JL/EDUCAÇÃO A Universidade em questão Entrevista com o reitor António Cruz Serra Os resultados do PISA 2012 A análise de Filomena Matos e Rui Canário A Gramática do Português Texto de Viriato Soromenho Marques
JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA
POESIA SILÊNCIO E PALAVRAS Entrevista com o poeta e padre sobre a sua obra, a arte, a Igreja e o mundo. A critica ao seu novo livro páginas 8 a 11
PAPA FRANCISCO
Uma crítica profunda ao capitalismo. Texto da telóloga Teresa Toldy páginas 28 a 29
BIENAL JOVENS CRIADORES DA CPLP
Reportagem de Manuel Halpera, na Baia páginas 20 a 21
O DIÁRIO DE ALEXANDRA LUCAS COELHO CAMÕES AGENDA CULTURAL
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BREVE ENCONTRO CARLOS J. PESSOAL A FRAGILIDADE DO REAL Alice é a nova criação do Teatro de Garagem, que sobe ao palco no Teatro Nacional São João, no Porto, hoje, quarta-feira, 11, às 21 e 30. A partir de Alice no País das Maravilhas e Alice do Outro Lado do Espelho, de Lewis Carroll, a peça inaugura o ciclo Caminhadas Especulativas, uma “nova etapa” no percurso da companhia lisboeta, diz, ao JL, o autor e encenador Carlos J. Pessoa. Jornal de Letras: O que interessou nas obras de Lewis Carroll? Carlos J. Pessoa: A ideia da Fragilidade do real, da sua escassa consistência. É o que se manifesta em Alice do Outro Lado do Espelho. Normalmente consideramos o real como algo imutável, fixo, estável. Este texto vem pôr isso em causa, mostrando que o mundo está sujeito a cataclismos de vária ordem, que de um momento para o outro todo este ‘edifício? pode desaber como um castelo de cartas. Essa é a ideia central do espetáculo? Sim. Partimos dos textos para construir cenicamente um espaço estético e criativo. E, do meu ponto “Um teatro que cative de vista, a criação pressupõe sempre uma atitude para a inteligência e a relativamente ao aqui e agora, ao atual estado das coisas. Neste sentido, não é um espetáculo inalianável lucidez” da situação histórica que estamos a viver. Pomos em causa este mundo e aquilo que constituíam as nossas seguranças e convicções e, ao mesmo tempo, há a possibilidade deste mundo ser transformado. Nessa medida também se trata de pensar o lugar que o teatro pode ter no momento crítico que estamos a atravessar. ORDEM Em que sentido? Dou-lhe um exemplo concreto. Somos uma companhia de Lisboa e viemos para o Porto preparar este espetáculo. A nossa ideia era convocar atores daqui então abrimos audições. E apareceram mais de 40 pessoas para sete papéis! Comecei a refletir e cheguei à conclusão que não tinha sentido estar a fazer uma triagem no momento que estamos a passar. Pensei: ao invés de escolher as pessoas para os papéis, vou encontrar lugar para estas pessoas. Por isso entraram todos. O que será o ciclo Caminhadas Especulativas, que começa com esta peça? Quisemos dar repouso a um teatro mais autoral que temos vindo a fazer. Interessava-nos seguir outros caminhos, nomeadamente o confronto com textos paradigmáticos da cultura ocidental. Depois de Alice, vou fazer espetáculos a partir de episódios da Odisseia, de Homero e mais tarde, um baseado na Divina Comédia de Dante. O Teatro de Garagem não aboliu aquela que é a espinha dorsal da sua existência, o teatro autoral, mas neste momento, pelas circunstâncias históricas que estamos a viver, justifica-se a exploração de outras linhas de trabalho. Um teatro para responder aos sinais do tempo? Sem dúvida. Os princípios de século são sempre difíceis. Em 1914, começou a Primeira Guerra Mundial... Estamos em 2014... Estas coisas não deixam de ter alguma ressonância. Há muitos aspectos semelhantes: esta precariedade, este viver na corda bamba, na iminência de uma grande tragédia ou da grande felicidade. Interessame refletir sobre esta tensão e encontrar um espaço de benignidade na cena. Fazer um teatro que cative para a inteligência e a lucidez. JL Carolina Freitas
DO DESASSOSSEGO
Teresa Rita Lopes, Patrick Quillier e Richard Zenith e a Fundação Vodafone Portugal foram distinguidos com o Ordem de Desassossego no III Congresso Internacional Fernando Pessoa (de 28 a 30 de novembro, no Teatro Aberto, em Lisboa). Criado pela Casa Fernando Pessoa, em 2010, o prémio, com design do artista plástico Jorge Colombo, visa homenagear estudiosos da obra do poeta, bem como mecenas que apoiam o trabalho da instituição presidida por Inês Pedrosa. Cleonice Berardinelli, Eduardo Lourenço, Maria Bethânia e Mariano Deidda estão entre as personalidades já agradecidas com a Ordem do Desassossego.
VIRGÍLIO DE LEMOS O poeta moçambicano Virgílio de Lemos morreu na passada sexta-feira, 6, em Paris, aos 84 anos. Nas palavras de Eduardo Lourenço, desapareceu o que foi, juntamente com José Craveirinha e Rui Knopfli, “um dos três poetas de vulto de Moçambique”. Considerado um dos vanguardistas da lírica moçambicana, é autor de, entre outros títulos, Poemas do Tempo Presente, obra apreendida pela PIDE; Ilha de Moçambique: a língua é o exílio do que sonhas e A dimensão do desejo. Virgílio de Lemos foi Jornalista, trabalhou na ORTF, foi correspondente de O Jornal em Paris, e tem o essencial da sua obra poética editada em Portugal pela IN/CM, no volume Jogos de Prazer.
GAIOLA DOURADA PREMIADA Gaiola Dourada, de Ruben Alves, recebeu o prémio do público na 26.ª edição dos prémios da Academia de Cinema Europeu, em Berlim. A produção francoportuguesa continua assim um percurso de aceitação popular (em Portugal, desde a sua estreia, a 1 de agosto, teve 754 mil espectadores tornando-se o filme mais visto de 2013, e uma receita bruta de 3,8 milhões de euros). La Grande Belleza, de Paolo Sorrentino, foi o vencedor da noite, com quatro dos galardões principais: Filme do Ano, Melhor Realizador, Melhor Ator (Toni Servillo) e Montagem (Cristiano Travaglioli). O filme estreia em Portugal a 20 de fevereiro.
ONÉSIMO, HONORIS CAUSA O escritor, ensaísta e prof. universitário Onésimo Teotónio Almeida vai receber o doutoramento honoris causa pela Universidade de Aveiro (UA), na próxima segunda-feira, 16, às 15 horas. Trata-se de uma cerimónia integrada nas comemorações dos 40 anos da UA e a madrinha do doutoramento será a prof. Isabel Alarcão, antiga reitora, que fará o respetivo discurso de justificação. Colaborador do JL, Onésimo é professor da Universidade de Brown e Autor de uma vasta obra de que se destacam, entre outros títulos, O Peso do Hífen. Ensaios sobre a experiência luso-americana, Utopias em Dói Menor e Quando os Bobos Uivam.
JÚDICE RECEBE PRÉMIO RAINHA SOFIA “[o rei D.Dinis, na Idade Média, Camões, no século XVI, e Fernando Pessoa, no século XX] São os maiores de entre muitos outros [poetas portugueses], e foi com a leitura da sua poesia que descobri o meu caminho, e pude encontrar um espaço em que a voz desse passado continua a ecoar”.Palavras de Nuno Júdice ao receber, das mãos da “própria”, o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero Americana, no passado deia 27, no Palácio Real de Madrid. “Só a literatura tem o poder de oprar essa transmutação da noite em dia, da morte em amor; e só a poesia nos eleva a essa dimensão em que uma outra vida, a que um amigo já desaparecido, Al Berto, chamou “a vida secreta das imagens”, adquire o poder que nos liberta e salva dos obstáculos do quotidiano”, disse ainda o escritor e prof. universitário, que assim se juntou a um grupo de poetas de exceção, entre os quais Shophia e João Cabral de Melo Neto, José Hierro, Álvaro Mutis, Mario Bemedetti e Ernesto Cardenal. Júdice recordou, aliàs, a sua amizade com Sophia, que lhe “chamou a atenção para a exatidão da palavra em joão Cabral, e nele encontrei essa limpidez que já vonhecera, na minha adolescencia, ao ler Gracia Lorca”.
VAI ACONTECER Multiplex de Rui Horta, no Centro Cultural Vila Flor O coreógrafo e bailarino apresenta a sua mais recente criação esta sexta-feira, 13, e sábado, 14, às 22, no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães. Baseado no romance Memórias de Adriano, da autora belga Marguerite Yourcenar, Multiplex constitui-se como “experiência imersiva e sensorial” da obra que aborda a figura de Adriano, “homem cultíssimo e complexo”, “provavelmente o mais genial dos imperadores que Roma gerou”, sustenta Rui Horta. Um espetáculo sobre a complexidade e a perda: “sobre construções, vitórias, derrotas, pertença, (...) também sobre a perda de tudo isso”, afirma ainda o diretor de O Espaço do Tempo.
Recorde-se que quando o prémio, no valor de 42 mil euros, foi atribuído a Nuno Júdice, 64 anos, também ficcionista, ensaísta e prof. universitário, o JL, de que foi colaborador desde o início, lhe dedicou a capa e o tema (nº 1113, de 29/5/2013).
BIENAL ARTISTA NA CIDADE REAL MAGIA Com Tomorrow’s Parties / As Festas de Amanhã, a 9, 10 e 11, no Teatro Maria Matos, em Lisboa, arranca a Bienal Artista na Cidade, dedicada em 2014 ao artista britânico Tim Etchells, um nome de referência da cena artística contemporânea, director do colectivo Forced Entertainment. O grupo, criado em 1984, vai celebrar 30 anos de existência com um conjunto de apresentações em várias cidades. A Lisboa vai trazer ao longo do ano a vários espaços uma série de espectáculos que revisitam o seu trabalho, desenvolvido entre as artes performativas e visuais e ficção. A Bienal Artista na Cidade conta com uma teia de parceiros, que inclui o Alkantara Festival, o British Council, o Carpe Diem Arte e Pesquisa, o Centro Cultural de Belém, a Culturgest, a EGEAC, o Teatro Maria Matos, o Teatro São Luiz e o Temps d’Images. Na primeira edição, em 2012, foi dedicada á coreógrafa e bailarina belga Anne Teresa De Keersmaeker, que percorreu o seu trabalho, de três décadas, em 14 espectáculos, que tiveram 15mil espectadores. Sobre a obra que mostrou em Lisboa, acaba de ser lançado um álbum da autoria de Rui Castalão, com a chancela da imprensa Nacional Casa da Moeda. Tim Etchells irá dar uma perspectiva alargada do seu percurso, num pro-
grama que culmina, em novembro, de 8 a 16, nos teatros municipais Maria Matos e São Luiz, com um festival que integra palestras, leituras, happenings, performances e espectáculos. Em Real Magic destaca-se a estreia mundial da performance Quizoola!, um jogo de perguntas e respostas de seis horas, com um elenco português, sob a encenação do artista britânico e que constitui a primeira produção em língua estrangeira da forced Entertainment. O colectivo irá ainda mostrar, na altura Dirty Work, o solo Signh is the sense that dying people tend to lose first, criado em 2008 com o ator americano jim Fletcher, e a performance multimédia Void Story, de 2009, no âmbito do festival Temps d’images. E uma nova criação, The Notebook, com base no livro Le Grand Cahier (1986) da escritora húngara Ágota Kristóf, em corprodução com Maria Matos. Depois do inaugural Tomorrow’s Parties, que o jornal The Guardian considerou “insuportavelmente otimista”, uma peça em que dois atores discorrem sobre o futuro, num palco exíguo, construindo narrativas poéticas, inquietanyes e reveladoras dos medos e esperanças em relação aos tempos que virão, a Bienal prossegue em março, na Culturgest, que vai receber duas criações da Forced Entertainment. A com-
panhia de Tim Etchells, que desafia as convenções teatrais, tendo sido uma pioneira do teatro contemporâneo inglês, vai apresentar a 19,20 e 21, The Coming Storm/ A Tempestade que Aí vem. E, a 22, And on the Thoudandth Night…/ E à Milésima Noite, em que, se cruzam contos tradicionais, mitos modernos enredos de filmes, histórias pessoais, numa das mais emblemáticas produções do coletivo, com a duração de seis horas, que regressa ao palco lisboeta, 12 anos depois. No Alkantara Festival, de 22 de maio a 8 de junho, insinuando-se em esquinas, telhados de teatros e outros sítios de Lisboa, será a vez de Electric Words/ Palavras Eléctricas, uma criação de Etchells que vai dar ordens, instruções, supreender, jogar com a linguagem nos seus letreiros de néon e led. E já em outobro, de 24 a 27, a Companhia Maior vai apresentar em estreia mundial, no Centro Cultural de Belém, um espectáculo encenado por Jorge Andrade, da Mala Voadora, a partir de um texto que Tim Etchells foi convidado a escrever especialmente para o grupo português, numa estreita colaboração com os seus intérpretes, todos acima dos 60 anos.
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A morte de Nelson Mandela na passada quinta-feira, 5, aos 95 anos, nem por há muito esperada, dada a progressiva deterioração do seu já grave estado de saúde, deixou de ter enorme repercussão e causar profunda consternação a nível global. E , muito melhor a sua acção e a sua figura foram justamente apontadas como exemplos maiores, únicos, de como pode um homem salvar a a sua pátria do que se previa fosse a tragédia de um banho de sangue e estimular ou inspirar toda a humanidade a ser mais humana, mais livre e mais justa, sem discriminações de nenhuma ordem.
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EDITORIAL
José Carlos de Vasconcelos
A força das suas convicções e da sua coragem no combate sem tréguas ao nefando regime do apartheid, por todas as formas possíveis que não se podem “julgar” á luz de hoje e separadas da realidade então vivida, valeramlhe uma pena de prisão perpétua. Acabou por sofrer 27 anos de cadeia, grande parte deles em regime duríssimo de isolamento (numa cela de 2,4 por 2,1 metros), privações e provações de toda a ordem, que lhe arruinaram a saúde, havendo histórias extraordinárias e incríveis, mas verdadeiras, sobre a sua conduta nesse longuíssimo período de cárcere. E a sua libertação, já com 72 anos- após a ter recusado a troco da aceitação de algumas condições - constituiu um daqueles momentos emocionantes que nunca mais se esquecem. Só a vi pela televisão, mas essas imagens foram (são) das que nos ficam nos olhos e no coração para sempre.
Nessa altura, Mandela era um ou o símbolo maior da luta contra o racismo, o preconceito racial e um regime repulsivo, símbolo de resistência e coragem, de combate pela liberdade e pela independência de um país, pelos Direitos do Homem e pela Justiça. Era já um herói ou um ícone para os que em todos os continentes acreditavam e defendiam esses valores e princípios, comungavam dos seus ideias. Mas o que aconteceu depois, foi revelar-se, mais, um homem e um líder político que continuando a ser o mesmo passou também a ser outro. Com uma sabedoria- que é a maior das qualidades…- ímpar, de uma integridade, generosidade e/ou bondade e /ou visão política tamanhas que o levaram não só a impedir qualquer vingança, sequer retaliação, até aplicação de justiça rigorosa aos seus “carrascos”, como a por todas as formas promover uma reconciliação nacional que todos julgavam impossível, assim evitando o tal banho de sangue considerado inevitável.
O que além de tudo o resto implicou uma coragem não menor - até maior, do ponto de vista moral - do que aquela com que combateu o anterior regime opressivo e racista. E deu um último grande exemplo ao abandonar voluntariamente o Poder, do mesmo passo prestando uma ajuda imprescindível para que a sua substituição se fizesse de forma pacífica. Com tudo isto o antigo herói, sem deixar de ser, ganhou uma outra, ainda maior e mais rara dimensão, que o tornou nessa figura e nesse exemplo únicos e como tal universalmente reconhecidos. Como mostra tudo que tem sido dito e escrito a seu respeito, desde coisas fantásticas a banalidades ( como estas, escritas na pressa do fecho da edição…) e mesmo hipocrisias. Porque se o seu funeral, além de personalidades famosas de múltiplos sectores, será talvez o que
vai reunir o maior número de chefes, ex chefes de Estado e outros políticos dos mais destacados de todo o mundo, muitos dos que nele estarão presentes, tecendo loas ou vertendo lagrimas por Mandela , na sua actuação concreta atuaram ou atuam ao arrepio de tudo que defendeu e representou. E será decerto demasiado optimismo pensar que no futuro vão ter em conta o seu exemplo - o qual, seja como for, fica a constituir um perene legado universal, que já deu frutos e muitos mais há de das.
DELA
DE COMBATE PELA LIBERDADE E PELA INDEPENDÊNCIA DE UM PAÍS, PELOS DIREITOS DO HOMEM E PELA JUSTIÇA.
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Madredeus no CCB, a 12, na Casa da Musica, a 15 para comemorar 26 anos de existência. Ambos às 21h. Miguel Miranda inaugura o Clube Literário de Gaia, um espaço para a divulgação de autores e obras, a 14, às 11, na livraria Velhotes. O Exótico Nunca está em casa? exposição sobre
MARIANO DEIDDA MÚSICA E VOZ PARA
a China na faiança e no azulejo portugueses (séculos XVII-XVIII), no Museu Nacional do Azulejo, em Lisboa. Inauguração a 18. Já Gastamos As Palavras espectáculo de dança-teatro dirigido por Victor Hugo Pontes, na comemoração dos 65 anos do Teatro Universitário do Porto, de 13 a 22, às 22. Útero, teatro e dança a partir de textos de Jaime Rocha, Sade, Genet, Pasolini, Elfriede Jelinek e música original de Pedro Carneiro. De 18 a 22, no Teatro Municipal São Luiz, em Lisboa. Anna Calvi com concertos a 16, na Casa da Música, e 17 de dezembro (aula Magna). Ana Bacalhau estreiase a solo no teatro São Luiz, de 19 a 21 de dezembro. Etic_ilustra Lisboa 2013, com ilustração sobre a cidade de Lisboa, patente no Palácio da Galveias. Música Viva, festival de música portuguesa contemporânea, até 13 de dezembro, no teatro São Luiz. A Fada Oriana, de Shophia, em leitura encenada para crianças até aos 12 anos, no Tetro Nacional D. Maria II, a 15, às 11 e 30. Entrada Livre. Sonho de uma noite de Verão, Bailado a partir de William Shakespeare, a 20 e 21, no Teatro das Figuras, em Faro. Pessoa
BREVES
Revisted Again, o teatro e o cinema do poeta, de 11 a 29, na Csaa Fernando Pessoa, em Lisboa. De 13 a 29, no Teatro Turim assinala os cem anos do O Marinheiro, com a peça Mais Terna Ilusão. Big Band Júnior, concerto de estreia da orquestra-escola de jazz (de músicos entre os 12 e os 16 anos, a 14, às 21, no Pequeno Auditório do CCB, em Lisboa. Mistango, concerto de homenagem ao papa Francisco pelo se 77º aniversário, pelo Coro de Câmara de Lisboa, a 17, na igreja de Nossa Senhora do Loreto, em Lisboa. Cunhal/Cem anos/100 Palavras lançado dia 12, às 19, na Associação dos jornalistas e Homens de letras do Porto. Workshop de gravura, técnica de ponta-seca e água-forte, este fim-de-semana, 14 e 15, das 10 ás 13 e das 14 ás 17, na Ofivina do Cego em Lisboa, com a formadora Alexandra Ramires. Inscrições e mais informação no e-mail da associação ocformacao@ gmail.com Cícero, um dos maiores nomes da MPB atual, apresenta o seu segundo disco, Sábado, esta sexta-feira, 13, às 22, no Centro de Artes Visuais, em Coimbra, e sábado, 14, às 21 e 30, no auditório de Espinho.
Quando chegou a Lisboa pela primeira vez, há dez anos, trazia como companhia um “heterónimo”. Veio para conhecer a terra do poeta que ainda idolatra, mas também para provar um pastel de nata. “Já conhecia as ruas e as praças, só me faltava experimentar o queijo, o vinho, o bacalhau… tudo!”, conta ao JL, entusiasmado, o compositor e cantor italiano Mariano Deiddda. Fernando Pessoa foi o motivo dessa viagem iniciática a Portugal. Quis ver o que leu nos poemas. “Ele conta esta cidade, numa visão poética e apaixonada que toca o mundo inteiro. Os estrangeiros não se satisfazem apenas com o prazer
PESSOA
da leitura- vão querer visitá-la”. Como não podia deixar de ser, começou pela Casa Fernando Pessoa, a que juntamente dedica, agora, o seu quarto álbum pessoano e que já lhe atribuíu a Ordem do Desassossego. Tal como em Pessoa (2001), No Meu Espaço Interior (2003) e A Incapacidade de Pensar (2005), Mensagem é um disco em que a voz de Mariano Deídda acompanha as palavras de Fernando Pessoa, em músicas de sua própria autoria e de Luca Zanetti. Antes cantava os seus próprios versos, só mais tarde se apercebeu de que as palavras para as suas músicas não precisavam de ser escritas, pois “já existiam muitos livros com outras melhores”, afirma. Mesmo se escrever, Mariano será um poeta pelo seu constante estado de espírito. O músico e o poeta unem-se nele, ainda que já não misturem funções. Segundo Deidda, “é difícil criar um vestido para as palavras de Pessoa, que têm a sua própria música, e uma métrica e ritmo muito inconstantes”. A dedicação tem de se
“total” para encontrar as notas certas para um determinado verso. Antes de Pessoa leu muito, nomeadamente Kafka, Dostoiévski, Tolstoi, Joyce, Pirandello. Mas foi ao encontrar, por mero acaso, em 1987, um livro numa biblioteca que a sua vida mudou. Abriu-o aleatoriamente e não conseguiu parar. Numa tradução de Antonio Tabucchi, o livro do Desassossego foi um verdadeiro desconcerto emocional para Mariano, que se viu “obrigado” a comprá-lo, Um impulso que marcou o início de uma coleção que ainda hoje cresce. Não só adquire as novas edições italianas de toda a obra de Pessoa, como recolhe cada imagem que encontra do autor. “Sou um fetichista pessoano”, confessa enquanto retira do bolso uma página da revista rasgada com a figura do poeta.
Uma das características que destacam Deidda enquanto performer são as imagens que apresenta em concerto. Paisagens, figuras emblemáticas, locais e monumentos portugueses, conjugados num vídeo, também ele poético, que dá forma ás palavras cantadas. “È um recurso gráfico que ajuda a compreender o autor”, principalmente em Itália, é normal as pessoas perguntarem-lhe sobre o país e o escritor que tanto o apaixonaram. Nascido na Sardenha, em 1961, não foi difícil enamorar-se da cultura portuguesa uma vez que, de alguma forma, o ambiente lhe relembra a sua terra natal.
Não consegue escolher um heterónimo favorito, afirmando que o drama em gente pessoano “é um projecto louco, exagerado, uma criação de um nivel absurdo”. Há,por isso, demasiadas coisas boas em cada uma das vertentes do “ eu” do poeta. E Deidda não abdica de nenhuma. Em Mensagem, com a colaboração de Mafalda Arnauth, Carlos Careqa, Ninio La Piana, Diego Masherpa, Roberto Chiriaco,
Riccardo Moffa, Paola Torsi e Ivan Segreto, canta o único livro que Pessoa publicou em vida. Mas no dia-a-dia talvez seja mais facil apanhá-lo a recitar os versos que mais o tocam: “Não sou nada/Nunca serei nada/Não posso querer ser nada/Aparte disso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”, Musicais e poéticos. JL Daniel Neves
Pessoas PAULA RODRIGUES MATOSINHOS REAL E IMAGINADO “Horizonte e Mar tem muito que ver com as minhas raízes”, releva ao JL Paula Rodrigues (PR), falando do seu novo romance Horizonte e Mar, que lhe valeu o Prémio Revelação Agustina Bessa-Luís deste ano. Com publicação agendada para 2014, foi o escolhido pelo habitual júri do galardão instuído pelo Estoril “Sol (Casinos do Estoril, Lisboa e Póvoa de Varzim), júri composto por vários conhecidos escritores e presidido por Vasco Graça Moura. Num universo que mistura etnografia e ficção, a autora, 35 anos, mistura memórias, vivências, lendas e investigação, com o objectivo também de dar a conhecer aos leitores a cidade onde vive. “Matosinhos é uma terra pequena mas muito grande em cultura, o que ás vezes não é conhecido e muito menos reconhecido. Foi a partir daí que comecei a escrever”, afirma. “Tinha também algumas histórias peculiares da família, de conhecidos, de amigos. Fui ouvindo aqui e ali, juntando-as, e a certa altura, sem me
“através da escrita podemos desdobrar-nos” aperceber, havia personagens que já me habitavam.” As figuras do romance são plurais, feitas de matéria verdadeira e imaginada, compostas por pessoas reais e outras criadas pela autora. “Através da escrita podemos desdobrar-nos, viver coisas que no nosso dia-a-dia não são possíveis. Podemos ser múltiplos, ser muitos e não ficar reduzidos a um só”, sublinha. Professora de português e francês em Leça da Palmeira, a escrita surgiulhe “a sério” com o início da carreira docente, há cerca de 12 anos, mas só em 2013 publicou o seu primeiro livro para crianças, Bicharada à Desgarrada (Corpos Editora).
Paula Rodrigues nunca pensou ganhar o Prémio Agustina, que considera, naturalmente, muito importante para o seu futuro como escritora. Diz que não consegue estar sem escrever, que trabalha em vários textos ao mesmo tempo e que tem na gaveta vários originais de literatura infantil. R nas suas aulas não deixa a escritora à porta.Preocupa-se com a promoção da leitura, exigindo aos alunos que “leiam muito”. E brinca: “Não interessa o que o aluno lê, o que interessa é que leia”. Quem sabe, no próximo ano, o romance agora premiado JL Carolina Rico
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HARVARD NA GULBENKIAN HOMENAGEM A PAULO ROCHA Paulo Rocha é o homenageado no segundo fim-de-semana do ciclo Harvard na Gulbenkian, Diálogo sobre o cinema português e o cinema do mundo, que decorre de 13 a 15, na sala polivalente, do Centro de Arte Moderna. São convidados o colombiano Victor Gaviria e o brasileiro Nelson Pereira dos Santos, dois cineastas com quem o cinema do autor do mítico Os Verdes Anos pode encontrar afinidades, no entender dos curadores do ciclo, o realizador Joaquim Sapinho e o director do Harvard Film Archive, Haden Guest. Realizado, em 1966, Mudar de Vida, um filme decisivo, pela inovação e poética singularidade, é a obra de Paulo Rocha escolhida para início do “diálogo”, com exibição sexta-feira, 12,
às 18 e 15. O mestre do novo cinema português, que morreu no final do ano passado, deixou um legado fundamental, onde se destacam ainda A Raiz do Coração, A Ilha dos Amores, Rio do Ouro ou o último, Se eu fosse um ladrão…roubava, que deixou concluído, mas ainda não passou nas salas portuguesas, tendo estreado, em Setembro, no Festival de Locarno, que lhe prestou homenagem. Nelson Pereira dos Santos, o primeiro cineasta a entrar na Academia Brasileira de Letras, em 2006, ao logo de seis décadas e 20 filmes, tem desenvolvido uma obra com uma forte consciência social e uma especial atenção à literatura, passando ao cinema romances de Guimarães Rosa, Machado de Assis e de Graciliano Ramos. A partir deste
último fez Vidas Secas, que será apresentado sábado, 14, às 15. De Pereira dos Santos, passa ainda O Amuleto de Ogum, domingo, às 18 e 15, encerrando o programa “Para Paulo Rocha”. De Victor Gaviria, também psicólogo, poeta e escritor, será exibido Rodrigo D. No Futuro, o primeiro filme colombiano a participar em competição no Festival de Cannes, a 14, às 18 e 15, numa sessão antecedida pelas curtas Buscando Tréboles e Los Habitantes de La Noche. Gaviria, que privilegia no seu trabalho uma visão de Medellin, cidade onde nasceu, traz ainda a longa-metragem La Vendedora de Rosas, a 15, às 15. O ciclo Harvard na Gulbenkian, que arrancou a 22 de Novembro, com um fim-de-semana dedicado a António Reis e Margarida
cordeiro, com a exibição de Trás-osMontes e a participação de Bela Tarr e Bem Rivers prolonga-se até ao verão de 2014. Celebrando a actual visibilidade internacional do cinema português, a iniciativa pretende trazer a Lisboa alguns dos mais destacados nomes da cinematografia mundial, para projecções dos seus filmes e encontros e debates com realizadores internacionais. Em Janeiro, prossegue a 10, 11 e 12, com A Memória Acredita Antes do Saber se Lembrar, em torno de Susana de Sousa Dias, com a presença de Patrício Guzmán, e Soon-Mi Yoo. E a 24, 25 e 16 será a vez de Desejo sem Linguagem, com Manuela Viegas, e a convidada Lucrecia Martel. Em Fevereiro, a 14, 15 e 16, Num Tom Menor será o mote para o encontro entre Manuel Mozos, Denis Côté e Martín Retjmann, enquanto a 7, 8 e 9 de Março Depois de Vanda vai juntar Albert Serra, Nicolás Pereda e Tomita Katsuya.
Cinema da América Latina El Fantástico Mundo de Juan Orol, uma biografia informal do cineasta mexicano Juan Orol, é o filme da abertura da 4ª Edição da Mostra de Cinema da América Latina, que decorre entre amanhã, quinta-feira, 12 e domingo, 15, em Lisboa no Cinema São Jorge – e, pela primeira vez, também no Cinema City de Alvalade. Esta é a primeira longa-metragem do mexicano Sebastián del Amouma, que venceu os prémios Ariel para melhor ator (Roberto Sosa), melhor fotografia e melhor guarda-roupa, atribuídos pela Academia Mexicana de Artes e Ciência Cinematográficas. Segundo a Casa América Latina, organizadora do evento, os 12 filmes em exibição, realizados entre 2010 e 2012, procuram apresentar em Lisboa um panorama do cinema latino-americano contemporâneo. A aposta vai para a diversidade, com representação de diferentes países, géneros e realizadores, oito dos quais apresentam primeiros trabalhos. A mostra visa ainda estimular a colaboração cinematográfica entre Portugal e os países representados – Brasil, Argentina, México, Chile, Equador, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai.
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JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA A ARTE DO SILÊNCIO Maria Leonor Nunes
A Papoila e o Monge, sob o signo do haiku, traz-nos de novo a escuta de uma das vozes mais intensamente radicais da poesia portuguesa contemporânea. Com este livro de poemas convida à “arte do silêncio”, para “hospedar o mundo”. Mas o poeta e padre propõe também outras palavras numa reedição que reúne um conjunto de textos e crónicas, O Hipopótamo de Deus, e num ensaio com fotografias de Duarte Belo, Os Rostos de Jesus. Da obra poética e ensaística, do teatro e dos tempos que correm, da universidade, da Igreja e do Papa Francisco, falou ao JL numa longa “viagem”, como diz serem todas as conversas. E foi-a, de facto, a que aqui ca, a seguir, acompanhada da crítica de António Carlos Cortez ao seu último livro - e que conclui, com a parte respeitante à recente “Exortação Apostólica” do Papa, que autonomizamos e aparece, junto a outro texto sobre ele, na pp 28/29
Enunciar o “mistério do real”, sem ornatos ou sentimentos, esta a aprendizagempoética de José Tolentino Mendonça, no seu livro de poemas, A Papoila e o Monge, edição Assírio & Alvim, em que trabalhou a forma do haiku japonês, à maneira ocidental, segundo a lição de Jack Kerouac. A experiência impôs-se depois da viagem ao Japão, que o poeta fez a convite do Centro Nacional de Cultura, em que não terá tomado uma nota, mas deu “oportunidade ao silêncio”. E é o “silêncio que escreve o poema”, garante. Se tem a arte do silêncio, José Tolentino Mendonça, 48 anos, padre e poeta, é, no entanto, um mestre da palavra. Escrita e dita, na poesia, como no ensaio e no teatro, ou numa simples conversa. Nascido na Madeira, lho de um pescador, passou parte da infância em Angola. O chamamento do sacerdócio foi nele tão forte como o da literatura, intensicado por muitas leituras e pelas histórias contadas pela avó Maria. Foi ordenado sacerdote aos 24 nos e fez posteriormente um doutoramento em Teologia Biblica, em Roma. Estreou-se na poesia em 1990, com Os Dias Contados. Daí para cá, publicou, entre outros, Longe não Sabia, A que Distância Deixaste o Coração, Baldios, A Estrada Branca, O
Viajante sem Sono, e Estação Central, este depois de um ano em Nova Iorque a estudar a religião e o espaço público. Para o palco, escreveu Perdoar Helena e o recente O Estado do Bosque. E a nível ensaístico, destacam-se As Estratégias do Desejo: Um Discurso Bíblico sobre a Sexualidade e A Construção de Jesus. Traduziu, entre outros, O Cântico dos Cânticos. Além de A Papoila e o Monge, publicou recentemente O Hipopótamo de Deus, uma edição Paulinas, e Os Rostos de Jesus, pela Temas e Debates/ Círculo de Leitores; e escreve uma crónica semanal na “Revista” do Expresso. É prof. e vice-reitor da Universidade Católica, em Lisboa, pároco da Capela do Rato, responsável pela Pastoral da Cultura do Conselho do Episcopado Português e integra o Pontifício Conselho para a Cultura do Vaticano. Ao JL fala da necessidade de abertura da Igreja à cultura e às artes. E de como prefere uma palavra que lhe ´morda` a mão, “selvagem” e “violenta”, mais capaz de o conduzir ao divino do que os discursos ´mornos e beatícos´que o fazem adormecer.
Jornal de Letras: O que interessou poeticamente no haiku? José Tolentino Mendonça A poesia japonesa sempre foi companhia do caminho que faço e entre os poetas que leio estão muitos japoneses. Só que olhava para o haiku como um género que de alguma maneira só naquela língua é possível. As traduções são o mesmo e outra coisa. Mas apesar de haver sempre uma barreira, é um género que admiro muito. Porquê? Pela sua radical economia de meios, uma pobreza que é ao mesmo tempo uma concisão total. E uma capacidade de tomar o menos mais de uma forma muito fulgurante. Mas sempre pensei que era um género impraticável para m ocidental. Por causa da métrica? O próprio japonês não se mede por sílabas, mas por sons. É um jogo sonoro que nos escapa. Mas um pouco por acaso, cheguei ao Livro de Haikus de Jack Kerouac, que fala do haiku ocidental, no fundo um poema muito breve. Por causa da métrica? O próprio japonês não se mede por sílabas, mas por sons. É um jogo sonoro que nos escapa. Mas um pouco por acaso, cheguei ao Livro de Haikus de Jack Kerouac, que fala do haiku ocidental, no fundo um poema muito breve. No caso de A Papoila e o Monge são três versos. Sim, para homenagear os japoneses, mas o importante é que seja o mais breve possível. Porque o haiku, para Kerouac, é essencialmente a capacidade de trazer à página ´the real thing´, a coisa real, verdadeira. Ou seja, o real na sua espontaneidade, não o sentimento, nem o antes ou o depois, mas o instante, com toda a fragilidade e força que pode ter. E muitas vezes, o instante tem a forma de um enigma, nem sequer o conseguimos explicitar completamente. É mais enunciar o prórpio mistério do real, dizer o sentido sem o capturar por nenhum tipo de hermenêutica. O haiku propõe uma atenção ao real que constituiu para mim uma maneira de colher o essencial tal como nos é dado, numa evidência que nos apanha desprevenidos.
Em que sentido? Não estamos preparados para a revelação das coisas. E o haiku pede-nos isso. O que trouxe de novo o haiku à sua poesia? Cresci muito como poeta na escrita de A Papoila e o Monge, porque há uma espontaneidade neste livro que nasce de uma capacidade mais radical de hospedar o mundo. O haiku é também uma forma de hospitalidade. Como o amor. Além disso, há uma retração do eu, da dimensão emocional, da memória. É a celebração do mundo e desse encontro interminável, mas que se traduz em coisas muito simples, em pausas, em passos, em silêncios. Há um poema do seu livro O Viajante Sem Sono em que fala do real que o poema convoca, das bicicletas a um disco dos The Smiths. E se toda a sua poesia vem do mundo, nos seus haiku é completa depuração. Como foi esse trabalho poético em termos formais? Não se trata realmente de uma oposição relativamente à minha poética, mas de dizer o mesmo pelo seu oposto. O poema é poema, porque convoca tudo e nada ca de fora dele e é poema, porque se desliga de tudo. Este livro é também a experiência do vazio, que é enunciada, desse despojamento radical, do silêncio. É quase um calar de todas as coisas, de todas as razões para ser surpreendido pela evidência. Às vezes, escrevemos poemas porque sabemos e outras chegamos ao poema porque não sabemos. O haiku é de facto uma poética do não saber.
“O cristianismo pode ser um lugar utópico para a polifonia dos encontros mais diversos e inesperados”
Um itinerário do silêncio A Papoila e o Monge é também de alguma maneira uma iniciação ao silêncio, à contemplação? Este livro é um grande itinerário através do silêncio, também do paradigma da vitória monástica, da ideia de peregrinação. A Escola do Silêncio, A Vida Monástica e o Livro das Peregrinações são de resto três dos seus grandes capítulos. No fundo, são topos da poesia japonesa. E alguns também da sua poesia. Sim, e da minha experiência de vida. O que quis dizer é que as coisas estão todas ligadas. Hoje, o Ocidente vive numa grande separação e diferenciação. A nossa identidade é construída, diferenciando-nos, mas temos muito a aprender com a identidade que passa por assemelhar-se, pela hipótese de unidade mais do que pela separação, em que uma coisa é a poesia, outra a experiência religiosa ou a procura de sentido. No fundo, quis dizer aquilo que já a geração dos Cadernos de Poesia tinha como lema: a poesia é uma só. Quer dizer que a experiência contemporânea ocidental carece de silêncio? As nossas escolas são feitas para a
aprendizagem da palavra, do discurso, do conceito, do saber fazer. E faltamnos mestres do silêncio, escolas que permitam aprender a não fazer, a pausa, a interrupção, os caminhos silenciosos, a contenção. Ou seja, a aprendizagem da arte do silêncio, a fecundidade que há na escassez, o vigor que existe na sede. Mas toda a nossa sociedade caminha noutro sentido. O convite ao silêncio parece mesmo vir em contracorrente. Mas a arte tem esse papel de iniciar um espécie de contraciclo, de contraviagem, em que a aprendizagem se faz ao contrário. Talvez a primeira coisa que o poema transmite seja realmente a necessidade do silêncio de mergulhar numa experiência, de uma linguagem que está para lá da palavra. No entanto o poema é feito de palavras. Mas creio que é o silêncio que escreve o poema. As palavras estão lá para o testemunhar. Porque o poema não é a evidência, mas a interrogação, a sugestão, a lacuna, a fenda, a porta entreaberta, a possibilidade de viagem para cá e para lá dele. Nesse sentido, é sempre um sinal transitório, não um vestígio definitivo. O definitivo é justamente onde nos leva. Por isso o endereço do poema é o silêncio.
No final do capítulo Guia para Perder-se nos Montes diz: “Contemplemos/ o mundo/ que não atravessamos”. Resume-se nesse convite muito de toda a sua obra poética? Ainda não demos nome a todas as coisas. E não só às distantes, mesmo às que estão próximas de nós. Possivelmente nunca teremos sequer capacidade de lhes dar um nome. Essa compreensão é transformadora de vida. Porque nos colocamos noutra atitude, quando percebemos que de repente, na encosta, encontramos flores que não sabemos nomear. O silêncio também é isso, abraçar o que não conseguimos nomear. E não ter medo. Nesse sentido, contemplar o mundo que não atravessamos é uma sabedoria que passa pelo despojamento. Acreditamos demasiado que só o conhecimento positivista das coisas nos pode dar o seu sentido. Os poetas podem acercar-se mais desse sentido das coisas? A sua tarefa passa muito por dar a ver aquilo que é submerso em cada tempo, no pensamento dominante, nas modas, olhar para o que fica calado, em silêncio, oculto na voragem dos tempos. Se não, a poesia torna-se um exercício puramente verbal, uma forma de esteticismo. A poesia não é um ornamento, é uma experiência vital, uma arte de resistência ao seu próprio tempo.
10 DESTAQUE//ENTREVISTA
11 a 24 de dezembro de 2013 Polifonia de encontros Num dos textos do seu livro O Hipopótamo de Deus faz justamente o elogio do silêncio, reportando-se às questões religiosas. Porquê? Muitas vezes, pergunto-me qual o contributo que o cristianismo pode dar à cultura e à civilização. E penso que um dos elementos mais preciosos que as religiões podem trazer ao mundo contemporâneo é a tradição do silêncio. Porque nós separamonos nas palavras, elas são muitas vezes o começo do atrito. Na palavra, distinguimo-nos, o que não é necessariamente mau, mas o silêncio é um lugar de comunhão que não deve ser desvalorizado. Aquilo que partilhamos e condividimos no silêncio tem um valor político importante. Ajuda a construir a cidade tal como a pessoa e os percursos humanos. O silêncio não é um não lugar, é um lugar de civilização. Nesse sentido, existe nas diversas religiões, também no cristianismo, que tem esse filão que aproximamos dos místicos, da vida monástica, do voto de silêncio. E isso é extraordinariamente desafiador, também na sua impertinência. “É o silêncio que escreve o poema. As palavras estão lá para o testemunhar.”
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Porquê? Porque o silêncio rompe com o quadro habitual de vida e do sistema de comunicação. Precisamos dar uma oportunidade ao silêncio. É também por isso que a poesia combate. Como é que se pode propiciar nesta altura uma nova perspectiva de relação entre a religião e a cultura, uma problemática sobre a qual tem feito incidir muita da sua reflexão? É muito importante vencer os preconceitos e as resistências de parte a parte, através do diálogo. Acredito que a cultura é uma arte do encontro de percursos diferentes, dos que olham o mundo de outra maneira, com outros valores, mas são capazes de os partilhar. Nas nossas sociedades escasseiam lugares de condivisão e o cristianismo pode permitir conversar sobre tantas preocupações e interrogações que pesam sobre o nosso tempo. As igrejas são do encontro. O Papa Francisso tem falado de um modo muito feliz da necessidade de ir ao encontro das periferias. Dos excluídos e marginalizados. Sim. E hoje a cultura é um arquipélago de periferias, de solidões. O cristianismo pode ser esse lugar utópico para a polifonia dos encontros mais diversos e inesperados. Aquilo que o distingue não é apenas a fé em deus, mas também na pessoa humana. Nesse sentido, transporta para a História uma insensata esperança. Isso também é um contributo para os tempos que correm. E precisamos dela para vencer este cerco de pessimismo e derrotismo. Ainda hoje ouvi dizer a alguém, num café, que há 60 anos que não temos uma grande guerra na Europa e que se calhar é necessário haver uma para resolver a crise em que nos encontramos. É preciso desarmadilhar este tipo de discurso e mostrar que a guerra, a violência não são fatalidades históricas e que podemos reinventar o modo como as nossas sociedades são estruturadas em ordem à justiça, ao bem, à beleza.
Comunhão de cultura Dirige a Pastoral da Cultura: o que pretende que seja a sua ação? Sobretudo de sensibilização e de inspiração. Ao longo destes anos, traduziu-se de uma forma muito positiva, porque tornou-se natural a Igreja convidar artistas e intelectuais para as suas iniciativas, havendo uma preocupação com a dimensão da cultura. Na refeição permanente da Igreja, até mesmo na forma de rezar. Há hoje retiros espirituais feitos a partir de desenhos, por exemplo dos Urban Scketchers, ou a partir de pinturas, outros que têm a ver com a dimensão musical e as palavras. Separa-se menos a palavra sagrada de novas palavras sagradas, que são profanas dos poetas, dos escritores, dos grandes narradores do nosso tempo. Há um novo espírito que emerge, mais da hospitalidade da experiência humana que a arte reflete e a partir da qual se trabalha. Trata-se de olhar para a arte não como um corpo estranho, mas como um parceiro necessário para a própria construção da experiência religiosa. Isto mudou muito nos últimos dez anos em Portugal, o que é muito importante. Por outro lado, também mudou um pouco o modo como a comunidade artística olha para a Igreja.
E durante muito tempo foram mundos de costas viradas. Houve mesmo um divórcio, um tempo grande de relativização da experiência religiosa, como se Deus tivesse morrido e a crença, a convicção em Deus já não fosse capaz de gerar cultura, pensamento, arte. Hoje, percebe-se que não é assim. Vivemos num momento diferente da vida da Igreja e da Cultura. E de uma forma muito simples e despretensiosa a Pastoral tem dado o seu contributo. A religação da Igreja à arte constitui uma preocupação, por exemplo, do Papa Bento XVI. Essa revitalização é assumida pelo Pontifício Conselho para a Cultura, de que faz parte? É realmente vital. O Conselho é hoje dirigido pelo cardeal Gian-Franco Ravasi, que é extraordinariamente dinâmico e empenhado e tem feito uma verdadeira revolução nesse sentido, na Santa Sé. Por exemplo, com a criação do átrio dos gentios, ainda agora com uma celebração em Berlim. E por todo o mundo, tem sido uma grande plataforma de encontro entre crentes e não crentes, a partir da arte e da cultura. Aliás, este ano, pela primeira vez, a Santa Sé teve uma representação na Bienal de Veneza. Há todo um trabalho de reconhecimento do contributo artístico para a abertura à verdade que a religião tem que ser. Um grande teólogo, Hans Urs von Balthazar dizia que as coisas mais importantes sobre Deus no século XX foram escritas não por teólogos, mas por artistas, poetas, músicos. A Igreja precisa dessa comunhão. E não se trata de evangelizar ou cristianizar, mas perceber que a arte tem que ser a arte e muitas vezes o lugar do questionamento radical dos modelos, da linguagem.
11 a 24 de dezembro de 2013
8 DESTAQUE//LIVROS
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JOÃO DE MELO O GRANDE MANIFESTO Joel Neto “ A miséria, sendo muito outra, era só coisa de espírito. Crescia no coração dos meus pais, como a hera dos muros ou o trevo nos pastos, e chamava-se avareza. O pão endurecia durante quinze dias e ganhava bolor - porque o forno gastava lenha! O leite que devia calcificar-nos os dentes e os ossos era para vender à fábrica: depois ficávamos a implorar uma fatia de pão de trigo com manteiga de vaca, uma lâmina de queijo com pão da loja à merenda, e nada: segunda a mãe, isso era comida de ricos.” Completam-se 25 anos sobre a publicação original de Gente Feliz com Lágrimas e a D. Quixote escolheu celebrar a efeméride com a 23.ª edição portuguesa da obra, que se vem somar às traduções , aos prémios(incluindo o Grande Prémio Romance de Novela APE de 1989 batendo o favoritíssimo Missa In Albis, de Maria Velho da Costa) e às loas coleccionadas por João de Melo ao longo dos anos, um pouco por toda a parte. Alguns dos mais importantes louvores declararam-no herdeiro do chamado realismo mágico, à maneira de García Márquez ou Scorza e, antes destes, Ulsar Pietri. Sê-lo-á, porventura, no modo como transporta para os Açores dos anos 1950/1960 uma parte da atmosfera fantástica - embora mais no domínio do estranho do que do
maravilhoso - que povoou boa parte da melhor literatura sul-americana desse mesmo período. Quanto ao resto, dificilmente haverá alguma coisa de mágico no arquipélago de João de Melo, a não ser eventualmente a paisagem e - essa, sim - a experiência da linguagem, pisando a cada instante os territórios da poesia. Falamos sobretudo de um marco colossal da literatura portuguesa do século XX - o século do povo e da fuga - e, seguramente, da mais importante referência da literatura açoriana desde (pelo menos) Mau Tempo no Canal. Em causa está, agora, não já talvez esse princípio nemesiano de que, para o povo dos Açores, a geografia é tão importante como a história, mas muito mais a ideia universal e universalista de que cada homem é uma ilha, partilhada também notoriamente por Saramago. O que não deixa, em todo o caso, de constituir um discurso sobre a geografia e a sua relação com a história, aqui interiores e amalgamadas numa só impressão não totalmente definível. Numa São Miguel escondida por detrás das montanhas, num lugarejo de onde não se vai a Ponta Delgada maiss do que uma vez ao ano, três irmãos suportam uma infância de brutalidade e carência, às ordens de pais frequentemente desterrados num mundo só
deles. Proporcionam-se-lhes, em diferentes momentos da adolescência, fugas distintas: a vida monástica à rapariga, o seminário ao mais novo e o exército ao mais velho. À sua maneira, cada um se encarregará de detonar também essa escapatória - e todas as três vidas acabarão por redundar em mosaicos particulares de sucessivas evasões. Em pano de fundo estão, à vez, a impossibilidade de permanecer ali mais um instante que seja, entre homens brutais só esporadicamente capazes de um gesto de ternura, e a tentação do regresso, menos como evasão aos homens mansos só esporadicamente capazes de matar, tantas vezes íntimos das grandes cidades, do que à procura daquilo que ficou por dizer, da possibilidade não manifestada antes. A emigração, imposta ou não, é porém tragédia igual para um pescador levado para Massachusetts como para um bolseiro bem instalado em Princeton. Deixa as suas marcas indeléveis e inapagáveis - e intrometese nas leis da termodinâmica, provando que condições diferentes podem, muitas vezes, originar resultados semelhantes. A infância é irrepetível, no espaço como no tempo, e a circunstância virá a baralhar os dados à disposição de Nuno Miguel, Maria Amélia e Luís Miguel. Ecos de Freud insinuam-se quando Nuno, personagem principal, dá por si a mimetizar atitudes recorrentes do pai, o
primeiro algoz da sua infância. Todo o mal está na família, como todo o bem também: ela leva-nos ao colo e é a bola de ferro presa ao nosso pé. O poder do progenitor permanece, por isso, inexpugnável, e lidar com esse poder uma missão para concretizar à primeira tentativa. Nuno Miguel falhou e acaba por transportá-la ao longo da vida toda, incompleta. Incompleto. Um romance monumental - eis aquilo de que se trata. Do título à nota com que se encerra, e mesmo se nem sempre é fácil encontrar-lhe a melodia. Ou precisamente por causa disso. Narrativa polifónica, feita de fragmentos e memórias descontínuas, a cada instante determinada a somar centros de consciência. Gente Feliz Com Lágrimas mantém as costuras à vista, e talvez seja essa a suprema virtude. Escrita na primeira pessoa (embora, de certa maneira, o discurso de Marta sobre Nuno Miguel, o marido, constitua mais uma declinação para o ladrilho modernista), de modo a que, a dada altura, as personagens possam confundir-se umas com as outras, e o escritos com elas, combina imagens de profunda riqueza com metáforas menos concretizadas e frases de métrica escorreita com rimas aparentemente a despropósito, numa opção técnica que, mais do que emular o modo atabalhoa-
do de pensar das pessoas verdadeiras, convocando os princípios do chamado fluxo da consciência, constitui o rosto da sua visceralidade e do seu sangue. “ A dor é assim uma nuvem perdida, e vem de dentro para fora. Por um instante, sente que ela se afia em si, num qualquer órgão inlocalizado do corpo. Depois é como se se tivesse convertido numa lâmina cega. Uma Lâmina que se desloca de mansinho entre a pele e a carne, ou entre a infância e a ferida que agora se pões a boiar e depois se lhe atravessa toda no olhar” Eis, pois, o grande enunciado “também” - e perdoe-me João de Melo se pareço acantoná-lo, coisa que ele nunca pretendeu nem merece - de muito do que fora antes dele e de outro tanto do que seria depois de a literatura açoriana, de Antero a Cristóvão de Aguiar, de Roberto de Mesquita a Daniel de Sá, de Nemésio (sempre ele) Dias de Melo, de Natália a Álamo Oliveira e de tantos outros a tantos mias ainda. O grande manifesto identitário dessa geografia que e, antes de mais e por direito próprio, um olhar sobre o mundo. JL
BANDA DESENHADA
João Ramalho Santos
VIOLÊNCIA “ Os labirintos da água é um dos grandes livros recentes com uma das melhores histórias de sempre”
Nos últimos anos têm coexistido dois grandes movimentos de sinal oposto na banda desenhada portuguesa. Um relaciona-se com grandes coleções editadas em parceria com jornais, o outro aposta em pequenas tiragens e na autoedição. Maria João Worm e Diniz Conefrey, dois autores nacionais de referência, fundaram a Quarto de Jade, e têm editado livros fundamentais. Os labirintos da água, no qual Conefrey adapta a BD a três textos de Herberto Hélder, é o último. Aquele que dá a vida( de Os passos em volta) e “(uma ilha em sketches)” (de Photomaton & Vox) já eram conhecidos (Íman, 2001), mas surgem aqui numa edição com qualidade superior. A novidade é A máquina de emaranhar paisagens (adaptado de Poesia Toda). Três textos distintos, violentos, com elementos que migram do telúrico concreto ao abstrato cósmico. Aquele que dá a vida é uma surpreendente adaptação “clássica” de uma história de superação e vingança, na qual um homem é confrontado com obstáculos. Uma vida rural dura, um touro. E claro, o pior de
todos, a inveja mesquinha de outros homens. com a componente realista e simbólica a interpenetraremse, destaca-se o modo preciso como o desenho define espaços e gere o tempo, prolongando-o em momentos cruciais, encurtando-o nas trnasições; e utilizando cor e luz de um modo excelente para criar ligações e contrastes, definir estados de espírito. Mantendo os mesmos temas, mas muito mais liberta (a vários níveis) a experiência de “(uma ilha em sketches)” é brilhante, propondo uma BD muda colocada a seguir ao texto integral em prosa que adapta. O leitos tem pois direito a duas abordagens, nas quais virtuosismos distintos dão corpo a um mesmo território. As palavras adornam o retrato da vida dura e pobre dos ilhéus; mas, ao contrário daquilo que tende a suceder em abordagens deste género, não oferecem qualquer redenção. A ilha em forma de cão sentado é amorfa nas suas paisagens abruptas; os habitantes inanes, derrotados, preguiçosos. Ou pior ainda, a caminho. A sua vida é dura.Pois paciência; pouco o fazem para o contrarias, têm o que merecem. Mantendo uma narratividade clara( o texto lido imediatamente antes “ouve-se” nos desenhos mudos que se seguem) as planificações e o uso magnífico da cor dão o mesmo tom de beleza horrível, oferecendo uma qualidade figurativa que o sujeito não parece mere-
cer; dando da ilha aos seu habitantes um retrato diferente mas igual. Com uma resignação e um sentimento de inexorabilidade a que o protagonista de Aquele que dá a vida nunca cede, “(uma ilha em sketches)” é uma das mais belas e cruciais BDs portuguesas. Por último, no mais recente A máquina de emaranhar paisagens completa-se uma viagem, do particular ao cósmico. Com cores mais frias a BD assume aqui contornos de pintura narrativa, com Conefrey a utilizar várias técnicas da fotografia trabalhada ao abstrato, para ilustrar com elementos comuns(mas grafismos distintos) sequências das mesmas palavras unidas(emaranhadas) em frases que mutam constantemente, retornando ao Génesis antes de partir para uma nova variante. Palavras e desenhos compartilham aqui um equilíbrio agitado entre criação e destruição que nunca se sabe para que lado irá cair.Diferente dos registos anteriores há, no entanto, uma evolução lógica, no sentido em que as imagens, tanto figuras humanas como motivos abstractos, são depurações de representações anteriores. Movendo-se numa direção clara que parece interessar ao seu autor Os labirintos da água é um dos grandes livros recentes, com uma das melhores histórias de sempre. Tal com o poeta que o inspirou, merece o privilégio de recusar prémios. JL
“Narrativa polifónica, feita de fragmentos e memórias descontínuas, Gente Feliz Com Lágrimas, publicado é um romance monumental”
OS DIAS DA PROSA
Miguel Real
FERNANDO ESTEVES PINTO O LABIRINTO DE PESSOA O Carteiro de Fernando Pessoa, de Fernando Esteves Pinto, ora publicado, constitui uma profunda alteração no estilo do autor. Com efeitos, se os anteriores romances, conversa terminais (2000), Sexo entre Mentiras (2005) e Privado (2008), se afirmavam como um cruzamento estético entre a exploração da sexualidade e da violência e a exploração de traumas psicológicos infantis, atingindo a sua forma superior no ultimo romance publicado, Brutal (2001), O Carteiro de Fernando de Pessoa, pelo contrario, abandona esse duplo horizonte ideológico e semântico para se afirmar como dominado por um lirismo psicológico, que atravessa e orienta a totalidade do romance.
Parco em personagens (apenas cinco), Fernando Esteves Pinto compõem as duas centenas de páginas de O Carteiro de Fernando Pessoa entrelaçando labirinticamente as expectativas, os desejos e os universos psicológicos do carteiro dos correios Bernardo, do polícia reformado Alberto Reis, da vizinha lubrica intrometida Ofélia, do ausente (apenas presente no final) algarvio candidato a escritor e prosélito do “ Integralismo Lusitano” Sílvio Caeiro e de Fernando Pessoa, ele próprio e a multiplicidade dos seus heterónimos. Se esteticamente o resultado se manifesta como um labirinto de natureza psicológica, intervalado por uma ou oura descrição
do tempo atmosférico e de breves descrições das ruas de Lisboa, o modo como o faz, em curtíssimos capítulos, resgata, de certo modo, a metodologia por que compunha os seus anteriores romances – o fragmento (ou as narrativas fragmentadas) evidenciando em cada pequeno texto, não um especto da realidade (o realismo), mas um especto do universo psicológico de uma personagem, que, confrontando com os universos psicológicos das restantes personagens, forma uma espécie de caleidoscópio híper multifacetado, do tecido do qual se compõe a totalidade do romance. História de um crime, entrevisto na primeira página e solucionando nas ultimas, O Carteiro de Fernando Pessoa é aureolado por uma prosa lírica mas não atormentada, não angustiada, apenas metafisicamente melancólica, expressão de algum tédio de existência, próprio da vida de pessoa, constituído por uma contida explosão de sentimentos que, cruzados, se transmutam numa espécie de permanente melancolia, resultado de uma consciência infeliz nas quatro personagens principais, a um lamento continuo, como se fosse possível a existência para cada uma das personagens, como se todas tivessem consciência de ter falhado a vida, embora muito pouco façam para alterar essa situação de expresso fracasso. Assim, a opção pela exploração psicológica das personagens conduz, como referimos, á construção de um labirinto narrativo cuja intricada e apertada rede de soluções (de saídas) se tornam cada vez mais estreitas ate desembocar nas duas únicas soluções possíveis – a falsidade (violação das cartas de Sílvio Caeiro e respostas forjadas pela senhora Ofélia) e a violência (um assassinato). Com efeito, na página 134, o narrador revela a essência da construção da história: “Voltamos assim ao buraco da fechadura, sem no entanto espreitarmos por ele, onde as questões que contemplamos [a totalidade da historia] não determinam se os acontecimentos que imaginamos correspondem de facto á verdade”. Isto é, a história de vida de cada personagem é perspetivada segundo características próprias (timidez do carteiro Bernardo, a investigação racional e policial de Alberto Reis, a sensuali-
dade da senhora Ofélia, a perturbação mental de Pessoa), que, interagindo com a historia das restantes personagens, elevada a um patamar ficcional no qual se desconhecem as categorias de verdade e falsidades, daqui resultando um verdadeiro labirinto psicológico no qual se descrevem falsidades fingindo a verdade e verdades descrevendo-se a falsidade. Eis a essência da literatura, ora vazada em O Carteiro de Fernando Pessoa. O retrato psicológico que Fernando Esteves Pinto traça de Pessoa é fortemente credível – um homem psicologicamente angustiado e socialmente inadaptado, para o qual seria mais importante o espanto metafisico de estar vivo e pensar, e das raízes desse deslumbramento originário construir a sua obra, do que aclimar-se as modas literárias e as instituições sociais do tempo. As exíguas duas assolhadas da Rua Coelho da Rocha, onde, Vivia, mais as ruas da Baixa de Lisboa (não exploradas no romance), constituíam o seu universo físico, a que acrescia um universo mental labiríntico, porventura tortuoso, que, em jovem, o próprio chegou a classificar neurasténico. Neste sentido, não e inverosímil que identifiquemos, ainda que esquematicamente, a ousadia hedonista e individua-
lista da senhora Ofélia com “Álvaro de Campos”, o racionalismo metódico e recatado de Alberto Reis com “Richard Reis” e a timidez ingénua do carteiro Bernardo, mais do que com “Bernardo Soares”, com “Alberto Caeiro”. Deste modo, retratando os três principais heterónimos de Pessoa por interpostas personagens do seu romance, o autor estaria verdadeiramente a descrever (a tentar descrever) a quase totalidade do universo psíquico fragmentário e alucinado de Pessoa. E é neste sentido que se deve interpretar o trecho citado da p.134 – história falsa mas verdadeira, historia verdadeira mas falsa -, mas também o assassinato da senhora Ofélia. Num jogo de espelhos, de que só a literatura é capaz de jogar com genuinidade, Pessoa, através do carteiro Bernardo, mata Ofélia para se libertar da promiscuidade luxuriosa do corpo, que lhe embaraçava a dedicação integral á sua obra. Romance que respeita a definição de Pessoa dada por si próprio: um novelo labiríntico com a ponta virada para dentro.
11 a 24 de dezembro de 2013
18 ARTES//ENTREVISTAS
PEDRO CALDEIRA CABRAL UMA GUITARRA COM SÉCULOS E SEM ‘FADO’ Nome maior da guitarra portuguesa no âmbito da música erudita, compositor, investigador e intérprete de prestígio e carreira internacional, edita agora um cd duplo que inclui transcrições de obras de grandes compositores clássicos e outras de sua própria autoria. Um acontecimento invulgar, a propósito do qual, e não só, o ouvimos
Manuela Paraíso Quase 40 anos dedicados ao trabalho com e sobre a guitarra portuguesa (ver faixa), Pedro Caldeira Cabral, 63 anos, figura primeira na reabilitação do instrumento, passa agora por um CD duplo, Labirinto da Guitarra/ Antologia, que culmina uma intensa rodagem de dois programas de concerto: um com acompanhamento em contrabaixo por Duncun Fox, outro a solo. E no qual se apresenta também algum do repertório que o multi-instrumentista e compositor tem vindo a reunir, desde peças compostas para cítara portuguesa (nome antigo da guitarra portuguesa) a originais seus, e incluindo transcrições de obras escritas para outros instrumentos por compositores como Carlos Seixas, Domenico Scarlatti e John Dowland. Algumas destas peças vão ser ouvidas no sábado, 14, na Sé Catedral de Idanha-a-Velha, num concerto, “Labirinto da guitarra”, em que o músico vai ser acompanhado em viola por Joaquim António Silva. Com um programa que reforça a ideia dos múltiplos caminhos possíveis de um corpus de música para este instrumento icónico da identidade portuguesa, mas que entre nós permanece ainda estigmatizado pela sua incorporação no fado.
JL: Qual foi o ponto de partida para a conceção deste disco? Pedro Caldeira Cabral: Estabelecer, pela primeira vez, um repertório de concerto de referência, composto por peças de música da tradição escrita desde o século XVI aos nossos dias. O que fiz foi selecionar dentro das centenas de obras que transcrevi ou descobri em manuscritos na Biblioteca Nacional ou na da Universidade, ou que me chegaram através de colegas investigadores, juntamente com algumas peças que eu próprio campus. Mas o disco assenta em dois programas de concerto que tem vindo a tocar há anos. Sim, nasceu por pressão do meu colega Duncan Fox, que tem colaborado comigo em inúmeros concertos e me propôs gravássemos estas peças emocionantes. Há dois anos, tocámo-las no City of London Festival e a reação foi extraordinária. Em 2003 fizemos um concerto em São Petersburgo para um público exigente e erudito – e no fim as pessoas choraram. Os portugueses têm uma inibição devida à associação da guitarra portuguesa com uma expressão que lhes é familiar e entra todos os dias pela casa a dentro. Costumo dizer que em Portugal há duas pragas, o fado e o jazz: ambos foram transformados em produtos de entretenimento, como aproveitamento turístico e hoteleiro, e as pessoas acabam por ter uma reação de indiferença a esta banalidade. Interessa-me que se aperceba nunca ter existido na histó-
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Os vários caminhos de um percurso raro Pedro Caldeira Cabral começou muito novo a estudar a guitarra portuguesa e clássica, e flauta doce, depois solfejo, contraponto e harmonia, mais tarde alaúde, viola da gamba e outros instrumentos antigos, bem como composição, com Jorge Peixinho e Constança Capdeville, entre outros. Estreou-se aos 16 anos a acompanhar fado, fez recitais, com Fernando Alvim, passou pela música contemporânea. Mas cedo o seu trilho principal foi a investigação sobre a guitarra portuguesa, para a qual iniciou um duradouro trabalho de construção e recuperação dum repertório erudito. Em 1975, quatro anos após a publicação do seu álbum de estreia, criou o seu primeiro grupo dedicado à música antiga, “Música Ficta”. Na década seguinte participou num programa televisivo, de Fialho Gouveia e Raul Solnado, em que tocava peças, da Idade Média aos Descobrimentos. Com tal sucesso que a consequente vaga de interesse pela música medieval fizeram-no criar o agrupamento “La Batalha”, que logo no seu primeiro ano deu mais de 50 concertos por todo país e que ainda hoje se mantém no ativo, à semelhança de outro grupo dedicado à música antiga e por si dirigido, o “ Concerto Atlântico”. Compositor, investigador, professor, diretor musical, intérprete, conferencista deu a lume o livro A Guitarra Portuguesa e textos diversos; comissariou exposições em Portugal e no estrangeiro; dirigiu certames como um Festival da Expo 98 e o de Música Antiga de Carrazeda de Ansiães; criou o Centro de Estudos e Difusão de Música Antiga. Compôs para várias artes e construiu instrumentos de música antiga, alguns dos quais, como a cítola medieval, pioneiros a nível europeu. Como virtuoso, firmou uma sólida carreira internacional, atuando como solista em concertos em grandes salas e festivais da Europa, EUA e Brasil, com vários dos seus discos premiados, elevando a guitarra portuguesa para territórios antes reservados à guitarra clássica. E tocou com Alberto Ponce, Vinícius de Morais, José Afonso ou Sérgio Godinho. Deu a estreia absoluta de obras suas e de outros compositores e a primeira audição moderna de um amplo repertório antigo composto especificamente ou transcrito para o seu instrumento. JL
ria da guitarra portuguesa esta ideia num CD duplo com música erudita – o qual, aliás, só pode ser editado graças ao mecenato do Montepio Geral, por decisão do seu presidente, António Tomás Correia, a quem tenho de o agradecer. Se quisermos valorizar a guitarra, uma das grandes lutas a travar é separar a tradição erudita da de uso popular, luta muito difícil porque a guitarra se tornou um símbolo identitário ligado á canção nacional e ao estereótipo romântico do fado – o que leva a que não seja aceite com qualidades artísticas e expressivas mais refinadas.
de Queluz, seguido de um jantar no qual o Carlos Paredes tocou “música de fundo”… Situações destas não prestigiam a guitarra. Neste momento há um conjunto de jovens, alguns deles meus ex-alunos, que estão a tentar emancipar-se e a afirmar novas linhas de composição e de interpretação do repertório solístico da guitarra portuguesa, e têm a maior dificuldade em impor-se. “Durante muitos anos, fui o único a fazer concertos de guitarra portuguesa a nível internacional, nos grandes festivais de música clássica, em grandes salas de concerto na Europa”
Então o “estigma” da associação da guitarra portuguesa ao fado não começa a ser ultrapassado? Não. No meu caso, participei em todos os grandes festivais - como os Gulbenkian, dos Capuchos, do Estoril. Durantes muitos anos, fui o único a fazer concertos de guitarra portuguesa a nível internacional, nos grandes festivais de música clássica, em grandes salas de concerto na Europa. Se eu tenho conseguido fazer uma carreira solística e sobreviver é graças a ter um mercado internacional, que continua a convidar-me. Este ano, por exemplo, fiz digressões no Brasil e na Colômbia com salas esgotadas e enorme entusiasmo. Aí, não se associa a guitarra a nada e avalia-se apenas a capacidade dela fazer certo repertório. Mas em Portugal tive experiências contrastantes, como um concerto que dei, para individualidades , no Palácio
O Pedro Caldeira Cabral criou uma escola de guitarra portuguesa? Não diria isso. O José Niza afirmou que eu tinha colocado a fasquia demasiado alta e seria muito difícil atingir esse nível. Hoje, 15 anos depois, há um conjunto de guitarristas que atingiram um patamar de grande rigor técnico e qualidade expressiva, além de alguns serem também excelentes compositores. Posso congratular-me porque vários foram ou são ainda meus alunos. Mas não criei uma escola, ajudei a criar uma consciência sobre a guitarra portuguesa. A este propósito cito um texto do século XIX segundo o qual “só os néscios e os ignorantes acham que a aguitarra portuguesa nasceu para o fado; foi o fado que nasceu na guitarra.” Isto refere o valor social da guitarra, associando-o à desvalorização social da figura do fado e do fadista.
E então… Então é preciso consciencializar as pessoas sobre o percurso histórico do instrumento, como nos anos 50 aconteceu com a viola, a chamada guitarra clássica. Não foi mais do que renomear para revalorizar um instrumento popular que se tornou aceite no campo da música erudita. Isso demorou 40 ou 50 anos a acontecer. Se pensarmos nos esforços do Tarrega, do Segovia e do Pujol para tornar a guitarra clássica aceite nas salas de concerto, percebemos o que se passou. Eles legaram-nos a consciência de que o instrumento era herdeiro duma tradição que remontava ao Renascimento.
“Durante muitos anos, fui o único a fazer concertos de guitarra portuguesa a nível internacional, nos grandes festivais de música clássica, em grandes salas de concerto na Europa”
Voltando ao seu disco, ele inclui, entre as obras antigas, algum repertório original para o instrumento ou apenas transcrições suas? Utilizo várias peças do século XVI que foram originalmente escritas para cítara. A primeira e mais importante das quais é uma peça de Anthony Holborne – um grande citarista que nos deixou uma obra vasta e valiosa. Vamos encontrar plasmado no reportório da citara o mesmo tipo e até as mesmas peças que eram tocadas no alaúde, no órgão, no cravo, na harpa. Há uma correspondência exata, só que cada instrumento tem um vocabulário e expressevidade próprios. O que eu faço é pegar em peças, por exemplo do Cancioneiro de Elvas, dum compositor português, Pedro Escobar. Que teve um grande contacto com os compositores espanhóis. Há aqui uma ligação com o repertório da viola que chega até nós, o repertório português da cítara perdeu-se, embora sbsistam fragmentos que permitem reconstituir alguns títulos, por exemplo no Manuscrito para Cítara que está em Cambridge. No Catálogo da Biblioteca de D. João IV temos a referência a um grande manuscrito de obras para cítara, mas não conhecemos o seu conteúdo; e há
outras referências a títulos de peças que se perderam, tal como o terramoto de 1755 e com as Invasões Francesas, durante as quais foram roubadas muitas coisas. A invetigação musicológica tem descoberto algum desse património? Sim, estamos sempre a descobrir manuscritos portugueses em bibliotecas estrangeiras, e perguntamo-nos quando haverá ainda por descobrir. Há muitos investigadores, mas também interesses comerciais ligados ao repertório. Além disso, certos investigadores têm acesso a manuscritos preciosos e, em vez de oos divulgar, escondem-nos, até porque nem há grande capacidade para os mostrar. É um problema muito complexo. O trabalho de transcrição de obras não deve ser fácil... Pois não, é muito difícil transcrever peças de outros instrumentos. Uma das coisas de que me orgulho, sobretudo no disco a solo, foi ter conseguido resolver uma série de problemas técnicos, o que significa novas possibilidades interpretativas e utilizar a expressividade própria da guitarra portuguesa na interpre-
tação “historicamente informada” do repertório da viola de mão de seis ordens. É o caso da célebre fantasia do Alonso Mudarra, muito difícil de tocar em qualquer instrumento (foi tocada em harpa, em cravo, e até em piano, pelo Artur Pizarro), cuja dificuldade consegui superar na execução em guitarra portuguêsa, com um efeito surpreendente, porque tem um conjunto de características diferentes das dos outros instrumentos de corda e que permitem aproximar-se do efeito pretendido originalmente pelo compositor. Em que condições foi gravado este CD? Em condições muito difíceis, no Palácio do Marquês de Pombal, na Rua Formosa, que foi alugado á família Freitas Branco e abandonado. A acústica natural da sala é extraordinária, mas tem o grande problema dos ruídos exteriores, o que nos obrigou a gravara partir das duas ou três da manhã. Foi um trabalho magnífico do Hélder Nelson, um excelente engenheiro de som, que captou a guitarra portuguesa com uma técnica completamente nova, inventada por ele, aproveitando a ressonância natural, sem artifícios. Que trilhos há ainda por desbravar?
Imensos! Para fazer estes dois discos, com 37 peças, deixei de lado uma grande quantidade de obras, algumas das quais muito interessantes porque cruzam a fronteira entre o erudito e o popular. Há um repertório de salão que evoluiu sobretudo a partir da década de 1820, que não é representativo do estilo refinado. É um conjunto de peças que não incluí aqui porque estabelecem outra linha, que fez surgir solistas importantes do século XIX – como o João Maria dos Anjos e o Reinaldo Varela, que publicaram métodos de guitarra portuguesa, já na entrada do século XX, e se apresentaram em concerto em Portugal, Espanha, França, Rússia, etc., e cujos programas estams agora a começar a conhecer. Esse conjunto de peças constitui, aliás, o meu próximo projeto de gravação de um CD de guitarra solo. Que futuro vê para a guitarra portuguesa? Há um movimento de revalorização da cítara europeia que passa por três centros. Na Alemanha, há muitos jovens a tocar a waldzither, mas há outros a tocar guitarra portuguesa e a acompanhar fado. Ainda não encontrei ninguém com interesse no repertório erudito, exceto em França,
no Japão, EUA e Brasil, onde o interesse pela guitarra solística é enorme, há escolas e uma redescoberta da influência da guitarra portuguesa na constituição do chorinho, hoje considerado quase música erudita, com uma tradição escrita e trabalhada quase a par do desenvolvimento do jazz branco americano. Nunca deixou de haver no Brasil construtores de guitarras portuguesas e hoje há uma redescoberta, enquanto curiosidade, e que teve muito a ver com a recente vaga de emigração de brasileiros em Portugal, que retornaram ao país, levando consigo os discos e as novas ideias, as quais estão a encontrar eco nas comunidades de músicos sobre o instrumento e o repertório. JL
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GRAMÁTICA EM TEMPOS DE CRISE Na edição do JL/Educação de 16 de Outubro ouvi2 O desenvolvimento do saber gramatical acompanhou na Idade Modema a afirmação do poder dos Estados europeus, saindo da longa neblina da fragmentação medieval. O nascimento das Gramáticas das línguas europeias acompanha a afirmação do Leviatã estadual nas diversas regiões do Velho Continente, com o seu característico odor a pólvora. Não surpreende que no caso português, o Fernão de Oliveira da Grammatica da Lingoagem Portuguesa, de 1536, seja o mesmo frade dominicano que se distinguiu como primeiro teórico moderno da guerra marítima, e notável construtor naval. Entre 1415 e 197 4 a estrutura territorial do Estado português tornou-se descontínua. O pequeno rincão europeu projetou-se em três ciclos
mos Eduardo Paiva Raposo sobre a nova Gramática do Português, de que é um dos coordenadores. Importante iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian, que também edita a obra, voltamos a ela neste texto do universitário de múltiplos saberes e colunista do JL que a apresentou
Viriato Soromenho-Marques Há pelo menos duas grandes razões para saudar o aparecimento desta Gramática do Português (organização de Eduardo Paiva Raposo, Mª Fernanda Bacelar do Nascimento, Mª Antónia Coelho da Mota, Luísa Segura e Amélia Mendes) uma obra extntordinária pela dimensão, ousadia de propósito e qualidade de execução. A primeira razão que singulariza positivamente esta obra prendese com a sua habitação, sábia e tranquila, do tumultuoso “espírito do tempo” em que os estudos sobre Gramática e Linguistica têm hoje, necessariamente, de navegar. A segunda razão liga-se ao delicado terreno das relações entre língua nacional e identidade. Um tema sempre controverso, que ganha uma temperatura particularmente elevada nestes perigosos tempos de sombra que Portugal atravessa.
1 Escrever uma Gramática, tendo como ponto de partida as primeiras décadas do século XXI, implica ter consciência de que se está a trabalhar sobre um terreno construido sobre múltiplas camadas e estratos, alguns deles tão frágeis, que ameaçam tomarse em armadilhas para quem sobre eles caminhe. A Gramática talvez nunca tenha sido, mas hoje não o é seguramente, uma disciplina tranquila. A Gramática já não pode ser hoje a mera reflexão, a um tempo descritiva e normativa, sobre uma língua concreta, filtrada e decantada pela aventura histórica dos seus falantes e protagonistas. A Gramática das línguas nacionais respira hoje a mesma atmosfera das ciências da linguagem, dos estudos da linguagem, caracterizados, por um horizonte que só pode ser o da universalidade. E isso num complexo quadro espiritual, mesmo complicado, definido por diferentes leituras ou modos de expressar as deceções e angústias da nossa modernidade. Desde o “ tempo do niilismo”, anunciado na visão de Nietzsche para o desafio do futuro europeu, até à enumeração de variadas propostas de crepúsculo, decadência, colapso ou incerta metamorfose. A verdade é que perdemos sempre a inocência de uma linguagem que se julgava em condições de representar o mundo com rigor e transparência. Seja a língua universal do programa de convergência cosmopolita de Leibniz, sejam os projetos de apropriação do futuro pela restauração do latim, defendido por Lorenzo de Valla no século XV, seja na investigação de uma língua adâmica, de que o hebreu seria um parente seminal, como nos recorda Olga Pombo, numa importante e já clássica investigação.
A Linguagem, essa força magmática de onde emanam e para onde regressam todas as línguas, deixou de pretender conhecer o Mundo, para, em alternativa, se reconhecer a si própria como Mundo. E não se trata apenas do Línguistic Turn, popularizado por Richard Rorty, mas com raízes em Frege, Wittgenstein, Russell, e ramificações múltiplas onde não podem deixar de marcar presença a Linguistica de Saussure, as escolas do estruturalismo e da sua herança e dissidência, onde o pensamento da linguagem é tema central, como são o caso de Julia Kristeva ou de Michel Foucault. Esta Gramática do português não se detém nessas viagens do espírito, mas não as ignora, nem lhes retira o lugar, que pode ser o do horizonte envolvente , ou o da alusão, mesmo a da simples menção de passagem. Esta obra sabe cumprir a sua função, que é a de entrar, com clareza e rigor, no software da Língua Portuguesa, mas sabe fazer o seu caminho em espaço aberto, mantendo sempre uma ligação de plena visibilidade com as paisagens envolventes. A Gramática não pode ignorar que a sua matéria, a língua, é aquilo em que a substância do mundo melhor se oferece. Ao longo dos últimos dois séculos não foi apenas a Linguagem que se transformou no objeto de uma nova Ontologia, mas as ciências e os saberes que no ato da sua fundação, refundação ou busca de uma legitimidade reforçada foram buscar à Gramática os seus métodos e disciplina de trabalho. Por vezes, quase o seu estilo. E isso, depois do século XVIII, ocorre de um modo não só mais intenso, mas de uma forma diferente, daquele parentesco que Michel Foucault encontrava, por exemplo, entre a História Natural de Lineu e de Buffon, e a Gramática Geral de Bauzée (1767).
“Esta Gramática é uma obra monumental, trabalho de uma década de 10 autores de 12 universidades”
ultramarinos (asiático, americano e africano), permitindo sempre a Lisboa contar com uma linha de retaguarda longínqua para salvar a soberania, como se viu na importância do Brasil para as campanhas da Restauração, mesmo antes de 1640, e para a resistência às invasões napoleónicas, com a retirada da Corte para o Rio de Janeiro, em1807. Só com a revolução democrática iniciada em 25 de Abril de 1974, abandonou Portugal, definitivamente, o limes imperial africano, e asiático residual (em Timor Leste e Macau), para se consagrar à aventura da construção democrática e da integração europeia, para onde entrámos com o entusiasmo e a ingenuidade dos neófitos. Esta Gramática do Português é uma
obra monumental contendo o resultado do labor de investigação durante mais de uma década, por parte de 40 autores, provenientes de 12 universidades e centros de investigação distintos. Ela percorre sobretudo o português padrão contemporâneo que se pratica na Europa, mas vai também às raízes, convoca os textos medievais, e não esquece as consequências e repercussões, incluindo textos do português que se fala no Brasil e em África. Numa altura em que o sonho europeu de Portugal desembarcou num pesadelo de que parece não haver despertar próximo, sabe bem recordar, através desta Gramática, que o português é a sexta língua mundial com mais falantes nativos, ou falantes
primários. Numa altura em que Portugal é tratado como um pais vencido por uma guerra, onde os seus aliados se transmutam em vencedores implacáveis, consolanos o espírito saber que lá muito longe, em Cabo Verde, Angola, Moçambique, Timor Leste, ou no imenso Brasil, o povo mais simples ou os mais notáveis escritores de craveira universal se expressam numa língua que se formou neste extremo peninsular europeu. É um conforto psicológico recordar que no século XVI, com o já referido Fernão de Oliveira, mas também com a Gramática da Língua Portuguesa (1540), de João de Barros, e os estudos sobre ortografia e sobre a história da língua nacional, de Duarte Nunes de Lião, o português era já uma língua suficientemente robusta para estar na vanguarda das obras cientificas e técnicas publicadas nesse século, como ficou graficamente demonstrado pela excelente exposição 360º Ciência Descoberta, recentemente oferecida ao público pela Fundação Calouste Gulbenkian, tendo Henrique Leitão como comissário. O Português era uma língua, que já em 1572, foi capaz de dar à estampa Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, fazendo da história portuguesa um diálogo e uma continuação da tradição épica de Homero e Virgilio. Ao contrário de outras línguas, que só mais tarde se afirmariam no panorama europeu, o Português não precisa de olhar para o lado, antes de se olhar ao espelho. Ao longo de tantos séculos,
houve e há, certamente, oscilações entre a nostalgia pela grandeza perdida, e a tentativa de contrariar o declínio do Português na hierarquia das línguas portadoras de ciência (que tem sido, aliás, contrariado nas décadas mais recentes). Contudo, não cometemos o erro do desprezo e da abdicação total da nossa língua. Nem tentámos corrigir a negligência pelo nosso património linguístico com a desmesura do apreço pelo que antes havíamos desprezado, acentuando esse elogio em causa e casa própria através do amesquinhamento dos outros. Por exemplo, em 1780, numa altura em que a língua alemã já contava com as obras de Lessing, Kant e do jovem Goethe, entre uma multidão de notáveis pensadores e poetas, o grande rei prussiano Frederico II ofendia os seus súbditos mais cultos, num ensaio sobre a literatura alemã, escrito como sempre no seu francês dos huguenotes de Seiscentos, onde a dado passo escrevia: “Comecemos pela língua alemã, que eu acuso de ser difusa, difícil de manejar, pouco sonora, e que não tem para além disso abundância de termos metafóricos tão necessários para fornecer novas maneiras de dizer”. Que os governantes opinem sobre o que desconhecem é algo que já não causa espanto, em nenhuma parte do mundo conhecido. Agora que os filósofos consagrados se comportem com falta de discernimento do mais comun dos néscios é algo para lamentar ainda mais. Numa entrevista concedida
por Martin Heidegger, em 23 de de setembro de 1966, ao Der Spieggel, e que só foi publicada postumamente, eis como o autor de O Ser e o Tempo, “corrigia” os défices apontados pelo monarca de Potsdam à língua germânica: “Penso no especial parentesco íntimo entre o idioma alemão e o idioma grego e os seus pensadores. É o que os franceses me reafirmam atualmente, repetidas vezes. Quando começam a pensar, falam alemão. Asseguram que com a sua língua não seriam capazes.” A grandeza da língua alemã, onde o espírito humano travou e trava tantas batalhas pelo conhecimento de si e do mundo, dispensaria com proveito tão infeliz e grosseiro apanágio. Se é verdade que a língua portuguesa pode ser uma pátria, como afirmava Fernando Pessoa, e que da língua portuguesa se vê o mar, como escreveu Vergílio Ferreira, a verdade é que essa pátria não é apenas Portugal, e esse mar, há uito que deixou de ser apenas o das praias atlânticas do limite ocidental da Península Ibérica. Tecnicamente, o português é uma língua imperial, mas os portugueses há muito que reconstruíram o seu pacto constitucional de destino numa vocação de contínua procura da paz com justiça, na Europa e no mundo, na linha, aliás, da visão recentemente reafirmada por esse grande pensador europeu, de língua alemã, Jürgen Habermas (Essay zur Verfassung Europas, 2011), que temos o previlégio de ter hoje entre nós. Os grandes escritores contemporâ-
neos de língua portuguesa, oriundos de Cabo Verde, como Manuel Lopes e Germano Almeida, de Moçambique, como José Craveirinha ou Mia Couto, de Angola, como Agualusa Ondjaki, do Brasil, como Cecília Meireles ou Jorge Amado, entre tantos outros, não escrevem ou não escreveram em português num registo de resistência contra o opressor, como o fizeram, pelo menos parcialmente, os grandes escritres irlandeses, de Oscar Wild e Bernard Shaw, a Yeats e Joyce, fazendo da língua inglesa um obediente instrumento ao serviço do génio irlandes. O portugês é uma pátria aberta, de onde se contemplam todos os oceanos, e onde se podem acolher todos aqueles que nasceram seus falantes naturais, mas támbem aqueles que, usando uma fantástica, fórmula de Amin Maalouf, a queiram escolher como sua “língua do coração”(langue du coeur).
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PISA 2012 PREMEIA ALUNOS E PROFESSORES Filomena Matos e Rui Canário Mais uma vez os alunos portugueses se posicionam na média da OCDE em avaliações internacionais. Em contracorrente com uma perceção que se foi generalizando de mau desempenho em Matemática e com os péssimos resultados de avaliações nacionais, o PISA 2012 vem afinal confirmar progressos assinaláveis, também apurados no 4º ano de escolaridade em avaliações internacionais com características diferentes. A 7 pontos da média ( diferença estatisticamente não significativa), apresentamos um desempenho comparável ao de França, Reino Unido, Noruega, Espanha EUA ou Federação Russa. Tende como referência o ciclo de 2033, que a Matemática era também a disciplina de análise mais aprofundada, o PISA 2012 vem também revelar que finalmente baixaram os níveis de ansiedade dos alunos no domínio da matemática, tendo-se elevado os de autoeficácia e autoconceito, mais favoráveis á obtenção de melhores resultados de aprendizagem.
Contextos de adversidade Entrei 2003 e 2012, Portugal aumentou em 5% a percentagem dos melhores desempenhos (acima do nível 5 de escala de proficiência) e na mesma proporção diminui a dos piores (abaixo do nível 2), sendo dos piores (abaixo do nível 2), sendo dos poucos países que conseguiu elevar o patamar de desempenho de todos, a todos os níveis de proficiência. Em Matemática, Portugal faz parte de um conjunto de 13 países (dos 65 participantes) em que a taxa de progresso se tem mantido constante. Sabendo que a condição socioeconómica tem uma forte relação com o desempenho, o trabalho que tem sido desenvolvido entre nós e ainda mais digno de nota pelo esforço de atenuação dos efeitos negativos de condições mais desfavoráveis nos resultados da aprendizagem. Estão de parabéns os alunos, mas também os professores que, mesmo em condições socioeconómicas adversas, têm conseguido demostrar uma evolução positiva consistente nas disciplinas avaliadas, com exceção de Ciências onde os progressos alcançados mostram agora sinais de ligeira inflexão.
De facto Portugal conseguiu aproximar-se da média da OCDE, apesar de apresentar mais de 20% de alunos no grupo dos mais carenciados, o que faz com que tenha de enfrentar muito mais dificuldades do que a Noruega, a Finlândia ou a Dinamarca, onde esta percentagem é inferior a 5%. Surge inclusive no grupo de países com contextos demográficos, sociais e económicos mais desfavoráveis, com base num índice compósito que inclui dados relativos ao PIB, despesa de educação, nível educacional dos pais, percentagem de alunos de condição socioeconómica desfavorável e proporção de imigrantes. O próprio relatório do PISA afirma que Portugal teria um desempenho acima da média, se considerada a condição socioeconómica.
“Portugal conseguiu aproximar-se da média da OCDE, apesar de apresentar mais de 20% de alunos no grupo dos carenciados” Retrocesso da equidade De 13 países que melhoraram significativamente o seu desempenho entre 2003 e 2012, três conseguiram simultaneamente ganhos de aquidade, enquanto os restantes nove mantiveram elevados os níveis já atingidos , comprovando que a equidade não é lesiva da encelênica. Contudo, Portugal acompanha a melhoria do desempenho no período considerado com uma redução ao nível da equidade. O relatório revela uma ligação estreita entre o desempenho e o estatuto socioeconómico, sendo este responsável por 9% a 10% da diferença que se verifica na escola. Quando se trata de estabelecer comparação entre escolas, o perfil socioeconómico da organização passa a construir entre nós um bom preditor de desempenho, explicando 62% da sua variação. Também aqui se confirma a forte relação
entre o estatuto socioeconómico e o desempenho, pelo que as politicas dirigidas ás mais carenciadas têm maior probabilidade de eficácia do que as de emulação como a de cheque-ensino adotada na Suécia, que parece não produzir os efeitos desejados também ao nível da qualidade global. No ranking de desempenhos de Matemática, a Suécia surge abaixo da média da OCDE e abaixo da classificação obtida por Portugal. Mas obviamente a escola está longe de poder neutralizar todos os problemas sociais que a afetam. Os desempenhos dos alunos serão tanto melhores quanto mais eficazes aspolíticas destinadas a intervir sobre os fatores que influenciam, como por exemplo a condição de vida das famílias, a redução da pobreza e a educação dos países.
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Sementes e terrenos fertéis No plano setorial, o relatório do PISA identifica algumas medidas que terão contribuído para criar condições para os progressos alcançados. Em termos de investimentos materiais, aumentaram os apoios sociais às famílias e o número de beneficiários da Ação Social Escolar. Foi considerável o esforço de requalificação de edifícios e de dotação das escolas de equipamento de alta tecnologia e acesso a Internet de banda larga. No plano imaterial a retenção foi teoricamente considerada medida de exceção na superação de dificuldades de aprendizagem, o que se faz acompanhar de maiores possibilidades de inserção das escolas em programas especiais ou de adoção de medidas de apoio a alunos com dificuldades de aprendizagem. Associada a medidas de alargamento de escolaridade obrigatória e diversificação curricular, a redução das taxas de retenção acabaria por repercutir positivamente também sobre o abandono.
A década de 200 foi, por outro lado, palco de intensificação de formação de professores, sobretudo em Matemática e Língua Portuguesa. O Plano Nacional de Leitura foi também um exemplo de investimento na proficiência e criação de hábitos de leitura, enquanto o Plano de ação a Matemática contemplava, entre várias estratégias delineadas, a implementação de um plano de Matemática em cada escola, o reforço da formação contínua de professores e da presença da Matemática na formação inicial e o reajustamento do currículo respetivo na escolaridade obrigatória. A dimensão curricular merece, aliás, especial realce no relatório da OCDE, como um dos fatores determinantes da evolução positiva dos alunos nesta disciplina, dada a sua orientação no sentido da aproximação aos “interesses dos alunos” e “competências parta o século XXI” reconhecendo as importência de um ambiente favorável na promoção de atitudes positivas, o que por sua vez reverte em favor da aprendizagem. A intervenção também atingiu o tempo de contacto com a disciplina. Pelo que os alunos de 2012 tiveram mais meia hora e meia de Matemática por semana do que os de 2003. Se é verdade que esta vertente se vem reforçando mais recentemente, o mesmo não se pode dizer das restantes medidas, apesar da retórica governamental que a prática poderá contradizer.
Sinais de preocupação É hoje consensualmente reconhecido o fenómeno de “invasão” das organizações escolares pelos problemas sociais. No atual contexto português, a diminuição do nível de investimento, os retrocessos nos apoios sociais e pedagógicos, as “poupanças” com o aumento do numero de alunos por turma, traduzem-se em dificuldades acrescidas que podem colocar em causa os resultados agora obtidos. A estas mudanças se associam negativamente o crescente gigantismos das organizações escolares e o correlativo acréscimo de burocracia. A experiencia com as reformas educativas também já mostrou a dificuldade em introduzir mudanças de carater orgazicional ou curricular a partir de cima e de forma administrativa. Constituí por isso um segundo sinal de preocupação a leviandade com que se fabricam em gabinete novos programas, como é o caso da matemática, sem ter em conta os pareceres das associações profissionais de professores nem uma rigorosa avaliação dos anteriores.
O terceiro sinal de grande preocupação decorre de uma política global de hostilização dos professores, que se veem confrontados com dificuldades dramáticas ao nível do emprego, dos salários e de medidas de grande alcance simbólico, como a improvisada prova de avaliação de professores contratados, considerada pela generalidade dos observadores como inconsequente e até caricata. Seria uma grande ingenuidade pensar que as atuais politicas dirigidas contra os professores se não repercutem diretamente na qualidade da relação pedagógica e portanto, na qualidade das aprendizagens dos alunos. Finalmente, não pode deixar de ser motivo de grande preocupação o modo como os sinais anteriores convergem numa política global de ataque á Escola Pública. Os atuais horizontes econômicos, sociais e políticos não são muito encorajadores, mas é certo que sem uma aposta na educação, sem uma Escola Pública forte e sem uma profissão docente reconhecida e valorizada é o nosso futuro coletivo que estará em causa. JL Filomena Matos prof. Do Ensino secundário e gestora da escola, Rui Canário, prof da Universidade de Lisboa, ambas autores de vários livros da área da educação.
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SECRETÁRIO DE ESTADO DA CULTURA
11 A 24 DE DEZEMBRO 2013 A audiovisual C colóquios/conferências D dança E exposições M música MD multidisciplinares NC novo circo P pedagogia T teatro
Alice Teatro Carlos Alberto, no Porto, acolhe produção do Teatro de Garagem, em estreia absoluta 11 a 15 Dez ALMADA Teatro Municipal Joaquim Benite Av. Prof. Egas Moniz | Tel 212739360 D On a Multiplicity Conceção e interpretação de Telma João Santos 14 Dez 21h30 D Muito Chão Coreografia de Benvindo Fonseca. Música de Carlos Mil-Homens (tema orginal e interpretação ao vivo). Interpretação de Beatriz Rousseau, Bruno Duarte, Carla Jordão, Daniela Andana, entre outros 20 Dez 21h30 E Intimidade Exposição de Susana Anágua e Sara Franqueira 5ª a Sábado | 18h – 20h Domingo | 15h – 19h30 Em dias de espetaculo, a galeria está aberta até | 22h Até 31 Dez M Viagem pelo Barroco Europeu Direção musical Marcos Magalhães. Solista: Ana Quintans e Mário Alves 14 Dez 21h30 M Concerto de Natal Pelos Pequenos Cantadores do Conservatório de Lisboa r Camerata de Lisboa 21 Dez 16h M Magnificat! Direção musical de Massimos Mazzco e Jorge Matta. Obras de Vivaldi e Charles Avison 22 Dez 16h T Ah, os Dois Felizes De Samuel Beckett, encenação de Nuno Carinhas. Interpretação de Emília Silvestre e João Cardoso 5ª a Sábado | 21h30 Domingo | 16h Até 18 Dez T O Cântico de Sulamita Direção Artística e dramaturga de D.J.E.S. e Laurinda Chiungue. Interpretação de Laurinda chiungue 21 Dez 21h30 ANGRA DO HEROÍSMO Museu de Angra do Heroísmo Ladeira de São Francisco Tel 295 240 800 E Sala Frederico Vasconcelos Exposição de longa duração E A Festa do Jazz: 15 Anos de Angrajazz Exposição de fotografia de Jorge Monjardino Até 12 Jan AVEIRO Teatro Aveirense R. de Belém Pará Tel 234 379 800 M 40º aniversario da Universidade de Aveiro Pela orq. Filarmónica dês Beiras e Coro do DeCA-UA 14 Dez 21h30
BRAGA Theatro Circo Av. Da Liberdade, 697 Tel 253 203 800 D Cinderela Bailado em 3 atos. Coreografia Michael Corder, música de Sergei Prokofiev, interpretação musical da orquestra Sinfónica Portuguesa 21 Dez 21h
COIMBRA Teatro Académico Gil Vicente Pç. Da República Tel 239 855 630 M Cuarteto de Urueña 13 Dez | 21h30 M 2º Ciclo Internacional de Piano de Coimbra: Wagner e Verdi 19 e 20 Dez | 21h30
Museu D. Diogo de Sousa R. dos Bombeiros Voluntários Tel 253 273 706 | 3ª a Domingo 10h – 17h30 E Papel ao cubo Até 13 Jan
ESTORIL Teatro Municipal Miria Casimiro Av. Fausto de Figueiredo Tel 214 670 320 T Os Saltimbancos De Chico Buarque. Encenação de Carlos Avilez. Interpretação de António Marques, David Esteves, Fernanda Neves, Filipe Abreu, entre Outros 5ª a Sábado | 21h30 Sábado a Domingo | 16h até 29 Dez
Theatro Circo Avenida da Liberdade, 697 Tel 253 203 800 M Carlos do Carmo: 50 anos de Carreira 14 Dez – 21h30 M Música Para Uma Plateia de Palmo e Meio 21 Dez – 10h e 11h T ah, os Dias Felizes De Samuel Beckett, encenação de Nuno carinhas. Interpretação de Emília Silvestre e João Cardoso. 13 Dez – 21h30 T Sabe Deus Pintar o Diabo Texto de Abel Neves. Encenação de Rui Madeira. Interpretação António Jorge, Carlos Feio, Nzady. 18,19 e 20 Dez – 21h30 CÂMARA DE LOBOS Museu de Imprensa da Madeira Av. Da Autonomia, 3. || 2ª a 6ª | 10h – 18h E Gutenberg no Cartoon Internacional Até 31 Jan CASCAIS Casa das Histórias Paula Rêgo Av. D República 300 Tel 214 826 970 10h – 18h E Paula Rego/Honoré Daumier: Mexericos e Outras Histórias Até 20 Abr Centro Cultural de Cascais Av. Rei Humberto II de Itália Tel 214 848 900 3ª a Domingo | 10h – 18h E Discurso del Método Exposição de Pedro Valvez Cardoso Até 6 Jan E Picasso Gráfico Até 12 Jan E Ana Pimentel: Jardins Secretos Até 9 Fev E Cveto Marsiè: Ninho Salino Até 4 Mar E Exposição Barros Malaguenhos Até Mar
ÉVORA Fórum Eugénio de Almeida Lg. Do Conde de Vila Flor 3ª a Sábado | 10H – 19H E The Time Machine: O lugar das Máquinas Até 2 Fev E A construção do lngar Até 9 Mar E Inter(in)Vençao: Coleção Collection ZKM | Karlsruhe Até 9 Mar Galeria da Casa de Burgos R. de Burgos, 5 Tel 266 769 450 2ª a 6ª |9h – 12h30 || 14h – 17h30 E Pintar a Pré-História Até 31 Jan Museu de Évora Lg. Do Conde de Vila Flor Tel 266 702 604 3ªa Domingo | 9h30 – 17h30 E (IN)temporalidade Até 20 Fev E Tesouros do Museu de ÉvoraCuriosidade Natural Até Abr Fundação Eugénio de Almeida Páteo de São Miguel Tel 266 748 300 M Concerto de Outono Ana Beatriz Ferreira - Piano 14 Dez | 18h30 Teatro Garcia de Resende Pç. Joaquim António de Aguiar Tel 266 703 112 T Bonecos de Santo Aleixo 17 a 22 Dez | 18h30 FARO Teatro das Figuras Horta das Figuras, E. N. 125 Tel 289 888 100 D Sonho de Uma noite de Verão Coreografia de Evgeniy Belyaev. Interpretação da companhia da Dança do Algarve 20 Dez | 10h30 (escola) 20 e 21 Dez | 21h30 M Concerto de Natal Pela orquestra Clássica do Sul, sob a direcção do maestro Cesário Costa. Obras de Sammartini, Corelli, Tchaikovsky, Gossec. 22 Dez 18h30
GUARDA Teatro Municipal da Guarda R. da Batalha Reis, 12 Tel 271 205 240 M Solistas Conservatório de São José da Guarda 11 Dez | 21h30 M Bunganvilia – João Afonso e Rogério Pires 12 Dez | 22h T Yerma Encenação de João Garcia Miguel 14 Dez | 21h30 GUIMARÃES Centro Cultural Vila Flor Av. D. Afonso Henriques, 701 Tel 253 424 700 D MUltiplex Baseado no romance Memorias de Adiano Margueritte Youcenar. Coreografia de Rui Horta 13 a 14 Dez | 22h E Japão 1997 Exposição de António Júlio Duarte Até 22 Dez Centro Inter. Das Artes José de Guimarães Av. ConMargaride nº 175 Tel 00 400 444 2ª a Sábado | 10h – 19h E Para Alem da História Até 31 Dez Centro para os Assuntos da Arte e Arq. R. Padre Augusto Borges de Sá Tel 253 088 875 || 14h – 19h E Soud walk Instalação musical intergrado no Museu Viva 2013 Até 5 Jan E Fernando José Pereira: O Artista como Explorado Ártico até 5 Jan Centro Cultural Vila Flor Av. D. Afonso Henriques, 701. Tel 253424700 M Corpo Comum 14 Dez | 11h30 e 17h M Noiserv 14 Dez | 22h T Festival de Monólogos 18 a 21 Dez LAMEGO Museu de Lamego Lg. De Camões Tel 254 600 230 3ª a Domingo | 10h – 18h E Caminhos de Ferro e Prata: Linhas do Douro e do Minho Até 30 Abr E Uma Viagem no Tempo, do Outro lado do Espelho 100 Anos de Retrato Fotográfico 1847 – 1947 Até 30 Abr
LEIRIA Teatro José Lúcio da Silva Av. Heróis de Angola Tel 244 834 117 D O lago dos Cisnes Pelo Russian Clasical Ballet 19 Dez – 21h30 D Na Gábrica do Dr. Coppélios Pela Escola de Dança Diogo de Carvalho 20 Dez | 21h Teatro Miguel Franco Av. Combatentes Grande Guerra Tel 244 839 680 M Meninos Cantores no Natal Concertos para Bebés 15 de Dez | 10h30 e 11h45 T O Boi e o Burro a Caminho de Belém Texto Maria Clara Machado. Pela Leirena Teatro 3ª a 6ª | 10h30 e 14h30 Sábado e Domingo | 16h30 Até Dez LISBOA Centro Cultural de Belém Pç. Do Império Tel 213 612 400 D A power Ballad Direção e interpretação Mariana tenger Barros. Cocriação Mark Lewis Tompkins. Produção EIRA. 13 Dez | 21h || 14 Dez | 19h D A Bela Adormecida Pelo Russian National Ballet 21 Dez | 16h e 21h D A Importância de Ser António de Macedo Por Miguel Bonneville 21 Dez | 19h || 22 Dez | 17h D OZZZ Desenvolvido e interpretado por Alfredo Martins, Cláudia Gaiolas, Estelle Franco, Luís Godinho e Paula Diogo 21 Dez | 21h 22 Dez | 19h Teatro Camões Parque das Nações Tel 218 923 470 D Cinderela Bailado em 3 atos, coreografia de Michael Corder, interpretação musical de Orquestra Sinfónica Portuguesa 11, 12, 13 e 14 Dez | 21h 15 Dez | 16h Teatro Nacional D. Maria II Pç. D. Pedro IV Tel 213 250 800 D A Visita Texto e encenação de Monchoo Rodriguez, interpretação de Pedro Glestas Produção: Teatro Invisível/ACNF 12 a 14 Dez 21h15 || 15 Dez 16h15 D A Mulher de Porto Pim A partir do conto Donna Di Porto Pim de António Tabucchi, interpretação de Tiziano Ferraro 18 Dez 19h15 || 19 Dez 21h15
BES Arte & Finança Pc. Marquês de Pombal 3 Tel 213 508 975 E Helena Almeida: Andar e Abraçar Até 9 Jan Biblioteca Nacional de Portugal Campo Grande 83 Tel 217 982 000 E João dos Santos 1913-1987 Até 16 Dez E Fernando Pessoa em Espanha Até 31 Dez E Álvaro Cunhal 1913-2005 Até 31 Dez E Escritores de Frontera Até 21 Dez E Portugal – China – 500 Anos de Relações Até 18 Jan E Antes de Lineu: O mundo das plantas impresso na coleção de BNP Até 25 Jan E 150 Anos da Associação dos Arqueólogos Portugueses Até 31 Jan E Livros de Horas: O Imaginário da Devoção Privada Até 16 Fev E Cláudio Carneiro 1895-1913 16 Dez a 1 Fev E António Costa Lobo 1840-1913 20 Dez a 31 Jan Centro Cultural de Belém Pç. Do Império Tel 213 612 400 3ª a Domingo | 10h – 18h E África – Visões do Gabinete de Urbanização Clonial 3ª a Domingo | 10h–18h Até 28 Fevereiro Culturguest R. Arco do Cego 1 Tel 217 905 155 2ª a 6ª | 11h – 19h Sábado Domingo e Feriados | 14h – 20h E Obras da coleção da Caixa Geral de depósitos Até 12 Jan Fundação Arpad Szénes–Vieria da Silva Pç. Das Amoreiras, 58 Tel 213 880 044 4ª a Domingo | 10h – 18h Encerra 2ª, 3ª e Feriados E Ateliers, a Arte A Partir de um espaço Até 31 Dez E Artistas Portugueses Obras da coleção Particular Maria Helena Vieira da Silva e Arpad Szénes Até 6 Fevereiro Fundação Calouste Gulbenkian Av. De Berna, 45ª Tel 213 880 044 3ª a Domingo | 10h – 18h E Sob o Signo de Amadeo. Um século de Arte Até 19 Jan E O brilho das cidades. A rota do Azulejo Até 26 Jan E Raija Malka. Gymnasion Até 26 Jan Fundação Carmona e Costa R. Soeiro Pereira Gomes, Lt. 1-6º A Tel 217 803 003 E Pandemos Até de 28 Dez Galeria São Roque Too R. De São Bento, 269 Tel 213 970 197 2ª a Sábado. | 10h – 19h E A exaltação da Sombra Até 31 Dez
MNAC – Museu do Chiado R. Serpa Pinto, nº4 Tel 213 432 148 3ª a Domingo | 10h as 18h E Rei, Capitão, Soldado, Ladrão Exposição Antógica de Jorge Molder Até 23 Fevereiro E Staff only Exposição de Tatiana Macedo Até 2 Mar E Exposição Permanente 1850 – 1975 Mosteiro dos Jerónimos Pç. Do Império Tel 213 620 034 Todos os dias | 10h – 18h30 E Manuel José Herigoyen (1746 – 1817) Vida e Obra. Um Arquiteto Português no Reino da Baviera Até 15 Dez E Alexandre Herculano a Memória – Viver a História Até final Dez Mude – Museu do Design e da Moda R. Augusta, 24 Tel 218 886 117 3º a Domingo | 10h – 18h E Object Préféré Até 26 Jan E Filipe Oliveira Batista Até 16 Fev Musei do Departamento de Enganharia Civil, Arquitectura e Georrecursos do IST Av. Rovisca 1 E As Pontes do Rio DouroAté 31 Jan Museu Coleção Berardo CCB. Pç. Do Império Tel 213 612 878 E O Consumo Feliz. Publicidade e Sociedade no séc. XX Até 5 Jan E Entre Memória e Arquivo Até 5 Jan
Museu da Electricidade Av. Brasilia. Central Tejo 3ª a Domingo | 10h – 18h E Trienal de Arquitectura de Lisboa 2013: Futuro Perfeito Até 15 Dez E Berlim Alexanderplatz. De Rainer W. Fassbinder Até 15 Dez E A Escala de Mohs Exposição de Fotografia de Jorge Molder Até 23 Mar Museu do Fado Lg. Do Chafariz de dentro 1 Tel 218823470 3ª a Sábado | 10h – 18h E O Fado e O Teatro Até 31 Dez Museu do Oriente Av. Brasilia, Doca de Alcântara Tel 213 585 200 3ª a Domingo | 10h–18h || 6ª | 10h–12h E Tourbillon Exposição de Pintura de Masaaki Miyasako Até 29 Dez Museu Nacional de Arqueologia Pç. Do Imperio Tel 213 620 000 3ª | 14h–18h || 4ª a Domingo | 10h–18h E Religiões da Lusitânia. Loquuntur Saxa Até 29 Dez E O meu Pais através dos teus olhos Até 31 Dez Museu Nacional de Artes Antiga R. Das Janelas Verdes. 213 912 800 3ª | 14h – 18; 4ª a Domingo | 10h – 18h E Obra Convidada: Retratos de Carlos IV, ei de Espanha, e Maria Luisa de Parma, Rainha de Espanha Até 19 Jan
Museu Nacional de Etnologia Av. Ilha da Madeira Tel 213 041 160 3ª | 14h–18h || 4ª a Domingo | 10h–18h E O Museu, Muitas Coisas Exposição permanente Museu Nacional do Azulejo R. Madre de Deus, 4 Tel 218 100 340 3ª a Domingo | 10h – 18h E O Exótico Nunca Está em Casa? A China na Faiança e no Azulejo Portugueses (Séculos XVII-XVIII) até final Jan Museu Naciona de Teatro Estrada do Lumiar 10 Tel 217 567 410 3ª a Domingo | 10h – 18h E O Fado e o Teatro até 30 Dez Museu Nacional do Traje Lg. Júlio Castilho Tel 217 567 620 3ª | 14h–18h || 4ª a Domingo | 10h–18h E Colecções em Diálogo Peças do estilista José António Tenente até 31 Dez Palácio Nacional da Ajuda Lg. da Ajuda Tel 213 637 095 Todos os dias | 10h – 19h Sábado | 10h – 21h || Encerra à 4ª E Evocar D. Carlos até 31 Dez E Exposição de um Berço de D. Carlos Restaurado até 31 Dez Panteão Nacional Campo de Santa Clara Tel 218 854 820 E Lugares e Memórias até 8 Dez Sociedade Nacional de Belas-Artes R. Barata Salgueiro, 36 Tel 213 138 510 2ª a 6ª | 12h – 19h E Juventude - retroprojeção até 13 Dez E Jaime Silva, Exposição antológica Pintura/Desenho 1966-2011 até 30 Dez E Juventude - Projectos até 17 Jan Teatro Nacional D. Maria II Pç. D. Pedro IV Tel 213 250 800 E Lourdes Castro no D. Maria II 6.ª | 15h – 18h || 4.ª a Domingo 30 min. antes
do ínicio dos espetáculos da Sala Garrett até 29 Dez Teatro Nacional de São Carlos R. Serpa Pinto, 9 Tel 213 253 000 5ª a 3ª | 10h – 18h E Noites em São Carlos até 23 Dez Centro Cultural de Belém Pç. do Império Tel 213 612 400 M Madredeus 12 Dez - 21h M Big Band Junior: Tune Up 14 Dez | 21h M Concerto de Natal Com a Orquestra Sinfónica Portuguesa e o Coro do Teatro Nacional de São Carlos João Paulo Santos - direcção musical Programa: Les Béatitudes, oratória de César Franck 15 Dez - 17h M Wagner Verdi 200 Anos Recitais de obras para piano inspiradas em ópera. Por Manuel Araújo, Paolo Baglieri, Ilaria Loarelli, Marina Kan, Evgenya Antonova, Sabine Weyer, entre outros 19 e 20 Dez | 19h M Trio A Piacere Obras de J. Brahms, S. Azevedo e E. Carrapatoso. 22 Dez - 11h
Culturgest R. Arco do Cego, 1 Tel 217 905 155 M Met Opera Live em HD Falstaff De Giuseppe Verdi 15 Dez | 11h e 16h Igreja de São Roque Lg. Trindade Coelho Tel 213 460 361 M Coro e Orquestra Gulberkian Michel Corboz - maestro Programa: Oratória de Natal I - J. S. Bach, Cantanas I, II e III. 16 e 17 Dez|21h30 M Coro e Orquestra Gulbenkian Michel Corboz - maestro Programa: Oratória de Natal II - J. S. Bach, Catanas IV, V e VI 20 e 21 Dez - 21h30 Maria Matos Teatro Municipal Av. Frei Miguel Contreiras 52 Tel 218 438 800 M Adrian Utley Guitar Orchestra 18 Dez | 22h M Mare Almond Alternative Acoustic Chistmas 20 Dez | 22h Mosteiro dos Jerónimos Pç. do Império Tel 213 620 034 M Jovens Músicos, Novos Ouvintes Conservatório de Artes de Loures 15 Dez Palácio Nacional da Ajuda Lg. da Ajuda Tel 213 637 095 M Quartero de São Roque & Quarterteto de Cordas de Sintra 17 Dez | 19h @ Ribeira R. da Ribeira Nova, 44 (Cais do Sodré) T As Ondas Baseado em textos de Virginia Woolf, encenação de Sara Carinhas, interpretação de Cristina Carvalhal, Lígia Roque, Miguel Loureiro, Simão do Vale, Sofia Dinger 5ª a Sábado | 21h || Domingo | 17h e 21h até 15 Dez Casa do Artista | Teatro Armando Cortez Estrada da Pontinha 7 Tel 217 110 895 T D. Quixote Texto de Miguel de Cervantes, encenação de Víctor Linhares, interpretação de Agostinho Macedo, Adriana Pereira, Ana Freitas, Henrique Macedo, entre outros 3ª | 11h (escolas) 4ª a 6ª| 11h e 15h (escolas) Sábado e Domingo | 15h (público) até 29 Dez Maria Matos Teatro Municipal Av. Frei Miguel Contreiras 52 Tel 218 438 800 T We are Your Friends Conceito e interpretação Mara van Vlijmen, Maria Kraakman, Ward Weemhoff e Vincent Rietveld 6ª e Sábado | 21h30 13 a 15 Dez T Lecture for Every One Conceito e texto de Sarah Vanhee em colaboração com Juan Domingoinguez Rojo, Berno Odo Polzer, Dirk Pauwels & Kristien Van den Brande 14 Dez | 18h30 Museu da Marioneta R. da Esperança, 146 Tel 213 942 810 T Bonecos de Santo Aleixo Atores|manipuladores: Ana Meira, Gil Salgueiro Nave, Isabel Bilou, José Russo, Vitor Zambujo 12, 13 e 14 Dez | 21h30
Teatro da Politécnica R. da Escola Plotécnica 58 Tel 961 960 281 T Mary Poppins A Mulher Que Salvou o Mundo Autoria e encenação de Ricardo Neves, interpretação de Ana Valentim, Patrícia Andrade, Rafael Gomes, Vítor Oliveira, Sílvia Figueiredo. 2ª a e 4ª| 19h || 5ª a Sábado | 21h até 14 Dez Teatro da Trindade Lg. da Trindade, 7A. 213 423 200 T Zorro! Texto de Liliana Moreira, encenação de Rui Melo, interpretação de Claúdia Vieira, Manuel Moreira, Tiago Barroso, Inês Mendonça, Soraia Tavares, entre outros Sábado | 16h || Domingo | 15h até 29 Dez T A Noite De José Saramago, adaptação de Paulo Sousa Costa, encenação de José Carlos Garcia, interpretação de Fábio Alves, Filipe Crawford, Joana Santos, João Lagarto, Paulo Pires, entre outros 5ª a Sábado | 21h30 || Domingo | 18h até 29 Dez T Casa O Cultivo de Flores de Plástico Encenação de Rute Rocha, interpretação de Cristina Cavalinhos, José Mateus, Maria D’Aires e PEdro Barbeiros. 4ª a Sábado | 21h45; Domingo | 17h até 22 Dez Teatro Nacional D. Maria II Pç. D. Pedro IV Tel 213 259 800 T Os Juramentos Indiscretos Marivaux, tradução Maria João Vrilhante, encenação de José Peixoto, intrepretação de Adriana Moniz, Carla Chambel, Carlos Malvarez, Jorge Silva, José Peixoto, entre outras 4ª|19h || 5ª a Sábado|21h || Domingo|16h até 15 Dez T A Visita Texto e encenção de Moncho Rodriguez. Espaço sonoro de Narciso Fernandes. Interpretação de Pedro Giestas. Produção Teatro Invisível / ACNF. 5ª a Sábado | 21h15 Domingo | 16h15 12 a 15 Dez T TEIA | Leitura de Contos para a Infância A Fada Oriana Atividade dirigida a famílias com crianças até aos 12 anos, sob coordenação de Lúcia Maria 15 Dez | 11h30 T A Mulher de Porto Pim A partir do conto Donna di Porto Pim de Antonia Tabucchi. Um projeto de Tiziano Ferrari e Fabrizio Montecchi 18 Dez | 19h15 || 19 Dez | 21h15 Tetro Politeama R. Portas de Santo Antão 109 Tel 213 405 700 T Grande Revista à Portuguesa Autoria e encenação de Filipe La Féria, interpretação de João Baião, Marina Mota, Maria Vieira, Vanessa, Ricardo Catro, entre outros. 4ª a 6ª | 21h30 || Sábado | 17h e 21h30 Domingo | 17h até final Dez
11 a 24 de dezembro de 2013
5 IDEIAS//ANÁLISE/ENTREVISTA
jornal de letras.sapo.pt
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO UMA CRÍTICA PROFUNDA AO CAPITALISMO Teresa Toldy
“Por isso, quero uma Igreja pobre para os pobres”, escreve o Papa Francisco no parágrafo 198 da sua primeira “Exortação Apostólica intitulada Evangelli Gaudium (ou, traduzido, A alegria do Evangelho). Este documento não é um entre outros: constitui o programa da Igreja para os próximos anos, como o Papa também diz, logo no primeiro parágrafo. Aliás, mais adiante, no nº25, Francisco afirma que este texto, deve ser entendido “num sentido programático e [com] consequências importantes.” Ora, do que este documento trata é de reformas - palavra, aliás, utilizada frequentemente no texto: reformas dentro da igreja (que o Papa considera “inadiáveis”- nº27) e mudanças na sociedade. Muito haveria a escrever sobre as reformas internas propostas por Franciso (espero poder fazê-lo noutra ocasião). Concentrar-me-ei, contudo, aqui, apenas na crítica profunda que o Papa faz âs sociedades capitalistas, de consumo, e ao próprio capitalismo. E começarei por dizer que me parece importante destacar que o Papa não perspectiva as suas críticas à sociedade capitalista e de consumo no quadro de um pensamento que não pôe em causa o próximo sistema. Por isso, será, no mínimo, redutor e “silenciador” da novidade do documento dizer que Francisco se limita a repetir o que a Igreja, na sua Doutrina Social, diz desde Leão XIII, ou que é “maravilhosó” termos tido uma sequência de Papas que vêm sempre dizendo o mesmo. Perdoar-me-ão o facto deste texto ser tão abundante em citações do documento (1). Faço-o deliberadamente, como um pequeno contributo para divulgar a radicalidade de um pensamento que será, provavelmente, incómodo para alguns (se não muitos), incluindo dentro da Igreja Católica. É que do que Francisco fala é da necessidade de mudar o sistema estruturalmente. Aliás, a referência a esta necessidade aparece cinco vezes no documento, desde logo, numa sequência de “nãos”: “não à economia da exclusão” (nº53), que mata, porque serve a lógica do mais forte, na qual, os exluídos “sobram”; “não à nova idolatraria do dinheiro” (nº55), que nega a primazia do ser humano sobre o consumo (contexto, aliás, no qual o Papa refere a dívida e os seus interesses como impossibilitanto os países de viabilizar as suas economias e destituindo os cidadãos do poder aquisitivo real); “não ao
“Do que o Papa fala é da necessidade de mudar o sistema (capitalista) estruturalmente”
dinheiro que governa em lugar de servir” (nº57), isto é a uma lógica que se esquece de que “não partilhar com os pobres os próprios bens é rouba-los e tirar-lhes a vida”, porque “os bens que possuímos não são nossos, são deles”; “não à iniquidade que gera violência” (nº59), quer dizer, não à violência gerada por um sistema social injusto. Face a tudo isto, o Papa afirma: “a necessidade de resolver as causas estruturais da pobreza não pode esperar” (nº202). E não pode esperar, segundo Francisco, porque “enquanto não se resolverem radicalmente os problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira e atacando as causas estruturais da iniquidade, não se resolverão os problemas do mundo e, em definitivo, nenhum problema.” (idem). É que, na sua perspectiva, a raiz dos males sociais” está nesta “iniquidade” e, nas suas palavras, “já não podemos confiar nas forças cegas e na mão invisível do mercado” (nº204). Em suma: “a economia já não pode recorrer a remédios que são um novo veneno, como quando se pretende aumentar a rentabilidade reduzindo o mercado laboral e criando, assim, novos excluídos (idem). Uma reforma estrutural da economia deverá passar, seundo o Papa
pelo reconhecimento da dignidade humana e do bem comum como os fundamentos para a política económica (cf. nº203). E estas não devem ser meras palavras para embeçezar programas políticos. Por isso, Francisco apela aos políticos para que perspectivem a economia como “a arte de alcançar uma adequada administração da casa comum que é o mundo inteiro” (nº206). O Papa está ciente das implicações locais de uma economia global, mais, afirma que “cada vez se torna mais difícil encontrar soluções locais para as enormes contradições globais” (idem). Por isso, é preciso pensar em soluções e alterações globais, já que “todo o ato económico de envergadura realizado numa parte do planeta repercute no outro” (idem). Ora, segundo Francisco, o crescimento em equidade, portanto, respeitdor da dignidade e do bem comum, exige “decisões, programas, mecanismos e processos especificamente orientados para uma melhor distribuição de acesso, uma criação de fontes de trabalho, uma promoção integral dos pobres que supere o mero assistencialismo” (nº204). Este último aspeto constitui uma outra pedrada no charco - não basta a “caridade à la carte”, feita de “uma soma de
pequenos gestos pessoais dirigidos a alguns indivíduos necessitados”, para “tranquilizar a consciência pessoal” (nº180) Está em causa uma solidariadade que transforma, porque baseada no reconhecmento da “função social da propriedade” e do “destino universal dos bens como realidades anteriores à propriedade privada”. Porque “a posse privada dos bens justifica-se para cuidar deles e acrecentá-los de maneira que sirvam melhor o bem comum”. A “solideriedade deve viver-se como a decisão de devolver ao pobre o que lhe corresponde. Estas convicções e hábitos de solidariedade, quando se fazem carne, abrem caminho a outras transformações estruturais e tornamnas possíveis” (nº189). E este é o ponto em que o Papa compromete todos os crentes. Quero eu dizer: o aspeto “não facultativo”. Mais concretamente ainda: Francisco não faz uma crítica às sociedades actuais como se os católicos estivessem todos do lado “desejável” e as iniquidades “deste mundo” se devessem a uma “vontade de injustiça” assumida apenas pelos não.crentes. Como ele próprio diz: “Não nos façamos de distraídos. Há muito de cumplicidade” (nº211), cumplicidade face à escravidão, ao trabalho clandestino, à prosti-
tuição, ao crime “mafioso e aberrante” (idem), às mulheres que sofrem situações de exclusão, de maus-tratos e violência, às crianças por nascer, ao conjunto da criação (nº212). Mesmo se o Papa reitera a doutrina da Igreja relativamente ao aborto (referindo - o “reconhecimento do valor inviolável de qualquer vida humana” - 2013) e se diz que a Igreja não mudará neste ponto, acrescenta a mesma referência à cumplicidade, quando diz: “Mas também é verdade que temos feito pouco para acompanhar adequadamente as mulheres que se encontram em situações muito duras, nas quais o aborto se lhes apresenta como uma rápida solução para as suas profundas angústias, particularmente quando a vida que cresce nelas surgiu como produto de uma violação ou num contexto de extrema pobreza.” (nº214) E pergunta: “Quem pode deixar de compreender essas situações de tanta dor?” (idem). Este documento programático, por muito que a dureza da sua linguagem custe, inclusivamente a muitos católicos, afirma claramente que o lugar dos crentes ao lado dos pobres não é facultativo - é o sinal de uma fé autêntica: “Uma fé autêntica - que nunca é cómoda e individualista - implica sempre
Também o Papa Francisco e a sua Evangelii Gaudium foram tema na entrevista com o poeta e padre, José Tolentino Mendonça, com responsabilidades na Igreja portuguesa, e mesmo no Vaticano, ao nível da Cultura. Aqui fica essa parte da conversa, complementando o que o leitor encontra nas pp.
UM PAPA REVOLUCIONÁRIO, UMA IGREJA EM DESASSOSSEGO Na sua recente exortação, o Papa Francisco condenou o atual sistema capitalista, o lucro, a ditadura dos mercados, que gera exclusão e violência. Estamos perante uma revolução na Igreja católica? Essa Exortação Apostólica é uma espécie de programa deste pontificado. Já lhe chamaram o ‘Manifesto de Francisco’. Exatamente. É um manifesto que tem duas valências, uma para o interior da Igreja e outra, uma proposta profética, para a sociedade contemporânea. No interior da Igreja é uma espécie de Livro do Desassossego. Em que sentido? Digamos que é um manual para desinstalar e desassossegar a própria Igreja, para a acordar e colocar mais num espírito de missão, ligada ao essencial, à procura da verdade, um espírito de uma desconcertante simplicidade. Penso que o Papa Francisco propõe uma Igreja profética. E em relação ao mundo, é de uma enorme clareza ao dizer que precisamos de um outro sistema de organização da nossa sociedade. Um sistema que privilegie a pessoa humana e não o lucro. O que parece ser a fatalidade dos merca-
um profundo desejo de mudar o mundo” (nº183), isto é, “a Igreja não pode nem deve ficar à margem na luta pela justiça” (idem). Fazer ouvidos surdos ao clamor dos pobres é “ficar fora da vontade do Pai e do seu projecto” (nº187). Solidariedade significa “criar uma nova mentalidade que pense em termos de comunidade, de prioridade da vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns” (nº188). O “sonho” programático de Francisco não se resume a assegurar comida e teto a todos. O seu sonho inclui “educação, acesso aos cuidados de saúde e especialmente ao trabalho, porque no trabalho livre, criativo, participativo e solidário, o ser humano exprime e acrescenta dignidade à sua vida. O salário justo permite o acesso adequado aos outros bens, que estão destinados ao uso comum” (nº 192). O Papa não tem vontade que algum católico se sinta dispensado deste “sonho programático”: “ninguém deverá dizer que se mantém longe dos pobres porque as suas opções de vida implicam prestar mais atenção a outros assuntos” (nº 201). O Papa sabe que “esta é uma desculpa frequente em ambientes académicos, empresariais ou profissionais e inclusivamente eclesiais” (idem). Por
isso, reitera frequentemente, ao longo do documento, que a opção pelos pobres e os frágeis não é uma entre outras para a Igreja - é a opção: a opção teológica, mais do que cultural, sociológica, politica ou filosófica (cf. n° 198). Quer isto dizer que não depende de circunstâncias deste último tipo, mas sim da identidade profunda da Igreja, que ele quer pobre e para os pobres, como se dizia no início. Não bastam “programas de promoção e assistência” (nº 199). É preciso optar pela justiça. Não creio que estas afirmações estejam em linha com as críticas demolidoras de Papas anteriores às teologias da libertação. Parece-me mesmo possível ler nas entrelinhas deste documento uma crítica à crítica e perseguição às teologias da libertação. De contrário, como interpretar estas palavras do Papa Francisco, referindo- se à opção da Igreja pelos pobres, inscrita em textos bíblicos?: “É uma mensagem tão clara, tão direta, tão simples e eloquente, que nenhuma hermenêutica eclesial tem direito de a relativizar. A reflexão da igreja sobre estes textos não deve obscurecer ou debilitar o seu sentido exortativo, mas sim ajudar a assumi- los com coragem e fervor. Para quê complicar o que é tão simples? Os
aparatos conceptuais servem para favorecer o contacto com a realidade que pretendem explicar, não para nos afastar dela. (...) Para quê obscurecer o que é tão claro? Não nos preocupemos só em não cair em erros doutrinais, mas também em ser fiéis a este caminho luminoso de vida e de sabedoria. Porque os defensores da ortodoxia são por vezes acusados de passividade, de indulgência ou de cumplicidade culpável relativamente a situações de injustiça intoleráveis ou aos regimes politicas que as mantêm” (nº 194). Rush Limbaugh, uma das figuras de proa do “Tea Party” já veio acusar o Papa de ser marxista, por criticar radicalmente o capitalismo. Segundo o Huffington Post, corre neste momento uma petição entre os católicos americanos exigindo que Rush Limbaugh peça desculpa. A petição intitula-se: “Te li Rush Limbaugh: We Support Pope Francis”. Até agora, tenho visto pouca reação dos católicos portugueses ao documento. Curiosamente, algumas das que tenho visto, criticam as leituras ao mesmo que realçam a contundência no Papa no apelo às mudanças estruturais que aqui referi. Curioso, no mínimo... JL
dos que nos governam, das lógicas económicas que condicionam todos os povos, toda a existência social, é na realidade uma ditadura contra a qual precisamos de nos rebelar. Aqui a palava do Papa é clara. Se algumas décadas atrás a Igreja tinham que viver um certo equilíbrio, corrigindo os excessos do socialismo e do capitalismo, hoje o lugar de todos os excessos é este mundo mercantilista, que se torna uma lógica dominante, que amordaça e sufoca o justo desenvolvimento, as expetativas legítimas das pessoas e dos povos. E é preciso corrigir isso. É um papa revolucionário ou, como há quem diga, simplesmente a Igreja está a retirar a sua doutrina social da gaveta? No Rio de Janeiro, o Papa disse aos jovens que não tivessem medo de ser revolucionários e penso que esse septuagenário de coração jovem é isso que vive. Numa crónica de O Hipopótamo de Deus, fala da ‘bondade’ do Papa Francisco. É isso que fundamentalmente o define? Se tivesse que o definir com uma única palavra, diria misericórdia. O Papa Francisco é um apóstolo . da
misericórdia, alguém que acredita na força da compaixão. Os seus gestos são impressionantes: Ainda há dias, vi uma fotografia em que ele beija a cabeça de um doente. É uma imagem fortíssima, porque há ali um gesto de ir ao encontro do outro, sem temor, de não desistir de alguém. E não há nada mais revolucionário do que o amor, a compaixão, a misericórdia. Parece um lugar comum, mas é de facto o lugar mais transformador da própria vida. São verdades muito gastas, mas são as palavras inéditas, ainda não ditas neste mundo que já viu tantas coisas. A Igreja tomar a palavra neste tempo de austeridade, de crise é importante? A fé na pessoa, o testemunhar do seu valor, num tempo dominado pelas bolsas e não pelas vidas, pelos corações, é um contributo inestimável que as igrejas oferecem ao nosso tempo. A igreja tem que ser o lugar da defesa do humano e tem que estar ao lado dos últimos, dos mais pobres, dos vulneráveis, daqueles que são considerados descartáveis em termos sociais. Em Portugal, a Igreja está implicada nessa defesa, neste momento? Há uma atenção grande, mas o compromisso tem que ser sempre intensificado. Existe uma rede de proximidade para não deixar cair ninguém, para ninguém ficar de fora. Porque uma coisa é o discurso dos números, abstrato, generalista, outra é perceber o efeito desses números nas vidas concretas, em pessoas que têm um nome, um endereço, uma história, que conseguem ou não ter trabalho, comer uma refeição, sair de casa, ir ao médico, comprar os medicamentos, pensar no amanhã com esperança. O conhecimento da realidade social é qualquer coisa que atualmenle escapa muito ao domínio politico, está mais próximo da Igreja e de outras organizações civis, que trabalham no terreno social. JL MLN
11 a 24 de dezembro de 2013
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TIMES & TEMPOS
HISTÓRIAS DE LISBOA
DE CRENÇAS, MITOS E ÍNDIAS COLATERAIS
Mário Quartin Graça
Onésimo Teotónio Almeida
Publicado na colecção Bouquins da editora Robert Lafonm acaba de ser publicado e apresentadp na Embaixada de Portugal em Paris o livro Lisbonne. Histoire, promenades, anthologie & dictionnaire, realizado sob a direcção de Luis Braz de Oliveira, seguindo-se aos volumes da mesma colecção dedicados a Istambul, Nova Iorque, São Petersburgo e Xangai, estando previsto para 2014 o referente a Berlim Em mais de 1200 páginas de densa mancha gráfica, este livro, apresentado pela sua responsável, em que entre 1979 e 2007 exerceu destacadas funções no Centro Cultural Português de Paris da Fundação Calouste Gulbenkian, em cuja sede em Lisboa trabalha actualmente, e preferenciado por Gonçalo M. Tavares, conta com a colaboração de 22 especialistas portugueses e franceses, todos altamente credenciados nas áreas de arquitectura, das artes plásticas, do ensaio dos estudos portugueses, da filosofia, da história, da literatura, da olisipografia, e das relações internacionais, que oferecem uma panorâmica da história de
O título destas notas, retiradas de um “diário ocasional” onde registo uma “notas bárbaras”, poderia ser: Do mito de Preste João da Índias e de outras estórias, talvez alegoria. Numa travessia aérea até San Diego, na Califórnia, levei comigo um calhamaço de 400 páginas que tinha de ler para o seminário na segunda-feira do meu regresso. Tratava-se de Verdadeira Informação das Terras de Preste João das Índias, do Padre Francisco Álvares. Decidira incluí-lo na lista de leituras do curso sobre Literatura de Viagens, em que os alunos de pós-graduação lêem 13 livro em 13 semanas. Tinha-me parecido um contributo importante para o tema do seminário e arrisquei. Valeu deveras. O Padre Francisco Álvares acompanhou a embaixada enviada por D. Manuel à Etiópia em 1515 com o objetivo de finalmente ser encontrado o Preste João. O livro tem longos arrastos em páginas monótonas e, no entanto, no seu conjunto acaba constituindo uma preciosidade a merecer aturada reflexão. Ficou mesmo anotado para, em futura oportunidade, resultar num ensaio sobre o papel dos mitos. Com efeito, a grande crença na existência do fabuloso Preste João, descende de Nestorianos heresiarcas que se separaram de Roma mas de que os cristãos medievais ouviram tratar-se de portentoso senhor com que conviria muitos estabelecer uma aliança anti-islâmica (tudo começara com uma carta aparecida na Europa em 1165 cujo autor se dizia o Preste), resulta em fim de contas um probletanas cuidadosamente descrito ao longo dessa páginas de Padre Francisco Álvares. Na carta a Dom Manuel, e que próprio Francisco Álvares traduz, o Negus (Preste João, ou um seu senhor) acaba pedindo ao rei português (nessa altura D. João III) o envio de tudo muito mais daquilo que os reis portugueses sempre haviam sonhado obter dos supostamente ricos cristãos da Etiópia – afinal uns coitados que “comem sem toalhas nem guardanapos”, que “não têm medicina”, e vivem numa terra onde “não há pontes nem, de pedra nem de pau”, nem há fontes ne judeus, “não há moeda de ouro nem de prata”, nem se-
Lisboa até aos nossos dias, completada pelos testemunhos de mais de quatro dezenas de viajantes estrangeiros dos séculos XV e XVI, uma dezena de pequenos ensaios de autores contemporâneos sobre a cidade e uma antologia de Lisboa de 80 poetas e prosadores portugueses do século XIX a XXI e de 20 escritores estrangeiros contemporâneos. Além de uma cronologia da História de Portugual, de uma vasta bibliografia de obras generalistas, de história, de contextos políticos, económicos e sociais, de mitos e contextos religiosos e de obras especializadas em arquitectura e urbanismo, e belas-artes, em cinema, e música, em fotografia, em artes plásticas, em artes visuais e em banda desenhada, de guias de viajem e de fontes literárias, e de índices toponímico e onomástico, completam esta obra cerca de 250 páginas de um dicionário de pessoas, de lugares, de instituições e de temas, escolhidos “em função da sua singularidade na grande história cultural de Lisboa”. Com todas as limitações que uma obra deste tipo necessariamente implica, “volume por essência inacabado”, assim o define Luisa Braz de Oliveira, trata-se de um livro que, embora destinado ao público de língua francesa, porque constitui uma vasta e rica panóplia de temas e de dados habitualmente dispersos por várias obras, é de leitura e consulta muito recomendável, mesmo aos leitores portugueses. JL
quer há papel, e só o Preste João sabe escrever cartas. As espadas que têm “não são boas” - apenas conseguiram algumas melhores depois de lá terem chegado os portugueses. “Não há neve” e, embora haja cavalos também, “não são bons”. O Negus pede tudo: “Ouvi senhor Irmão outra palavra, agora quero eu de vós que me mandeis homens oficiais de fazer imagens e livros de molde e de fazer espadas e armas de todo o costume de peleja e assim pedreiros e carpinteiros e homens que façam mesinhas e físicos e cirurgiões para curarem doenças e assim oficiais para bater ouro e assentá-lo e ourives de ouro e prata e homens que saibam tirar ouro e prata de veias e assim cobre e homens que façam telha de chumbo e de barro e mestres de quaisquer ofícios que necessários são nos reinos e assim mestres de espingardas. Ajudai-me no que vos peço como faz irmão a irmão...” Ao fim e ao cabo, era o rei português a fazer de Pai Natal, quando até o Infante D. Henrique, segundo conta Zurara na abertura da sua Crónica
lados que foi esse reconhecimento à George Sorel da força operativa do mito a levar o nosso poeta a conceber aquele que é formulado em Mensage, baseado na crença popular sebastiana. No caso de Preste João, nem o Infante D. Henrique nem D. Manuel chegaram a saber que se tratava apenas de um mito. No caso de Pessoa, porém, ele parece ter credo na possibilidade de ser o único a saber da construção desse “mito racional” do regresso de D. Sebastião, que Mensagem anunciaria como verdade tout court, na esperança de que os portugueses, acreditando a sério, se entusiasmassem e acabassem por, no processo, voltar a descobrir novas Índias. Ora, por que venho eu contar aqui nestas “notas bárbaras”, que são de estórias e não de História? Porque não resisto ao impulso de transcrever uma passagem particularmente mimosa. Francisco Álvares levava entre outros objetivos saber novas de Pêro da Covilhã e Afonso de Paiva, que D. João enviara por terra em cata do Presto João. O padre-viajante acaba sabendo que afonso de Paiva morreu no Cairo,
da Conquista da Guiné, tinha entre as cinco razões mobilizadoras do seu projeto marítimo a busca desse rei dos abexins, e eventualmente de outros reis cristãos na terra do Oriente, a fim de reforçar o poderio cristão do Ocidente contra os mouros, embalado por toda a antiga crença europeia nesse forte e fabuloso braço perdido do cristianismo. O livro de Francisco Álvares refunda e extraordinário exemplo de como um mito pode ter enorme força, capaz de permitir a realização de grandiosos e históricos feitos, porque, afinal, não se tratava senão disso mesmo: um imenso mito que demorou séculos a ser identificado como tal. Mas entretanto os portugueses, na peugada deles, tinham acabado por chegar à Índia. Aí está um exemplo de mito que, não sendo nada, acabou sendo tudo. Ou, pelo menos, mais do que bastante. Fernando Pessoa, por sinal, tinha noção claríssima dessa capacidades das crenças, por mias míticas que sejam. Já tentei, aliás, demonstrar noutros
mas finalmente descobre o paradeiro de Pêro da Covilhã (até confessa o homem que há 33 anos não encontrava um padre para tal efeito). Bom, mas adiante. Um dia, estavam eles ainda na Etiópia, recebem a notícia de D. Manuel. Os emissários de Negus deparam com os portugueses muito desolado e o Preste João (naturalmente o seu sucessor pois séculos haviam passado desde as notícias originais desse nebuloso Preste) manda por eles saber a razão de tanta tristeza. E aqui entra a mimosa resposta do padre Francisco Álvares: “Dizei a Sua Alteza que as estrelas e a lua caíram e o sol escureceu e perdeu a sua claridade e não temos quem nos cubra, nem quem nos ampare, nem pai nem mãe que por nós seja, senão Deus que é pai de todos. El-Rei D. Manuel Nosso Senhor é falecido d vida deste mundo e nós ficámos órfãos e desamparados. Começámos nosso pranto e os frade de foram.” Digam lá se não é um bonito choro. JL
PARALAXE
DEUSES PRECIPITADOS Afonso Cruz Quando chegámos ao acampamento chimane, era preciso atravessar um rio. Havia uma canoa na outra margem e as águas eram castanhas, opacas. -Sabes nadar? - perguntou-me o Alberto. -Sei - respondi eu, mas não me levantei. Continuei onde estava, sentado no chão. Ele despiu-se e mergulhou para ir buscar a canoa, mas levantou-se de imediato: a água dava-lhe pelos joelhos. O Alberto escancarou a boca desdentada, e insultou o rio enquanto o socava, furioso, aos berros. Depois, tirou um sabonete e aproveitou para tomar banho. Quando entrámos na primeira casa, de madeira e terra, estava lá uma índia a tecer, conversaram os dois, enquanto eu observava tudo aquilo que me rodeava. quando me virei, quase bati com o nariz numa mão que saia de um saco de tecido. Era pequena como de uma criança e estava seca. Fiquei uns segundos a olhar para os dedos enrolados, para o pulso torcido, e conclui, avaliando a proporção dos ossos, de que deveria ser de macaco. Dirigimo-nos á maior casa de todas, onde era hábito as pessoas da tribo se reunirem. As mulheres jovens, à minha chegada, desapareciam e só se ouvia os seus risos por detrás das estacas que eram as paredes das construções. As mulheres mais velhas estavam a
CADERNO DE SIGNIFICADOS
INCÊNDIOS FLORESTAIS Tiago Patrício Uma cidade começou a ser construída no meio de uma floresta e durante muitos anos, os habitantes esforçaram-se por ampliar a pequena clareira inicial e afastar as árvores maiores para longe das casas e domesticar outras para as avenidas e parques urbanos. Ao longo do tempo, a cidade tornou-se tão grande, que a floresta perdeu importância e, dos seus antigos perigos, o riso de incêndio era aquele que menos preocupava os habitantes. Havia camiões cisterna, helicópteros e várias corporações de bombeiros prontos para qualquer incêndio que ocorressem dentro da cidade. Num certo dia de verão, uma nuvem de fumo foi avistada numa das colinas. Era aquilo a que se podia chamar: um
churrasco no campo e não pareceu importante enviar forças de intervenção. Só ao final da tarde, quando o fogo chegou aos limites da cidade e entrou pelos bairros periféricos é que as autoridades decidiram combater as chamas que, animadas pelo vento, contagiavam os arbustos e as árvores mais antigas infiltradas na cidade. Quando o Presidente foi avisado do que estava a acontecer, foi à televisão dizer que as árvores eram as culpadas e que era preciso acabar com todas as que existissem na cidade. Depois daquele apelo, os habitantes organizaram milícias para abater as árvores dos parques e das avenidas arborizadas. As poucas pessoas que tentavam conter as chamas obedeceram às ordens do
Presidente e trocaram a tarefa de apagar incêndios pela de lenhadores. A violência contra as árvores passou a ocupar o pensamento de todos e no dia seguinte ao anúncio, o fogo alastrou à central elétrica, o que impediu os habitantes de ouvir mais apelos do Presidente, mas não de continuar a usar serras mecânicas enquanto a cidade ardia alimentada pela fúria contra as árvores. JL
fazer chicha. è uma bebida fermentada, como a cerveja e o vinho. As mulheres mastigam a yuca e cospemna para um recipiente onde fermentará com a benção dos deuses. Mitsha e Duik, uma espécie de dióscuros, deuses e irmãos, se estivessem por ali, beberiam connosco. Entretive-me a falar com os poucos que falavam qualquer coisa de espanhol. As mulheres mais novas continuavam escondidas e havia crias de porcos selvagens a roçarem-se como gatos. Um índio, com um dedo, fazia-lhe festas na barriga e os bacorinhos rebolavamse no chão. Uma mulher aproximouse com uma criança de colo e outra agarrada à mão. Parou a uns cinquenta metros do lugar onde eu estava. A criança mais velha escondia-se atrás dela. Ficaram parados um ou dois minutos e depois voltaram para trás. Um rapaz, adolescente, veio-me mostrar um arco, umas flechas, enquanto o Alberto traduzia: -É para matar macacos. As flechas eram muito leves e pareciam inofensivas, com umas pontas amarradas que pareciam de cana, cortadas em bisel. Mostrou-me a árvore donde se tirava o veneno. Mostrou-me outras plantas. Uma fazia uma espécie de gesso e endireitava ossos, outra deitava-se no rio e os peixes morriam. Era um bom método de pesca. Outra planta era contraceptiva e havia tam-
bém o palo diablo, uma árvore direita e fina, insuspeita, com uns espinhos pouco ameaçadores, mas que podia matar. Bastaria que, incauto, adormecesse junto ao tronco que serve de casa a formigas vermelhas. - Morde esta raiz-disse-me o Alberto. E eu mordi. Segundos depois não sentia a boca. Era um anestesiante. - Há tempos uma mulher veio cá e levou uma amostra para estudar. Eu não disse nada, porque a minha boca estava transformada em cortiça. - Morde esta raiz- disse-me o Alberto. Já chega, disse eu com as mãos e com as poucas palavras que me saíram pelo meio da cortiça. -Levou outras plantas para estudar, mas nunca mais voltou. Percebi que Mitsha e Duik, os deuses irmãos, formavam uma unidade chamada Jen. Soube que Mitsha era como Prometeu e Duik como Epimeteu. Ou como Jacob e Esaú. O segundo fazia enquanto que o primeiro pensava. E assim, Mitsha criou os homens, muito precipitadamente, como se pode ver. No meio disto tudo, há uma força cósmica chamada masha. que mantém coeso, com todas as injustiças, o céu em cima e os pobres em baixo, o homem a voltar ao pó e o pá a fazer-se homem, o ar a carregar as palavras e as canções. E também aprendi que os brancos chamam haiba: mentiroso, desonesto. JL
11 a 24 de dezembro de 2013
Rio de Janeiro segunda, 2 de dezembro Nublado ao aterrar, sete da manhã. Portuguesas amigas de uma amigo despertam-me na fila do passaporte. Nunca estiveram no Rio de Janeiro, vêm para uma semana de férias (sugiro chorinho em Laranjeiras, samba na Ouvidor, trilha da Praia Vermelha). Tem semana que não pára de chover mas não seria logo esta, digo, como quem já vai para o quarto verão no Rio. Isto, quando após uma hora na fila não sei nem se posso reentrar no país porque a polícia federal me mantém registada com um “n” a mais. O policial folheia o passaporte e sai do guichê, deixando-me naquele suor dos ilegais. Depois volta, senta, carimba (dezembro, últimas pitangas!) - e eu passo. Diana, argentina quase carioca, vai alugar-me um quarto para ajudar na renda. Isto não acontecia a uma professora de literatura à beira dos 40, agora acontece a muita gente que ela e eu conhecemos. Rio-Copa-Olimpíada quer dizer rendas de TóquioLondres-Nova-Iorque, com a diferença de que no Rio desabam casas na chuva. O apartamento de Diana fica em Laranjeiras, bairro contíguo ao Cosme Velho onde morei 26 meses (contados um por um, a ver se não acabavam). Então a minha nova rua é uma velha conhecida, um dos protagonistas do romance que estou a escrever até lá mora, ou seja, estou a mudar-me para onde ele já morava na minha cabeça. E, vendo de relance, nada parece ter mudado: a porta das traseiras que diz: serviço e zelador. terça, 3 de dezembro Nunca tinha dormido num primeiro andar sobre a rua. Como as janelas tÊm de estar abertas para eu me manter viva algures entre os 40 e os 50 graus, a rua fica dentro do quarto, incluindo corridas de skate. Em compensação, porque é asfalto e não há mosquitos, mantenho o meu sangue quente. Mas, igual ao Cosme Velho, a água no ar irriga tudo, sangue, pele, cabelos, um escândalo. O sol bate na secretária (cercada pelos caixotes de uma casa que agora têm de caber num quarto). Desço ao Catete, compro pano para cortinas e quarteirões do palácio onde Getúlio Vargas deu um tiro na cabeça. A senhora da retrosaria telefona à costureira vizinha, vou lá com o pano cortado, baínhas para amanhã. Isto é o Rio como se não houvesse Copa nem Olimpíada: retrosarias, costureiras, chaveiros que aparam o varão com uma serrinha e depois dizem: - Não aceito pagamento. Quando a senhora precisar de bombeiro, canalizador... Chuveiro-bombeiro-canalizador, seu Josué. Quanto a nomes, o Rio é sempre épico. Logo adiante, um polícia pára a mota no vermelho. Leio no capatece dele: Sgt Werther. Tomo café no passeio por baixo da minha janela, um balcão, duas mesas,
DIÁRIO UM QUARTO DE VERÃO Alexandra Lucas Coelho Alexandra Lucas Coelho, 45 anos, jornalista e escritora, atualmente a residir no Brasil. Autora dos livros Oriente Próximo, Caderno Afegão, Viva México, Tahrir e Vai, Brasil!. O seu primeiro romance, E a noite roda, acaba de ser distinguido com o Grande Prémio da APE. Está a escrever um novo romance, que terá como título Deus Dará. máquina de expresso. Custa mais de um euro: três reais e meio. No café em frente, quatro reais, e o café é pior. Enquanto espero que o meu esfrie, o homem ao lado abraça o seu cão, um boxer: - Essa raça é supercarinhosa. Amor tem para tudo, basta ficar vivo. Voltei, voltei/ já chegou quem lhe socorre/ já lhe avisei/ que por falta de amor/ você não morre, canta o meu melhor amigo à mesa do Braseiro. Não nos víamos há três meses, quando saí do Rio, almoçamos uma picanha. A canção é de Jair de Cavaquinho, a propósito do nosso melhor assunto. Ele, dedicado amador, diz: - Falta de medo é isso, um gajo saber que o amor é sempre vitorioso. Muito delicada a força do olhar, uma marionete. As caipirinhas cumprem a sua rápida inclinação mas o garçon Araújo corta o vazio co um cheirinho de cachaça mineira. - O dono aqui também é português. Quantas vezes não ouvi isto. Morar numa cidade é poder dizer quantas vezes. E quase nunca vi o Braseiro tão tranquilo que dá papo com o garçon Araújo, saber que mora lá em Rio das Pedras, favela de milícia. Quando ele traz a conta tudo já subiu. - Picanha a 94 reais, seu Araújo? - E sabe quanto tá uma cerveja na comunidade? Seis reais e meio. Comunidade é favela. Seis reais e meio é mais de trêm euros. - Na Copa vai tar a oito quarta, 4 de dezembro Diana deixou na cozinha o dinheiro para a água mineral, eu fiquei de abrir a porta ao moço. O moço, negro, chega a pingar do calor, garrafão ás costas. Parece uma cena de O Som ao Redor (o último grande filme brasileiro que vi, e pode ser visto agora em Portugal). A diferença é que este moço, além da água, não traz maconha. No Brasil tudo chega ao domicílio. Já fiz duas mudanças com seu Manuel. Desta vez está ocupado, passame um garoto, o Val. Combinamos no prédio da Gávea onde estão os meus derradeiros caixotes. Val vem com o primo Vinicius e um olho negro. -Fui agredido no trânsito. Carregamos a carrinha em minutos.
Depois, os três no banco da frente (eu a meio), demoramos uma hora da Gávea a Laranjeiras, coisa que à noite também se faz em minutos. Val truxe a furadeira para montar o varão da cortina, mas uma a uma as brocas entortam. Ele oferece-se para voltar de noite, lá da periferia, com uma broca nova. Quando volta são 11 da noite, ele e Vinicius, para segurar a escada. O Nano, filhinho bilingue da Diana, nunca viu tanta animação neste quarto. E fala comigo em espanhol, porque acha que eu não falo português. quinta, 5 de dezembro Passo o dia a desencaixotar, aquilo do Rossio na Betesga. Ao fim da tarde desço ao Largo do Machado entro na Livraria Galileu em cima do fecho, levo o último Grande Sertão: Veredas que reservei de véspera, um presente. Juntos apanamos o metro, vamos, a um debate na Caixa Cultural ouvir um amigo. Às nove da noite o debate está um novelo mas o sindicato não transige, hora de fecho. E quem, por isso, vai já apanhar um taxi agradeça ao sindicato. Eu volto ao metro,
depois entro num ônibus, o que demora o tempo de uma pinga virar dilúvio. Quando salto na minha paragem, a berma é um caudal, com chuva a jorrar em cortina. Faróis desfocados, gente aos gritos, golpes de vento. Fico na paragem, achando que já é sorte se uma árvore não cair. Meia hora depois só está mais forte. Nisto vem-me a imagem dos dois janelões que deixei abertos no quarto, mesmo ao lado do computador. Então faço o que nunca antes em três anos de Rio, nem quando cobri as crixurradas de 2010 entre centenas de mortos: desato a correr contra a chuva, contra toda a água que desce do morro e transborda dos esgotos, sandálias a sair dos pés, pernas nuas, tentando não pensar no vidros, nos arames, nas pedras, na urina de rato que dá leptospirose, tudo o que as chuvas trazem. Correr num caudal, quase às cegas, é mesmo o que um carioca não deve fazer, a não ser, claro, que tenha um romance num computador, além do grande sertão contra o peito. Entro pelo quarto como se viesse do mar: a cortina nova faz de corta-água, ensopada. E o romance, como o sertão, intacto.
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sábado, 7 de dezembro De madrugada chegaram os camiões para instalar a feirinha onde vim tantas vezes e agora está na esquina. Às sete parece o Maracanã na minha cama. O jeito é sair, comprar espardos verdes, alface àquela senhora portuguesa. Vou ter com um amigo a um festival no Parque Lage. Guitarras em distorsão a meio do bosque: Arto Lindsay, mais amplificadores, cantando em brasileiro, o Rio descolado em pé e no chão, garotos de barba, garotos de óculos (virou cool). Lá dentro, em volta da piscina, amigos falam do dinheiro que não vai haver para cultura por causa da Copa. No terraço, um sofá em meia-lua frente a um ecrã de nus sobrepostos, cubistas. O meu amigo Marcio (Debellian, que está a dirigir um documentário com Maria Bethânia e cleonice Berardinelli a dizerem Fernando Pessoa) sonha com um revéillom feérico aqui, entre a piscina e o bosque.
domingo, 8 de dezembro Leio a crónica semanal de Caetano, ele chora duas mortes, Fauzi Arap e Nelson Mandela. Nunca me cruzei com Arap. Quanto a Mandela, estive sexta, 6 de dezembro em Robben Island, lá na prisão. SemUm jacaré de madeira para o filho pre me obcecou o comportamento dos novo de uns amigos. Jantamos no enclausurados, horror de ceder na Horto, onde quase morei, velhas vilas tortura, de não estar à altura. Penso operárias, agora alto pé direito. As ma- que no que Primo Levi testemulhou, nifestações acalmaram, o que ficou? esperar a morte ao lado para lhe ficar Diz o meu amigo: a tensão que não com o pão. Mandela na prisão (como havia no Brasil. outros, tantos anònimos) estende a outra ponta do especto, tudo isto é um homem.
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