. Isso não significa estimular o consumo, como poderiam dizer alguns. É evidente que a liberação do comércio e do consumo nada tem a ver com propaganda em rede nacional de TV. Todas as propostas de criminalização e intensificação da repressão do comércio de entorpecentes esbarram nessa realidade acima exposta. Como
governos vão reprimir com eficácia negócios de tamanha dimensão? Aliás, ao que parece, sob o ponto de vista do lucro e da circulação de capital parece mais interessante manter na marginalidade criminal o comércio e o consumo, pois a acumulação de capital e a expropriação da força de trabalho são mais intensas, sem falar que a criminalização serve de canal para despejar armamentos de última geração mediante outro tipo de tráfico, o de armas. Nessa perspectiva, a política de criminalização pode ser considerada tanto um fracasso como um sucesso. De um lado, vem se mostrando absolutamente ineficaz para lidar com o comércio e com o consumo, que avançam aceleradamente desde a década de setenta. De outro, é um sucesso, pois permite que o capitalismo se experimente do modo mais arcaico possível, tendo em vista a absoluta falta de regulamentação da acumulação e da circulação de capital quando o assunto é o comércio de entorpecentes. Em suma, é um sucesso porque é um fracasso. E vice-versa. Nesse caso, por que não discutir a liberação e a conseqüente regulação da questão? Apesar deles 13 GLOBAL
Universidade: Alexandre do Nascimento
A reforma universitária é um importante avanço no sentido da universalização do ensino superior, e mostra que é possível praticar democracia apesar dos constrangimentos O Morrinho é uma imagem. Os garotos do Pereirão (morro da zona sul do Rio) empilharam e quebraram tijolos que, montados de forma simultaneamente organizada e caótica, reproduziram o lugar onde vivem. A idéia foi a de criar um brinquedo e assim é até hoje. As proporções e os detalhes da maquete não são rigorosamente fiéis à realidade, porém nada que tivesse estas características poderia ser mais próximo, e mesmo didático, ao que seja uma favela real, com seu lado lúdico e cordial convivendo com outro, violento e insensato. O Morrinho se constrói como uma imagem nos olhos de quem o vê. Fica pouco importante sob que critérios pode ser analisado: artístico, social, ou ambos. O importante é o valor dessa imagem e o que ele pode significar para os meninos que a criaram.
Francisco Franca Projeto Morrinho GLOBAL. 14 Apesar deles
O combate às desigualdades que fundaram a sociedade brasileira, e que foram aprofundadas no período desenvolvimentista e agravadas pelas políticas neoliberais, é o caminho da mudança desejada pela multidão que elegeu Lula porque viu uma alternativa. É neste sentido que o reconhecimento dos movimentos passa a ser fundamento. “Apesar de você, amanhã há ser outro dia...”, diz a famosa canção de Chico Buarque. No Brasil de hoje, da mesma forma podemos afirmar que, apesar de todos os constrangimentos políticos e econômicos e do conservadorismo corporativista de direita e de esquerda, é possível promover processos de universalização de direitos. Os movimentos sociais afirmam, e às vezes mostram, o que deve e pode ser feito; e o governo, pode mobilizar os recursos disponíveis (leis, orçamentos, pessoal, conhecimentos, estruturas) para implementar ações importantes para o desejado processo de constituição material
vamos fazer essa reforma da democracia expresso nas urnas da última eleição presidencial. O que significa isso? Significa que é preciso entender, por exemplo, que o emprego não é mais necessariamente a porta de entrada para a cidadania, pois não basta criar empregos, é preciso saber se os empregos criados efetivamente distribuem renda e universalizam direitos. Significa que, no atual contexto, é imperioso assumir como investimento ético políticas de massificação de renda, educação, comunicação e dispositivos de bem-estar, a partir de baixo. Significa que o acesso à cidadania é condição para o chamado desenvolvimento sustentável e não mais o contrário, a velha fórmula desenvolvimentista/neoliberal segundo a qual é preciso crescer para dividir o bolo. Infelizmente esse pensamento ainda persiste no governo – Carlos Lessa, presidente do BNDES, chegou a afirmar em artigo na Folha de São Paulo que Getúlio, Juscelino e Geisel (sic) representam aquilo que deve ser recuperado. A igualdade não pode ser concebida como resultado de uma democracia que nunca foi praticada porque sempre foi projeto. Se a democracia passar a ser praticada, através de processos materiais de universalização de direitos, a igualdade deve ser vista como condição. O combate às desigualdades que fundaram a sociedade brasileira, e que foram aprofundadas no período desenvolvimentista e agravadas pelas políticas neoliberais, é o caminho da mudança desejada pela multidão que elegeu Lula porque viu uma alternativa. É neste sentido que o reconhecimento dos movimentos passa a ser fundamento. Todos na universidade A proposta de reforma universitária é um exemplo. Nela está
presente, nos discursos e nas diretrizes, o conceito de ação afirmativa. Tal conceito consolidou-se e passou a ser aceito como fundamental para pensar políticas de combate às desigualdades e de democratização da educação em geral e do ensino superior público em especial. Não podemos esquecer que as ações afirmativas no Brasil têm um protagonista clássico: o movimento social negro; e também têm uma experiência concreta: o trabalho dos cursos pré-vestibulares populares. A existência desses movimentos já expressa a necessidade de uma reforma universitária. A reforma universitária tal como está se configurando já é um avanço significativo, com todas as críticas que podemos fazer. Ela é uma tentativa de adequar o ensino superior às demandas das empresas e às imposições políticas e econômicas do comando imperial. Mas ela é também fruto da crescente demanda dos que estão fora e querem entrar, da luta do movimento negro, do movimento dos cursos pré-vestibulares populares, do movimento dos sem-universidade, da crise da representação sindical-corporativa e da emergência, ainda que incipiente, de um movimento docente que prega a abertura da universidade à diversidade como o única forma de tornála democrática e mais produtiva, pois diversidade não é só de raças ou culturas, é também de visões, preocupações, conhecimentos, temas de pesquisa etc. Para esses movimentos pouco interessa se a reforma é de direita ou de esquerda; o que importa é que ela seja capaz de tornar comum o ensino superior. Quanto mais a reforma se abrir aos movimentos dos que querem romper as barreiras sociais e raciais do ensino superior brasileiro, mas será capaz reduzir as desigualdades e promover desenvolvimento. Por isso, é fundamental a incor-
poração das políticas de ação afirmativa propostas pelos movimentos dos que estão fora, como cotas, programas de permanência, bolsas para os estudantes mais pobres, oferta de vagas em horário noturno, ocupação dos espaços vazios em nome da qualidade. A reforma universitária é um importante avanço no sentido da universalização do ensino superior, e mostra que é possível praticar democracia apesar dos constrangimentos do G8, do FMI, do Banco Mundial e tutti quanti. Os parasitas educados Somente tornando comum o ensino superior será possível barrar o avanço das instituições privadas, que são, em sua maioria, de má qualidade e não comprometidas com a democracia. Para as instituições privadas a atual universidade pública é muito lucrativa. Um desses frutos lucrativos é o Programa Universidade para Todos, que, como sabemos, vai “estatizar” vagas em instituições. Ou seja, as instituições privadas lucram não só com as imposições imperiais do FMI e Banco Mundial; elas lucram também com a gestão do público para interesses privados muito praticada no Brasil, tanto por tecnocratas do desenvolvimentismo e do neoliberalismo, quanto também pela nossa tradicional burguesia, que inclui a burguesia acadêmica (de direita e de esquerda) que usa o argumento do mérito para defender a “qualidade” para poucos do ensino superior “público”. O surgimento, no Rio, de um movimento que se intitula movimento cotas não, é algo significativo: os parasitas beneficiários da gestão privada e racista do que deve ser público, mesmo que de forma inconsciente, temem perder o que sugam do resultado do trabalho comum. Isso, por si só, mostra que a proposta de reforma tem algo de bom. Apesar deles 15 GLOBAL
GLOBAL. 16 Apesar deles
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A área de comunicação vive um dilema que, aparentemente, seria um paradoxo: enquanto o processo de produção de mercadorias é permeado cada vez mais por fluxos de comunicação (entre pessoas, entre pessoas e máquinas), criam-se cada vez menos oportunidades de acesso à produção de comunicação aos indivíduos neste país. Se, por um lado, o trabalho se tornou comunicacional e relacional, fazendo com que faxineiro trabalhe com “walkie talkie”, por outro, pouco se avançou no processo de universalização e socialização da propriedade de meios de comunicação no Brasil. Não é paradoxo nenhum que no Brasil, segundo o IPEA, somente 10% da população tenha computador em condições de uso em casa, enquanto a grita geral é que todos precisam de qualificação em informática. Não é paradoxo nenhum ter uma situação no Brasil em que ter uma rádio comunitária é questão tratada pela polícia e não pela política. Não é paradoxo nenhum existir um Conselho Federal de Comunicação que não delibere sobre nada. Não é paradoxo nenhum o governo fluminense da Senhora Rosângela Matheus gastar R$ 100 milhões em verbas publicitárias, enquanto a segurança pública não recebe nem um terço desse valor. Não é paradoxo. É obviedade. Ao possibilitar acesso gratuito à comunicação a quem está fora do circuito informacional, a taxa de lucratividade, seja empresarial ou política, desaba. É a velha lei da oferta e da procura. Quanto maior é a oferta de mídia ao povão, menor é o índice de Ibope e menor a demanda por anúncio comercial nos veículos tradicionais – que sustenta empresários e políticos. A recíproca também é verdadeira: quanto menor é a oferta de mídia ao povão...
Hoje a realidade é que a política de comunicação não é vista como política pública nem pela esquerda, nem pela direita. O uso das verbas de comunicação é uma festa. Dá-se a quem quiser. Não há absolutamente nenhum controle social.
Daí o lobby fortíssimo dos agentes dos oligopólios midiáticos que atuam no Congresso Nacional, para que este não crie uma legislação que unifique as 70 já existentes (leis, normas e portarias) sobre propriedade midiática. Não aceitam tampouco a proposta da ANCINAV (que vamos e venhamos, virou uma coqueluche discutir isto sem contestar que nossa legislação de imprensa – um conteúdo – é da época do AI-5; sem contar a Lei de Telecomunicações, que é de 62. Imaginem a agência regulando a partir dessas legislações. É patético!).
Festa da comunicação A luta contra a escassez de mídia deve ser uma das principais bandeiras sociais a ser tecida no século XXI. Hoje a realidade é que a política de comunicação não é vista como política pública nem pela esquerda, nem pela direita. O uso das verbas de comunicação é uma festa. Dá-se a quem quiser. Não há absolutamente nenhum controle social. Alguém sabe quais são os critérios que o governo federal tem para o destino das verbas publicitárias? Funciona a partir da frase getulista: aos amigos, tudo, aos inimigos, a lei. Como sou do interior, não canso de falar que o uso da verba da comunicação nas prefeituras das cidades pequenas e médias no Brasil é ainda pior: um desastre, um “mar de lama”, para usar o clichê que substitui a palavra corrupção. Paradoxalmente (aí sim!), comunicação ainda não é algo estratégico para a sociedade civil. Se fosse, a sociedade inteira estaria de olho na montanha de dinheiro da Comunicação (que chega a casa de alguns bilhões) só em verba pública. Fico pensando, se o governo federal tivesse coragem de, em vez de premiar anualmente os mídias com cerca de 700 milhões de reais (é o que custa a conta de mídia do governo), criar uma bolsa informática (com direito a um computador para os domicílios em vulnerabilidade social), essa estrutura social brasileira iria, sem dúvida, se alterar.
As imagens das páginas 7 a 14 são do Projeto Morrinho, fotos de Breno Pineschi Apesar deles 17 GLOBAL
“Anti-corpos” para a saúde disciplinar Práticas de cuidado se disseminam como alternativa à concepção biomédica Saúde é algo que valorizamos. E as concepções de saúde podem ultrapassar o regime disciplinar cristalizado nos hospitais e ambulatórios e adquirir contorno micropolítico, com a disseminação de práticas de cuidados com o corpo, com o bem estar, com a plenitude física e emocional, a partir de movimentos autônomos, de pequenos grupos, independentes das políticas dominantes. Basta percorrer as ruas da cidade para encontrar exemplos dessa busca de novas alternativas e propostas para a saúde: multiplicam-se movimentos de arte nas ruas, ocupações de prédios e outros espaços urbanos, pessoas praticam Taichi Chuan e Ioga em praças e parques, podem encontrar em praias e shoppings alternativas de massagem e relaxamento, ou mesmo de serviços de psicoterapia a preços populares em clínicas sociais, e assim por diante. Existem também, no universo das práticas de saúde, iniciativas que constituem expressões da capacidade de criar e de atualizar propostas antigas que permanecem inovadoras. São exemplos de “maquinações”, focos de mudança que se manifestam rizomaticamente apesar dos constrangimentos econômicos, dos antagonismos políticos e do corporativismo. Acompanhamento terapêutico no cotidiano da cidade O trabalho de Acompanhamento Terapêutico (A.T.) que se constitui no Anthropos – Centro de Desenvolvimento do Homem – inova ao propor criar misturas entre o cotidiano e as idiossincrasias de pessoas diagnosticadas como portadoras de deficiências, encefalopatias, doenças psíquicas. Nestas misturas, à medida que vão sendo revistas as tradicionais dialéticas saúde/ doença, homem/máquina, homem/ natureza, campo/cidade, vão se desenrolando movimentos de se tornar gente, gente que é corpo, diferente, singular, gente que vive afetos, gente GLOBAL. 18 Apesar deles
que pensa. Pensamento nômade, que permite romper com a vida triste e perceber o trágico como catalisador de mudanças. Ao fazer o percurso nômade, vai-se ganhando as ruas, buscando derivas, reentrâncias, fluidez, em direção à exterioridade. Porque existe sempre a possibilidade de relação na dobra, no dentro e fora, com menos ocupação com o movimento imaginário, abstrato e maior valor às intensidades. Fazer gerar saúde está ligado a viver, mais do que a sobreviver. Essas idéias estão diretamente referenciadas no pensamento de Gilles Deleuze e vão no sentido oposto de uma tradição que faz acreditar que romper com as categorias identitárias é pura dissociação. A proposta de acompanhamento terapêutico do Anthropos visa mapear as potências, valores intrapsíquicos, psíquicos ou relacionais, de tal maneira que as pessoas atualizam suas visões, emoções, sentimentos, podendo tornar-se produtivas em si, para si, e para outros, em qualquer nível de ocupação. É um modo de operar inclusivo: da clientela, bastante diversificada, que se constitui no momento do atendimento (pode ser individual, de grupo e incluir quem mais estiver presente), passando pela equipe técnica, que vai agregando as pessoas que desejam estudar (seja letras de livros ou suas próprias sensações e emoções), até os referentes bibliográficos (livros de psicologia, psicomotricidade, filosofia, arte, cinema, física, economia, política e demais textos que apareçam e que sejam pertinentes). E o espaço onde este trabalho de A.T. se desenvolve é principalmente a rua, grande cenário de acontecimentos. Rua, da circunvizinhança ao ponto de encontro, como a clínica, os lares, as praças públicas, museus, cinemas, restaurantes, aeroportos, barcas, trem, metrô, avião, carro, bicicleta, à pé, e tudo mais que estiver ao alcance no instante do trabalho.
Leonora Corsini e Margareth Hisse Saúde da mulher Hebames na Alemanha, Sage Femmes na França, Midwives nos Estados Unidos e Inglaterra, Matronas na Espanha e Chile, Parteiras e Obstetrizes no Brasil, mulheres que possuem um saber muito antigo que vai sendo transmitido de geração para geração, e que hoje está sendo revalorizado. As parteiras são especialistas nos assuntos ligados à reprodução e à saúde da mulher, em alguns países fazem cursos de formação em escolas médicas e reconquistam um espaço importante dando assistência a partos em centros/casas especialmente montados para esse fim (Casas de Parto). Além disso, elas fazem todo o acompanhamento prénatal e pós-parto, cuidando das recém
mães nos domicílios e oferecendo noções de puericultura. No Brasil existem as parteiras tradicionais que vêm de famílias de parteiras e não têm formação profissional e as obstetrizes, enfermeiras que fazem especialização em obstetrícia nas escolas de enfermagem. As parteiras tradicionais vivem no interior, são crias das próprias comunidades, concentram-se sobretudo nas regiões Norte e Nordeste (existem de 55 a 60 mil dessas parteiras tradicionais). Elas atuam principalmente em regiões de poucos recursos e difícil acesso, onde não existem Maternidades ou Rede Hospitalar. Mesmo assim, existe uma cultura biomédica bastante arraigada por aqui de só quem faz parto é médico – que, sem dúvida, em função da formação e especialização, é a opção indicada nas gestações e partos de risco. Dimensão micropolítica Na interseção entre velhas e novas práticas, abrem-se espaços de colaboração que, se não eliminam totalmente as barreiras do corporativismo e do
poder concentrado na figura dos médicos, fazem surgir movimentos que buscam restituir o papel ativo e protagônico da mulher no momento do trabalho de parto. O projeto Ventre Livre é um exemplo. Ele foi idealizado e está sendo desenvolvido por duas mulheres com trajetórias profissionais e pessoais singulares e um desejo comum: contrapor à violência institucional do modelo hospitalar de assistência às parturientes um acompanhamento que valorize outros conhecimentos sobre a fisiologia do parto, outros fundamentos que não os específicos da obstetrícia. Os partos acompanhados pelas parteiras do Ventre Livre acontecem em um espaço de intimidade e confiança, em que são fortalecidos os vínculos da gestante com seu bebê, das grávidas entre si (vivência de um comum feminino), das grávidas com quem vai acompanhálas no parto, a partir de um repertório de recursos que inclui dança e massagens que reforçam o vínculo e o contato, e oficinas de tecelãs grávidas. Este trabalho, fruto de vivências e experiências que se somaram, desdobra-se em outras
possibilidades e tem ressonância em iniciativas da própria rede pública, como é o caso, por exemplo, da Casa de Parto de Realengo implantada no início deste ano pela Secretaria Municipal de Saúde. Profissionais ou práticas de saúde que não considerem a sensibilidade e/ou o campo político são facilmente capturados pelos grandes grupos de dominação, mesmo sem se darem conta disso. Por outro lado, as novas propostas em saúde que descrevemos não dependem de negociações com o FMI, taxas de juros, dívida pública, financiamentos externos etc. Operam como anti-corpos, que vivem no interior dos organismos e entram em ação ativados pelas derivas e necessidades dos próprios organismos; vão brotando e se espalhando na superfície do tecido social, rompendo com o círculo dos poderes dominantes dentro, fora e apesar das instâncias governamentais, corporativas e institucionais. Colaboraram Pedro Honório Rangel Filho, psicomotricista do Anthropos e Kira Young e Marilanda Lima, idealizadoras e realizadoras do projeto Ventre Livre.
Sem título, título, de de Lau Lau Caminha Caminha Aguiar Aguiar Apesar deles 19 GLOBAL
Dossiê Desenvolvimento Local A cidade e os territórios alem do Estado
As imagens desse dossiê (páginas 20 a 33, exceto páginas 28 e 29) integram a série Fronteiras do mar de Lucia Guanaes, fotógrafa e designer brasileira radicada na França. Para ver as outras fotos da série, acesse http://www.luciaguanaes.com
GLOBAL 20 Dossiê Desenvolvimento Local
A proposta da
Expo Brasil Caio Márcio Silveira
Mais de duas mil pessoas devem estar presentes na Expo Brasil Desenvolvimento Local para debater como o aprofundamento da democracia produz desenvolvimento
Entre 24 e 27 de novembro de 2004, desta vez em Olinda, no Centro de Convenções de Pernambuco, a Expo Brasil Desenvolvimento Local entra em sua terceira edição, propiciando o encontro de mais de duas mil pessoas de todo o Brasil, além de participantes de diversos outros países. Mais do que uma marca permanente no calendário nacional, as edições anuais desse evento vêm se consolidando como referência significativa na construção de uma agenda de desenvolvimento para o Brasil e no diálogo internacional. Tendo como eixo a mobilização democrática e produtiva dos territórios, a Expo Brasil Desenvolvimento Local mostra que é possível, desde cada lugar, criar novos futuros – adensando redes sociais e rompendo com históricas desigualdades. Mobilização democrática e produtiva
Esta é a hipótese, esta é a aposta: a mobilização democrática e produtiva dos territórios como uma via de transformação social. Há condições de fundo que permitem a emergência dessa hipótese. Elas residem, sobretudo, no contexto atual de deslocamento de paradigmas, com a conjugação entre reestruturação produtiva, desassalariamento, primado do trabalho imaterial (informação, comunicação, conhecimento) e crise do Estado provedor construído com base na sociedade salarial. Amplia-se a percepção de que o crescimento econômico, mesmo acompanhado por medidas de transferência de renda, não garante redução das desigualdades. Outros mecanismos de socialização – e democratização – são requeridos. Isto significa apontar para novas agendas estratégicas, para além dos parâmetros mercadocêntricos (neoliberais) ou estadocêntricos (como nas políticas industriais de tipo desenvolvimentista). O desenvolvimento desde o Dossiê Desenvolvimento Local 21 GLOBAL
local expressa essa inflexão, diferenciando-se tanto da posição que confia cegamente nas forças do mercado quanto dos modelos de planejamento centralizado, com instrumentos e recursos organizados verticalmente a partir das instituições públicas centrais. Trata-se assim de perceber os territórios não como pontas dos sistemas de fluxos – vindos de fora ou de cima – mas como centralidades instauradoras de mudanças efetivas, desconstruindo o vínculo tradicional entre ação vertical e mudança estrutural. Ou seja, articulando radicalização da democracia e produtividade social.
Mudança de cultura política E isto não é uma idéia "fora do lugar". Ao contrário, é algo que está aí, que se torna visível pela constituição dos locais, pela profusão de iniciativas e experiências que revelam a capacidade de serem instituídos, desde as bases da sociedade, novos territórios democrático-produtivos. São inúmeros os obstáculos e as resistências a processos dessa natureza, a começar pela nossa cultura política, marcadamente clientelista e centralizadora. Ainda assim, o Brasil é hoje um laboratório vivo de ações inovadoras que têm as comunidades locais como protagonistas. São processos certamente embrionários, mas que já apontam para um outro tipo de desenvolvimento, que tem nas redes sociais e na democracia local sua base de mudança, ao mesmo tempo molecular e estrutural. Mais do que uma questão de conjuntura, a busca de alternativas de desenvolvimento de base territorial, por distinção aos processos de concentração e exclusão, é uma questão de fundo, que vai muito além de manifestações aparentemente tópicas e fragmentadas. Ë nesse contexto, e alimentada por esta hipótese, que a Expo Brasil Desenvolvimento Local hoje se afirma no calendário nacional, propondo-se como um canal de visibilidade, debate, aprendizagem, articulação de atores e fortalecimento de ações relacionadas ao desenvolvimento local. E é sintomático, animadoramente sintomático, que a cada ano mais pessoas se mobilizem por esse evento, gente de todo o Brasil e, também crescenteGLOBAL 22 Desenvolvimento Local
O local à deriva mente, de outros países e continentes.
Gerardo Silva
Quando pensamos no misto de descaso, corrupção e clientelismo que caracterizam a vida política de muitos municípios brasileiros, ficamos hesitantes na nossa convicção de que o municipalismo, como afirmação democrática dos poderes locais, seja uma via importantíssima de transformação social no país. Se considerarmos, porém, que esses embaraçosos atributos não pertencem apenas aos municípios, mas também às instâncias estaduais e nacionais, e que, em grande medida, as dificuldades do municipalismo são um produto do centralismo consuetudinário do Estadonação e dos projetos desenvolvimentistas no Brasil, podemos recuperar o sentido dessa convicção. Na verdade, qualquer reflexão que se aproxime a esse assunto com o intuito de valorizar a sua interface com o desenvolvimento local deve assumir o conjunto de ambigüidades e indeterminações institucionais que caracterizam o contexto do municipalismo. Comparado com outros países latinoamericanos, dizia recentemente o professor Ivan Finot, do Instituto Latinoamericano de Planejamento Econômico e Social (Cepal/Chile), o Brasil tem realizado avanços muito importantes em termos de descentralização. De fato, a Constituição de 1988 outorgou aos municípios brasileiros maior autonomia financeira, reforçando sua importância na prestação de serviços públicos para as populações locais. O problema, entretanto, é que esse avanço se deu mais na base do aumento das transferências constitucionais de recursos do que na ampliação da capacidade tributária dos próprios municípios. Isto criou uma série de distorções, não apenas entre as exigências de prestação de serviços e a quantidade de recursos disponibilizados pelas transferências, como também entre essa disponibilidade de recursos e a capacidade efetiva de administrá-los.
Além dos impasses fiscais, os municípios brasileiros convivem com a ausência de políticas de desenvolvimento local
Ausência de desenvolvimento Aos impasses da legislação, que sem dúvida representam um obstáculo importante ao desenvolvimento dos municípios, devemos agregar, porém, os impasses derivados da ausência flagrante – nesse âmbito municipal – de perspectivas de desenvolvimento local que não se restrinjam à provisão de serviços básicos (saneamento, habitação, educação, saúde, meio ambiente), mas que sejam capazes de incidir sobre suas determinantes econômicas, isto é, sobre as próprias dinâmicas empresariais de crescimento e acumulação de capital. O que geralmente se faz em termos de infra-estrutura e equipamento, apesar do esforço, não é suficiente. Muito menos o festival de incentivos da denominada “guerra fiscal”. O que é preciso é que os municípios assumam de maneira mais efetiva a gestão das infra-estruturas públicas que possibilitam o seu desenvolvimento, sobretudo daquelas que, pela sua envergadura e impacto na vida local, não podem ser deixadas em mãos de terceiros – sejam estes agentes privados ou estatais. Podemos colocar em relevo alguns elementos destes impasses/desafios através do exemplo da questão portuária. Em fevereiro de 1993 foi sancionada a lei 8.630, denominada “Lei de Modernização dos Portos”, cuja finalidade era, por um lado, tornar mais eficiente e competitiva a operação portuária no Brasil, que até então permanecia em mãos do Estado através das Companhias Docas, e, por outro, resolver o impasse institucional criado pela extinção, em 199?, da antiga agência nacional de gestão e adminis-
tração portuária, a Portobrás, da qual as Companhias Docas dependiam. Para alcançar tais objetivos, a Lei permitiu a entrada de operadores privados na operação dos terminais, o que efetivamente aconteceu com certo sucesso, e determinou um redesenho institucional da autoridade portuária atraves de duas inovações: o Órgão Gestor de Mão-de-Obra (OGMO) e o Conselho de Autoridade Portuária (CAP). A aplicação de ambas inovações foi problemática, porém por razões diferentes. O OGMO foi instituído para ‘racionalizar’ a escalação dos trabalhadores avulsos nas operações portuárias, muitos dos quais tornaram-se excedentários por causa da automação, gerando um problema social extremamente complexo (ainda não resolvido). O CAP, diferentemente, foi pensado para promover a participação de agentes e atores estratégicos do território na gestão dos portos, entre os quais os representantes dos Estados e das Prefeituras. Apesar das suas ambigüidades institucionais e das limitações impostas ao seu funcionamento, o CAP abria, de fato, pela primeira vez, a ‘caixa preta’ da gestão portuária aos atores locais. O que aconteceu, entretanto, foi que as Companhias Docas, por diversos motivos que o espaço deste artigo não
permite detalhar, nunca estiveram dispostas a compartilhar as suas decisões com o CAP além de certos limites. Por outro lado, os atores locais também não se mostraram muito atentos a essa possibilidade de tomar o controle de uma poderosa infra-estrutura de desenvolvimento, que, por razões de Estado, sempre permaneceu separada da gestão local. No melhor dos casos, as Prefeituras manifestaram seu interesse pela recuperação urbanística das áreas obsoletas e/ou em desuso, mas nunca (ou com raras exceções) sobre a importância econômica das atividades portuárias para o desenvolvimento local. O local no porto A questão é que o porto é um elemento importantíssimo na configuração das redes da nova economia mundial da circulação; e a maioria dos portos que constituem os nós estratégicos dessas redes são municipais! (Roterdã, Singapura, dentre outros). Nesse casos, não apenas a cidade vive do seu porto, mas o porto é que também vive da cidade, da sua capacidade de integrar redes de negócios e de ampliar sua hinterlândia comercial. O porto é um poderoso instrumento de desenvolvimento local. Se no Brasil isto não parece tão evidente, é porque
historicamente eles estiveram atrelados a projetos nacionais que viam o local como um obstáculo, como uma superfície rugosa que dificulta a circulação das mercadorias das grandes empresas nacionais e transnacionais. Aliás, daí vem também esse empenho perverso da engenharia desenvolvimentista de construir caríssimos e gigantescos portos novos no meio do nada. A nossa exigência, portanto, é a de um municipalismo mais arrojado, que passe pela resolução de impasses deste tipo. Os chamados ‘municípios portuários’ do Brasil estão em condições não apenas de ter um papel mais ativo no âmbito dos CAPs, mas de pleitar a própria concessão da autoridade portuária, o que também é permitido pela Lei 8630 – como já acontece com o porto de Itajaí (SC). Este movimento, evidentemente, poderá se estender a outras infraestruturas, equipamentos e serviços vinculados estrategicamente ao desenvolvimento econômico local. Acreditamos que dessa forma os municípios poderão crescer e se fortalecer como entidades autônomas, e se tornarão menos dependentes das exíguas bases tributárias ou das sempre problemáticas transferências de recursos por parte da União. Desenvolvimento Local 23 GLOBAL
AS REDES ECONÔMICAS TRANSFRONTEIRIÇAS E A MISTURA DAS POPULAÇÕES URBANAS FAZEM DAS CIDADES UM ESPAÇO PRIVILEGIADO PARA NOVAS FORMAS DE AÇÃO POLÍTICA.
Hoje em dia, as cidades globais constituem espaços muito específicos, à medida que juntam, de um lado, os setores mais mundialistas do capital e os novos profissionais transnacionais e, de outro, um número crescente de imigrantes e pessoas marginalizadas, em um único espaço complexo. É este fenômeno particular que faço questão de estudar. Essas novas formas de política não pertecem especificamente aos Estados Unidos. Elas ocorrem em numerosos países e se manifestam sob formas muito diferentes, exatamente porque não estão totalmente formalizadas. O caso da América atual é, no entanto, absolutamente digno de atenção, pois trata-se de uma potência política, econômica e militar dominante no mundo e também porque os Estados Unidos instauraram as restrições mais severas – e sob certos aspectos inconstitucionais – aos direitos civis dos cidadãos e imigrantes. O espaço da cidade é um espaço muito mais concreto para a política do que o do sistema político nacional. Ele pode abrigar modalidades políticas informais e atores políticos informais. É o que acontece nas grandes cidades do mundo. É também o que ocorre nos Estados Unidos, apesar da irresistível renovação do nacionalismo e do patriotismo que tomou conta das manchetes dos jornais. Crise O sistema político formal vem sofrendo uma desestabilização parcial em decorrência das profundas transformações atuais, ao mesmo tempo internacionais e subnacionais. O que oferece aberturas para novas formas de política, tanto a nível mundial quanto local, mesmo se o nível nacional permanece como o mais marcante e o mais institucionalizado. Trata-se então, nos Estados Unidos, de uma história de microtransformações e de microespaços, mas um número cada vez maior de países devem se render à essa evidência crescente. No plano internacional, a mundialização e o crescimento do sistema de direitos humanos contribuíram para oferecer a atores não governamentais possibilidades legais e operacionais de intervenção em domínios que eram antes atributo exclusivo dos Estados-nação. Diversas instâncias, embora muito secundárias, revelam freqüentemente que o estado não é mais o sujeito exclusivo do direito internacional ou o único ator das relações internacionais. Outros atores – das ONGs às nações mais antigas (First-Nations) passando pelos imigrantes e os refugiados que caem sob o jugo do direito por decisões que dizem respeito aos direitos humanos – emergem cada vez mais como sujeitos do direito internacional e atores da política internacional. O que significa que atores não governamentais podem ganhar visibilidade como indivíduos e como coletividades, e sair
GLOBAL 24 Desenvolvimento Local
Cidades para além do Estado Saskia Sassen
do anonimato de membros associados imposto pelo Estado-nação, exclusivamente representado por seu soberano (ou seja o governo). No plano subnacional, essas tendências, acompanhadas das medidas políticas ditas de desregulação e de privatização neoliberais, contribuem para o desmantelamento parcial do poder exclusivo do Estado sobre um território e seus habitantes, por muito tempo associado ao Estado nacional. Cidade global O lugar mais estratégico desse desmantelamento é, sem dúvida, a cidade global, que serve, em parte, de plataforma desnacionalizada para o capital mundial, ao mesmo tempo em que emerge como espaço privilegiado da surpreendente mistura de populações vindas do mundo inteiro. Além do mais, a intensidade crescente das transações entre essas cidades em escala mundial cria – para os capitais, os profissionais, os imigrantes, os homens de negócios – geografias transfronteiriças estratégicas que evitam em parte o Estado-nação. Esse desmantelamento parcial é válido mesmo para estados poderoso como os Estados Unidos. As novas tecnologias das redes informáticas reforçam ainda mais essas relações transfronteiriças, quer se trate de transferências eletrônicas de serviços especializados entre empresas ou de comunicação
pela Internet entre os membros de diásporas e grupos de interesses espalhados pelo mundo. Podemos considerar que essas cidades e as novas geografias estratégicas que as unem são parte integrante da sociedade civil mundial; e isso em todos os níveis, operando a partir de múltiplos microespaços que se acoplam uns aos outros. Nesses microespaços, nessas microtransações, opera um conjunto de diversas organizações encarregadas das questões transfronteiriças, como a imigração, o direito de asilo, as manifestações femininas internacionais, as lutas antiglobalização. Mesmo que essas organizações e movimentos não sejam necessariamente urbanos em sua orientação original, suas operações geográficas inscrevem-se parcialmente em diversas cidades. As novas tecnologias das redes, em particular a Internet, paradoxalmente reforçaram a implantação urbana dessas redes transfronteiriças. O que não deveria ser o caso, mas as cidades e as redes que as ligam funcionam nesse momento como âncoras e facilitam as lutas transfronteiriças. E essas mesmas condições facilitam também a internacionalização das redes do tráfico e do terrorismo. As cidades globais são, portanto, ambientes potencialmente bastante adequados para esse tipo de atividade, mesmo quando as redes não são propriamente urbanas. [...]
A resistência da cidade A partir dessas novas condições, aqueles que não têm poder nenhum, as pessoas desfavorecidas, os outsiders, as minorias discriminadas, passam a ter presença no domínio público e a conquistar seu lugar estando “presentes”: presentes frente ao poder e presentes frente aos outros desfavorecidos. Este ganho de “presença” é facilitado pela complexidade do espaço urbano e adquire uma dimensão internacional nas cidades globais. Para mim, é sinal precursor de um novo tipo de política baseada em novos tipos de atores políticos. Não se trata apenas de ter ou não ter o poder. Trata-se aqui de novas bases híbridas a partir das quais agir. Nos Estados Unidos, assistimos hoje a uma nova onda de reivindicações. Várias dessas transformações aqui evocadas tornam-se legíveis nas cidades. Na cidade, essas dinâmicas adquirem facilmente formas concretas, expressão de um amplo leque de interesses particulares: marchas contra a violência policial e pela defesa dos direitos dos imigrantes, políticas de defesa e respeito das preferências sexuais ou ocupações anarquistas de habitações vazias por squatters. Eu interpreto como um avanço em direção a práticas cidadãs, que giram em torno da reinvidicação do direito à cidade. Não se trata de práticas exclusivamente ou necessariamente urbanas. Mas é particularmente nas grandes cidades que encontramos simultaneamente algumas das desigualdades mais extremas e as condições que permitem essas práticas cidadãs. Nas cidades globais, essas práticas trazem também consigo a possibilidade de uma ação direta nas formas de poder estratégicas, fato significativo em um contexto onde o poder é cada vez mais privatizado, globalizado e inapreensível. Desenvolvimento Local 25 GLOBAL
GLOBAL 26 Desenvolvimento Local
e o paradoxo Paolo Gurisatti
Algumas notas sobre a Primeira Conferência Nacional sobre Arranjos Produtivos Locais
Entre o
arranjo
No dia 2 de agosto de 2004 o Presidente Lula participou da abertura da Primeira Conferência Nacional dos Arranjos Produtivos Locais (APLs) organizada pelo SEBRAE. Contando com a presença do Presidente da República, o governo quis enfatizar o papel estratégico que pode ter o desenvolvimento local para que o Brasil alcance um crescimento sustentável que combine crescimento econômico e redução das desigualdades sociais. Esse grande encontro nacional consistiu numa tentativa séria para que as políticas públicas passem a reforçar as redes econômicas e sociais em nível local. Trata-se da possibilidade de se pensar um novo Brasil também em suas periferias. Ao mesmo tempo, o recurso ao desenvolvimento local feito por Brasília está longe de constituir, em si mesmo, uma inovação. Ao contrário, pode tratar-se de um paradoxo. Paradoxo Sabemos que o Brasil é caracterizado por uma estrutura estatal fortemente centralizada e, sobretudo, hierarquizada. Além do mais, sabemos que o modelo de crescimento proporcionado pelas políticas industriais articuladas a partir do "centro" levou o país aos atuais impasses macro-econômicos, bem como a um nível insuportável de desigualdade. Mas, apesar dos paradoxos, a Conferência dos APLs apresenta um elemento inovador: pela primeira vez no Brasil, o apelo é feito por um Presidente que fez do crescimento social a missão de sua vida. Não há dúvidas quanto ao fato de que o Presidente Lula queira desenvolver seriamente o desafio de implementar no Brasil novos modelos de desenvolvimento econômico e social. Além da "terceira via" das social democracias européias e do modelo democrático norte americano e, tendo em vista a experiência desastrosa das políticas neoliberais na América Latina – impostas pelo FMI e pelos consultores norte americanos que aderiram ao chamado "Consenso de Washington" –, Lula enfrenta hoje o desafio de transformar o Brasil num laboratório em que se conjuguem os objetivos de estabilidade econômica (numa irreversível situação de inter-dependência global), o aprofundamento e a expansão da democracia com a redução da pobreza e da exclusão social. Nesse caminho, apesar de o grupo dirigente estar completamente convencido de que o velho receituário de proteção à indústria nacional e atração de capitais estrangeiros não funciona mais, faltam idéias claras sobre as opções disponíveis. O governo enfrenta assim um dilema típico da participação: se, por um lado, há o desejo e a necessidade de descentralizar poder e responsabilidades de ação nas periferias, será que os atores locais, que deveriam ser os protagonistas de uma nova era de crescimento, dispõem de recursos intelectuais e materiais que operem uma real mobilização dos territórios? Possuem esses atores as habilidades necessárias para a criação de um novo conhecimento – condição para competir no cenário internacional e ter inserção cada vez maior no mercado global –, ou devem ser "apoiados" por meio da intervenção de tecnocracias como SEBRAE, BNDES etc., que são agências de serviços constituídas por determinação central do Estado Nacional? Em busca de soluções “O governo Lula Não há muitas experiências a serem não dispõe de um modelo usadas como referências e o tempo formalizado pronto para o uso, disponível para tomar decisões é curto. não pode voltar Com efeito, o Brasil deve urgentemente ao velho protecionismo enfrentar três questões cruciais. A primeira é como produzir uma retomanem tem o tempo necessário da econômica que não aumente a para desenvolver desigualdade social e não acarrete ouuma nova estratégia” tros problemas, como saturação das grandes metrópoles, violência, pobreza, etc.A segunda é como expandir as exportações, com o objetivo de reduzir a dívida externa, trazendo divisas por meio do balanço de pagamentos, e não pela importação (cara) de capitais, permitindo assim uma expressiva queda das taxas de juros. E a terceira questão é como sustentar a demanda interna, não apenas para reduzir as tensões sociais, mas também para colocar em marcha um ciclo virtuoso que ofereça confiança aos operadores econômicos e reduza o "risco país".
Sem a mobilização e participação "extraordinárias" dos empresários e um real compromisso inovador dos trabalhadores intelectuais e dos tecnocratas das várias agências nacionais de fomento (SEBRAE, FINEP, BNDES, CEF …), o governo Lula corre sérios riscos de não conseguir alcançar condições de sair das armadilhas da quase estagnação, desconfiança internacional e interna, instabilidade monetária etc. O governo Lula não dispõe de um modelo formalizado pronto para o uso, não pode voltar ao velho protecionismo nem tem o tempo necessário para desenvolver uma nova estratégia, com base nos processos tradicionais de pesquisa e desenvolvimento. Nesse contexto, a experiência européia dos "distritos industriais", dos "sistemas produtivos locais" e dos "pactos territoriais" oferece indicações úteis para uma inovação rápida, para uma nova política econômica que possa utilizar recursos já disponíveis nos "arranjos" existentes no Brasil, os únicos capazes de produzir e distribuir os "conhecimentos necessários para a mudança" no curto prazo. A perspectiva dos APLs constitui, pois, uma tentativa de "tropicalizar" a experiência dos distritos europeus (que se constituíram em um contexto político e social bem diferente do brasileiro, mas que são capazes de conciliar objetivos de crescimento econômico, competitividade e abertura internacional com redução da desigualdade social).
tradicionais e são essencialmente baseadas em instrumentos financeiros, correndo o risco de beneficiar não os atores realmente portadores de um "novo conhecimento", mas apenas os agentes "intermediários" especializados na gestão das relações com o "centro" e no controle dos recursos públicos. Outra possibilidade é ter uma nova política em que, ao contrário, promova verdadeiros "processos constituintes" de novos "territórios produtivos" (de tipo estratégico e cognitivo, mais do que geográfico e administrativo), capazes de desenhar uma real estratégia competitiva de crescimento e de se mobilizar para encontrar um acordo com o governo nacional, ainda que de forma independente das diretivas e dos recursos "centrais". Certamente, é difícil dizer como uma perspectiva tão avançada e que implica corajosas inovações políticas e institucionais poderá ser bem sucedida no amplo processo de mobilização e participação dos cidadãos na construção de um novo Brasil. Ao mesmo tempo, parece inevitável que Lula tente abrir para a contribuição ativa dos cidadãos que têm o poder real (e não apenas burocrático) de mudar as coisas.
Possibilidade O principal problema nesse sentido é o de transformar as indicações ideais e o modelo dos "distritos" em instrumentos concretos de ação. O governo e suas agências têm duas possibilidades. Uma é a de a nova política dos "territórios produtivos" poder ser interpretada como um tipo de réplica brasileira das políticas de apoio aos distritos ou aos "clusters" industriais desenvolvidas na Itália, em outros países da Europa e nos Estados Unidos. Mas todas essas políticas caracterizam-se por uma abordagem tecnicista, são delegadas a consultores, visam objetivos de planejamento Expo DLIS 27 GLOBAL
Acumulação e sistema público de apoio ao desenvolvimento local Franklin Coelho
As experiências hoje no Brasil se realizam de forma fragmentada, como se estivéssemos em um arquipélago. Em termos de um cenário macro, devemos pensar o desenvolvimento local no interior do debate de construção de um pacto federativo. De fato, trata-se de colocar no centro da discussão do desenvolvimento a capacidade de inclusão social, de um lado, e de articulação inter-regional, de outro. Isto significa dizer que a tendência mais favorável à continuidade de um pacto federativo mais equilibrado horizontalmente é a sustentação da descentralização de recursos em torno de um novo desenho institucional que articule as diversas competências específicas e concorrentes, identificando as diferentes identidades territoriais e suas vantagens competitivas. Ao lado destes aspectos macro, os processos devem se acumular no sentido da constituição de um território organizado como sujeito. Neste sentido, cooperação e competitividade não se constituem em faces de uma mesma moeda, mas sim qualificam atores, identificam estratégias e estabelecem, neste território, novas relações de poder. As experiências locais situam-se no campo de ações que expressam uma estratégia territorial diante do impacto de fragmentação econômica e socioespacial gerada pelas novas redes e fluxos econômicos que surgem nesta transição para um regime de acumulação e um modo de regulação flexível. Cooperação produtiva Esta dimensão territorial se expressa num caminho de construção social no qual se desenvolvem formas distintas de cooperação. Cooperação e competitividade se transformam em palavras mágicas que justificam as ações dos clusters e condomínios industriais. Para além da dimensão técnica, estamos diante de estratégias e atores distintos. Há que recuperar a aposta de uma radicalidade democrática, principalmente em termos de desenvolvimento local. Esta dimensão, ainda não suficientemente explorada, significa integrar GLOBAL 28 Desenvolvimento Local
pactos territoriais, com controle social participativo e gestão pública estratégica. Esta opção da ação se fundamenta nas tendências de mudança da administração pública brasileira, manifestada principalmente nos governos municipais e que, agora, representa o desafio de ser implementada em termos econômicos. Esta tendência assinala um movimento de ruptura com algumas das características centrais da gestão pública no país, tais como: centralização decisória e financeira; fragmentação institucional; atuação setorial; clientelismo; padrão verticalizado de tomada de decisão e de gestão; burocratização e padronização dos procedimentos; exclusão da sociedade civil dos processos decisórios; impermeabilidade das políticas e das agên-
cias estatais ao cidadão e ao usuário e ausência de controle social e de avaliação das políticas públicas. Estes aspectos se manifestam também em termos de uma gestão de desenvolvimento econômico em determinado território. O território organizado se transforma em lugar de sonhos e devaneios de uma globalização mais humana. As experiências de desenvolvimento local, pela diversidade de iniciativas e de caminhos percorridos permitem pensar um sistema público de apoio ao desenvolvimento local. Elas sugerem instrumentos de apoio a ambiências produtivas e inovadoras locais e, ao mesmo tempo, sinalizam para que tracemos políticas e estratégias de intervenção que respeitem a construção social de cada território.
Tecendo a sociabilidade e o desenvolvimento em Renata Bernardes
Zona Vermelha, Interferência Urbana do Grupo Radial realizada em Santa Teresa, durante o evento Arte de Portas Abertas, 2004.
SANTA
TERESA
Se existe um valor agregado ao bairro de Santa Teresa, este é sem dúvida o de conjugar dois aspectos em geral antagônicos – tradição e vanguarda, que caminham lado a lado pelas ladeiras estreitas desse cenário único na paisagem do Rio de Janeiro. No passado como no presente, muitos episódios ilustram esta inusitada cumplicidade entre o manter e o ousar, entre o conservar e o transgredir. Esta característica levou o Viva Santa – movimento criado, em 1995, por um grupo de moradores em reação contra o abandono, decadência e insegurança que o bairro vivia – a perceber Santa Teresa como terreno fértil para uma experiência inovadora de desenvolvimento local que promoveu mudanças importantes na vida do bairro nesses quase 10 anos em que vem sendo implementada. Todo este processo, nem sempre conscientemente, vem ajudando a consolidar a vocação histórica de Santa Teresa para o um modelo de desenvolvimento que integre crescimento econômico, preservação do patrimônio natural e cultural e justiça social. Afinal, foi justamente sobre as bases deste tripé que o bairro se equilibrou ao longo dos tempos. Em épocas recentes, entretanto, este equilíbrio foi sendo cada vez mais ameaçado, principalmente em função do agravamento das questões sociais, chegando a romper-se em várias ocasiões. Graves problemas permanecem ainda sem solução, é verdade. O que não invalida o êxito das iniciativas que alimentam um processo cujo ineditismo reside no fato de terem sido provocadas, conduzidas e mantidas por atores da comunidade, com seus próprios recursos ou apoio do setor privado, já que no período não foram implementadas, nem sequer formuladas políticas públicas para a região. Os investimentos do poder público resumiram-se a intervenções pontuais que muito pouco, ou praticamente nada, contribuíram para este desenvolvimento que se traduz no fortalecimento da tradição cultural e na
recuperação da imagem do bairro; no prestígio da comunidade artística; na revitalização do comércio; no redirecionamento das atividades voltadas para o turismo; na restauração de um número significativo de imóveis, inclusive aqueles que por muito tempo permaneceram abandonados, transformando-se em quase ruínas; e, na valorização imobilária. Se tais resultados foram alcançados é certamente porque se entendeu que a promoção do desenvolvimento local deveria ser um caminho de mobilização democrática. Tecendo a sociabilidade e promovendo a aproximação entre diferentes atores e segmentos sociais, reaproximando da população do “asfalto” os moradores das mais de 10 favelas da região – relação extremamente esgarçada desde a instalação do tráfico de drogas nessas comunidades, o processo, da forma como vem sendo alavancado, possibilitou a organização e legitimação de algo que sempre foi uma tendência no bairro: um modus vivendi que quebra padrões, antecipa o futuro, mas valoriza e protege com a mesma intensidade o legado do passado. Santa Teresa foi o primeiro bairro do Brasil a ter sua Agenda 21 Local, um conjunto de diagnóstico e recomendações para o desenvolvimento sustentável, elaborado com a participação da comunidade entre 2001 a 2002. Sua construção – apoiada pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente, o que constitui uma exceção à omissão do poder público em relação ao bairro – agregou novos instrumentos e valores, principalmente os relacionados à promoção da participação e de parcerias. A comunidade de Santa Teresa quer, assim, garantir que tanto o processo de desenvolvimento local em curso, quanto o futuro que venha dele emergir, seja, cada vez mais, ambientalmente abrangente, culturalmente democrático, socialmente justo e economicamente eficaz para todos que fizeram do viver no bairro uma opção de vida. Desenvolvimento Local 29 GLOBAL
Pacto institucional é pouco para implantar uma gestão dos problemas metropolitanos. Saída pode vir das experiências de desenvolvimento regional. Jeroen Klink
GLOBAL 30 Desenvolvimento Local
É quase consenso, no debate sobre o desenvolvimento nacional, vislumbrar um papel estratégico para as regiões metropolitanas. Estas áreas concentram a maior parcela da riqueza e da população do país e representam importantes janelas de oportunidades em termos de geração de trabalho e renda e democratização da gestão. No entanto, é surpreendente – até no plano internacional – constatar que as estruturas institucionais e financeiras que encontramos estão mal preparadas para dar respaldo às áreas metropolitanas. No entanto, estas estruturas serão cruciais para vencer a “cultura do jogo de soma zero” que ainda prevalece entre os stakeholders das áreas metropolitanas; ou seja, a cultura que faz com que atores locais autônomos não entrem em arranjos cooperativos, seja em função de uma avaliação de que é possível ganhar com os esforços dos outros (o chamado “free-rider”), seja
em função de uma avaliação individual e estreita de custos e benefícios que não levam em consideração os efeitos (benéficos ou prejudicais) sobre o município vizinho. Governança No caso europeu constatou-se, a partir da década de 90, que há uma transição da busca de um governo metropolitano ou regional – mais ou menos característico das décadas de 70 e 80 – para a busca de uma boa governança regional e metropolitana. As experiências mais recentes na Itália, França e Inglaterra mostram a procura de um sistema de governança regional ou governança metropolitana, caracterizada pelas redes participativas de atores públicos e privados que vêm articulando passo a passo ações de interesse comum. Nesta nova configuração, o resultado final do arranjo coletivo não está pré-definido – como nas primeiras tentativas de criação de
os limites da governos regionais e metropolitanos – mas vem sendo construído coletivamente por meio de um processo social de aprendizagem entre atores públicos e privados. Passemos para o quadro brasileiro da década de 90. É já de conhecimento comum que o processo abrupto e descontrolado da abertura macroeconômica sem política industrial e tecnológica compensatórias implementado pelos respectivos governos Collor e FHC teve um rebatimento especialmente dramático nas regiões metropolitanas. Na região metropolitana de São Paulo, por exemplo, ocorreu um processo de desestruturação das principais cadeias produtivas e um aumento substancial das taxas de desemprego. O exemplo do ABC O caso de ABC Paulista representa um exemplo paradigmático deste rebatimento perverso do ajuste macroeconômico sobre o território regional, mas mostra simultaneamente a potencialidade de uma mobilização dos principais atores locais. De modo semelhante ao que ocorreu em outras regiões de caráter industrial no mundo, vinha paulatinamente ocorrendo o processo de mobilização produtiva e política de um conjunto de atores públicos e privados agrupados em torno do tema da revitalização da região. No decorrer de década de 90, foi criado, sob a liderança do saudoso prefeito da cidade de Santo André Celso Daniel, um conjunto de arranjos institucionais inovadores que até hoje
vêm despertando interesse de agências nacionais e internacionais, como o Consórcio Intermunicipal de Prefeitos (dezembro de 1990), a Câmara Regional do Grande ABC (1997) e a Agência de Desenvolvimento Econômico do ABC (1998). Enquanto no caso do Consórcio de Prefeitos trata-se de um espaço de coordenação e ação política entre os respectivos governos locais, no caso da Câmara e da Agência já notamos um arranjo institucional arrojado de caráter público não estatal em busca de elaboração, implementação e avaliação de projetos de interesse comum na área de desenvolvimento urbano, econômico e social. Um primeiro balanço da experiência e articulação regional no ABC Paulista nos mostra uma experiência extremamente inovadora em busca de um modelo de desenvolvimento regional competitivo, baseado, inclusive, em um sistema aberto e democrático de aprendizagem coletiva e negociação de conflitos entre atores públicos e privados. Trata-se, na realidade, de um primeiro passo consistente rumo a um sistema de governança regional que está enraizado na presença dos atores sociais. No entanto, depois de mais de uma década de experimentação com a articulação regional no ABC Paulista, percebemos também limites no modelo. O principal deles é a ausência de um respaldo institucional claro dentro do pacto federativo que se reflete claramente na fragilidade do padrão de financiamento para a nova Regionalidade à la ABC. De certa forma,
podemos afirmar que a flexibilidade do arranjo institucional representa simultaneamente o ponto forte e frágil da experiência. Pois, se isso permite a articulação informal e rápida na negociação entre os atores territoriais (isso inclui os governos local e estadual), é evidente que, em função do caráter voluntário do arranjo, não se pode garantir a real implementação do “pacto territorial” negociado anteriormente. Gerir a metrópole O Governo Federal vem atualmente retomando a discussão sobre o tema da governança metropolitana no país. Um dos desafios será o de desencadear, a partir de experiências concretas e reais, um processo amplo e replicável de aprendizagem voltado para a construção de um novo modelo de gestão participativa das áreas metropolitanas no país. Com base nas lições aprendidas no caso do ABC, podemos afirmar que este modelo não poderá ser uma camisa de força e terá que respeitar as especificidades e diferenças locais e regionais. Neste cenário, o resultado do arranjo institucional para a regionalidade não está sendo definido ex-ante, mas surge como produto não linear do próprio processo coletivo de construção entre os atores públicos e privados. É um processo mais lento e cercado por mais incertezas, mas garante um grau de enraizamento local mais profundo rumo ao desenvolvimento regional que combina inclusão social com geração de trabalho e renda.
metrópole Desenvolvimento Local 31 GLOBAL
a cidade ainda r e s i s t e Pedro Cláudio Cunca Bocayuva Somente a ampliação do grau de cooperação dos sujeitos locais pode proporcionar a todos o direito à cidade
GLOBAL 32 Desenvolvimento Local
A emergência de novas configurações sociais, políticas e produtivas liga-se diretamente ao tema da multidão como forma atual de constituição dos sujeitos do trabalho vivo. No território utilizado e nas dinâmicas das redes de acumulação global desenha-se uma nova disputa para a reconfiguração dos direitos coletivos no espaço urbano. Enquanto luta que coloca, de um lado, a impossibilidade das formas de controle do Estado Capitalista e, de outro, a necessidade de aprofundar a relação entre o direito à cidade, tal como
foi formulado a partir da crise no final dos anos sessenta, e o uso produtivo do território na era da dominação global. A formulação do direito como nascido das lutas pela apropriação do espaço da cidade redefiniu os contornos da questão urbana, ao longo dos anos setenta, sob a forma dos novos movimentos sociais. A reforma social urbana ganhava um contorno crítico anticapitalista no projeto de "revolução cultural" que redefinia o campo de disputa da crise de reprodução social nas grandes cidades das economias centrais do capitalismo. A socializa-
ção via os modos de controle e disciplina aprisionava os indivíduos na camisa-de-força da sociedade de massas a serviço da reprodução ampliada do capital. Somente a rebeldia e a ‘festa’ nascida do reescrever ativo das práticas coletivas podia abrir espaço para uma outra via de socialização e democratização, rompendo com a estrutura da vida cotidiana que reiterava os papéis sociais funcionais ao capitalismo avançado. A resistência da cidade A questão emancipatória colocava-se no centro da disputa face aos mecanismos hegemônicos do capitalismo regulado e organizado, onde o consumo reprodutivo de massas era colocado na linha de complementação da produção fordista. O indivíduo massificado encontrava nos conflitos da cidade a base política para repensar os modos de vida. Os movimentos sociais urbanos, mais do que modos de manifestação do operariado fabril, apareciam como expressão de demandas ampliadas, nas estratégias de recusa, como afirmação de novos direitos. O que levou à saturação dos limites instituídos da cidade como espaço de acumulação funcional e complementar de um regime fabril, atravessado por novas formas de luta proletária. No âmbito do processo de trabalho, a recriação do modo de produção encontrava-se prisioneira do espaço fabril, das relações de produção e das forças sociais produtivas do taylorismo-fordista, levando à estratégias de recusa à crise orgânica do trabalho assalariado. No território urbano, as lutas por políticas públicas transbordavam através do poder de criação e da experiência coletiva mais aberta. Porém, com limites definidos pela forma de regulação do Estado e pelo caráter incipiente da experiência cultural de pensar a cidade. Desde o final dos anos sessenta, o corpo da multidão agitava-se na sua relação com as dinâmicas produtivas, embasadas na nova potência subjetiva do trabalho. Doravante a multidão volta e meia se agitaria, como ocorreu na França nos anos noventa, ou como ocorre nas lutas recentes contra a guerra nos Estados Unidos e na Espanha nesse início de século XXI. Mas, essa agitação também se radicaliza em explosões e conflitos coletivos nas cidades periféricas da América Latina, como aconteceu nos vários processos de crise institucional orgânica na Argentina, na Bolívia, no Equador, no Peru e na Venezuela. A dinâmica pós-moderna dos conflitos urbanos se traduz pelas diversas lógicas de conflito e guerra nos lugares. Na atualidade, os esforços do capital global em disciplinar e controlar as populações rompem-se, tanto no centro, quanto na periferia do sistema capitalista. Radicalizar o direito à cidade Por isso, o direito ao território é uma tradução necessária da rebeldia da multidão, de cuja cooperação horizontal depende a autonomia para construção de uma nova dinâmica produtiva do trabalho. O trabalho vivo associado deve ser politicamente agenciado, tendo em vista as dinâmicas imateriais da acumulação do capital. O trabalho intelectual coletivo deve fundamentar as estratégias de construção de alternativas sócio-produtivas no âmbito das disputas para o agenciamento político de novas formas de empreendedorismo na cidade. O trabalho vivo passa por uma metamorfose derivada da sua potência subjetiva e da sua capacidade cooperativa, mas sua condensação depende das bacias estabelecidas sobre a capacidade produtiva presente nos territórios das cidades. Na disputa da apropriação dos mecanismos de produção da vida nas cidades, está contida a potência material da democracia dos sujeitos do trabalho, dos criadores da riqueza. A radicalização dos direitos na cidade amplia a potência dos sujeitos, que fazem da disputa ativa pela apropriação do território condição para a maior autonomia do trabalho vivo. Abrindo uma via de interfaces cooperativas desde as bases do trabalho informal e autônomo das multidões no território. Na direção nas redes informacionais-comunicacionais e do trabalho imaterial coletivo, modificando a forma da política ao realizar as virtualidades da multidão em movimento. Esses processos ganham mais densidade nos territórios da periferia internacional, como nas cidades brasileiras, onde a metropolização amplia a potência política das bacias de trabalho informal e precário. Para o qual a questão da cooperação e da associação torna-se uma necessidade imediata de sobrevivência, inscrita na explosão em novos fragmentos e recomposições do elo e das fronteiras entre o que Milton Santos chamou de circuito inferior e superior da cidade. Aqui se revela a cidade periférica enquanto “cidade integral” da era do capitalismo global. A função social produtiva da cooperação dos sujeitos em rede na cidade articula-se com a dinâmica dos direitos coletivos da multidão, onde a democracia se amplia como direito e autonomia do trabalho vivo. Desenvolvimento Local 33 GLOBAL
As ambigüidades do governo Kirchner e os desafios dos movimentos
argentina E T N E G INSUR com o a t s i v e Entr nes o i c a u t i oS Colectiv ra Mezzad o r d n a S
GLOBAL 34 Conexões Globais
Desde 1999 venho anualmente a Buenos Aires. Conheci a cidade no fim do menemismo e vi nascer a esperança e a ilusão da “Alianza” entre De La Rua e Chacho Alvarez. Estive aqui no outono austral de 2002, ainda com as imagens da revolta de dezembro de 2001 na minha cabeça. Nesta última viagem, reencontrei os companheiros e companheiras do Colectivo Situaciones, e considerei oportuno tentar me atualizar sobre a situação argentina de hoje, bastante diferente daquela encontrada na primeira vez. Nas conversas com Verónica Gago, Mario Santucho, Sebastián Scolnik e Diego Sztulwark, fomos fazendo um racconto dos acontecimentos e uma análise da situação política argentina atual. A entrevista a seguir reproduz os trechos mais significativos desse afetuoso encontro em Buenos Aires. Como os acontecimentos dos dias 19 e 20 de dezembro de 2001 são bastante conhecidos no Brasil, inclusive nos seus aspectos destituintes, como o Coletivo Situações define o conteúdo e os alcançes desta grande revolta, podemos partir do que aconteceu um dia depois, quando tudo estava a começar …
SM: Reconstituindo sinteticamente o fio da cronologia. Que sucede após o 19 e 20 de dezembro? Como se movimentam os diversos atores no vazio político produto da insurreção?
O debate político no interior do movimento polarizou-se em torno de duas posições: por um lado, a esquerda tradicional (comunista e trotskista) que fala de uma “situação pré-revolucionária” e lança a palavra de ordem “assembléia constituinte já”; por outro, com grande difusão entre as massas, um conjunto de situações apontam para a hipótese do que poderia ser denominado contrapoder, insistindo na autonomia do movimento, isto é, na sua capacidade de produzir uma forma verdadeira e própria de vida, instituições sociais sem qualquer vocação para substituir as instituições políticas do Estado.
CS: Bem, no dia 21 de dezembro todo o país se encontrava de algum modo reunido em assembléia! De um lado, tínhamos a assembléia legislativa, convocada para eleger um novo presidente, o que foi diretamente transmitida pela televisão; por outro lado, as centenas de assembléias de bairro. Depois, dois presidentes em uma semana: Rodriguez Saá e Duhalde. Este último, que tinha sido batido por De La Rua nas eleições presidenciais dois anos antes, já estava desde então à frente de uma fração do peronismo crítica ao neoliberalismo menemista, que tinha começado a considerar a possibilidade de abandonar a paridade entre o dolar e o peso. Foi esta composição política que chegou ao poder naquele contexto. Tentando evitar, num primeiro momento, qualquer forma de repressão aberta no confronto com os movimentos (não excluindo, porém, a alternativa de recorrer ao aparelho peronista da província de Buenos Aires para contê-los quando necessário), Duhalde propõe-se alguns objetivos mínimos: a estabilização dos preços e da moeda, uma trégua com os credores – forçada pelo desmoronamento da economia nos meses precedentes –, e um primeiro plano emergencial de subsídios aos desocupados (o programa “Jefas y Jefes de Hogar”). Nessa situação, com o neoliberalismo claramente em dificuldade, e com o duhaldismo começando a delinear uma hipótese de gestão pós-menemista, os movimentos continuam a se desenvolver com criatividade e força inacreditáveis. Foi nesses meses que centenas de fábricas foram “recuperadas” pelos trabalhadores; que se estabeleceram diálogos entre fábricas e assembléias; que emergiu uma verdadeira e própria economia alternativa através de redes de intercâmbio solidário e de aquisições comunitárias.
tante agora é insistir sobre o que aconteceu logo depois: dada a magnitude da indignação e do protesto popular, Duhalde entendeu imediatamente que seu mandato presidencial estava com os dias contados, sendo obrigado a convocar eleições antecipadas!
O processo eleitoral que se abre tem também suas particularidades. Muita coisa poderia ser dita, mas o ponto fundamental é que no processo eleitoral a precariedade e a contingência representaram um papel essencial. Dizendo mais concretamente: a candidatura de Kirchner, sua conquista da presidência, foi determinada por uma série de circunstâncias nas quais o acaso foi elemento decisivo. Com o radicalismo aniquilado no fim do governo de De La Rua, e com o peronismo profundamente dividido, Duhalde pensava ocupar a cena política contrapondo à candidatura de Menem a de Reuteman, confiando mais na sua fama como piloto de Fórmula 1 do que em sua experiência como governador da província de Santa Fé… Pois bem, Reuteman encontra Menem e, em conversa rápida com os jornalistas, declara que renuncia à candidatura porque “tinha visto coisas das quais não tinha gostado”. Assim, sem dar maiores explicações… Uma vez eleito presidente (com aproximadamente 11% dos votos), Kirchner adquire um poder enorme, sem dúvida por causa do processo de destituição da institucionalidade que a insurreção do 19 e 20 de dezembro havia determinado. A partir daí, acontece uma coisa inesperada. Pela perspectiva européia, Kirchner parecia mais um peronista a chegar ao governo, sobretudo um peronista totalmente cooptado pelo aparelho de poder que Duhalde construiu na província de Buenos Aires através de práticas clientelistas e mafiosas. Em vez disso, no momento em que assume o poder, faz um discurso de ruptura …
Tudo isto vale, me parece, até o dia 26 de junho de 2002. Naquele dia, Duhalde não segue mais a regra de não reprimir as manifestações populares. Na ponte Pueyrredon, que liga a capital federal a Avellaneda e aos bairros do sul da cidade, a polícia reprime com selvageria o bloqueio de ruas feito pelos piqueteros. Dois militantes do movimento, Dario Santillan e Maximiliano Kosteki, foram seguidos até a estação de trens de Avellaneda e assassinados a sangue frio. No dia 26 de junho temos então um outro marco.
Sim, o discurso foi realmente impressionante. Kirchner declarou abertamente o fim do neoliberalismo, inclusive da impunidade dos militares genocidas da ditadura; declarou também o fim do clientelismo, fazendo referência direta ao 19 e 20 de dezembro como início de uma nova época na história argentina. Todo o contexto da cerimônia foi inacreditável, com a presença de Lula e Chavez! Uma nova época na história argentina e ao mesmo tempo na história latino-americana…
É verdade. Mas trata-se de um marco muito particular, que revela o quanto continua a vigorar aquilo que chamamos de “recusa ativa” dos movimentos. Valeria a pena reconstituir em detalhes o que aconteceu na ponte. Mas, o mais impor-
E não foram somente palavras: sobre a questão da impunidade Kirchner demonstrou rapidamente que falava sério, atacando ao mesmo tempo os centros de poder do menemismo no interior do exército, da polícia e da Corte Conexões Globais 35 GLOBAL
Suprema. O discurso na ONU, quando afirmou que “somos todos filhos das madres de plaza de mayo”, foi verdadeiramente emblemático, de enorme significação simbólica e política! Por outro lado, no governo formado por Kirchner tem um peso enorme a geração do peronismo de esquerda, da experiência montonera dos anos 70. É desta geração que provêm os quadros do Kirchnerismo, em particular os que têm trabalhado o relacionamento com os movimentos sociais, fazendo gestões em primeira pessoa. Me parece que este seja um ponto chave. Como entender a postura de Kirchner no confronto com os movimentos? Muito esquematicamente, valeria dizer que o relacionamento com os movimentos tem estado orientado por duas frentes: tentativa de redefinição de algumas funções fundamentais da política social do Estado e, ao mesmo tempo, tentativa de construir uma base autônoma de mediação social que permita a Kirchner emancipar-se do aparelho de poder do Duhalde… Nossa impressão é de que a situação é muito mais complexa. E, sobretudo, muito mais ambígua. Parece-nos que Kirchner, compreensivelmente até, tenha-se concentrado neste ano em alguns elementos de ruptura simbólica muito importantes, apesar de praticar esta ruptura onde era mais fácil. Por exemplo, quando, por ocasião do 28º aniversário do golpe de Estado de 76, Kirchner tira o quadro do Videla das paredes da ESMA, o conhecido campo de concentração gerido pela marinha militar, faz ao mesmo tempo uma coisa de fundamental importância, mas relativamente “fácil” de fazer. Qual a leitura alternativa que podemos fazer deste ato? Bom, sobre a ditadura militar, Kirchner disse praticamente o que os movimentos vêm dizendo há mais de vinte anos; ao mesmo tempo, começa a articular uma leitura dos acontecimenos de dezembro de 2001, naturalmente interpretada de modo seletivo, segundo a qual estes acontecimentos têm vinculação direta com a luta dos anos setenta. Não estamos dizendo que isto seja negativo per se. Mas fica claro para nós que desta maneira se determina uma leitura “oficialista” da história argentina, na qual a potência da insurreição de dezembro de 2001 é ao mesmo tempo reconhecida e capturada. Kirchner, embora reconheça os movimentos, entra em competição com eles, jogando politicamente sobre o mesmo terreno. Por outro lado, ainda no âmbito dos “direitos humanos”, a ambigüidade do que acontece na ESMA – usando esse termo em um sentido meramente descritivo – revela um outro ponto de vista. O governo se reapropria do que foi um campo de concentração, um lugar de tortura e extermínio, e declara querer transformá-lo num museu da memória, para que nunca mais possa acontecer na Argentina algo parecido com o que aconteceu durante a ditadura militar. Porém, ao mesmo tempo existem territórios nos quais a cada dia a polícia do “gatillo fácil” tortura e mata, no exato momento em que o discurso da direita está se reorganizando em torno do tema da “insegurança”! E aqui a questão não é a de interrogar se Kirchner tem ou GLOBAL 36 Conexões Globais
não vontade de intervir nestes territórios, mas se de fato ele tem o poder para fazê-lo. Parece-nos muito dificil responder afirmativamente a esta pergunta. Mas, o significado do gesto da ESMA continua forte… Veja, o problema fundamental é o seguinte: o gesto da ESMA é precisamente o gesto de um poder destituído, e teria sido melhor se Kirchner tivesse reconhecido isso de alguma maneira. A retórica do seu governo, entretanto, é inteiramente fundada sobre a idéia do fortalecimento do Estado! É como se o presidente, no mesmo momento em que reconhece a potência dos movimentos e se propõe a representá-los, acaba desarmando-os em favor da construção de uma retórica do “Estado popular”, o que carece de qualquer fundamento quando observado desde o interior da sociedade. Com este tipo de retórica por parte do governo, a autonomia dos movimentos tranforma-se numa questão muito delicada, porque qualquer posicionamento em favor de manter e reforçar esta dinâmica passa a ser qualificado de “anti-kirchnerista”. Ou seja, Kirchner e o governo pretendem colocar-se como únicos interlocutores e/ou protagonistas do processo destituinte, relativizando o deslocamento da mediação estatal que, na insurreção do 19 e 20 de dezembro, era tido como premissa fundamental da ação dos movimentos. É possível delinear um quadro para entendermos o tipo de política social que o governo vem desenvolvendo, e que se vincula diretamente ao tema da relação entre Kirchner e os movimentos? Para entender a política social do governo Kirchner e a relação com os movimentos, é preciso destacar que a mesma se define na interseção entre kirchnerismo e duhaldismo, ao interior do partido justicialista. Em torno dos planos de assistência aos desocupados desenvolveu-se, ao longo deste ano, um aparelho clientelista formidável, construído muito claramente sobre uma equação entre subsídios estatais e garantia da paz social. Hoje, o controle deste aparelho clientelista, sua composição e seu funcionamento, estão no centro de uma disputa muito dura entre setores do movimento piquetero que têm optado por apoiar de maneira incondicional o governo, setores do duhaldismo na província de Buenos Aires, e um sindicalismo peronista em processo de reunificação (tentando recuperar o protagonismo perdido nos últimos anos em favor dos movimentos de desocupados.) De modo geral, a tentativa de Kirchner foi no sentido de passar dos planos de assistência aos desocupados para o financiamento de micro empresas capazes de participar do mercado. Independentemente do fato de que o sucesso desta tentativa seja até hoje muito discutível, é importante ressaltar que a condição para obter o financiamento é precisamente aceitar a regra do mercado, com a conseqüente diminuição do espaço de autonomia dos movimentos. Existe, na verdade, um abismo entre a retórica de um novo Estado social e a realidade permanente de exclusão de uma
parcela enorme da população de qualquer forma de atividade produtiva. Em torno deste problema, como dissemos, a direita reorganiza sua própria retórica política, apontando precisamente para o tema da “insegurança”, propondo soluções que remetem à completa militarização das periferias urbanas mais problemáticas. Nesses territórios, o papel da força policial é determinante, seja no que diz respeito ao “gatilho fácil”, seja no que se refere à cumplicidade evidente com os “bandos criminosos”…
por um conjunto heterogêneo de experiências e de atores que rejeitam a alternativa indicada anteriormente, e que apontam para o reforço da autonomia dos movimentos. Trata-se de experiências que sabem distinguir perfeitamente entre Kirchner e Duhalde; que aceitam de bom grado, por exemplo, o financiamento governamental para o desenvolvimento de micro empresas, porém rejeitam que cheguem técnicos do governo para explicar como deve ser organizada e gerenciada a micro empresa. Ao mesmo tempo, são experiências que não simpatizam muito com a proteção assegurada pelo governo aos técnicos das empresas privatizadas que entram nos bairros para cortar ligações “ilegais” de luz e gás, muitas delas organizadas pelos próprios movimentos…
Este tipo de política é apresentada como exemplo de um novo modo de pensar a função do Estado e da própria “comunidade nacional”; mas, por outro lado, fica totalmente sem resposta o problema da viabilidade desta política – ou seja, de qual será o modelo de desenvolvimento que a tornará possível.
Podemos agora, mais uma vez, avaliar as ambigüidades da política kirchnerista: à medida que se determinam polarizações e fragmentações no interior dos movimentos, e à medida que o Estado, de uma maneira ou de outra, participa desse processo, debilita-se profundamente a sua capacidade de ação no nível territorial. Este ponto é fundamental: o governo Kirchner tem conseguido estabelecer uma relação forte com os movimentos, mas exclusivamente em termos de cooptação, e isto acaba por conduzir ao enfraquecimento dos movimentos e da sua capacidade de regular o conflito social. Não se trata, é claro, de um processo unilateral. Mas o que está completamente ausente no Kirchnerismo é a possibilidade de imaginar a relação com os movimentos de um outro modo, isto é, considerando o fato de que a autonomia, a força projetual e o ativismo dos movimentos podem ser elementos de fundamental importância para os projetos do próprio governo! Nestas condições, o resultado não poderia ser outro que não a duríssima polarização que hoje divide, sobretudo, o movimento piquetero, com repercussões em todos os movimentos sociais. Temos, por um lado, as organizações “oficialistas”, que tendem a operar como articuladores periféricas do governo, utilizando critérios seletivos próprios de qualquer administração; por outro lado, as organizações da esquerda tradicional, que combatem o governo, denunciam as cooptações dos “oficialistas”, e arriscam auspiciar uma onda repressiva…
É justamente neste espaço, a nosso ver, que se produzem os elementos mais significativos em termos de novidade, criatividade e riqueza que, nos últimos anos, têm caracterizado os movimentos na Argentina. As experiências são muito diversas: piqueteros e estudantes, setores do movimento camponês no nordeste do país e do movimento indígena no sul, grupos que trabalham com o desenvolvimento de software livre, coletivos que são uma espécie de assembléias de bairro e grupos docentes (empenhados na construção de “comunidades educativas” junto com os pais e os estudantes). A lista poderia continuar, mas o que é importante é o fato de que a unificação das diversas experiências se dá mais pelo “modo de construção” de cada uma delas, do que pela representação dos setores sociais vinculados. Trata-se, é verdade, de um espaço fragmentado e dividido, mas capaz de recompor-se de modo repentino e surpreendente em face de emergências específicas, sejam as de caráter repressivo ou aquelas determinadas pela insurgência de lutas singulares, mas percebidas como “exemplares”. Somente no interior deste espaço acreditamos que possam surgir respostas inovadoras para as grandes questões políticas que estão na ordem do dia na Argentina e na América Latina.
Todavia, o espaço entre estas posições de modo algum pode ser considerado vazio. Apesar de fragmentado e aparentemente minoritário, esse espaço está sendo ocupado
72.000.000, de Lau Caminha Aguiar
Conexões Globais 37 GLOBAL
pós-modernidade?
À DERIVA
Luis Carlos Fridman
GLOBAL 38 Conexões Globais
“povo novo”da
GENTE
Antonio Negri e Michael Hardt a certa altura escrevem em Império: “Não estamos propondo a enésima versão da inevitável passagem pelo purgatório (aqui sob o disfarce de uma nova máquina imperial) para oferecer uma centelha de esperança de futuros radiantes. Não estamos repetindo os esquemas de uma teleologia ideal que justifique qualquer transição em nome de um prometido fim. Aqui os pensadores desembaraçam-se de uma filosofia da história finalista, cujas etapas se sucederiam por necessidade irrefreável. Debruçam-se sobre as forças em conflito e consideram que o estágio atual do Império não é uma decorrência necessária do que o antecedeu. Se o livre jogo das forças humanas em confronto tivesse sido outro, o Império não teria ocorrido enquanto “necessidade histórica”.
A passagem faz lembrar as observações de Fredric Jameson, em Pósmodernismo – a lógica cultural do capitalismo tardio, que também recusa qualquer “automatismo” no desenvolvimento histórico. As objeções remetem ao clássico A ética protestante e o espírito do capitalismo, onde Max Weber demonstra as afinidades eletivas entre a mentalidade protestante e o desenvolvimento do capitalismo. Segundo Weber, a acumulação primitiva de capital foi realizada por gente que retardava o prazer continuamente como sinal de eleição perante os desígnios insondáveis de Deus. As doutrinas da predestinação traziam para os fiéis a incerteza permanente na salvação, o que foi compensado na fixidez de vidas laboriosas, frugais, austeras e severas. A dimensão subjetiva da ética protestante desembocava nesse comportamento mundano. Na leitura de Jameson, aí residia a constituição do “povo novo” da modernidade, habilitado a funcionar no dinamismo do novo modo de produção. Para o marxista norte-americano, o contorno da subjetividade para suportar novas relações materiais é uma construção, ao invés de uma derivação natural e inevitável do movimento histórico. Mesmo que, no caso, tenha sido uma conseqüência imprevista daqueles que buscavam a salvação. Enquanto efeito inesperado, não está submetido à “lógica férrea das necessidades” e, portanto, poderia não ter acontecido. No passado, a ética protestante foi o fator decisivo dessa construção. Para o presente, Jameson localiza a fragmentação das narrativas como o ambiente que envolve a constituição da subjetividade. Retornando à obra de Negri e Hardt, quais os traços definidores do “povo novo” do Contra-império, ou seja, o protagonista da organização política alternativa de fluxos e intercâmbios globais? Negri e Hardt não lidam com o conceito de classe social como fez Marx em O capital para a Inglaterra, onde ocorria o desenvolvimento capitalista mais avançado no século XIX. Investigam os atores que estarão aptos – em um futuro incerto, é bem verdade – à afronta não-romântica ao
capitalismo, ou seja, aqueles que serão portadores de formas de criação, de vida e de amor (a palavra é essa mesmo, amor) emancipadoras dos indivíduos. Ao invés de buscar o sujeito histórico que protagoniza a racionalidade porque encarna a negação objetiva das relações concretas experimentadas por todos os homens, os autores visam, com evidente influência deleuziana, os contingentes que poderão exercer e multiplicar as “potências da vida”. Daí surge o conceito de “multidão”, referido à passagem do trabalho material para o trabalho imaterial e à superação dos biopoderes enquanto politização da existência pela reprodução ampliada da dominação e do mando. Mas algo intriga no conceito. Negri e Hardt consideram, por exemplo, que o nomadismo dos pobres é a primeira ação ética na direção de uma ofensiva contra-imperial. Adicionam que o hibridismo das culturas possibilitará a invenção de formas de vida e de institucionalidade (ou poderes constituintes) que escaparão ou serão fonte de contraposição aos biopoderes atuais. E anunciam que “o mais miserável da terra se torna o mais poderoso”. A evocação de Marx aqui é inevitável, pois desta vez são os pobres que nada têm a perder a não ser os seus grilhões, em uma atualização do papel anteriormente atribuído ao proletariado industrial. Curiosamente Slavoj Zizek, filósofo esloveno que enalteceu a fertilidade intelectual de Império mas qualificou-o de “empreendimento pré-marxista”, incide em idéias semelhantes em artigo recente (‘O novo eixo da luta de classes’, Folha de São Paulo, 5/9/2004, Caderno Mais!, págs. 8 a 11), quando sugere que os favelados das grandes metrópoles estão “libertos” de todos os laços substanciais e que no “universo sombrio e triste das favelas” quiçá ferve a possibilidade de um mundo realmente “livre”. Será esse o “povo novo”? Mas, podemos seguir em direção diametralmente oposta. O capital, por exemplo, em vez de se estabelecer duradouramente nas localidades e territórios, explorando os recursos naturais e a força de trabalho, move-se à velocidade do sinal eletrônico. As flutuações financeiras dispensam a administração, o gerenciamento, as
garantias para o trabalho, fazendo dos detentores do dinheiro uma massa de “senhores ausentes” porque estão em todo lugar e em lugar nenhum. Esses mecanismos de desengajamento e de fuga – protagonizados por uma espécie de capital-guerrilheiro da máxima usurpação – receberam de Zygmunt Bauman a denominação de “economia política da incerteza”, definida como “o conjunto de ‘regras para pôr fim a todas as regras’ imposto pelos poderes financeiros, capitalista e comercial extraterritoriais sobre as autoridades políticas locais”. As massas pobres que formavam o exército industrial de reserva tornamse progressivamente refugo humano e gente à deriva. Nas condições permanentemente mutantes da economia política da incerteza, a insegurança é um ar que se respira com freqüência cada vez maior em virtude do “encolhimento” do mundo. O resultado é uma intensa privatização da existência, que afeta todos os setores e classes da sociedade contemporânea. Em outro exemplo, mudanças na esfera do trabalho denotam relações gerais
As condições subjetivas originadas pela passagem do trabalho material para o trabalho imaterial também suscitam outras interpretações, que enfatizam alterações específicas do modo de produzir riqueza material e a própria configuração nas instituições nessa era da compressão do tempo e do espaço. que podem ser estendidas àqueles que estão à deriva. O princípio que norteia a reorganização produtiva do capitalismo da especialização flexível é “não há longo prazo”. Os trabalhadores devem suportar a exposição permanente ao risco e serem capazes de se reinventar a cada momento. O que importa é mudar, não se comprometer e não se sacrificar pelo outro. Esta situação dilapida os laços de lealdade, confiança, comprometimento, integridade e ajuda mútua, que só se consolidam com o tempo. Ou, como
revela o título do livro de Richard Sennett, corrói o caráter – entendido como “valor ético que atribuímos aos nossos próprios desejos e às nossas relações com os outros”. A subjetividade é invadida ou estimulada a adotar estilos de brevidade emocional e ética, um dos tormentos presentes nos ambientes de trabalho afetados pela especialização flexível. Em resumo, Sennett nos diz que o capitalismo contemporâneo se reproduz pela “força dos laços fracos”, o que incide sobre todos. No emprego ou fora dele. Solidão, isolamento e vulnerabilidade banham a passagem do trabalho material para o trabalho imaterial. Nessas condições, o nomadismo, o hibridismo cultural ou mesmo a “libertação dos laços substanciais” não parecem ser o combustível emancipador do “povo novo” da pós-modernidade. Sugerem, ao contrário, uma sintomatologia da precarização (temporária?) das forças contra-imperiais. Trata-se, ainda, de descobrir onde se escondem as potências da vida.
Foto de de Sérgio Sá Leitão
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Quem irá nos defender quando o
ensino vira negócio? Jaime de Castro Filho
Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior
pseudônimo
deixa à deriva professores das instituições privadas Num dia qualquer da semana que antecede o início do semestre letivo, cerca de 80 professores de uma grande instituição privada de ensino estão reunidos. Na verdade, estão calados para ouvir diretores e coordenadores – os chefes – falarem. Os “chefes” expõem as novas “regras”: os alunos estão proibidos de escolher o professor orientador da monografia de final do curso, este será determinado pela instituição; na verdade, será o professor da disciplina de pesquisa de monografia. Assim, dependendo do número de formandos, um ou dois professores orientarão todas as monografias. Não importa o que o aluno queira estudar, não importa se o professor determinado entende alguma coisa sobre o tema da pesquisa do aluno; não importa nem mesmo se algum mortal tem capacidade física de orientar 40 monografias ao mesmo tempo. Anunciada a medida, os professores se entreolham, e seguem em silêncio. A exposição das regras continua: a instituição suspendeu o pagamento de uma hora-aula para os professores horistas (e são todos horistas) que participarem de uma banca de monografia. Mas – e aqui o chefe assume um ar ameaçador – aqueles que disserem para os alunos que não aceitam participar da banca porque não são remunerados “terão de se entender comigo”. Resultado: os coordenadores, que ganham além das horas-aula, mais 20 horas pela função (e trabalham 50), acabam compondo quase todas as bancas, já que só alguns professores se dispõem a trabalhar de graça. Assim, na instituição, no final do semestre, um coordenador chega a participar de 30 bancas de monografia em uma semana. Como será que são avaliados os trabalhos dos alunos? Embalado pelo tom ameaçador, o diretor prossegue, numa ladainha a cada seis meses. É necessário que os
GLOBAL 44 Universidade Nômade
professores da casa tenham produção acadêmica, que publiquem artigos, que terminem seus mestrados e doutorados, que participem de congressos e cursos de pós-graduação. Mas não há nesta instituição nenhum incentivo à pesquisa. O que o diretor está exigindo é que os professores se matriculem nos cursos de pós-graduação das universidades públicas, ou que os professores paguem uma pós das outras particulares, e que passem as “horas vagas” escrevendo os solicitados artigos. Se o professor precisa ir a algum congresso, quase sempre precisa tirar dinheiro do próprio bolso, e a aula que precisar faltar será descontada do salário no fim do mês. Tudo isso para que, no final das contas, toda esta “produção acadêmica” feita fora, e às vezes até apesar da instituição, seja usada para ela obter pontos nas avaliações que o MEC faz. Poderia seguir aqui enumerando os absurdos ditos na referida reunião, note-se que mal falei mais especificamente de questões salariais, como, por exemplo, algumas instituições privados do Rio de Janeiro que têm atrasado salários, não depositado o FGTS, e assim por diante. Mas, diante deste quadro, imaginemos então um professor que, não só pela exploração a que é submetido mas também pelo desagradável sentimento de estar sendo cúmplice de algo que atenta contra a sua própria dignidade profissional, e contra o que qualquer corrente filosófica e pedagógica entenda por educação, resolva tomar uma atitude política. Para as questões trabalhistas, ele tem o sindicato local da categoria. Mas as questões narradas no início deste artigo, como por exemplo a farsa no processo de orientação e avaliação das monografias, precisam ser agenciadas nacionalmente. Elas passam, por exemplo, pela maneira de regulamentar e avaliar as instituições privadas para que elas exerçam, de fato, a função social que se espera de uma “Universidade”. O resoluto professor então, saído de uma destas sinistras reuniões, acessa a página da Associação Nacional de Docentes no Ensino Superior (Andes) na Internet. A linguagem de grêmio estudantil do website surpreende o docente (provável até que lhe ocorra
que, no seu tempo de colégio, ele e seus colegas eram capazes de fazer algo mais inteligente, criativo e aprofundado do ponto de vista da discussão política). Apesar disso o mestre segue em frente à procura de alguma referência aos problemas das instituições e dos professores das faculdades particulares e descobre, perplexo, que as universidades privadas não existem para a Andes. Poder-se-ia então contra-argumentar: “mas eles agem assim porque são contra o ensino privado”. No que o professor, já tomado por um sentimento de orfandade responderia: “tudo bem, mas eles também são contra os professores e os alunos das instituições privadas?” É o que parece.
Na verdade, embalados pela lógica do “grande fim”, que é expulsar do Brasil o FMI, o BID, o Banco Mundial, os “companheiros” fogem de uma briga, que está ao nosso alcance, ali onde no ensino onde o capitalismo é mais voraz e sem ética. “Pela mania da reflexão” o professor começa então a pensar: é curioso como esta lógica faz desses mestres – que se orgulham de “seu compromisso com a transformação social” – não só absolutamente inúteis e ineficazes para que esta transformação aconteça, como também, do ponto de vista de seus discursos, cada vez mais próximos de uma espécie de imagem espectral do neoliberalismo. Se os neoliberais, lá pelos anos 90, conseguiram convencer a muita gente da falácia que culpava o funcionalismo por todos os males do Brasil, esta lógica que domina a Andes, uma espécie de pseudomarxismo de repartição pública, parece acreditar que todo mundo que é funcionário público já é, em si mesmo, comprometido com a coisa pública, e que o Estado, qualquer que seja, tem em si mesmo uma função social. Daí se constrói este raciocínio binário, meio inquisitorial, que faz tão parecidos os neoliberais e os pseudomarxistas da Andes. Ambos têm uma nostalgia da “grande luta” do bem contra o mal, aquela que lhes parecia psicologicamente tão confortável na época da Guerra Fria. Será que algum destes diretores tão “combativos” e tão de “esquerda” da Andes teria coragem de enfrentar um dia só de greve numa instituição privada? Na verdade, estes mestres tão “socialistas” são incapazes de ser solidários com os colegas de profissão que vivem em situação mais difícil que a deles. O professor-órfão formula então uma questão fundamental para a Andes: porque defendemos a universidade pública devemos deixar sem nenhuma regulamentação e nenhum representante em Brasília os setores da sociedade que trabalham, estudam e usam dos serviços das instituições privadas? Entristecido com os fatos, o docente resolve escrever um artigo, no qual a maior prova da indignidade de sua situação está no fato de, para manter seu emprego, tem que assinar com p s e u d ô n i m o . Série Eclético, de Marcos Chaves.
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Pós-bichas, transloucas e insubmissos Congresso denuncia utilização consumista e ideológica da homossexualidade, bissexualidade e trangêneros
O II Congresso da Associação Brasileira de Homocultura (ABEH), realizado em junho na Universidade de Brasília, foi possivelmente o maior encontro da América Latina a reunir pesquisadores das mais diversas áreas, que não só estudam a homossexualidade, mas também os transgêneros e a bissexualidade, marcando uma diferença em relação a outros eventos sobre gênero e sexualidade no Brasil. O tema central do congresso foi Imagem e Diversidade Sexual, que nos coloca numa encruzilhada e num desafio. Por um lado, mais e mais o tema da diversidade torna-se um discurso fácil e conservador, aprisionado em políticas identitárias conservadoras e em ideologias consumistas, na busca de imagens positivas e publicitárias acomodadas dentro do status quo. Por outro lado, gostaria de acreditar que a diversidade sexual seja uma aposta numa democracia radical, marcada pela experiência concreta e cotidiana da dife-
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Denílson Lopes
Foto de Pedro Stephan
rença e da alteridade, do constante aprendizado com o que somos mas também com que não somos, enfrentamento do complexo, do sublime, do monstruoso e do abjeto que nos atravessa e nos constitui. Politicamente, a questão é como sair de um lugar específico e dialogar com o conjunto da sociedade. Teoricamente o desafio é inserir os estudos gays, lésbicos e transgêneros nos debates centrais desta virada de século, a partir da experiência intelectual de um país periférico. Cada vez mais temos que pensar a homossexualidade, os transgêneros e a bissexualidade não só como vivências particulares, que apenas dizem respeito aos que assumem estas práticas e orientações sexuais, limitandose apenas a com quem cada indivíduo tem relações sexuais, mas como base para uma nova formação contemporânea, uma ética, entendida como forma de conduta diante do mundo, em que a amizade e a deriva, como nos
ensinou Michel Foucault, aparecem como contraponto às prisões patriarcais do amor romântico e ao sexo rei, bem como base para uma estética mais afetiva e direta, o retorno ao simples e ao cotidiano. Trata-se ainda de um lugar de fala silenciado, mas que precisa ser resgatado se quisermos uma democracia multicultural, base para uma política em que o privado não é apenas espetáculo midiático permanente, mas possibilidade de adesão ao mundo, uma política tão ambígua como somos todos nós. Não se trata de apenas considerar as orientações sexuais como adjetivos, mas afirmar uma experiência substantiva que interliga vida cotidiana e prática intelectual, altenativa a todo discurso imobilizador, seja cínico ou catastrófico. A experiência da diversidade sexual nada tem de redutora, classificadora, se assim o quisermos, é um mistério insondável, um ponto de partida, uma pergunta mais do que uma resposta.
A Dantes ĂŠ uma livraria de livros antigos que pesquisa, seleciona e publica especialidades 21.2511-3480 Rua Dias Ferreira 45 B, Leblon Rio de Janeiro - RJ dantes@plugue.com.br
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“AndA PoVO! oi... deculpe a demora. é que a nossa vida deu uma embaralhada depois desse despejo do pessoal. sabia que a gente ganhou agora um kit-cultura do ministério? a gente iria instalar na ocupação Guapira, e ocorreu a reintegração. agora vamos improvisar, talvez até instalar fora de um prédio ocupado. mas o objetivo é a criação de uma rede de cultura sem teto, começando por esse ponto de cultura dado pelo programa do governo federal. olha, as imagens que vou te mandar são da performance da fabi, durante a reintegração de posse. foi uma ação ousada e de constante produção de linha de fuga em estratégia de guerrilha. nessa primeira seqüência ela está chegando no
... fabi passa pelo isolamento policial e pedem a ela que fique numa garagem do prédio, na beira da calçada. nesse local ela fica com as crianças e encontra as caixas de papelão usadas pelo pessoal que está fazendo a mudança do despejo. fabii convida as crianças a construirem casas de papelão, mas são interrompidas pela coordenadora da mudança que impede a
e lá eles armam o terceiro plano... uma criança dentro de uma caixa é lavada para o caminhão de mudança... criança-objetocaixa é colocada no caminhão de mudanças. sob protesto dos oficiais, policiais, coordenadores da mudança, que logo vêm reprimir a performance. novamente, o grupo recua, como em guerrilha, e reorienta a ação. sem nunca ser reprimido
GLOBAL 48 Maquinações
Fabiane Borges e Rafael Adaime (Catadores de Histórias)
despejo, em devir louca, furando o bloqueio policial, sendo revistada, balbuciando e acenando para o prédio. a polícia não sabe como reagir e amolece o cerco até que ela consegue entrar, quando mariah, uma das coordenadoras do comunas urbanas diz que ela era professora de teatro da crianças. então a polícia permite o acesso para que ela fique com as crianças.
continuação do processo permitindo que elas fiquem apenas com uma caixa. então fabi coloca quatro crianças dentro, amarra o pescoço da primeira com um lenço e desfila puxando seu "povo escravo" gritando: anda povo! vai pra rua! entra no caminhão da mudança! logo a segunda interferência: policiais e oficiais de justiça pedem que ela retorne para a garagem...
severamente, tamanha loucura e portanto, impossibilidade de cognição dos cães da justiça do homem privado. Imagens de crianças sendo puxadas dentro de caixas pelo cenário da desocupação. grupo de performance-guerrilha conjurando a próxima ação. fabi e seis crianças em baixo do lenço sob olhar dos policiais da força tática.
Vai pRa... Maquinações 49 GLOBAL
... RuA! ...a outra ação. o grupo de guerrilha performática se veste de sacos de lixo e sai gritando em direção ao caminhão: queremos entrar, somos lixo! nos levem junto, somos objetos! e assim por diante... até serem reprimidas novamente. fomos percebendo que as performances começaram a injetar constrangimento no cenário, no lado dos cães de guarda da
justiça; já por parte dos ex-moradores do guapira, só alegria, sentimento de vitória, e gostinho de vingança e ataque sensível contra a insensibilidade dos escudos, cassetetes e ordens judiciais. pra finalizar... imagens do povo na rua onde foi montado o acampamento. o desfecho se deu ontem quando os despejados foram acolhidos pelo movimento dos sem teto
do centro, aquele da matéria sobre o ACMSTC, na global. as famílias foram distribuidas em quatro prédio e aguardam resposta sobre aquisição de bolsa aluguel. me diga o que acha e o que quer. se tiver tempo acho legal injetar esse material nessa global.
the end. rafa. GLOBAL 50 Maquinações
A i ma n e n t e d e s te r r i to r i a l iz a ç ã o q u e a cu l t u r a e m r e d e t r a z f a z c o m q u e a s
DI GI TO FA GI ZAN DO
n o v a s m í d ia s e a in te rn e t se j am , a lé m d e um do s m a io re s i nd í c io s d a g lo ba li za T ex to de Ri ca rd o R o sa s, r e- m ix ad o p or
T a t i a n a W e ll s e R i c a r d o R u i z
ç ão,
Haveria uma especificidade nas diversas mídias brasileiras? Ou algum traço basicamente nacional na nossa cultura eletrônica, na nossa mídia-arte, de nossas redes livres de comunicação e cibercultura? O caráter específico das novas mídias e do ativismo de mídia brasileiro foi uma das f e r r a m e n t a s e s t r a t é g i c aquestões s p a r a mais a d i sfreqüentes s e m i n a çentre ã o daqueles e c o n tque e ú dparticiparam o e t át icas locai s do festival “Mídia Tática Brasil” acontecimento que teve lugar em São Paulo, em março do ano passado.
www.midiatatica.org/digitofagia
Mí dia tática: por um retorno à antropofagia
O festival, que reuniu geeks, artistas e ativistas, bem como produtores independentes de mídia, pautou-se por trazer um novo conceito – a “mídia tática” – que formula justamente uma práxis abrangente e inclusiva, abarcando uma diversidade de práticas que vão da intervenção urbana, criação de grafites e adesivos, produção na web, net-arte, até festas de rua, protestos, rádios, tvs e software livre – com intenções claramente políticas. O conceito em si vem de círculos do ativismo global interconectado, principalmente da Europa e dos Estados Unidos, mas também da Índia, México e outros países ditos periféricos, cuja comunidade ativista já se encontra plenamente integrada ao circuito mundial de contestação dos modelos de produção, trabalho e consumo vigentes. O festival não apenas trazia e apresentava o conceito, mas igualmente o canibalizava, haja visto o próprio manifesto, uma espécie de détournement bem humorada dos manifestos comunista e antropofágico1. No entanto, em meio à balbúrdia, euforia e entusiasmo característicos de um mega-evento, não deixava de aparecer um certo estranhamento frente a um termo de certa maneira alheio e distante de uma realidade outra: algo como transplantar um iglu congelado do Alasca para o meio da selva tropical. A idéia geral era disseminar um vírus, um meme, que se propagasse em todas as direções do meio cultural e ativista, provando que é possível lidar com tecnologia e política ao mesmo tempo, que é possível fazer arte com ativismo, que não precisamos protestar ao som de “Coração de Estudante”, protestos podem ser feitos ao som de música eletrônica. E o meme, ao que parece, se propagou. Maquinações 51 GLOBAL
D i g i t o f ag i a :
an t r o p o f a g i z an d o a m í d i a t á t i c a p o p u l ar Outros pontos foram se somarando aos questionamentos iniciais. Por um lado, a crescente (re)pressão sobre os meios independentes de produção de mídia: as perseguições da Anatel às rádios comunitárias e livres, a grande hipocrisia do establishment em relação à pirataria e à propriedade intelectual – como no caso da caça aos camelôs e ao comércio informal em benefício das multinacionais do trabalho – e a ambígua adesão do governo a licenças como o Creative Commons. Por outro, um meio cultural de produtores de mídia-arte e arte tecnológica, bem como estudiosos de cibercultura e “webarte”, que se mostram completamente alheios aos problemas mais candentes da sociedade brasileira, embora tenham pleno acesso aos mais novos meios de produção de mídia; trata-se de uma produção elitizada e quase inútil. Um quadro onde o monopólio midiático é exercido por um canal de televisão com claras ligações com o passado ditatorial e onde os artistas e produtores de mídia, em sua maioria, quando não pactuam, silenciam sobre o estado das coisas. Frente a isso, a mobilização coletiva em torno de um novo festival de mídia tática demandaria, mais do que nunca, uma reflexão em torno dessas questões e de como as táticas de mídia se dão, efetivamente, neste país. Esquecer práticas tão próximas dos brasileiros como o comércio informal, as gambiarras, os “gatos”, essas práticas (quase) ilegais, essas “truquenologias” do cotidiano nacional, seria fechar os olhos para uma realidade mais do que evidente. Seria também renunciar a um imaginário talvez demasiadamente pé-na-terra, comum, uma subjetividade-lixo, como diz Suely Rolnik2, em prol da subjetividade-luxo dos artistas de mídia trabalhando nos centros financeiros encravados nas ricas instituições culturais da elite. Optamos, então, por encarar o desafio de antropofagizar essa mídia tática popular, essas práticas escusas de fundo de quintal, e trazê-las à luz, num lugar como o Museu da Imagem e do Som em São Paulo, em meio à rica vizinhança da Avenida Europa, entre lojas de BMWs e Harley Davidsons, implantando camelódromos e ativistas anti-capitalistas num dos núcleos luxuosos da capital financeira do país, realizando colaborações que hackeiem pontos de transmissão wi-fi, que violem os alarmes de lojas de conveniência, que copiem todo tipo de material disponível para distribuição, enfim, que sacudam o bom senso das elites pensantes que acreditam ser o suprasumo da cultura neste país. Uma “digitofagia” que não apenas engolisse o digital, a mídia tática, mas igualmente todo o legado da rica e diversa cultura popular que as elites insistem em varrer para debaixo do tapete. O local surge como estratégico
Digitofagia, cultura da remixagem, da cópia e da sua alteração, digitofagia pela prática que é o ponto forte brasileiro, pela violação de regras mal formuladas ou esquecidas por interesses obscuros, digitofagia pela teoria dessa práxis que não é escrita, pela discussão de questões ainda pouco tocadas ou amadurecidas, ou simplesmente invisíveis. Uma digitofagia que discuta o feminismo que se entrelaça com a cultura das redes – o ciberfeminismo –, que ponha o dedo na ferida do GLOBAL 52 Maquinações
marasmo da mídia-arte, que toque a questão da propriedade intelectual, da ploriferação das redes sem fio, da produção de conhecimento fora dos circuitos institucionais e acadêmicos, da 3 prática de radioarte, e-noises , stencils e efetivas colaborações entre pessoas e redes. Por uma prática ativista aprimorada, pelo conhecimento mútuo (nas gambiarras truquenológicas que possam auxiliar novas ações e intervenções) e, finalmente, no prazer da descoberta de seu tamanho e sua cara. Nesse sentido, fazer a digitofagia da nossa cultura eletrônica, das nossas improvisações, práticas e formações, e mesmo de nossos erros e acertos, é o que permite a nossa especificidade brasileira ter importância singular, até mesmo crucial, num momento em que todo o circuito de dissidência global reavalia métodos, conceitos e formas de atuação e ativismo. Como já dizia Oswald: “Contra todos os importadores de consciência enlatada, a existência palpável da vida.” Que essa existência palpável se traduza numa prática mais próxima de nossas reais condições de existência, numa ação de mídia sem consciências enlatadas, mas de afirmação da vida, da nossa capacidade criativa, da nossa improvisação, do nosso “jeitinho”, da nossa biopotência – sem complexos, sem loucura, sem prostituições e penitenciárias.
Sem título, de Júlio Sekiguchi. Rosas, Ricardo e Wells, Tatiana. Que Venha a Mídia Tática!. Disponível em www.rizoma. net/interna.php?id=174&secao=intervencao. Acessado em 01 de outubro de 2004
1
Suely Rolnik, “O ocaso da Vítima - Para além da cafetinagem da criação e de sua separação da resistência”. Disponível em www.rizoma. net/interna.php?id=155&secao = artefato. Acessado em 01 de outubro de 2004. 3 Copyleft Cris Scabello. Este termo pode ser utilizado para qualquer fim não comercial, desde que citada a fonte. 2
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Assunto:
Cine Falcatrua, Vitória, ES, 14 de Agosto de 2004. Meus caros todos,
uma experiência acadêmica no mundo do cinema A história é a seguinte: Em abril deste ano fui procurado por alunos do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Espírito Santo, onde leciono. Eles queriam iniciar um projeto de extensão. Tratava-se da criação de um "cine"-clube, porém baseado em captação digital. A idéia era a de baixar filmes, curtas, animações pela internet e projetá-los através de um data-show em exibições gratuitas e públicas.
De: Alexandre Curtiss
CC: Interessados em democratizar acesso a conhecimento
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A idéia tem como fundamento a percepção de que os "cine"-clubes "do futuro" terão esse perfil, digitalizado, e que essa realidade, a das novas tecnologias, interpela a atual estrutura de distribuição das obras via cine/vídeo/dvd, a atual compreensão da "propriedade intelectual" e dos "direitos autorais". O projeto chamou-se vídeo-clube digital Metrópolis. O projeto foi avaliado em todas as instâncias da Universidade Federal do Espírito Santo e aprovado. Começou a funcionar de modo mambembe: exibições nas noites de terça-feira, para umas quinze pessoas. Mas, no boca-a-boca, a notícia foi se espalhando; foi ousando nos filmes mostrados e acumulando público. Virou caso e, de caso, notícia. Notícia puxa mais gente e...chegou a São Paulo. Lá, no "sul maravilha", deu de cara também com a "lei" que, é claro, proíbe. Entidades de "defesa da propriedade intelectual" e distribuidoras de cinema acionaram a justiça. A Universidade e seu cine-clube praticavam "concorrência desleal", dentre outras faltas de respeito. Foram exibidos aproximadamente 30 filmes. Deles, uns bem comerciais, outros raros, outros "sem interesse comercial". As matérias jornalísticas destacaram os primeiros (claro!), mas eles foram uns seis, dos 30. A parte "superior" da UFES não se decidiu sobre o que fazer – apesar da liminar impetrada ser absolutamente irregular, pois colocou um juiz estadual para legislar sobre instituição federal, mas a procuradora da universidade, curiosamente, não notou isso, nem o tal do juiz ... Há uma batalha armada e temos recebido apoio de tudo quanto é lado e área. Do movimento cineclubista a profissionais de diversas áreas, inclusive a jurídica. A discussão gira em torno do seguinte: Direito de usar filmes e material áudio visual para finalidade acadêmica, estudo, pesquisa, extensão – saibam que exibir um filme em uma sala de aula é terminantemente proibido, fere o "direito autoral"; Acesso à cultura – atualmente "filtrado" e controlado pela estrutura de distribuição existente, a mesma apontada por quase a totalidade dos cineastas brasileiros como responsável pelas dificuldades de exibição dos filmes nacionais; Modos e funcionamentos de cine/vídeos clubes, universitários, comunitários etc. Em tempos de internet qualquer um pode acessar ao filme "Clube do suicídio", por exemplo, obra obscura do cinema japonês, "produto" que não interessa às distribuidoras por possuir "pouco valor comercial" – o que já diz muito sobre a lógica cultural contemporânea, e que se acessada e exibida provoca frisson nos donos das propriedades culturais ... Uma lei que contempla e agrada a uma parte da sociedade: a dos distribuidores das obras e a alguns exibidores – nem todos! Lei que exclui, portanto, todo aquele que postula um uso público, gratuito e não-comercial das obras artísticas e de entretenimento. Tem muito mais, mas é o que espero ir mandando para vocês. O que gostaria que acontecesse: que vocês divulgassem o máximo possível todo esse material, de modo a criar um fato social, um movimento. Gostaria também que vocês, caso se sintam bem em fazê-lo, trocassem idéias e dicas sobre como abordar um ou outro aspecto desse grande imbroglio. Agradeço toda e qualquer manifestação.
Saiba mais sobre ia Fábio Gove
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Videoclube Falcatrua O Videoclube Falcatrua é um projeto de extensão da Universidade Federal do Espírito Santo que utiliza tecnologias digitais para atualizar o formato dos antigos cineclubes, e problematizar questões relativas a distribuição e produção audiovisual dentro de uma nova ecologia de mídias. O projeto envolve alunos de cursos diversos em torno de um objeto comum: o cinema. Mas o que está em jogo aqui não são discussões conceituais sobre a produção ou o significado dos filmes, e sim questões práticas normalmente deixadas de lado. O que fazer com um filme depois que ele é terminado? Como fazê-lo chegar aos espectadores? Qual a influência do tecido social nos critérios das distribuidoras? Qual o lugar que as salas de projeção ocupam no espaço urbano? Atualmente o Falcatrua realiza sessões semanais, com filmes de distribuição restrita e curtas variados obtidos na Internet. Todas as sessões são gratuitas, e reúnem um público médio de 200 pessoas. A divulgação é feita por cartazes espalhados na universidade e no fotolog do projeto. Futuramente, a idéia é criar um banco de curtas locais digitalizados, possibilitando sua distribuição para outros videoclubes digitais de todo o país. Também temos a questão de levar o Falcatrua a outros lugares que não a Ufes, como em bairros vizinhos. www.fotolog.net/cinefalcatrua videoclube.falcatrua@terra.com.br
Com popularização das conexões em banda larga, filmes digitalizados circulam velozmente pela Internet. Através da rede, o cidadão classe média tem acesso a produções da década de 40, do Afeganistão, do arco-da-velha. Coisas que nunca poderia ver nem nos cinemas do shopping, nem no mais obscuro canal da TV a cabo. Infelizmente, nesse momento em que a experiência cinematográfica se torna mais diversa, ela se individualiza. Os filmes baixados são vistos solitariamente, e o máximo que provocam é uma discussão esquizofrênica nos fóruns da web. Enquanto mídia, a Internet transforma o cinema em uma crise de autismo. É no meio desse fogo cruzado que o Videoclube Falcatrua quer ressuscitar a experiência dos antigos cineclubes. Utilizando a rede como um meta-meio para distribuição audiovisual e divulgação, o Falcatrua pretende criar um circuito de exibição flexível (ao contrário dos multiplexes), permanente (ao contrário dos festivais), barato (ao contrário do cinema em geral). O próprio computador funciona como mecanismo de projeção, permitindo que uma sala de exibição seja construída com pouquíssimos recursos. Comparando com um cinema de verdade, ou até mesmo com o home theater do seu vizinho, a estrutura de um videoclube digital é barata na medida certa. As limitações financeiras podem ser contornadas com a força da ação coletiva: as pessoas podem se juntar para construir seu cineminha, seja na forma de coletivos, ONGs, associações comunitárias ou clubes de amigos.
As tecnologias digitais modificaram drasticamente a produção e distribuição de bens culturais. Veja o exemplo da indústria fonográfica: pega de surpresa, está passando sufoco para se entender com a marcha da história. Ao invés de inventar meios de se adequar às novas estruturas, ela tenta inutilizá-las, insistindo em erros passados, CDs com proteção de cópia, downloads pagos. Logo, logo será a vez do cinema: os últimos lançamentos de Hollywood já estão todos no camelô da esquina, as grandes do ramo ficam histéricas e
assustam algumas mães. E daí? É mesmo necessário insistir em formatos obsoletos para garantir um mercado que não funciona mais? É preciso lutar contra a invenção humana para preservar uma ordem econômica que não parece fazer mais sentido? A disputa aqui não é entre direito autoral e pirataria, entre majors e indies, entre liberalismo e comunismo. É apenas a indústria passando por um conflito interno, uma espécie de puberdade latente – e isso envolve tanto as grandes produtoras quanto os realizadores independentes, tanto os donos dos multiplexes quanto o espectador casual. As tecnologias digitais estão reaproximando os indivíduos dos meios de produção. Todos os elos da cadeia serão afetados e, se tudo der certo, a produção cultural voltará a se parecer com o que um dia foi a cultura.
Você faz filmes? Você vê filmes? Então você tem alguns motivos para preferir cópias digitais ao invés de película: Cópias digitais não pesam – e podem ser enviadas instantaneamente para o mundo inteiro através da Internet. Um longa-metragem que ocupa quatro rolos de película cabe inteirinho em um CD, sem nenhuma perda significativa de qualidade. Os custos de distribuição caem a algo próximo de ZERO. Seu filme acabou de ficar pronto e no outro dia já pode ser exibido por todo o globo conectado. Enviar o filme fica mais barato do que enviar um cartaz do filme. Cópias digitais não gastam – o que significa que a imagem nunca vai ficar arranhada e o som nunca vai chiar. O curta-metragem que custou dois anos de trabalho não vai ficar parecendo um retalho depois de duas semanas de exibição. O filme é preservado por muito mais tempo, e mais pessoas poderão vê-lo no futuro. Cópias digitais não esgotam – não é porque o filme está participando de um festival que ele terá que sair de circuito. A cópia digital fica disponível, multiplicando as possibilidades de exibição. O filme pode ser visto em vários lugares, simultaneamente, durante todo o ano. Maquinações 55 GLOBAL
A DP&A Editora está na rede mundial de computadores. Em nosso site você poderá ter acesso a várias informações sobre a editora, os útimos lançamenos, nosso catálogo, nossos distribuidores e eventos.
A duração das cidades Henri Acselrad (org.)
A cidade região Jeroen Johannes Klink
O capitalismo cognitivo Alexander Patez Galvão, Gerardo Silva e Giuseppe Cocco (org.)
Trabalho imaterial Maurizio Lazzarato e Antonio Negri
A economia da infelicidade Franco Berardi (Bifo)
Indústria automotiva Maria Regina Nabuco, Magda de A. Neves e Antonio M. de Carvalho Neto (org.)
www.dpa.com.br dpa@dpa.com.br
Empresários e empregos nos novos territórios produtivos Giuseppe Cocco, André Urani e Alexander Patez Galvão (org.)
As multidões e o Império Giuseppe Cocco e Graciela Hopstein (org.)
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A cidade estratégica Giuseppe Cocco (org.)
GLOBAL. 56 Trânsitos
fórum permanente de discussão e geração de idéias e diagnósticos relativos à área social; (2) consolidar-se como um ator social capaz de contribuir para o desenho, implementação e avaliação de políticas públicas, locais e nacionais, que visam melhorar, de forma sustentada e eficiente, a qualidade de vida da população; (3) transformar-se em um centro formador de quadros dos diversos níveis de governo e da sociedade civil. As atividades do IETS dividem-se, basicamente, em quatro áreas, a saber: pesquisa, desenho e avaliação de políticas, formação de quadros e difusão e diálogo.
O poder constituinte Antonio Negri
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e I E T S Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade
O Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) que visa reunir esforços multidisciplinares e interinstitucionais na produção e disseminação de conhecimento sobre a realidade local, monitorar e avaliar políticas públicas, nas áreas social e do trabalho. O instituto busca, fundamentalmente, estreitar as relações entre a pesquisa aplicada e a implantação de políticas públicas nestas áreas. A agenda de pesquisas do instituto concentra-se no monitoramento e estudo das condições de vida e de trabalho da população. Em termos de atuação prática, o IETS possui três objetivos centrais: (1) constituir-se em um