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Estilo Acolhimento, a nova etiqueta social
Autora de vinte livros, Claudia Matarazzo ensina sobre comportamento nesta era de transformações: relacionar-se de forma agradável para que os vínculos não se percam
ACOLHIMENTO, A NOVA ETIQUETA SOCIAL
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Por Juliana Eichler Fotos JP Rodrigues
Lembre-se da época das grandes monarquias no mundo: bailes elegantes, mesas postas com inúmeros tipos de talheres, taças, pratos. O comportamento era impecável à frente de outras pessoas. Como uma tradicional família italiana, os Matarazzo, que embarcaram do continente europeu diretamente para a cidade de São Paulo, seguiam muitas dessas normas de conduta. E foi com uma série de regras como essas que, na década de 1960, cresceu Claudia Matarazzo. Os caminhos que trilhou em sua vida a levaram até onde ela se encontra hoje: jornalista especializada em etiqueta, com passagens por renomados veículos de comunicação brasileiros, além de escritora e chefe do Cerimonial do Governo do Estado de São Paulo. Porém, diferentemente do que muitos podem imaginar, o que a fez falar sobre comportamento de forma geral não foi o fato de fazer parte de uma família tradicional, mas sim ter convivido com diferentes culturas ao longo de sua vida – estudou em uma escola bilíngue na capital paulista.
Hoje, aos 64 anos, ela vê essa experiência como uma das responsáveis pela escolha de sua carreira. “Eu convivia em meio a pessoas com maneiras e hábitos completamente distintos e, para mim, era muito natural aprender o jeito de cada um”, explicou, em entrevista à GPS durante passagem por Brasília.
Claudia esclarece: etiqueta não é somente saber em qual taça servir determinada bebida, por exemplo, é a linguagem universal das culturas, uma maneira de se relacionar de uma forma agradável para que os vínculos não se percam e as relações evoluam. Inicialmente, era baseada em três pilares: bom-senso, naturalidade e afetividade. “Mais importante do que se preocupar com a maneira certa de manusear um talher, é saber deixar o outro confortável física e emocionalmente”, destaca. “É a etiqueta do acolhimento”.
Tais normas mudam à medida que os anos passam e se adaptam de acordo com a evolução da sociedade. Em uma retrospectiva em meio a uma conversa descontraída, Claudia revê as diversas fases que a população mundial já viveu: “Houve uma grande revolução de costumes no final dos anos 60 e início dos 70”, introduz, com seu forte sotaque paulista. “Nessa época, o mundo era todo certinho, parecia um filme de ‘Sessão da Tarde’”, comenta. Havia uma hierarquia dentro das famílias e nos ambientes corporativos.
Veio então a icônica cultura hippie. “O mundo virou de cabeça para baixo, nunca mais foi o mesmo”, acredita. Essa ebulição durou cerca de 15 anos e deu lugar à geração YUP (young urban professional: jovem profissional urbano, em tradução livre), que surgiu com Wall Street. Os trabalhadores dessa época cresceram em um cenário em que liberdade era moda, e isso impactou diretamente no comportamento dentro dos ambientes corporativos.
“Chefe? Dresscode? RSVP? Ninguém sabia o que era isso, a etiqueta era algo careta”, ressalta. “Era uma geração com jovens ambiciosos, mas que não se portavam como profissionais e, por isso, precisavam de orientação”, analisa.
Transformar hábitos em carreira
Nascida em São Paulo, casada há 34 anos e mãe de uma única filha, Valentina, de 24 anos, Matarazzo conta que sua relação com essa série de protocolos comportamentais nem sempre foi das melhores. “Eu achava tudo isso muito chato”, confessa, aos risos, relembrando as reviravoltas em sua vida – e com uma postura na poltrona sempre impecável.
E ela só foi enxergar que esses hábitos poderiam se tornar algo mais do que uma tradição de família quando recebeu a proposta para escrever um livro sobre a temática. Etiqueta sem Frescura foi lançado em 1995 e tornou-se um verdadeiro sucesso no País. “Percebi que a ‘coisa do sem frescura’ era muito importante, porque as pessoas queriam saber mais sobre o assunto e se relacionar melhor, mas não queriam que fosse complicado”, comenta. “Etiqueta já é um assunto de que as pessoas geralmente têm medo, então tento evitar que elas criem uma barreira antes mesmo de conhecerem mais”.
Desde então, já foram lançadas vinte publicações em diferentes nichos, como casamento e comportamento na internet, até a sua mais recente, Mesa Brasileira, que fala sobre a rica culinária do País. “Quando você começa a lidar muito com o assunto, percebe que há uma série de ramificações”, explica.
A revolução da informação
“O mundo virtual mudou tudo”, avalia Matarazzo. Ela analisa que, do ponto de vista comportamental, muitos ajustes precisaram ser feitos a partir do momento em que surgiram a internet e os primeiros celulares. Assim como em 1970, essa nova era revolucionou novamente os costumes da sociedade, que, agora, tem acesso à informação mais fácil e rapidamente.
Apesar de a criação do ‘world wide web’ ter trazido inúmeros benefícios para a população mundial, Claudia acredita que, por causa do turbilhão de informações diário, hoje em dia tem-se mais pressa, as relações interpessoais são mais rasas e informais, e os indivíduos, mais ansiosos. “Antigamente, as pessoas tinham vínculos profundos, amizades sinceras. Agora, elas têm seguidores”, lamenta.
Nesse cenário de ansiedade e que, na opinião de Matarazzo, torna as pessoas mais afobadas e deseducadas, ela passou a ser requisitada para palestrar sobre administração do tempo e tempo de qualidade. “As pessoas acham que não dão conta de nada e eu digo que não é bem assim! O mundo não acaba se você pisar no freio”, destaca.
Com a propagação da informação, houve também a defesa do lutar da população feminina no mundo, mas ainda há muito por que lutar. Claudia destaca que desigualdade salarial, tarefas domésticas e desvalorização da profissão são alguns dos fatores que atrapalham a ascensão feminina no mercado de trabalho, independentemente do ramo. “Mas não vamos reverter o quadro partindo para briga com os homens ou nos amargurando”, ressalta. “O que temos que fazer é não perder o foco e lembrar que precisamos continuar sempre no exercício de valorizar as pequenas conquistas do dia a dia”, diz.
A pandemia
Mais uma vez, mudam-se os hábitos e os costumes da sociedade. O surgimento do coronavírus e a consequente declaração de uma pandemia fizeram com que todos desacelerassem o ritmo corrido e olhassem mais para dentro de si e de suas casas. “Foi um momento para parar e repensar o jeito de viver, de se comunicar e até de se relacionar com o outro”, acredita.
O ambiente corporativo também foi fortemente afetado com a crise, e o mundo foi obrigado a lidar com o home office, com as videochamadas e com os novos comportamentos que a nova realidade, agora à distância, exige. A etiqueta precisou, então, se adaptar aos moldes atuais e ditar diferentes regras.
O assunto tornou-se o principal tema das palestras de Claudia nos últimos anos, e a jornalista e especialista em etiqueta compartilha valiosas dicas para cultivar boas relações neste período. “Tom, voz e expressões faciais não enganam. Só assim sentimos a pessoa, percebemos suas características e personalidade”, conclui. Só assim mantemos a máxima da etiqueta social: o acolhimento.
Claudia Matarazzo usa a tradição familiar para orientar novas geraçōes
Dicas de etiqueta para o mundo atual
• Não faça virtualmente o que você não tem coragem de fazer ou falar presencialmente • Sempre que possível, valorize o contato pessoal, o “ao vivo e a cores” • Entenda que interagir é diferente de se comunicar: comunicar-se é aprofundar um vínculo, um raciocínio • Confie na sua intuição • Entenda que você não é obrigado a dar conta de tudo
@claumatarazzo www.claudiamatarazzo.com.br