Número 71 | Setembro / Outubro 2021
Revista Bimestral | Diretor: Bruno Farias | Preço: 6€
A REVISTA DOS NEGÓCIOS DA DISTRIBUIÇÃO
Retalho | Indústria | Consumo | Análise | Logística | Tendências
“Foi um grande erro convencer-nos de que o cliente só queria preço" Em 2021, a C&A assinala 180 anos e completa três décadas de operação em Portugal, mercado onde se estabeleceu, em 1991. E se muito mudou nestes 30 anos, há princípios e valores que continuam a nortear a sua atividade e dos quais não abdica, como o forte pilar da sustentabilidade. Que não é apenas ambiental, mas também financeira e do próprio negócio. Ou, como nos sublinha Domingos Esteves, diretor geral de Espanha e Portugal da C&A, sem se gerar capital, não há como investir e manter postos de trabalho. É este o paradigma que a C&A quer continuar a consolidar para o futuro: para comprar melhor, o cliente não tem necessariamente de pagar mais. É o primado do preço justo e correto.
Domingos Esteves,
Diretor geral Espanha e Portugal C&A
APLOG
COVIRAN
SOGEVINUS
logística em análise
PATRO CONTRERAS E O FUTURO
Sergio Marly em entrevista
Raul Magalhães, presidente da APLOG,
Patro Contreras, presidente da direção da
A aposta no lançamento da gama São Luiz
aborda os desafios e oportunidades da
Coviran, analisa a evolução da insígnia em
foi o mote para a conversa com o CEO
logística no rescaldo da reabertura da
Portugal e a importância da proximidade
da Sogevinus Fine Wines, Sergio Marly
economia
na evolução do comércio
Caminal
2 Grande Consumo
3 Grande Consumo
Editorial Que o admirável mundo do retalho é complexo, ninguém duvida. Que está em profunda mudança, creio que só muito dificilmente se poderá afirmar que os valores de hoje e de amanhã são aqueles que prevaleceram no passado. Se a preocupação com os plásticos e a poluição dos oceanos rapidamente foi superada pela galopante, invisível e, sobretudo, desconhecida Covid-19, a nível do retalho, muito se coloca em causa o papel das lojas físicas, mas ainda mais do formato big box, à medida que a proximidade se apresenta, qual fénix renascida, como o canal onde se quer estar, abrindo disputa intensa pelas melhores, e mais baratas, localizações, sobretudo a nível do tecido urbano das principais cidades nacionais. Seja para fundear operações de comércio eletrónico, para marcar uma posição frente à concorrência ou prestar um melhor serviço ao consumidor. À crise económica que se vai anunciando com pouca discrição, o impasse político surgido apenas vem confirmar que, tal como o almirante Gouveia e Melo sublinhou, “os portugueses não podem estar à espera de um Dom Sebastião”. Que é como quem diz, têm que ser os que querem fazer algo pelas suas empresas, e honrar os compromissos assumidos com os diversos stakeholders com que se relacionam, a levar a cabo a sua missão empresarial sem esperar ajudas, ou maior definição, de um Estado cada vez mais dependente da captação de impostos e incapaz de gerar riqueza e emprego por si mesmo. Quero acreditar que menos Estado significará, sempre, mais empresa, mais iniciativa própria, que somos, e isso profundamente acredito, capazes de fazer tão bem ou melhor do que os outros, apresentando rácios de desempenho superiores, ou equivalentes, com muitos menos recursos. Um profundo traço da portugalidade que nos une. Essa dinâmica, essa vontade, é, uma vez mais, expressa numa edição da Grande Consumo, onde damos conta de diversos projetos, de diferentes âmbitos, de dimensões distintas, mas com a crença partilhada de que é possível fazer melhor, enfrentar o momento e preparar o futuro, para se ser melhor amanhã do que se é hoje. Fomos para a rua falar com pessoas, gravar entrevistas, captar momentos em fotografias, ouvir as histórias nos locais onde se desenrolam. Dispensámos as plataformas de videoconferência sempre que possível, trocámos as entrevistas por e-mail pelas longas gravações de áudio, fomos, uma vez mais, ao terreno contar as perspetivas de todos aqueles que fazem deste complexo, mas admirável, universo “um mundo sem fim” de (boas) histórias para contar. Dos 30 anos da C&A, numa das últimas entrevistas de Domingo Esteves, igual a si mesmo, ao leme da operação ibérica da empresa de moda, à aposta da Montalva e da Primark na sustentabilidade, com metas bem definidas e produtos desenvolvidos a pensar num amanhã que tem que ser defendido hoje. Das ambições da Sage Appliances na promoção da terceira geração do café e da Coviran para o futuro da sua operação nacional à carreira de Nuno Pinto de Magalhães, recentemente nomeado presidente do conselho de administração da Sociedade Central de Cervejas. Dos 10 anos da AdegaMãe a transformar o panorama dos vinhos de Lisboa à aposta da Sogevinus na promoção dos vinhos DOC Douro, com a introdução no mercado da Quinta São Luiz. Das ambições da IPP para Portugal à complexidade da logística do presente e do futuro pela voz do presidente da APLOG, Raul Magalhães. Muitas são as histórias que temos para contar e que, uma vez mais, dão conta de um mundo em mudança. Nos hábitos de consumo, nos canais de comercialização, na frequência da compra, no modo como a logística, e não só, tem que evoluir para ser parte integrante, e natural, de um mundo que quer ser melhor, mais harmonioso e que exige aqui e agora, sem com isso aumentar a pegada carbónica ou dispensar o delivery. Mudanças de mentalidade, de paradigma, de rumo nalguns casos, em mais uma edição da Grande Consumo. Esperemos que vos dê tanta satisfação a ler como a nós a fazê-la.
Bruno Farias brunofarias@grandeconsumo.com
4 Grande Consumo
5 Grande Consumo
24
74
A Primark delineou uma nova estratégia, até 2030, com a qual quer liderar o movimento em direção a uma moda mais sustentável. Nelson Ribeiro, head of sales da Primark Portugal, explica as metas a atingir
42
Para o Grupo Montalva, a preocupação com a defesa do meio ambiente é
Rui Neves, Business Development Manager do Sul da Europa na Sage Appliances, aborda os objetivos da entrada da marca em Portugal, mercado que considera de muito apetecível dada a ligação dos consumidores com o café
incontornável. Luís Rodrigues, CEO do Grupo Montalva, detalha o desenvolvimento desta estratégia de sustentabilidade integrada
Índice 6
Grande Consumo
90
Nova imagem, novos rótulos e novos vinhos são alguns dos destaques dos 10 anos da AdegaMãe, abordados pela voz do seu CEO, Bernardo Alves, que faz uma retrospetiva do passado e antecipa alguns pontos do futuro da marca
120
80
Sergio Sanz, Country Director para
Ao fim de 47 anos ao serviço da
Espanha e Portugal, e Ana Ferreira,
Sociedade Central de Cervejas e
diretora de vendas e de customer
Bebidas, Nuno Pinto de Magalhães
service da IPP, analisam a expansão para
foi eleito presidente do conselho de
Portugal, inserida num movimento lógico
administração da cervejeira nacional
de uma empresa que ambiciona crescer, a
detida pelo Grupo Heineken
Propriedade e Editor: Carina Inês Rocha Rodrigues Nacionalidade: Portuguesa Avenida do Parque, N.º 65 R/C B, 2635-609 Rio de Mouro Diretor: Bruno Farias E-mail: brunofarias@grandeconsumo.com N.º Registo na E.R.C. – 125 837 Depósito Legal – 306507/10 Sede de Redação – Avenida do Parque N.º 65 A, 2635-609 Rio de Mouro Redação - Avenida do Parque N.º 65 A, 2635-609 Rio de Mouro Tiragem média – 5.000 Exemplares Periodicidade – Bimestral Impressão – Lisgráfica - Impressão e Artes Gráficas S.A. Estrada de São Marcos, N.º 27 2735-521 - Agualva Cacém Chefe de Redação - Carina Rodrigues carinarodrigues@grandeconsumo.com Colaboradores – Bárbara Sousa barbarasousa@grandeconsumo.com Paginação – Carlos Ascenção carlosascensao@grandeconsumo.com Departamento Comercial: 218 208 793 - geral@grandeconsumo.com Estatuto Editorial disponível em: https://grandeconsumo.com/estatuto-editorial/ www.grandeconsumo.com
nível europeu
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7 Grande Consumo
EUA
Walmart prepara um serviço de compras por mensagens de texto
A compra conversacional continua a ganhar espaço no sector retalhista. Desta vez é a Walmart que está a desenvolver um projetopiloto para promover a experiência conversacional de cliente. A iniciativa, que está a ser testada na sua incubadora de tecnologia Store Nº 8, permite que os clientes adicionem produtos à sua lista de compras por mensagem de texto. O projeto, chamado Walmart Text to Shop, vai ser testado em versão beta com clientes de determinadas áreas selecionadas dos Estados Unidos, com o objetivo de saber quando e como preferem fazer uso desta experiência de conversação.
PORTUGAL
Sonae MC investe 50 milhões na distribuição
Com 235 mil metros cúbicos, o novo edifício do Centro de Distribuição da Sonae MC, na Azambuja, é o maior entreposto refrigerado em Portugal. O projeto resulta de um investimento da Sonae MC na expansão dos entrepostos da Azambuja e da Maia, este último previsto para 2022, em cerca de 50 milhões de euros, entre estrutura e equipamentos. A expansão do Centro de Distribuição da Sonae MC na Azambuja criou mais 300 novos postos de trabalho e vem aumentar a capacidade e a rapidez de abastecimento às lojas Continente da região Centro e Sul do país. Com um total de 70 mil metros quadrados, permite receber e armazenar produtos do país inteiro, sem perderem a frescura, e distribuí-los por todo o Centro e Sul de Portugal Continental, Madeira e Açores. Diariamente, saem mais de nove mil paletes de produtos para abastecer as lojas Continente.
FRANÇA
Carrefour estuda usar língua gestual nas suas lojas
O Carrefour França anunciou um plano de ação para oferecer a melhor experiência possível aos seus clientes surdos e com dificuldade de audição. O retalhista está a lançar uma campanha de sensibilização e formação do seu pessoal de loja em Língua Gestual Francesa (LSF). A iniciativa insere-se nas ambições do grupo em criar um ambiente inclusivo nas suas lojas. Recentemente, implementou as horas silenciosas para pessoas com autismo. O plano de inclusão consiste em quatro elementos que o retalhista seguirá para criar uma experiência mais acessível para todos. Todos os colaboradores serão encorajados a aprender os 10 sinais para acolher adequadamente uma pessoa surda ou com dificuldades de audição na loja. As 10 expressões que serão aprendidas são ‘olá’, ‘sim’, ‘obrigado’, ‘bem-vindo ao Carrefour’, ‘por favor’, ‘siga-me’, ‘recibo’, ‘está tudo bem?’, ‘Cartão de fidelidade’ e ‘adeus’.
Intermarché testa a compra sem caixas com o lançamento de cesto inteligente
8 Grande Consumo
O Intermarché iniciou um projeto-piloto numa das suas lojas com a insígnia Relais, em Paris, com um cesto de compras inteligente. A startup francesa Mo-Ka desenvolveu um cesto equipado com câmaras instaladas na pega, capaz de registar todos os produtos removidos das prateleiras graças a uma combinação de tecnologia de processamento de imagem e inteligência artificial. Os servidores da loja comunicam com os cestos através de Wi-Fi e, depois, analisam as imagens para as transformar numa lista de compras. Para pagar, o cliente pode escolher entre uma experiência totalmente automatizada, através da app Mo-ka, ou métodos de pagamento convencionais. Nesse sentido, o Intermarché salienta que os cestos inteligentes são um complemento às duas caixas de self-service e à caixa manual que o estabelecimento já incorporava.
LETÓNIA
Lidl entra num novo mercado europeu
O Lidl começou a operar na Letónia com a abertura simultânea, no início de outubro, de 15 lojas espalhadas por dez cidades: Riga, Liepaja, Ventspils, Tukums, Jelgava, Ogre, Valmiera, Jekabpils, Rezekne e Daugavpils. Neste projeto, o Lidl já investiu mais de 200 milhões de euros através da construção destas lojas e de um centro logístico, bem como na criação de novos arruamentos e várias melhorias nas infraestruturas envolventes. A empresa também criou mais de dois mil postos de trabalho no país.
TAIWAN
Auchan sai do mercado asiático
A Auchan Retail concluiu a saída da Ásia com a venda do seu negócio em Taiwan. A empresa confirmou a transmissão da sua participação de 64,83% na RT-Mart, o seu negócio de retalho no país, ao grupo local PX Mart. Paralelamente a esta operação, o Grupo Ruentex também alienou a sua participação na RT-Mart, colocando 95,97% da empresa nas mãos da PX Mart. Enquadrada no plano de alienação de ativos não estratégicos anunciado em março passado, esta venda confirma também a reorientação geográfica do grupo francês iniciada após a saída da China, em outubro de 2020.
REINO UNIDO
Aldi abre loja ao estilo Amazon Go
O Aldi abriu no Reino Unido, mais concretamente em Londres, uma loja com um conceito semelhante ao dos espaços Amazon Go, em que os clientes se registam ao entrar, retiram das prateleiras o que necessitam e saem, sem ter de passar pela caixa de pagamento. Em poucos minutos, recebem um e-mail com o talão de compras e o pagamento é efetuado através do cartão de crédito associado. Para já, esta loja está apenas disponível para colaboradores da insígnia, estando em regime de testes, antes da sua abertura ao público. “Estamos sempre em busca de redefinir o que significa ser um operador de discount e a tecnologia envolvida neste teste proporciona-nos um enorme manancial de conhecimento”, afirma Giles Hurley, responsável do Aldi Reino Unido e Irlanda. No mercado britânico, a cadeia tem vindo a desenvolver distintos canais para chegar ao consumidor. Antes da pandemia, apostou no formato de conveniência, com a abertura de lojas em torno dos 500 metros quadrados, e durante o último ano aventurou-se no online, em parceria com a Deliveroo e com a oferta da opção de “click & collect” em alguns dos seus pontos de venda.
Sephora finaliza compra da plataforma Feelunique A Sephora, cadeia detida pela LVMH, finalizou a aquisição da plataforma britânica Feelunique, especializada na comercialização online de cosméticos. A Sephora apresentou uma primeira oferta para comprar a Feelunique em junho passado e a Palamon Capital Partners, que procurava um investidor para a plataforma, deu luz verde à operação, o que valorizou a empresa britânica em 153,8 milhões de euros. Desde a saída do Reino Unido da União Europeia, a Sephora já não entrega produtos neste mercado, devido às tarifas e outros constrangimentos comerciais. Através da Feelunique, poderá reentrar no mercado britânico. A Feelunique foi criada em 2005 e comercializa mais de 35 mil produtos de 800 marcas. A empresa envia para mais de 120 países e tem websites específicos para os mercados de França, Alemanha, Noruega, China e Estados Unidos, entre outros.
9 Grande Consumo
“Estamos, atualmente, a assinalar 60 anos e a lançar as bases para chegar aos 100” ENTREVISTA TEXTO Bruno Farias FOTOS Sara Matos
10 Grande Consumo
“Quando a Coviran decidiu apostar em Portugal, a intenção não foi outra senão servir o cliente português. Como tal, teve de adaptar-se. Estamos num caminho de crescimento, em que já começamos a ter alguma massa crítica”. As palavras são de Patro Contreras, presidente do Conselho Reitor da Coviran e a primeira mulher a ser nomeada para o cargo, que, numa curta passagem por Portugal, analisou à Grande Consumo o momento da operação nacional da cooperativa granadina. Operação que considera sólida, focada em “servir o consumidor nacional”, e com potencial para evoluir ainda mais. Não só porque se encontram atingidos os 10 primeiros anos em Portugal, como pelo próprio reforço da importância do canal de proximidade no país, o que levou a Coviran Portugal a elevar a sua representatividade nas contas consolidadas da cooperativa.
G
rande Consumo – Está há, sensivelmente, dois anos na liderança da Coviran. Que balanço pode fazer deste período e quais têm sido os principais desafios do mesmo? Patro Contreras – Estes foram anos de muita mudança, de uma reestruturação profunda, que não foi fácil. Mas, finalmente, encontrámos um momento de estabilidade e de crescimento e creio que o mais importante é que as equipas responderam, estão a funcionar e creem no projeto e que os sócios estão a apoiá-lo. Foi um período duro, mas estou muito satisfeita com o que alcançámos. GC - Foi, igualmente, a primeira mulher a liderar o Conselho Reitor da Coviran. Que sentimento lhe despertou, então, esta nomeação? Foi uma adaptação difícil, ou não se pode sequer falar disso? PC – Estava já há dois anos no conselho, que era, de facto, muito masculinizado. Para mim, foi uma surpresa quando me nomearam para a sua liderança nesta nova etapa da cooperativa. A decisão não foi fácil, porque também implicava mudanças a nível pessoal. E assim foi: mudei para Granada e deixei de ir às minhas lojas em Córdoba. É verdade que há ainda barreiras que se colocam à mulher, mas sinto-me cómoda e encaro de uma forma natural trabalhar num mundo de homens. Aliás, também liderei sempre o negócio familiar e nunca houve qualquer dificuldade. GC - Dois exercícios já passaram dos quatro para os quais foi, em 2019, eleita. O que lhe falta, ainda, concretizar na qualidade de presidente do Conselho Reitor da Coviran? PC – O rumo está traçado. A cooperativa está estável e a crescer. O mais importante é que todas as
mudanças feitas são sustentáveis, do ponto de vista do negócio, de modo que os nossos sócios continuem a ter uma cooperativa forte e que os apoie nos seus próprios negócios. Estamos, atualmente, a assinalar 60 anos e a lançar as bases para chegar aos 100. É esse o objetivo.
“O rumo está traçado. A cooperativa está estável e a crescer. O mais importante é que todas as mudanças feitas são sustentáveis, do ponto de vista do negócio, de modo que os nossos sócios continuem a ter uma cooperativa forte e que os apoie nos seus próprios negócios. Estamos, atualmente, a assinalar 60 anos e a lançar as bases para chegar aos 100. É esse o objetivo”
11 Grande Consumo
GC - Como avalia a evolução da Coviran, como um todo, no mercado ibérico? Pode-se considerar que a cooperativa tem vindo a reforçar a sua posição nos dois mercados onde atua e que é possível ao modelo cooperativista ainda singrar no atual contexto do retalho moderno? PC – Creio que o último ano fala por si. A Coviran superou todas as expectativas. Mostrámos que somos capazes de responder às necessidades da população. Hoje, vivemos tempos muito convulsos, com uma crise económica que se vai refletir no negócio das nossas lojas e da cooperativa. Mas temos de continuar a ser capazes de manter o nosso posicionamento no mercado, que é tão somente a proximidade. O cocktail de que necessitamos para continuarmos a ser bem-sucedidos contempla também a nossa capacidade de oferecer um preço adequado aos nossos clientes, de fazer a transformação digital e manter a nossa posição de liderança na proximidade. A força da Coviran está nos seus sócios, na diversidade que temos. Se mantivermos a união, formos capazes de colaborar e prosseguir o nosso caminho, sem abdicar dos valores que sempre nos nortearam, será uma garantia de continuidade. As mudanças feitas por este conselho só terão sentido se as conseguirmos consolidar. Essa é a nossa missão.
“A digitalização pode ajudar-nos muito a conhecer o nosso cliente, a sermos mais eficientes, um aspeto determinante no futuro, porque o nível concorrencial vai elevar-se, a subida da inflação vai refletir-se no preço dos alimentos e a batalha pelo cliente vai endurecer” GC - Acredita que, depois de si, outras mulheres poderão assumir essa mesma posição no seio da cooperativa? Enquanto sócia, foi algo significativo para si? PC – Claro que tem que haver mais mulheres e sei perfeitamente que são capazes de liderar este projeto. Estou na Coviran desde 2004 e a minha empresa não seria o que é hoje sem a cooperativa. Deu-nos muitas ferramentas para nos mantermos no mercado. A empresa que giro com o meu irmão assinala, em 2021, 80 anos. Sempre foi uma empresa sólida, mas os últimos anos foram muito difíceis. Sem a Coviran não teríamos tido o mesmo desempenho.
12 Grande Consumo
GC - O comércio de proximidade saiu reforçado com a pandemia de Covid-19? É um canal com futuro? Ou as pessoas voltaram a preferir comprar em superfícies comerciais maiores, à medida que as restrições à circulação diminuíram? PC – Estamos onde considero que devemos, efetivamente, estar: no território da proximidade. Prevê-se que, em 2030, 80% das famílias será constituído por uma ou duas pessoas, no máximo. Nestas tipologias de famílias, as compras não são planeadas do mesmo modo. Compra-se mais na loja de bairro. Por isso, estamos no lado certo. Como tal, devemos consolidar esta nova especialização, de modo que aquilo que façamos seja bem feito. Ou seja, devemos dar ao nosso cliente aquilo que ele pede e que é a individualidade nos formatos e na atenção, um preço e um sortido adequados. GC - O que está na base da “força” da Coviran? As pessoas? A marca? Ambas? PC – Considero que são os seus valores. Não há outra diferença mais fundamental que os valores da cooperação e da proximidade, não só do cliente, mas também do produtor, de todo o sector primário.
GC - O modelo da Coviran prende-se mais com um perfil-tipo de aderente, do que propriamente com os números em si? PC – Há muitos clientes que a única loja onde sabem o nome dos seus filhos é Coviran. Esta forma de abordar e conhecer os clientes não é possível numa grande superfície. Creio que existem clientes para todos os formatos e que o mais importante não é tê-los a todos, mas satisfazer os nossos, o nicho a que nos dirigimos. Obviamente há consumidores que só olham para o preço e, para eles, existem os discounts. Há consumidores que querem, numa única visita, fazer as compras do mês e, para eles, existem as grandes superfícies. Não são esses os nossos clientes. Mas há muitos outros que podemos atender e é para eles que temos de ser os melhores. GC - Os números da Coviran em Portugal deixam-na satisfeita? É possível crescer ainda mais? PC – Estou satisfeita com os números de Portugal, mas quero mais. Congratulo-me com o que já alcançámos, mas temos margem para prosseguir e melhorar ainda mais. O país tem todas as condições, uma cultura fantástica, um sector do retalho bem desenvolvido. Estou convicta de que a Coviran tem muito ainda para crescer neste mercado. Quando a Coviran decidiu apostar em Portugal, a intenção não foi outra senão servir o cliente português. Como tal, teve de adaptar-se. Estamos num
caminho de crescimento, em que já começamos a ter alguma massa crítica. GC - Portugal é, igualmente, um mercado conhecido pela sua imensa atividade promocional. É uma situação que a preocupa ou a Coviran tem sabido responder a este contexto? PC – Se é isso que os clientes portugueses querem, a Coviran tem de saber responder. Seja a nível promocional, seja a nível da oferta, que tem de ser suficientemente ampla para que o cliente encontre aquilo de que necessita. GC - A pandemia veio atrasar os planos de expansão? Quais são os objetivos da Coviran para Portugal? PC – O plano de expansão não atrasou, mas tivemos de acertar o passo. Todas as tendências que eram já conhecidas foram aceleradas pela pandemia. Para a Coviran, essa aceleração fez-nos crescer. Os nossos planos mantêm-se e continuamos a trabalhar no sentido de prosseguir com essa trajetória de crescimento. GC - O crescimento da Coviran em Portugal será feito por intermédio do formato Coviran Plus? Qual o espaço que este conceito ocupa na oferta da cooperativa? PC – A cooperativa vai continuar a explorar este formato no âmbito do seu plano estratégico. Queremos fazer uma segmentação das lojas, no sentido de ter mais formatos. Como tal, o Coviran Plus não vai ser o único PUB
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novo formato que vamos criar. O objetivo é podermos dar a cada sócio o formato que lhe seja mais confortável e adequado para que consiga concorrer na sua zona de influência. Estamos também a desenvolver outros formatos em Espanha e é nosso propósito que tudo o que criamos possa ter aplicação a nível da Península Ibérica. GC - A digitalização do consumo irá sentir-se ainda com mais força no retalho alimentar? PC – O conceito de digitalização vai muito mais além do que aquilo que parece à primeira vista. Temos a vantagem de ter um diretor geral que entende isso mesmo e que será capaz de o transmitir aos sócios. A digitalização pode ajudar-nos muito a conhecer o nosso cliente, a sermos mais eficientes, um aspeto determinante, no futuro, porque o nível concorrencial vai elevar-se, a subida da inflação vai refletir-se no
Portugal já representa 10% dos negócios globais da Coviran A Coviran reuniu os seus dois mais altos órgãos de gestão, sociais e executivos, nas instalações da Escola de Comércio em Sintra, no âmbito do 10.º aniversário da chegada da cooperativa a Portugal. O conselho reitor e o comité de direção reforçaram a aposta da cooperativa em Portugal, que já representa 10% dos negócios globais da empresa. O conselho reitor, liderado pela presidente da cooperativa, Patro Contreras, e pelo conselheiro português, João Miguel Nunes Madeira, reuniu com o objetivo de rever as questões sociais e estratégicas mais prementes. Já o encontro do comité de direção com os diretores globais da Coviran foi dirigido pelo diretor geral, José Francisco Muñoz, e os principais gestores portugueses, presidido pelo diretor da insígnia em Portugal, Acácio Santana. “Estou muito feliz por celebrar os nossos órgãos de gestão aqui em Portugal, o que não é apenas uma realidade, mas uma parte essencial de Coviran. São 10 anos de um caminho percorrido com os nossos parceiros portugueses, um país irmão e amigo de Espanha, que já é um dos orgulhos da nossa cooperativa”, sublinha Patro Contreras. Já Acácio Santana assinala que a Coviran “consolidou-se como a melhor resposta aos retalhistas independentes, adaptando- se às peculiaridades do mercado português, com uma estrutura sólida que incorpora novos associados com garantias. Isto é uma conquista não só a nível local, mas sim a nível ibérico”. A Coviran é uma empresa de distribuição alimentar, composta por 2.430 sócios retalhistas independentes deste sector. Atualmente, a cooperativa consolida a sua posição a nível nacional, no sector de proximidade, e ocupa a segunda posição em Espanha em número de estabelecimentos, encerrando o exercício de 2020 com mais de 2.876 supermercados a operar sob a insígnia Coviran, distribuídos por toda a Península Ibérica. Em 2020, a cooperativa alcançou 1.703 milhões de euros de vendas brutas sob insígnia, 21,5% mais que 2019. A sua aposta na economia social, contribuindo para gerar emprego e riqueza nos territórios onde opera, caracteriza esta cooperativa, como uma referência para a economia social em Espanha e Portugal.
14 Grande Consumo
“O plano de expansão não atrasou, mas tivemos de acertar o passo. Todas as tendências que eram já conhecidas foram aceleradas pela pandemia. Para a Coviran, essa aceleração fez-nos crescer. Os nossos planos mantêm-se e continuamos a trabalhar no sentido de prosseguir com essa trajetória de crescimento”
preço dos alimentos e a batalha pelo cliente vai endurecer. Necessariamente, teremos de nos apoiar nos meios digitais. GC - A Coviran está atenta ao comércio eletrónico? Ou este canal de comercialização não é compatível com os propósitos do comércio de proximidade? PC – Não só é compatível como há muitos anos que fazemos vendas à distância, através do telefone e, ultimamente, com o WhatsApp. Durante a pandemia, fomos também capazes de responder através de meios digitais e atender o cliente. Obviamente que terá de ser organizado. Pela diversidade dos nossos sócios e pelas idiossincrasias da cooperativa, cada um poderá fazer uso ou não da ferramenta de e-commerce de que dispomos e aplicá-la no seu negócio. Esta ferramenta já existe e já temos muito sócios, tanto em Espanha como em Portugal, dispostos a fazer os testes-piloto deste projeto. GC – O que seria um bom exercício de 2021 para a Coviran? PC – Este está a ser um ano difícil, quer em Espanha, quer em Portugal. Cumprir os objetivos a que nos propusemos deixa-nos suficientemente tranquilos. Mas o mais fundamental é, em 2021, 2022 e aí por diante, sermos capazes de satisfazer os sócios e os clientes. Esse é o objetivo principal da Coviran.
15 Grande Consumo
OPINIÃO
MARLENE TAVARES Capital Markets da JLL
SUPERMERCADOS ABREM O APETITE DOS INVESTIDORES Não é novidade que os supermercados (e o retalho alimentar) são uma classe de ativo imobiliário comercial que tem sido consistentemente procurada pelos investidores, ao longo dos últimos anos. Têm estado entre as classes de ativos mais estáveis da Europa em termos de preço e têm-se mostrado um subsector seguro e defensivo dentro do mercado de investimento de retalho mais amplo, oferecendo uma rentabilidade a longo prazo para investidores com os mais diversos perfis, desde privados a institucionais, nacionais e internacionais. Para além da longevidade da rentabilidade, são também fatores atrativos para os investidores a estrutura contratual (na maioria dos casos, contratos “triple net”). Dito isto, decorre que a pandemia veio reforçar significativamente este apetite. A perceção de baixo risco desses ativos saiu bastante reforçada com a conjuntura gerada pela Covid-19, uma vez que os supermercados não só “sobreviveram”, como também prosperaram e reforçaram o seu papel determinante na distribuição alimentar, contrastando com outros subsectores do retalho, como a moda ou o calçado. Assim, não só se destacaram pela sua resiliência, como pelo facto de gerarem novas oportunidades para investimento. Têm sido, por isso, alvo de uma crescente procura por parte dos mais diversos investidores, o que, associado à sua boa performance durante a pandemia, contribuiu para uma compressão da "gross initial yield" nos principais mercados europeus, entre os quais Portugal não foi exceção. No nosso país, a atratividade crescente deste tipo de ativos tem sido também óbvia na entrada novos "players" internacionais no mercado, de que é exemplo a inglesa Blackbrook, que adquiriu pela primeira vez, em Portugal, dois supermercados, num volume de investimento total estimado em cerca de 16 milhões de euros. A nível europeu, os números também não enganam. Se é verdade que o investimento médio em supermercados na Europa tem sido consistente ao longo dos anos, em 2020, cresceu mais de 40%, atingindo um valor
16 Grande Consumo
recorde de 6.700 milhões de euros (4.500 milhões de euros em 2019). Não há dúvida de que a pandemia catapultou ainda mais os supermercados para o palco do investimento imobiliário pelas razões já enunciadas. Mas e no pós-pandemia? No pós-pandemia, naturalmente, a taxa de crescimento do negócio dos supermercados deverá suavizar. Mas isso não irá retirar atratividade a estes ativos. Os supermercados vão continuar no mapa dos investidores, mantendo o seu bom desempenho operacional. Por um lado, e ao contrário de outros sectores de retalho, como a moda, a eletrónica ou a cosmética (entre outros), o retalho alimentar é relativamente imune às oscilações da economia, uma vez que a compra de bens alimentares é considerada consumo não discricionário. Por outro lado, apesar da pressão do comércio online, as lojas físicas continuam a cumprir um papel insubstituível no processo de distribuição alimentar, sendo fundamentais tanto para o crescimento das vendas em loja como das vendas online, uma vez que, em muitos casos, as lojas físicas são usadas como centros de distribuição das vendas online, tirando partido da sua excelente centralidade. Assim, é seguro dizer que o apetite dos investidores pelos supermercados está em alta e vai continuar a manifestar-se após o “boom” pandémico, com este tipo de ativo a reunir muitas vantagens em termos de resiliência, risco e "yields", além de envolver "tickets" de investimento que agradam a muitos perfis de investidores, incluindo os investidores privados e de capitais familiares, que estão especialmente ativos à procura de oportunidades de investimento até 10 milhões de euros.
17 Grande Consumo
A cidade de 15 minutos Um dos principais impactos da pandemia de Covid-19 foi a mudança da atividade económica dos grandes centros urbanos, ou centros de cidades, para áreas mais suburbanas. No ano passado, este movimento foi impulsionado por uma série de fatores, incluindo as restrições relacionadas com os confinamentos, políticas de trabalho remoto e oportunidades sociais, desportivas e de eventos limitadas. Com a crise a diminuir em muitas geografias, taxas de vacinação mais altas e as atenuadas restrições à circulação, poderá haver mudanças para o futuro do retalho em locais urbanos e suburbanos, segundo confirmam diversas análises a este tema. Consequentemente, poderá significar, também, alterações para as próprias cidades e a importância que estas tiveram, até hoje, na história social e económica da maioria dos países.
TENDÊNCIAS
TEXTO Bárbara Sousa FOTOS Shutterstock
A
s megacidades são um fenómeno já bem estabelecido, com a aceleração da urbanização. Quase 55% da população mundial vive, hoje, em cidades e espera-se que dois terços o façam até 2050. No início da próxima década, deveremos ter 43 megacidades com uma população de mais de 10 milhões, o que compara com as 33 registadas em 2018. Durante mais de 100 anos, as cidades foram as potências económicas da maioria dos países. Da era industrial à da informação, sustentaram o crescimento do PIB. Empresas em múltiplos sectores beneficiaram de estarem localizadas próximo umas das outras. A atividade económica daí gerada tem sustentado o desenvolvimento de empreendimentos imobiliários residenciais e comerciais, locais de entretenimento e desportivos, culturais e de turismo. Globalmente, as pes-
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soas têm sido atraídas pelas oportunidades que as cidades oferecem e os retalhistas desenvolveram diferentes modelos para atender às suas necessidades, refere uma análise da IGD. No entanto, as restrições de mobilidade durante a pandemia reduziram as atividades nas cidades. Embora as empresas em locais urbanos tenham sido severamente afetadas, observou-se uma dispersão da atividade económica para as áreas suburbanas. Nesse sentido, à medida que as restrições à mobilidade são atenuadas, recomenda a consultora que é necessário considerar-se o que acontece a seguir e o que isso significará para o retalho.
Reequilíbrio
Mas antes que se possa supor que a vida nas áreas urbanas retornará à normalidade pré-pandémica, a IGD alerta que há vários outros fatores que devem ser considerados. O que inclui a vontade das populações de se deslocarem mais amplamente, inclusive de transporte público, com a baixa confiança e
as preocupações com a segurança, provavelmente, a permanecerem na mente de muitos. Para outros, acessibilidade, políticas de trabalho remoto e fatores de estilo de vida estarão entre as suas principais considerações. Após a pandemia, espera-se que os chamados “trabalhadores de colarinho branco” passem, em média, o dobro do tempo em trabalho remoto. Portanto, o resultado mais provável é um reequilíbrio entre as áreas urbanas e suburbanas. As grandes empresas já estão a adaptar as suas políticas de trabalho remoto e a reduzir o espaço de escritório, sendo expectável que outras sigam o seu exemplo. Apesar disso, as cidades continuarão ocupadas. A maior mudança será sentida nos subúrbios, onde aqueles que, agora, passam mais tempo em teletrabalho sentem que têm mais tempo e dinheiro para gastar em lojas e restaurantes próximos de casa. Apresentam-se, assim, oportunidades consideráveis para os retalhistas em locais urbanos e suburbanos, mas estes devem estar preparados para evoluir e atender às novas necessidades dos consumidores.
Cidade digital e sustentável
A Euromonitor International identificou várias tendências que estão a moldar o futuro das cidades e, entre estas, digitalização e conectividade e sustentabilidade. A tendência para cidades mais digitais e conectadas reflete o uso da Internet das Coisas, para oferecer uma melhor organização e prestação de serviços urbanos. Nas últimas duas décadas, o acesso à Internet aumentou, com os governos a ampliarem os investimentos para fornecer um acesso melhor e mais rápido. Entre 2005 e 2020, o número de utilizadores de Internet aumentou 340%, chegando a 54% da população mundial. Em 2040, 88% da população global usará a Internet. As políticas governamentais para o desenvolvimento de cidades inteligentes vão tornar-se mais robustas, à medida que a urbanização coloca mais pressão sobre os ativos urbanos existentes. Isto vai garantir que as empresas tecnológicas se aproximem dos governos locais e nacionais na entrega de projetos de cidades inteligentes, considera a Euromonitor. Além
disso, os consumidores em áreas urbanas usarão cada vez mais ferramentas baseadas na Internet nas suas vidas quotidianas, por exemplo, para pagar serviços públicos, aceder a transportes públicos ou monitorizar a poluição do ar. Por sua vez, as mudanças climáticas estão a forçar uma nova agenda para a sustentabilidade urbana. Isto está a ser impulsionado por organizações internacionais, como as Nações Unidas, que incluiu Cidades e Comunidades Sustentáveis como uma das 17 metas para o desenvolvimento
sustentável, até 2030. Afinal, as cidades ocupam, aproximadamente, 4% da área terrestre do mundo, mas representam 70% de todas as emissões de CO2, de acordo com o World Wide Fund for Nature. A mobilidade limpa e sem atrito mudará a mobilidade urbana no futuro, afiança a Euromonitor, concentrando-se no aumento do uso de eletricidade, hidrogénio e outros combustíveis não fósseis para alimentar veículos. Um número crescente de governos está a colocar restrições aos carros movidos a combustíveis fósseis e, no futuro, esperam-se proibições permanentes ao seu uso.
Cidade de 15 minutos
O planeamento urbano e inteligente é outra das tendências identificadas pela Euromonitor. O conceito da cidade de 15 minutos - que se concentra na localização de serviços essenciais e na entrega de uso misto de solo - mudará os
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Durante mais de 100 anos, as cidades foram as potências económicas da maioria dos países. Da era industrial à da informação, sustentaram o crescimento do PIB. Empresas em múltiplos sectores beneficiaram de estarem localizadas próximo umas das outras. A atividade económica daí gerada tem sustentado o desenvolvimento de empreendimentos imobiliários residenciais e comerciais, locais de entretenimento e desportivos, culturais e de turismo. Globalmente, as pessoas têm sido atraídas pelas oportunidades que as cidades oferecem e os retalhistas desenvolveram diferentes modelos para atender às suas necessidades
padrões de deslocação, compras, lazer e trabalho para os cidadãos urbanos. Trata-se de um conceito criado pelo especialista em cidades e professor da Universidade Paris 1 Pantheon-Sorbonne, Carlos Moreno, que não nasceu expressamente da pandemia, mas a que a “nova realidade” deu um novo fôlego. O termo foi, de facto, popularizado pela autarca de Paris, Anne Hidalgo, que fez da "cidade de 15 minutos" a peça central da sua bem-sucedida campanha de reeleição. Carlos Moreno apresenta o conceito como uma forma de garantir que os residentes urbanos conseguem cumprir seis necessidades básicas sem terem de caminhar ou andar de bicicleta durante mais de 15 minutos, incluindo viver, trabalhar, comércio, saúde, educação e entretenimento. Para Carlos Moreno, a mudança dramática em direção ao
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trabalho remoto demonstrou que a cidade de 15 minutos não só é viável, como também pode ser instrumental na regeneração de bairros. Ter a capacidade de aceder ao trabalho, escola, clínicas, supermercados e serviços postais, em 15 minutos, desde a porta de casa, vai impulsionar o futuro do planeamento urbano, garante a Euromonitor International. O planeamento inteligente também incorpora planos mais modernos, que favorecem caminhadas e ciclismo e aumentam a disponibilidade de espaços verdes. O movimento do consumidor nas cidades mudará à medida que mais pessoas terão acesso às necessidades essenciais perto dos seus locais de residência, o que dará início a um maior mix de empresas nos bairros e reduzirá a necessidade de deslocações de longa distância para aceder a serviços diários.
Cidade inteligente
Em 2020, o início da pandemia gerou muita discussão sobre um "êxodo urbano", em que os trabalhadores,
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salvos da presença em escritórios físicos, fugiriam dos núcleos urbanos das maiores cidades em busca de espaço e da relativa segurança dos subúrbios periféricos e das cidades menores. Embora as perspetivas mais sombrias de um êxodo urbano, provavelmente, não serão totalmente realizadas, certos fatores estão a trabalhar contra o crescimento da população urbana no imediato futuro pós-Covid. Nomeadamente, o facto dos cidadãos considerarem que os atuais grandes centros urbanos não oferecem a melhor qualidade de vida. O estudo "Street Smart: Putting the citizen at the center of smart city initiatives" do Capgemini Research Institute revela que muitas pessoas manifestam-se insatisfeitas com a qualidade de vida que atualmente experienciam numa grande cidade, chegando ao ponto de preferir mudar devido, entre outros fatores, ao elevado tempo passado em deslocações de e para o trabalho, à inexistência de uma convivência em comunidade e fraca oferta cultural e aos níveis elevados de poluição. A pesquisa apurou que os cidadãos querem viver em cidades inteligentes, porque acreditam que apresentam vantagens. Ou seja, a cidade será mais sustentável (58%), a qualidade dos serviços urbanos melhorará (57%), haverá uma melhor qualidade de vida (54%) e melhorará a sua eficiência no trabalho (53%). A Toyota, por exemplo, está a planear construir uma cidade inteligente no Japão, que é totalmente sustentável. A “Cidade Tecida” (Woven City, em inglês) será alimentada por células de combustível de hidrogénio e painéis solares nos telhados. Além disso, apenas veículos totalmente autónomos e com emissões zero serão permitidos. Em concreto, 60% dos cidadãos quer morar numa cidade inteligente, diz o estudo, o que é particularmente verdade para a Geração Y (64%) e para aqueles que ganham mais de 80 mil dólares por ano (mais de dois terços desse grupo quer viver numa cidade inteligente). No entanto, o entusiasmo não se limita aos que ganham mais: 56% dos cidadãos com rendimento inferior a 20 mil dólares também quer viver em cidades inteligentes. A pesquisa mostra, ainda, que os cidadãos envolvidos em iniciativas de cidades inteligentes estão mais felizes com a sua qualidade de vida, em comparação com aqueles que não têm experiência nestes programas.
Futuro
Os cidadãos de hoje, seja em casa ou no trabalho, estão conectados a um mundo digital sempre ativo, caracterizado por um universo de aplicações, comunicação por vídeo quase perfeita e compras online. No entanto, a experiência urbana ainda carece de um toque digital, que vai desde como as cidades são governadas até o quão seguras são. Os cidadãos também consideram desafios como a poluição (42%) e a falta de iniciativas de sustentabilidade (36%) uma grande preocupação e podem decidir abandonar a sua cidade como resultado disso. As iniciativas de cidades inteligentes são críticas para lidar com essas questões e também essenciais para desenvolver resiliência a desafios como o colocado pela Covid-19, recomenda o Capgemini Research Institute. Isto significa desenvolver uma visão atraente de cidade inteligente, com a tecnologia como o principal facilitador.
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Ainda assim, tecnologia inovadora - e os fundos para inovar - não criarão, por si só, uma cidade inteligente. O sucesso será impulsionado por vários fatores, sendo preciso criar uma visão atraente de cidade inteligente com sustentabilidade e resiliência no seu centro. “O uso de dados dos cidadãos deve ser regido por proteção e confiança. Uma cultura de inovação e colaboração com os cidadãos e entidades externas também será fundamental. Por fim, é fundamental colocar os cidadãos no centro das iniciativas de cidades inteligentes, com base num conhecimento profundo das áreas onde estão dispostos a envolver-se e em pagar mais para terem acesso a soluções inteligentes. Afinal, os cidadãos de uma cidade são o seu maior património e envolvê-los nesta empreitada será a chave do seu sucesso”, conclui o estudo.
A maior mudança será sentida nos subúrbios, onde aqueles que, agora, passam mais tempo em teletrabalho sentem que têm mais tempo e dinheiro para gastar em lojas e restaurantes próximos de casa. Apresentam-se, assim, oportunidades consideráveis para os retalhistas em locais urbanos e suburbanos, mas estes devem estar preparados para evoluir e atender às novas necessidades dos consumidores
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“Acreditamos que a sustentabilidade não deve ter um preço de luxo, apenas acessível a uma minoria” Roupa duradoura, reciclável e a preço acessível. A Primark delineou uma nova estratégia, até 2030, com a qual quer liderar o movimento em direção a uma moda mais sustentável, do ponto de vista ambiental, mas também social, olhando a montante e a jusante da cadeia de valor para a tornar mais justa, equitativa e amiga do ambiente. Nelson Ribeiro, head of sales da Primark Portugal, considera que se trata de uma oportunidade de não só fazer o que é certo para o planeta, os parceiros e as equipas, mas também para o cliente, ajudando-o a fazer a escolha certa, sem que tenha de optar entre sustentabilidade e preço competitivo.
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RETALHO
TEXTO Carina Rodrigues FOTOS Sara Matos
P
arte do deserto do Atacama, no Chile, que é considerado o mais seco de todos, é, hoje em dia, destino de um sem número de peças de roupa vindas de qualquer parte do mundo. De acordo com a agência noticiosa Associated Press, este “lixo” é parte de uma cadeia de produção que vai do Bangladesh e China, onde a roupa é produzida, para a Europa, Estados Unidos e outras partes da Ásia, onde é vendida. Parte daquilo que não é comercializado é, posteriormente, adquirido no porto de Iquique, no Chile, para ser revendido a outros países da América Latina. O que não é, novamente, comercializado acaba no deserto de Atacama. A Associated Press apurou que cerca de 59 mil toneladas de roupa vão parar ao porto de Iquique, todos os anos. E destas, pelo menos 39 mil toneladas acabam como
“Já há 10 anos que estamos neste processo e conseguimos produzir uma t-shirt de dois euros com algodão sustentável. Quando falamos de sustentabilidade, associamos sempre que é caro. Olhando para as nossas t-shirts de dois euros, essa ideia facilmente se desfaz”
lixo no deserto chileno. Este é um exemplo cabal de um grave problema ambiental que tem como origem a indústria da moda e, muito particularmente, a chamada dinâmica do fast fashion, na qual as coleções são criadas num ritmo acelerado, motivando os compradores a adquirirem e as trocarem com frequência. Um parecer da Organização das Nações Unidas estima que o sector da moda responda por 8% a 10% da emissão de gases com efeito de estufa, o que o torna mais poluente do que a aviação. A Fundação Ellen MacArthur calcula que o equivalente a um camião de lixo de roupa é queimado e depositado em aterros a cada segundo. Ora são cada vez mais as marcas que querem acabar com este paradigma, apostando na sustentabilidade e circulari-
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dade, não se escusando, para isso, a ter de intervir em toda a sua cadeia de valor. Uma dessas marcas é a Primark. Recentemente, anunciou a estratégia Primark Cares, onde condensa os compromissos assumidos no sentido de tornar a sua oferta mais sustentável e acessível a todos. Mas se o anúncio desta ampla estratégia de sustentabilidade é recente, já os passos que têm vindo a ser dados para contribuir para uma menor pegada ecológica da moda não são de hoje. Recuam uma década. “Pensamos que é o momento certo para apresentar esta estratégia, conscientes de que não estamos a começar do zero. Já há 10 anos que estamos neste processo e conseguimos produzir uma t-shirt de dois euros com algodão sustentável. Quando falamos de sustentabilidade, associamos sempre que é caro. Olhando para as nossas t-shirts de dois euros, essa ideia facilmente se desfaz”, introduz Nelson Ribeiro, head of sales da Primark Portugal.
Primark Cares
Esta nova estratégia global da Primark é baseada em nove compromissos e três principais eixos-base. O primeiro desses eixos passa por dar uma vida mais longa à roupa e será cumprido até 2025. “Vamos aumentar as lavagens no denim, para garantir essa durabilidade, o que é extremamente relevante, porque os nossos básicos são uma parte muito importante do nosso negócio. Todas as nossas roupas vão ser feitas de fibras recicladas. Até 2030, vamos deixar de usar fibras virgens”, detalha. O segundo pilar da estratégia é proteger o planeta e reduzir a pegada de carbono da Primark e isso passa por eliminar todo o desperdício não têxtil, até 2030. Nos últimos dois anos, conseguiram reduzir cerca de 503 milhões de unidades de plástico, a nível global, e este ano serão mais de 300 milhões. Uma medida com um impacto no dia-a-dia das lojas e na maneira como o produto é exposto. Neste pilar inscreve-se ainda a aposta em restaurar a biodiversidade, com o Programa de Algodão Sustentável, que já é o maior do género da indústria da moda. “O terceiro pilar, e o nosso principal objetivo, é melhorar a vida das pessoas na nossa cadeia de distribuição, criando maior resiliência financeira, promovendo a igualdade de direitos entre as mulheres e os homens e a saúde e bem-estar das nossas equipas”, prossegue Nelson Ribeiro. Faz parte da missão da empresa liderar a mudança de comportamentos no que ao ato de compra e à utilização de roupa diz respeito. Nelson Ribeiro considera que a sustentabilidade é o futuro das empresas, seja no retalho ou em qualquer outra área, e que a mudança de comportamentos no consumidor tem sido progressiva. “Com a pandemia, vimos a adoção de um estilo que privilegia o que é mais casual. A venda de básicos representa 50% do nosso negócio e poder chegar ao consumidor com um produto que é mais sustentável vai também ajudar a educá-lo. Queremos ajudar o cliente a fazer a escolha certa”.
Acessível a todos
“A venda de básicos representa 50% do nosso negócio e poder chegar ao consumidor com um produto que é mais sustentável vai também ajudar a educá-lo. Queremos ajudar o cliente a fazer a escolha certa”
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Todos os compromissos que formam a estratégia Primark Cares são assumidos para os 14 mercados onde a cadeia está presente, onde Portugal se inclui. O cliente português vai, assim, ter roupa que dura mais, feita de materiais reciclados e, acima de tudo, sublinha o gestor, sem ter de pagar mais caro, premissa da qual a companhia não irá abdicar para dar corpo à sua visão sustentável do negócio. “A Primark quer percorrer este caminho com uma estratégia diferente, mostrando que é possível escolher sustentável sem abdicar do preço. Acreditamos que a sustentabilidade não deve ter um preço de luxo, apenas acessível a uma minoria. O nosso objetivo é que, na nossa loja, não se faça a escolha entre sustentável e não sustentável, é atingir os 100% de oferta sustentável. É com esta meta em mente que temos trabalhado, ao longo dos últimos 10 anos, nomeadamente,
promovendo práticas de agricultura regenerativa ao nível do algodão”.
Fazer o que é certo
Insistindo que low cost não é sinónimo de low value, a Primark quer desfazer o mito de que o baixo custo implica vender barato a qualquer custo, com todos os seus inerentes impactos. Produto, planeta e pessoas são os três “Ps” que estruturam a Primark Cares, uma estratégia de sustentabilidade que não é apenas ambiental, mas também social. Na área das pessoas, a Primark pretende implementar o chamado "salário digno" em toda a sua cadeia de fornecimento e apoiar os trabalhadores com formação em conhecimentos financeiros básicos e acesso à proteção social, até 2030. A empresa assumirá como ponto de partida as suas iniciativas de comércio ético já existentes e a colaboração atual com a plataforma ACT (Action, Collaboration and Transformation). Além disso, está também empenhada em reforçar a posição das mulheres em toda a cadeia de valor e em garantir o acesso a serviços de saúde física e mental. “O objetivo, aqui, é fazer o que é certo. Garantir que fazemos o que é certo para os nossos clientes, as nossas equipas, os nossos parceiros. Não temos fábricas próprias, mas temos 130 equipas dedicadas em fazer mais de três mil auditorias por ano para nos asseguramos que os nossos parceiros cumprem rigorosamente o nosso código de conduta. Acreditamos mesmo que esta mudança no sector é o futuro e queremos continuar a ser diferenciadores com esta nova estratégia”, conclui Nelson Ribeiro.
Compromissos Os compromissos concretos da estratégia Primark Cares na área do produto passam por melhorar a durabilidade das peças de vestuário, até 2025, conceber todas as peças de roupa para que sejam recicláveis, até 2027, e produzir todas as roupas com materiais reciclados ou mais sustentáveis, até 2030. Atualmente, a quota situa-se em 25% de todas as roupas vendidas pela Primark. A curto prazo, a primeira mudança será que todas as t-shirts básicas para homens, mulheres e crianças sejam feitas de algodão de origem sustentável, já durante o próximo ano, mantendo o preço final de venda ao público. Na área do planeta, a Primark planeia reduzir as emissões de carbono em toda a sua cadeia de valor, até 2030, eliminar os plásticos de uso único e todos os resíduos não têxteis, até 2027, e apostar na formação dos agricultores para empregarem práticas mais regenerativas no cultivo do algodão, até 2030. Isso será realizado através da sua colaboração com a CottonConnect, usando o Código de Algodão Regenerativo, líder na indústria, para aumentar a biodiversidade, adaptar-se às mudanças climáticas e melhorar os meios de subsistência dos agricultores.
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OPINIÃO
ARMANDO MATEUS CXO da TouchPoint Consulting
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NIGHTMARE BEFORE CHRISTMAS: O ESTRANHO MUNDO D'O CONSUMIDOR Há apenas dois mundos onde o Halloween e o Natal se juntam... o estranho mundo de Jack Skellington e o estranho mundo d’O Consumidor. Poderá parecer estranho juntar a mais sombria estória de Tim Burton, o Pai Natal e o retalho numa mesma narrativa, mas essa será certamente a realidade do ano de 2021. Depois de mais de 18 meses de uma clausura dos consumidores e de inúmeras tentativas de regresso à normalidade, existe um sentimento de festividade que tende a ignorar os mais óbvios avisos à navegação. Nem o cancelamento do Natal em 2020, no pico da pandemia, nem as anunciadas dificuldades das cadeias de abastecimento parecem impedir o consumidor de querer comemorar dois Natais de uma só vez, de comemorar, em poucas semanas, tudo o que não fez em mais de 18 meses. É como quando o rei do Halloween, Jack Skellington, se deparou com o mundo do Natal e decidiu organizar tudo sem ter a verdadeira percepção do espírito natalício. O mundo do retalho há muito que decidiu adoptar o Halloween e a Black Friday como momentos de antecipação do Natal, mas será que esta busca desenfreada pelas melhores oportunidades não irá colocar em causa a possibilidade de garantir uma boa consoada? Será que não nos estamos a preparar para uma pressão excessiva das cadeias de abastecimento, lembrando o momento em que o Pai Natal é raptado pelas crianças travessas e lhes pergunta se elas nunca ouviram falar em “paz na Terra e boa vontade”? Os dados mais recentes mostram que, já em 2020, mais de metade dos consumidores começaram a antecipar as suas compras de Natal em dois a três meses, mas num momento em que ainda existia em stock quantidades suficientes para assegurar as necessidades. Neste momento, há já quem coloque em causa a presença do nosso fiel amigo, o bacalhau, na ceia de Natal. Muitas são as notícias de marcas e retalhistas que tentaram antecipar a compra, num movimento de “chegar primeiro que os outros” que é típico duma sociedade em velocidade cruzeiro, mas cujos efeitos, numa sociedade pós-confinamento, poderão ser desastrosos. Tal como numa estrada com muito trânsito, o que acontecerá se o primeiro da fila
abrandar? Os seguintes travam a fundo e os do fim da fila poderão, eventualmente, chocar e ter danos profundos. Com os preços a aumentar a cada dia que passa, devido ao aumento dos custos das matérias-primas e aos custos de transporte, o aparente aumento de vendas do retalho poderá não passar de uma falácia no momento em que os consumidores forem obrigados a colocar um travão nas suas despesas. Tal como Sally diz a Jack … “não pareces tu próprio, tu és o rei das abóboras, não és o Pai Natal. Falta qualquer coisa …”. Falta certamente a consistência, falta a estratégia de longo prazo e parecem vir a faltar os produtos. De acordo com o mais recente estudo da Adobe Analytics, em mais de um milhão de visitas a retalhistas online, as rupturas estavam 24% acima do valor de 2020 e … 172% acima do período prépandemia. E quais as principais categorias afectadas? Vestuário, artigos para desporto, artigos para bebé e eletrónica. Ou seja, algumas das principais categorias que constam das nossas listas de compras e ofertas de Natal. Mas será que, tal como o Pai Natal, o comércio online ainda vai a tempo de salvar o Natal? A avaliar pela capacidade de resposta no início da pandemia, espera-se que os retalhistas tenham aprendido com as dificuldades sentidas e investido em estratégias de aprovisionamento e armazenagem que lhes permitam responder às súbitas mudanças de necessidades deste estranho Consumidor. Os dados mais recentes colocam algumas nuvens cinzentas sobre essa possível salvação, apontando antes para que o protagonismo passe para os operadores de proximidade e para os serviços de entrega ao domicílio. Mas, para isso, é necessário que haja produto para entregar. E, para isso, é preciso que as ondas da quarta vaga pandémica que percorrem a Europa se mantenham afastadas das nossas chaminés, mesmo quando se teima em desconfinar à força, tentando recuperar à força o tempo perdido. A capacidade de resiliência do retalho e das marcas está à prova e é fundamental que cada um desempenhe o seu papel, sem fanatismos ou comportamentos típicos do asilo de loucos em que o Pai Natal foi preso pelo bicho-papão (não, não me estou a referir à dissolução do Parlamento e às eleições antecipadas para 30 de Janeiro!). No fim, o importante é que todas as Sally’s e todos os Jack’s se encontrem sob a luz do luar para descobrir e apreciar um novo mundo, o mundo duma realidade pós-pandémica, o estranho mundo d’O Novo Consumidor. O autor escreve ao abrigo da grafia pré-Acordo Ortográfico
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OPINIÃO
PEDRO PIMENTEL Diretor geral da Centromarca
A GESTÃO DA ESCASSEZ E A COMUNICAÇÃO DA ESCASSEZ Nas últimas semanas, têm-se repetido as informações e as notícias sobre o brutal agravamento de custos em muitas áreas da economia e multiplicaram-se as referências à escassez crescente de matérias-primas, materiais de embalagem e de produtos, seja, nuns casos, pelo esgotamento de reservas nos mercados internacionais, seja, noutros, pela incapacidade de fazer chegar esses bens, em tempo útil e adequado, aos mercados de destino. Um menos bom ano agrícola, intempéries e outros fenómenos de difícil controlo impactam muito negativamente algumas produções, mas, num mercado global com um crescimento populacional previsível e com um aumento de consumo não extraordinário, a principal “força de bloqueio” acaba por surgir pela via da disrupção das cadeias de abastecimento e, muito especialmente, pelo estrangulamento dos fluxos logísticos que estão a provocar a paralisação das produções industriais, um pouco por todo mundo. A Europa Comunitária está a sentir ainda mais fortemente este fenómeno, por força de políticas económicas, sociais e ambientais, colocadas em prática desde há vários anos, que motivaram sucessivas deslocalizações industriais para outras zonas do globo e que a tornam totalmente dependente de produções realizadas em localizações distantes. E isso gera situações de desabastecimento à mínima “constipação” nas cadeias logísticas, como a que aconteceu, por exemplo, com o recente incidente do Ever Given, que bloqueou o Canal do Suez. E não resolve, pelo menos nesta altura, insistir na tecla óbvia e verdadeira do dumping fiscal, do dumping social e do dumping ambiental, quando a competitividade – pelo menos em períodos “normais” – se mede muito mais por preço do que por serviço ou compromisso. E isto não é verdade apenas na economia das empresas. É-o também na opção de uma larguíssima maioria dos consumidores… Mas mais de que explicar ou justificar a escassez, é importante abordar a gestão da escassez e a comunicação da escassez.
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As economias de mercado gerem-se, desde logo, pela mais simples das leis da economia: a lei da oferta e da procura. Quando a oferta diminui ou a procura aumenta, efetiva ou prospetivamente, invariavelmente, os mercados reagem e geram um novo equilíbrio a um preço mais alto. Se qualidade, design, inovação são óbvios indutores de valor, é – mais do que todos – a escassez que provoca as alterações de valor mais rápidas e mais abruptas. Sei que há quem não comungue da minha opinião, mas a gestão da escassez é muito mais eficiente e rentável para quem produz ou transaciona do que a gestão da abundância. Se a abundância permite respostas mais fáceis aos consumidores, permite menos preocupações na satisfação das exigências dos clientes e dos mercados, gera também a comoditização e a desvalorização e culmina demasiadas vezes no fenómeno do “escoamento”, para além de gerar, frequentemente, escolhas económicas social e ambientalmente questionáveis. Numa economia de abundância é fácil (e não demasiado oneroso) comprar castanhas nos Santos Populares e morangos no Natal. Comprar a preço mais baixo um produto que percorreu 5.000 quilómetros antes de chegar a nossa casa, do que um outro que foi produzido a meia-dúzia de quilómetros do seu local de consumo. Pagar mais por um produto de qualidade inferior do que por um outro de qualidade e custos de produção superiores, mas que – aos nossos olhos – está totalmente banalizado. Para além de que, em boa verdade, para muitas empresas, é impossível obter rentabilidade sem volume. Já a escassez gera tensões e obriga a escolhas. Implica não responder a todas as solicitações. Implica eventualmente perder oportunidades. Mas permite reconstruir valor e descomoditizar produtos que se foram progressivamente massificando. Permite direcionar as matérias-primas e restantes meios de produção para os produtos de maior valor e, especialmente, para os produtos de maior valor acrescentado. Permite mostrar que o valor de um produto não se constrói apenas pelo seu preço. Permite perceber que, em economias periféricas e de menor dimensão, como é caso da portuguesa, a opção nunca deve ser feita por volume, mas sim por valor, por diferenciação, por marca. Permite motivar o consumidor para uma compra mais patriótica. Permite ser mais consequente no apelo a uma verdadeira sustentabilidade, não apenas ambiental, mas também económica e social.
Contudo, a nível comunicacional, o registo é muito menos linear. Existem exemplos fantásticos, associados a produtos específicos e diferenciados, em que uma correta gestão da escassez, efetiva ou provocada, cria uma atenção especial do consumidor, gera motivação para a compra, promove a partilha da experiência de compra e do consumo, desenvolve um sentimento de pertença e uma especial empatia com a respetiva marca. No entanto, quando falamos de produtos mais comuns, a comunicação de escassez deve ser muito mais cuidadosa, porque se corre o risco de ser a comunicação, ela própria, uma razão de aceleração do desabastecimento. Todos recordamos as corridas às lojas, a partir do momento em que surgem notícias de que
determinado produto pode vir a faltar ou quando circulam, nas redes sociais, fotos a mostrar prateleiras vazias. Açúcar, abacate, papel higiénico, enlatados, álcool gel são apenas exemplos recentes de produtos que, por razões reais de crescimento da procura, diminuição de produção ou simples tensão especulativa, sofreram este fenómeno. Por isso, neste período, se é praticamente impossível escapar ao tema e à pressão mediática para falar sobre a escassez, o empolamento dos custos ou os perigos de desabastecimento, é também fundamental não alimentar a insegurança, não gerar a compra de pânico, não contribuir para o avolumar das dificuldades. Para que o feitiço não se vire contra o feiticeiro.
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“Foi um grande erro convencernos de que o cliente só queria preço” No século XIX, reinventou o sector ao oferecer moda confecionada numa grande variedade de tamanhos. No século XX, tornou mais fácil o acesso à roupa prêt-àporter. Agora, no século XXI, quer democratizar a moda sustentável. Falamos da C&A, insígnia que, em 2021, assinala os seus 180 anos e que completa três décadas de operação em Portugal, mercado onde se estabeleceu, em 1991, tendo também contribuído para o que foi o desenvolvimento e dinamização do retalho não alimentar desde então. Se muito mudou nestes 30 anos, há princípios e valores que continuam a nortear a atividade da C&A e dos quais não abdica, como o forte pilar da sustentabilidade. Uma sustentabilidade que não é apenas ambiental, mas também financeira e do próprio negócio. Ou como nos sublinha Domingos Esteves, diretor geral de Espanha e Portugal da C&A, sem se gerar capital, não há como investir e manter postos de trabalho. Noção que faz com que o foco da insígnia, cada vez mais, se desvie de aspetos como preço e promoção, insistindo, em contrapartida, na questão do valor. É este o paradigma que a C&A quer continuar a consolidar para o futuro: para comprar melhor, o cliente não tem necessariamente de pagar mais. É o primado do preço justo e correto.
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TEMA DE CAPA
TEXTO Carina Rodrigues FOTOS D.R. / Sara Matos
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rande Consumo - No ano em que a C&A Europa assinala os seus 180 anos de história, a C&A Portugal completa 30 no mercado português, onde se estabeleceu em 1991, com a inauguração da sua primeira loja, no CascaiShopping. Ao longo destas três décadas, quais foram os principais marcos assinalados no mercado nacional? Domingos Esteves – Foram 30 anos muito intensos. O CascaiShopping foi o segundo grande centro comercial a abrir em Portugal e foi nessa mesma época que começou o desenvolvimento do retalho como hoje o conhecemos. A C&A foi uma das primeiras marcas internacionais de não alimentar a entrar no mercado português e o grande marco é esse mesmo. É o facto de, hoje em dia, ser uma referência no retalho de moda em Portugal. Foi das primeiras marcas a apostar no conceito familiar e na democratização da moda. Hoje, é reconhecida, por muitos consumidores, pela primeira roupa que compraram. Muitos nos dizem: “o meu primeiro fato foi comprado na C&A”. Foram 30 anos de grande aprendizagem, a crescer e a conhecer o consumidor português.
GC - O que trouxe, então, a C&A para o mercado português? DE – Trouxe, precisamente, a democratização da moda de qualidade. Trouxe surpresa, oferta e preços acessíveis. Na altura, era das únicas marcas a oferecer, num espaço comum, uma roupa acessível para toda a família. Os clientes passavam horas na nossa loja a desfrutar da oferta. A C&A também trouxe a inovação nas promoções, sem perder o registo de qualidade. Na altura, tínhamos um catálogo com algumas ofertas que fazíamos todos os meses. Nesses dias, a fila de caixa saída da loja. Essa atividade não existia no sector não alimentar. Trouxe também sustentabilidade. Desde sempre, a roupa de bebé é certificada, garantia da qualidade da produção e dos materiais utilizados. Trouxe preocupação com o ambiente. Na altura, a C&A já reciclava e recolhia a roupa usada e até oferecia os cabides, no sentido de desincentivar à compra de plástico adicional. E trouxe projetos sociais. A C&A foi sempre uma marca que tentou marcar a diferença e que foi evoluindo ao encontro do que os clientes procuravam. Há 30 anos, chamávamos à nossa fórmula de vendas de autosserviço assistido. Basicamente, expúnhamos o produto no espaço comercial e o cliente tinha a liberdade de escolher, de provar e de comprar. Só atuávamos, ao nível do atendimento, quando realmente nos era solicitado. Completamente diferente do que, na época, faziam as boutiques de moda. Hoje, o atendimento já é mais personalizado. Por isso, a C&A trouxe também uma escola de vendas. Com a chegada de mais marcas internacionais, estas iam em busca dos nossos profissionais para formar as suas próprias equipas. GC - Os princípios que norteavam, então, a operação mantêm-se ao dia de hoje? DE – Os valores de base mantêm-se. O léxico é diferente, há terminologias que são hoje usadas de uma outra maneira e a que damos um significado distinto - diversidade, inclusão, modernidade, inovação -, mas a base continua a ser oferecer a melhor relação qualidade/preço. Há 30 anos, chamávamo-nos do grande “value retailer” da moda em Portugal, porque oferecíamos uma qualidade muito boa para o melhor preço. Este princípio, ainda hoje, norteia a nossa operação. Hoje, introduzo como valor a palavra sustentabilidade, mas já a tínhamos antes, apenas não lhe dávamos essa terminologia. Sempre afirmámos que, para comprar melhor, não é preciso pagar mais. GC - Somos um mercado diferente dos outros? Em Portugal, quem é o cliente C&A e o que mais valoriza ele na vossa proposta de valor? DE – Se dessemos um rosto e um corpo ao cliente português, não seriam muito diferentes do europeu. Seria uma mulher, com mais de 35 anos, que procura roupa cómoda tanto para trabalhar como
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para a sua vida social, que se preocupa em vestir-se e em sentir-se bem e que se sente cada vez mais responsável por comprar a empresas que cuidam do ambiente. Mas há algumas especificidades. Por exemplo, o cliente português procura, de uma maneira ainda mais forte, roupa de criança, desde o recém-nascido até aos 12 anos. Valoriza muito a C&A pela qualidade dos seus produtos e pela segurança dos elementos utilizados na produção. O cliente masculino também faz parte da nossa definição de cliente e procura muito comodidade. Quando encontra um ponto de venda em que confia que os seus tamanhos vão estar disponíveis, fideliza-se. GC - Ao falar dos marcos dos últimos 30 anos em Portugal, temos de mencionar inexoravelmente a pandemia. Sendo a C&A uma multinacional com presença em distintos mercados, como é que a pandemia foi vivida pela empresa? Houve mercados onde o impacto foi mais forte? Foi esse o caso do mercado português? DE – O mercado português foi claramente dos mais afetados pela pandemia, porque os períodos das restrições foram mais longos. Se dividirmos em grandes momentos, o período de março a junho de 2020 foi o primeiro de fecho das lojas, mas muitos países da Europa começaram a reabrir em abril ou no início de maio. Já no segundo período, de janeiro a março de 2021, tirando a Alemanha, que também tinha restrições rígidas, Portugal e Espanha foram os mercados mais afetados. Claramente, o mercado português sofreu mais pela crise sanitária e pelas decisões políticas que foram tomadas, a que não podíamos fugir, mas que tiveram grandes implicações a nível laboral, dos stocks e dos produtos. Tivemos de gerir a mercadoria de uma maneira muito flexível e aí contámos com as diferenças entre Portugal e Espanha, movendo a mercadoria de um lado para o outro. Sem vender o produto, não há maneira possível de subsistir. Depois disso tudo, os impactos gerados, e aí já são mais genéricos, a nível europeu, devem-se a dinâmicas como o teletrabalho. Se as pessoas estão em casa adaptam a forma como se vestem e cuidam, o que tem reflexos diretos no que compram. Houve uma forte procura de peças mais confortáveis e casuais, o que teve repercussões também a nível da gestão de produto. Foram momentos de muita aprendizagem, de muita rapidez na execução e de procura de canais novos para venda, como, por exemplo, o WhatsApp. GC - Com a pandemia, houve um foco do retalho em tudo o que tem a ver com a digitalização e o sector da moda não foi exceção. De que modo a C&A navegou também a “onda” da digitalização? DE – O que a pandemia veio fazer, no caso do digital da C&A, foi acelerar uma estratégia que já lá
“Claramente, o mercado português sofreu mais pela crise sanitária e pelas decisões políticas que foram tomadas, a que não podíamos fugir, mas que tiveram grandes implicações a nível laboral, dos stocks e dos produtos. Tivemos de gerir a mercadoria de uma maneira muito flexível e aí contámos com as diferenças entre Portugal e Espanha, movendo a mercadoria de um lado para o outro. Sem vender o produto, não há maneira possível de subsistir”
estava, já existia. A questão é que o digital coloca-nos numa situação em que é o consumidor que está à frente das marcas. A maneira como usa os canais digitais e as plataformas de que dispõe é muito mais avançada do que a das próprias empresas, uma vez que isso implica uma necessidade de transformação e de investimento, de recursos, também humanos, que levam o seu tempo.
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“Crescer no online não significa a morte das lojas físicas, nem nada do que se pareça. Até muito pelo contrário. A moda implica talvez uma das experiências de compra mais físicas, mesmo quando adquirimos o produto online. E, um ponto muito importante, o cliente tende a comprar online em insígnias onde encontra, precisamente nas lojas físicas, os atributos do serviço e da credibilidade”
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A pandemia obrigou-nos a encurtar caminho e ir ao encontro das novas necessidades dos clientes. Na C&A, estamos a fazer muito, mas ainda não é o suficiente. Cada vez mais, apostamos em aportar aos nossos diferentes canais uma boa experiência de compra e de utilização e que estes proporcionem vantagens compatíveis a que o crescimento passe também pelos mesmos. A verdade é que, através do online, adquirirmos muitos novos clientes que antes não consumiam a nossa marca. A loja online é a verdadeira “flagship”, porque permite oferecer tudo, as 24 horas do dia, a todos os consumidores. Hoje, quando tenho de definir quais as categorias em que apostar numa loja física, sofro menos com essa decisão, porque o cliente pode ir à loja online e encontrar o produto que deseja. Isso, realmente, dá outra confiança até em abraçar diferentes conceitos de loja. GC - Antigamente, comprar roupa era dar uma voltinha no centro comercial, mas, hoje, a jornada de compra é completamente diferente. Neste cenário, o que acontece à loja física, qual o seu papel? Numa altura em que se retoma já uma certa normalidade, considera que se reforçou o valor da loja física ou pelo contrário? E qual o papel do colaborador, das pessoas? DE – À parte a minha responsabilidade profissional e comercial, sou um entusiasta das lojas físicas. Volto à questão do léxico: há novas palavras a surgir. Vivemos numa era de conceitos híbridos de físico e online, que vão ser compatíveis e permitir que os clientes descubram e que possam servir-se do modo que lhes for mais conveniente. Essa é, para mim, outra palavra-chave: conveniência. O tema do online não é tanto a rapidez. É a conveniência. É o facto de poder, 24 horas por dia, comprar e escolher um conjunto de produtos mais amplo. A conveniência saiu reforçada. As lojas físicas vão manter-se, logicamente, distintas. No entanto, basta remontar ao início da operação da C&A em Portugal, há 30 anos, para ver que, também então, eram diferentes do que são hoje. Portanto, a sua evolução e adaptação é normal e algo muito natural.
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Crescer no online não significa a morte das lojas físicas, nem nada do que se pareça. Até muito pelo contrário. A moda implica talvez uma das experiências de compra mais físicas, mesmo quando adquirimos o produto online. E, um ponto muito importante, o cliente tende a comprar online em insígnias onde encontra, precisamente nas lojas físicas, os atributos do serviço e da credibilidade. A confiança. A noção de fidelização está a alterar-se muito. Hoje em dia, continua a haver fidelização, mas existem novas cartas em jogo. A existência e complementaridade dos diferentes canais é que permite que continue a existir fidelização e que esta se solidifique. GC - Até onde chegará o online, particularmente no sector da moda? Portugal está distante de atingir o teto a este respeito? DE – Portugal está ainda com percentagens de compra de moda online muito inferiores às de outros países europeus, já para nem falar da América ou da Ásia. O crescimento é significativo, mas ainda estamos muito longe do que são as médias de outros mercados mais maduros. Claramente, o online irá continuar a crescer em Portugal e a crescer bastante. Se olharmos para o ranking das vendas online, não encontramos marcas de moda no top 10. Ainda estamos longe dos dois dígitos e os mercados mais sérios já chegam quase aos 30%. O que não é necessariamente negativo, porque dá-nos mais tempo para ajustar e aprender o que melhor podemos implementar em Portugal. Não nos podemos esquecer que o online dá-nos um enorme
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campo de crescimento e de possibilidade de consolidação das empresas e das marcas. GC - Outro fator que recuperou a proeminência com a crise foi o preço, mas se há algo que a pandemia veio evidenciar é a necessidade de rentabilidade nos negócios. Como se equilibram estes dois vetores? DE – Esse equilíbrio tem forçosamente que existir. Até porque um dos erros que a indústria têxtil cometeu, nos últimos anos, foi entrar numa concorrência desmedida pelo preço, pondo em causa o valor dos produtos vendidos e reduzindo, de uma maneira drástica, as margens. Isso fragilizou-nos muito. Com os produtos a serem adquiridos em todo o mundo e os pagamentos a serem feitos em várias divisas, quando as margens são muito reduzidas, ficamos muito fragilizados e há uma deterioração do consumo. Com a descida do preço, mesmo que se mantenha a cesta, o gasto médio baixa bastante. Foi um grande erro convencer-nos de que o cliente só queria preço. Agora, o equilíbrio passará não por uma subida de preço, mas pelo incremento do valor e pela comunicação desse mesmo valor. Se o cliente souber que está a comprar bem, aceita pagar aquilo que é o preço justo. Estamos, atualmente, numa situação complicada com todas as tensões existentes na cadeia de abastecimento. O que sublinha, ainda mais, a necessidade das empresas serem responsáveis. Isso significa que não queremos que o cliente tenha de pagar mais pelos produtos, mas não esquecemos o
que é o preço justo. Temos de passar além da discussão do low cost. Do ponto de vista da gestão de uma marca, implica também uma nova abordagem à gestão de stocks. Já não se compra tanta quantidade, que possa gerar uma deterioração do produto, pela necessidade de levar a cabo tantas promoções, de modo a poder escoá-lo. Todo este equilíbrio vai permitir que a razão valor/preço tenha o sentido correto. GC – O consumidor nacional continua ainda muito focado no fator preço e no gatilho das promoções? É possível fugir a isto? DE – Não podemos falar de promoções quando nos referimos ao ano de 2020. A C&A tinha três milhões de peças paradas, que eram da temporada anterior. Se esse dinheiro não fosse feito, não podia comprar novas coleções. Vamos ser claros: se o capital não entra, também não pode sair. Então, não chamamos a 2020 um ano de promoções. Foram ações de gestão que diferentes marcas fizeram de distintas formas. Em 2019, a C&A tinha já tentado limitar ao máximo o número de campanhas comerciais. No nosso entender, está relacionado com uma gestão correta das coleções. Este ano, adotou-se a mesma política e foram feitas muito poucas ações. Aliás, os saldos de verão foram iniciados mais tarde, quase em agosto. Na C&A, estamos, realmente, a tentar que os clientes encontrem nos nossos espaços comerciais o preço correto do produto que oferecemos. Se o cliente tem essa confiança, não espera pelas promoções para comprar. Claro que as promoções continuarão a existir na C&A, mas aquelas que são realmente necessárias e nos momentos adequados. Se forem bem direcionadas, as promoções permitem atrair novos clientes para a marca. Mas se houver um uso massivo da promoção, então, é contraproducente. O primeiro objetivo da C&A é que o cliente sinta que fez um bom negócio quando paga o preço original do produto. Se conseguir isso, já não há uma tão grande dependência da promoção. GC - Perante este cenário, onde fica a fidelização? Ainda existem clientes fiéis? Os portugueses são clientes fiéis? DE – O consumidor português é muito agradecido e, nesse sentido, muito fiel. Se for bem tratado, regressa. A fidelização tem também uma relação com o produto oferecido e com a consistência do mesmo. Assim como com o serviço. São vários os fenómenos que vão criando fidelização e isso é algo que não mudou. Porém, hoje, as nossas vidas são mais agitadas, temos a sensação de que o tempo nos falta, temos menos paciência. Portanto, há marcas que têm uma oportunidade de criar fidelização pela
“Se forem bem direcionadas, as promoções permitem atrair novos clientes para a marca. Mas se houver um uso massivo da promoção, então, é contraproducente. O primeiro objetivo da C&A é que o cliente sinta que fez um bom negócio quando paga o preço original do produto. Se conseguir isso, já não há uma tão grande dependência da promoção”
experiência que permitem, pela relação que estabelecem e pela oferta de conveniência que vai gerar novos tipos de fidelização. GC - A consciência ambiental tornou-se também “moda” e não é para menos. São precisos cerca de 7.500 litros de água para fazer jeans, o equivalente à quantidade que uma pessoa média bebe em sete anos. Mas a indústria da moda tem feito um grande esforço, nos últimos anos, para procurar formas de produzir e de vender mais sustentáveis e, no caso da C&A, é firme o seu compromisso com a sustentabilidade. Na atual conjuntura, pensa que esta tendência vai abrandar ou, pelo contrário, poderá ser um acelerador de mudança? DE – Para mim, a conjuntura é claramente um acelerador da consciencialização ambiental. Após este ano e meio, o consumidor está muito mais atento. Por isso, e como já referi, um dos nossos objetivos é ajudar os clientes a tomar a decisão de compra: “vou comprar esta marca não só porque encontro o produto que quero, mas também porque sei que foi produzido em respeito do ambiente e que a marca protege o planeta”. Neste momento, estamos a sofrer fenómenos naturais com grande impacto. Vejamos o que se está a passar, desde o verão, com inundações por toda a Europa e incêndios por toda a parte. O planeta está doente e a sofrer, por nossa responsabilidade, de todos nós. A indústria têxtil tem clara responsabilidade nessa área e, nesse sentido, pelo menos na C&A, estamos a fazer tudo o que é possível para sermos uma indústria menos poluidora, para que os produtos que vendemos nas nossas lojas sejam de matérias recicladas e recicláveis. Hoje em dia, cerca de 70% da nossa coleção é sustentável.
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“O que todos os acontecimentos mais recentes vieram confirmar é que se pode vender mais em quantidade, mais em valor, mais em rentabilidade com menos stock. O segredo está na forma como se constrói o negócio, para que seja sustentável, não só do ponto de vista ambiental, mas também financeiro. Porque, no final de contas, é isso que permite manter postos de trabalho e investir” Um dos grandes valores positivos do que sofremos é esta maior consciência do que realmente é importante e do que temos de fazer para proteger o ambiente. E o consumidor tem aqui também uma responsabilidade, através das suas decisões de compra. Mas ainda temos muito que aprender. Li recentemente um artigo onde se fala da produção de peças de roupa a partir de garrafas de plástico. Não obstante esse plástico não deixará de ser microplástico. Nem tudo o que parece é e há que evoluir constantemente. GC - É esta a missão da C&A? Da mesma maneira que a marca, fundada em 1841 pelos irmãos Clemens e August Brenninkmeijer, reinventou o sector, no século XIX, ao oferecer moda confecionada numa grande variedade de tamanhos, e que, no século XX, tornou mais fácil o acesso à roupa prêt-à-porter, quer, agora, no século XXI, democratizar a moda sustentável? DE – Fomos a primeira marca no mundo da moda a vender pronto-a-vestir. Há 180 anos, foi algo muito inovador. Fomos também a primeira marca a vender a minissaia ou fatos de banho. São tantos os episódios bonitos da nossa história que mostram como a C&A
sempre foi uma marca inovadora. Hoje, juntamos à palavra democratização não só a moda, mas a moda sustentável. É essa a nossa missão. GC - Esta estratégia é compatível com um negócio de volume? DE – Tem que ser. Tem que existir uma correção do volume pelo valor. Por exemplo, será que, após toda esta dinâmica do teletrabalho, os homens vão deixar de usar fato e gravata? Não vão. Mas vão ter menos necessidade de os usar, daí, não precisarem de tantos, mas sim de melhores fatos. Vai haver espaço para as empresas que vendem volume procurarem o equilíbrio, tomando decisões racionais. Esta foi uma das grandes confirmações da pandemia. Recordo-me que, quando comecei como responsável de loja, há quase 30 anos, uma das coisas que me ensinaram foi que tinha que ter 20% mais de stock para o caso de virem muitos clientes à loja. Andámos muitos anos em que não falávamos do Canal do Suez, nem dos contentores, porque havia outros aspetos e fomos ensinados a gerir stock em demasia. Mas o que todos os acontecimentos mais recentes vieram confirmar é que se pode vender mais em quantidade, mais em valor, mais em rentabilidade com menos stock. O segredo está na forma como se constrói o negócio, para que seja sustentável, não só do ponto de vista ambiental, mas também financeiro. Porque, no final de contas, é isso que permite manter postos de trabalho e investir. GC - Na sua opinião, que elementos serão fundamentais no retalho da moda num futuro próximo? DE – Há muitos elementos. Agora, fala-se muito em algoritmos e esses são importantes. Estamos inundados de dados que temos de aprender a ler, porque nos vão permitir conhecer, ainda melhor, o cliente, as suas necessidades, o que procura. Quando soubermos tratar todos esses dados, haverá uma evolução na relação entre as marcas e os clientes. Mas o que vai ser fundamental, neste mundo dinâmico e de crescimento digital, é a capacidade que as marcas tenham de criar uma conexão com os clientes e inspirá-los. Se não se conseguir gerar essa inspiração, dificilmente se constrói uma relação. Sem esta, as marcas não subsistem. Temos também de ter muito presente o sentido de conveniência. Não são os consumidores que vêm às marcas, são as marcas que têm de ir ao encontro do consumidor. Antes, abríamos uma loja e os clientes vinham. Esse paradigma mudou. As marcas têm de ir para onde estão os consumidores e da maneira e no momento em que estes querem ser servidos.
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“A sustentabilidade não é um tema que está na ordem do dia, é o tema” Para o Grupo Montalva, a preocupação com a defesa do meio ambiente é incontornável. Desde a utilização das energias renováveis em quatro unidades industriais no país, a redução da utilização de plástico no packaging e a promoção da economia circular, investimentos que se enquadram na política ambiental do grupo. Alia-se a estas apostas uma preocupação com a saúde do consumidor, que leva a proprietária de marca reputadas do mundo da charcutaria, como Izidoro e Damatta, a apostar na oferta de um segmento dedicado ao consumo à base de proteína vegetal. Luís Rodrigues, CEO do Grupo Montalva, fala com a Grande Consumo sobre o desenvolvimento desta estratégia de sustentabilidade integrada.
ALIMENTAR TEXTO Bárbara Sousa FOTOS Sara Matos
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os últimos anos, o Grupo Montalva tem vindo a implementar iniciativas em linha com a sua preocupação com a defesa do meio ambiente e com a saúde do consumidor e a promoção da economia circular. “A sustentabilidade não é um tema que está na ordem do dia, é o tema. Para nós, isso tem-se materializado e desenvolvido em, basicamente, três eixos. Um eixo que é o puramente ambiental, ao nível das unidades industriais, e onde se insere o que se refere ao investimento em energias renováveis para efeitos de autoconsumo. Por outro lado, todas as medidas de eficiência produtiva, dentro das próprias unidades industriais. No fundo, estamos a diminuir a nossa pegada com a reutilização dos recursos que temos. Por fim, temos uma oferta cada vez mais eclética e abrangente. Sempre nos preocupámos com a saúde dos consumidores e, agora, também nos preocupamos com a saúde do próprio planeta, porque sem uma coisa não há outra. A esse nível, temos o lançamento da gama vegetariana Veggie Lovers, que vai expandir o seu portfólio”, explica Luís Rodrigues, CEO do Grupo Montalva. A energia tem um peso muito relevante, nas mais diversas etapas de operação do grupo, tendo em conta que se trata de uma empresa dedicada à atividade agroalimentar. As suas unidades industriais, por exemplo, operam maioritariamente entre 0ºC e 5ºC, chegando, por vezes, ao frio negativo, levando a uma necessidade de refrigeração constante, o que acarreta elevados custos energéticos associados. Assim, recentemente, o Grupo Montalva dotou quatro das suas sete unidades industriais com Unidades de Produção para Autoconsumo (UPAC), através da instalação de painéis solares fotovoltaicos. As instalações, localizadas no Montijo, Torres Novas, Milharado e Santarém, beneficiaram de um investimento de cerca de três milhões de euros para a acomodação de UPACs, fruto da parceria de 15 anos estabelecida com a Helexia.
Na prática, em termos do consumo energético, estamos a falar do facto de cerca de 80% deste ser abrangido. “É incontornável que façamos a utilização destas fontes de energia renováveis e naturais, contudo, não resolve tudo, nem de perto nem de longe. Tem um impacto significativo interessante, porém, na indústria alimentar, trabalhamos e consumimos energia 24 horas por dia. Mesmo quando não estamos a produzir, estamos a consumir energia e o fotovoltaico, infelizmente, não resolve uma parte substancial das horas do dia. O crescimento do preço da energia é algo que nos preocupa, como é óbvio, e preocupa toda a indústria. É transversal a toda a indústria e, neste caso, ao próprio planeta”.
Packaging
O grupo tem vindo a implementar um alargado conjunto de medidas para reduzir a sua pegada ecológica. Uma das medidas consiste na alteração das tradicionais embalagens de plástico por alternativas com incorporação de cartão. “A embalagem é uma parte importante da pegada ambiental da indústria alimentar. Faz parte do produto para permitir não só o transporte, mas que o produto chegue com a devida segurança alimentar. Nesse sentido, nos materiais de embalagem, ressalto obviamente a utilização do plástico. Aqui temos tomado muitas iniciativas no sentido de diminuir essa utilização”. A primeira, refere Luís Rodrigues, é a reutilização. No segmento de fiambres, a Izidoro apostou em embalagens com o sistema de “abre e fecha”, que garante uma segunda vida à embalagem e contribui para a redução do desperdício. A gramagem deste plástico foi também cortada em 15%. “Temos especial consciência da importância da economia circular e da sustentabilidade, porque, quando trabalhamos desta forma, com a cadeia integrada, há coisas que resultam perfeitamente naturais e lógicas. Toda a reutilização de recursos é óbvia, a eficiência nas cadeias logísticas é óbvia. Para nós, a questão da sustentabilidade não é só uma opção, é uma questão que, de facto, é um dos pilares desta organização como um todo, até pela natureza da atividade que desenvolve. Os consumidores estão muito atentos a este tema, estão atentos à saúde do planeta e obviamente à sua saúde resultante da alimentação. Pensamos que tomarão em consideração, na altura de tomada de decisão, aquelas marcas que são as mais responsáveis”, refere. Outro passo importante foram as novas embalagens Eco skin, que diminuem em 70% o uso de plástico e são 100% recicláveis, com papelão e plástico fáceis de separar, promovendo a reciclagem. Estas embalagens foram desenvolvidas para os produtos frescos da gama Veggie Lovers da marca Izidoro, mas também para os produtos transformados, como a gama Tapas da marca Damat-
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“Não é a proteína vegetal que é um risco para este sector. É a falta de alternativas em termos de inovação, de valor e de proposta, para que o consumidor as considere de uma forma diferente e especial. Este é um desafio que a própria charcutaria tem que travar e tem que vencer”
ta. “Cartão com uma superfície de plástico em cima. Além do mais, permite a separação eficiente, que nem sempre é fácil e, neste caso, é absolutamente óbvia. Isto, em termos do volume de plástico utilizado pelos nossos consumidores, pelos nossos distribuidores e pelos nossos clientes do retalho, tem um impacto muito significativo. Tem os seus desafios operacionais, mas é como tudo, a mudança tem sempre os seus desafios operacionais”. Também ao nível da oferta de salsichas, o Grupo Montalva está a trabalhar com os fornecedores para aumentar a incorporação de produto reciclado, tanto no vidro como na lata. “Já temos percentagens significativas, mas gostávamos que fosse mais. Mas, aí, precisamos que toda a cadeia se ajuste, o que vai acontecer e nós vamos estar na linha da frente”, explica. Recentemente, o grupo anunciou que as tradicionais latas Izidoro 100% recicláveis, tal como os frascos, passam a ser produzidas com 58% de matéria-prima reciclada.
Inovação
Para Luís Rodrigues, a estagnação do segmento de charcutaria é um dos grandes desafios desta fileira e aponta para uma certa falta de inovação que afeta a valorização do produto. “Não é a proteína vegetal que é um risco para este sector. É a falta de alternativas em termos de inovação, de valor e de proposta, para que o consumidor as considere de uma forma diferente e especial. Este é um desafio que a própria charcutaria tem que travar e tem que vencer”, lembra. O ADN de inovação e de renovação, de procurar novos caminhos e de ir ao encontro daquilo que são as necessidades dos consumidores está bem patente na marca Izidoro que, há mais de uma década, lançou a primeira oferta vegetal, que na altura não era vegetariana, com salsichas de soja. “Entretanto, a evolução dessa salsicha para uma salsicha vegan foi um desafio do ponto de vista tecnológico e do sabor. Temos uma equipa de inovação, investigação e desenvolvimento bastante grande, tendo em conta a dimensão do país e da organização, e que tem trilhado estes desafios ao nível da oferta vegetariana e de outras futuras. Esse foi um passo lógico, na linha do que já tínhamos e para onde queríamos prosseguir ao nível da oferta que trazemos ao mercado”. Após o sucesso do lançamento das suas salsichas vegan, de vegetais e de soja, no final de 2020, a Izidoro reforçou a sua aposta em produtos à base de proteína vegetal com uma nova gama de frescos, a Veggie Lovers, composta por um portfólio completo de produtos de origem 100% vegetal. Bife Vegan, Hambúrgueres Vegan e Almôndegas Vegan foram as três novas referências introduzidas nas prateleiras, que apresentam uma pegada mais amiga do ambiente. “A nossa motivação tem sempre a ver com aquilo que são as nossas preocupações e as preocupações dos nossos consumidores. Nesse sentido, a inovação e o
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lançamento da gama Veggie Lovers enquadram-se em dar mais opções aos consumidores e atingir franjas que não se sentiam retratadas na charcutaria tradicional portuguesa”, argumenta o CEO do Grupo Montalva. “Até porque a nossa oferta, apesar de ser certificada como vegan – todos os produtos que lançamos sob a gama têm o selo V-Label –, é composta por produtos que estão pensados para
uma lógica flexitariana. Julgamos que também há espaço para, em determinados momentos do tempo e do dia, haver atos de consumo à base de proteína vegetal”. Segundo o responsável, há muita procura para a proteína vegetal e as taxas de crescimento têm sido muito significativas, já que o consumidor português, apesar de gostar muito da sua charcutaria, também aprecia experimentar. “Consideramos ser uma área que vai ter bastante potencial. Os portugueses sempre foram muito conscientes, muito preocupados com a qualidade da sua alimentação e com o tipo de produtos que consomem, com o seu sabor, obviamente. Mas muito experimentalistas e, portanto, isto tem um espaço que é crescente e incontornável. E não só para as pessoas que são vegetarianas. Para as pessoas que, às vezes, comem carne, às vezes peixe e, amanhã, vão consumir um produto vegetariano, sem serem vegetarianas”. Ainda assim, o Grupo Montalva afirma-se, sobretudo, como tendo a charcutaria, e a carne como um todo, como o “core” da sua atividade, ocupando uma parte substancial do seu foco e direção. “Não convém perder o foco, como é óbvio, não temos massa crítica nem dimensão suficiente, enquanto país e enquanto organização, para poder diversificar demasiado. Portanto, temos que dar um passo de cada vez, de forma cimentada, mas olhamos para nós próprios como uma empresa de alimentação. Com foco na proteína, mas como uma empresa de alimentação”, conclui.
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OPINIÃO
ANA PINTO DE MOURA Professora auxiliar na Universidade Aberta, engenheira alimentar pela ESB-UCP e doutorada em Engenharia de Sistemas Industriais, pelo INPL. Investigadora do GreenUPorto e coordenadora do curso de Mestrado em Ciências do Consumo Alimentar da Universidade Aberta
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RELEVÂNCIA DOS SISTEMAS ALIMENTARES SUSTENTÁVEIS NO CONTEXTO DA CPLP De acordo com a FAO, os sistemas alimentares abrangem o conjunto de pessoas, instituições, atividades e materiais, pelos quais os bens provenientes da agricultura, silvicultura ou pesca são produzidos, processados, comercializados e disponibilizados aos consumidores. Compreendem, igualmente, o ambiente político, económico e tecnológico, no qual as diferentes fases se processam. Na realidade, a industrialização e a especialização da agricultura, do processamento e retalho alimentares promoveram a eficiência ao longo de todo o sistema alimentar, contribuindo para o aumento da disponibilidade e acessibilidade de alimentos variados, a preços razoáveis ao consumidor. No entanto, estas transformações contribuíram, igualmente, para o surgimento das alterações climáticas, nomeadamente, ao nível do aumento das emissões de carbono, bem como da malnutrição, que ocorre quando o aporte de macro e de micronutrientes não atinge ou excede as necessidades metabólicas. De facto, com a globalização, a urbanização e a melhoria do sistema de transportes, a alimentação ocidentalizou-se, com a consequente ingestão de alimentos de elevada densidade energética, ricos em gordura, açúcar e sal, principalmente de origem animal, carnes vermelhas e processadas, mas também cereais refinados, produtos lácteos, açúcares livres e um consumo reduzido de frutas e vegetais e grãos integrais, afastando-se das dietas sustentáveis. Ora, os sistemas alimentares sustentáveis assumem particular relevância no contexto da CPLP. De acordo com a FAO Portugal sobre o relatório SOFI 2018, nos países da CPLP, entre 2006 e 2017, os índices de desnutrição foram reduzidos, significativamente, em Angola (passando de 54,8% para 23,9% da população), em Moçambique (de 37,0% para 30,5%) e no Brasil (apresentando índices inferiores a 2,5%, em 2014, saindo do Mapa da Fome da FAO). Contaram, também, com reduções em TimorLeste (31,3% para 27,2%) e Cabo Verde (14% para 12,3%). Por sua vez, o percentual de habitantes desnutridos aumentou levemente na Guiné-Bissau (passando de 24,6% para 26%) e em São Tomé e Príncipe (9,4% para
10,2%). Portugal manteve índices inferiores a 2,5% da população, ao longo do período, e não há dados disponíveis sobre a Guiné Equatorial. Diversos países da CPLP têm alta dependência em agricultura. Entre eles, o relatório observou que em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, a prevalência de má nutrição ocorreu concomitantemente a condições de seca extrema. Além da seca, Moçambique e Guiné-Bissau sofreram também com tempestades e enchentes. O SOFI 2018 enfatizou, ainda, que alguns países foram afetados por múltiplas formas de malnutrição. Por exemplo, Angola, Guiné Equatorial, Guiné-Bissau e Moçambique apresentaram índices significativos de anemia entre mulheres em idade reprodutiva e crianças com atraso no desenvolvimento. Por sua vez, os índices de obesidade entre adultos continuam a crescer globalmente. Brasil e Portugal são aqueles que apresentam os números mais expressivos: 22,3% e 23,2% dos seus adultos, respetivamente, são obesos. Estes dois países, porém, não são os únicos: todos os demais países da CPLP estão a sofrer duplamente com a desnutrição e crescentes índices de obesidade (http://www.fao.org/portugal/noticias/detail/ pt/c/1169030/). Estes dados concorrem com os objetivos estabelecidos na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, nomeadamente o ODS 2: até ao ano de 2030, acabar com a fome no mundo (ODS 2, meta 2.1) e com todas as formas de malnutrição (ODS 2, meta 2.2), e estão relacionados com o ODS 4 - “garantir o acesso à educação inclusiva, de qualidade e equitativa e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos” - e o ODS 12 - “garantir padrões de consumo e de produção sustentáveis”. Muito embora aqueles problemas de saúde decorram de múltiplos fatores, nomeadamente, a existência de conflitos e violência em muitas partes do mundo, a presença de alterações climáticas e crises alimentares (sanitárias e ao nível da segurança alimentar), o combate a todas as formas de malnutrição requer uma abordagem multissectorial que compreenda intervenções complementares na saúde e na educação, sendo que os grupos mais vulneráveis a doenças relacionadas com a alimentação desadequada (como as mulheres, jovens, idosos e agricultores, dependendo do país) são também os mais vulneráveis aos impactos de crises.
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Neste contexto, os sistemas alimentares assumem, igualmente, um papel relevante neste combate, porquanto influenciam a disponibilidade e a acessibilidade de alimentos variados, nutricionalmente ricos, influenciando também a aptidão dos consumidores em optarem pela prática de uma alimentação saudável. Assim, para fazer face a esta problemática, a CPLP adotou, em 2012, a Estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional (ESAN-CPLP), construída em torno de três eixos de intervenção: eixo 1) fortalecimento da governança da SAN; eixo 2) promoção do acesso e utilização dos alimentos para melhoria dos modos de vida dos grupos mais vulneráveis; eixo 3) aumento da disponibilidade de alimentos com base nos pequenos produtores (https://www.cplp.org/id-4755.aspx), destacando-se o contributo da produção e comercialização alimentares de base local/familiar (cadeias curtas) na garantia da segurança alimentar e nutricional das populações. De facto, os agricultores familiares são fundamentais no abastecimento alimentar dos países, tendo um importante papel na sustentabilidade das zonas rurais, na produção diversificada de alimentos saudáveis e seguros e na melhoria das condições de vida da população rural através da criação de emprego e de rendimento. Os agricultores familiares operam sistemas agrícolas diversificados e preservam os produtos alimentares tradicionais, contribuindo tanto para uma alimentação equilibrada quanto para a preservação da agrobiodiversidade do mundo. Contudo, estes produtores que alimentam o mundo são um dos grupos sociais mais vulneráveis à insegurança alimentar e nutricional (https://www.cplp. org/id-4873.aspx). Esta questão é premente no contexto da CPLP, considerando que os produtores familiares agrícolas representam, em média, mais de 75% das explorações agrícolas, sendo responsáveis por cerca de 80% dos alimentos consumidos, facto que levou a CPLP a desenvolver um conjunto de Diretrizes para o Apoio e Promoção da Agricultura Familiar nos Estados membros, que visam “ampliar o reconhecimento deste sector e o seu fortalecimento mediante políticas de acesso aos recursos naturais, de garantia do direito à terra e aos territórios, de apoio à produção, tecnologia e serviços, de promoção da autonomia das mulheres rurais, de inserção da juventude, de proteção social e de acesso a serviços públicos” (https://www.cplp.org/id4873.aspx). É nesse sentido que surge a Pós-graduação em Sistemas Alimentares Sustentáveis, da Universidade Aberta, com o apoio da FAO, que visa, numa abordagem holística, avaliar o papel da alimentação e dos sistemas alimentares na promoção da alimentação saudável e sustentável e no combate à malnutrição, considerando, muito particularmente, o contexto da CPLP. A este propósito, sugere-se a consulta do seguinte link para mais informação sobre o curso https://portal.uab.pt/alv/cursos_alv/posgraduacao-em-sistemas-alimentares-sustentaveis/.
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“Um dos nossos principais fatores de diferenciação é a nossa grande capacidade de produção” No ano em que celebra o seu 18.º aniversário, a Brasmar enfrentou um dos mais exigentes períodos da sua história e, ao mesmo tempo, um dos mais promissores, consequência deste refletido e sólido percurso que tem vindo a traçar e que levou, recentemente, a marca a criar novas propostas de produtos para apresentar aos mercados internacionais, mas também a marcar presença em novos países, como é o caso dos Estados Unidos da América, onde abriu uma nova filial este ano. Não obstante, o mercado português continua a ser uma importante aposta, não fosse a empresa líder nacional no sector de produtos do mar congelados. Por isso, este ano pauta-se ainda por novos investimentos em território nacional. Os 18 anos da Brasmar em destaque nesta edição, com o testemunho de Sérgio Reis, CCO do Grupo Brasmar.
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rande Consumo - 2021 assinala o 18.º aniversário da Brasmar. Por um lado, existem motivos de sobra para celebrar, afinal, falamos de uma empresa que atinge a idade adulta. Por outro, tal como a maioria das empresas, passaram por um dos períodos mais desafiantes das últimas décadas e que obrigou a algumas alterações no modelo de negócio. Quais as lições a retirar? Sérgio Reis – É evidente que este ano e o anterior foram períodos desafiantes para a Brasmar.
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Falamos de uma crise que teve um impacto mundial transversal a todos os sectores de atividade. No entanto, temos também motivos de sobra para festejar. Em primeiro lugar, inaugurámos em Miami, na Flórida, uma nova sucursal. Sempre olhámos para o mercado americano como uma oportunidade, dada a sua dimensão e investimento no sector de produtos do mar congelados e refrigerados. Para além do mercado americano, abrimos neste período a nossa sucursal em Itália, onde crescemos significativamente a equipa de vendas. A abertura dos novos escritórios revelou-se estratégica para nós, na medida em que nos permite estar mais próximos dos clientes e atuar de forma local e especializada nas duas áreas, retail e food service, ambas com forte potencial de crescimento. Já somos um dos principais "players" europeus no sector de produtos do mar e, por isso, estamos empenhados em nos afirmarmos, cada vez mais,
enquanto especialistas nesta área, com destaque para produtos como bacalhau, polvo, salmão e mariscos. Neste período pandémico, o fecho do canal Horeca teve, obviamente, um impacto nas vendas da distribuição tradicional na Brasmar, fundamentalmente nestas categorias de produtos. Em contrapartida, na grande distribuição, obtivemos crescimentos consideráveis em todo o nosso portfólio de produtos. Em suma, a diversidade da nossa vasta gama de produtos, mercados e canais comerciais permitiu-nos atenuar o impacto que se sentiu neste período. GC - Estão a conquistar novos mercados? Quais os mais importantes e que novas propostas têm apresentado? SR – O mercado internacional é estratégico para a Brasmar, não fossem as exportações da empresa corresponder a mais de 50% do volume de negócios. Neste momento, estamos presentes diretamente em seis países, sendo eles Portugal, Espanha, Itália, Noruega, Brasil e Estados Unidos, e exportamos para mais de 40. Temos como objetivo crescer e consolidar a nossa posição nestes mercados. Em termos de novas propostas, na área de congelados, desenvolvemos uma nova linha de bacalhau ao ponto de sal, produzida numa das nossas unidades, para responder à procura por este produto nos mercados internacionais, mais precisamente Itália, Espanha e França. Trata-se de um produto com crescente aceitação e consumo na Europa. Na área de refrigerados, lançámos uma gama de pescado “ready to eat”, vocacionada para o canal retail, sendo que teremos novos lançamentos no curto prazo. GC – Em Portugal, a época de consumo por excelência de bacalhau é o Natal. O que têm feito para continuar a conquistar novos consumidores nesta categoria? SR – Acreditamos que o segredo passa por continuar a entregar, de forma consistente, um produto de excelente qualidade. Trabalhar com matérias-primas que têm, ao longo do ano, variações organoléticas, textura, entre muitas outras, traz desafios acrescidos ao negócio. A Brasmar reforça diariamente a sua preocupação com o compromisso, qualidade e sabor dos seus produtos, através de uma rigorosa seleção das matérias-primas e rigor nos processos de produção. Na época de Natal, há um acréscimo significativo de consumo de bacalhau e polvo, produtos em que a Brasmar tem merecido a confiança dos clientes ao longo dos anos. Somos reconhecidos pela sua qualidade e sabor, tendo sido premiados com o selo Sabor do Ano, em Portugal, na categoria de polvo limpo, pelo quinto ano consecutivo, e em bacalhau demolhado, pelo segundo ano consecutivo. É com base neste compromisso que trabalhamos para entregar diariamente, de forma sistemática, os melhores produtos aos nossos clientes e consumidores. GC - Que investimentos têm vindo a fazer na operação para otimizar a produção e dar resposta às exigências dos consumidores? SR – Um dos nossos principais fatores de diferenciação é a nossa grande capacidade de produção, aliada a tecnologia de ponta nas nossas unidades industriais e a otimização dos processos produtivos, pelo que os investimentos nas várias unidades de produção são constantes. O Grupo Brasmar fez intervenções que totalizam um investimento de cerca de 12 milhões de euros nos últimos três anos, com o objetivo de continuar a aumentar a capacidade de produção, melhorar os processos produtivos e alargar a oferta de produtos. Investimos também na renovação de instalações, aquisição de equipamentos e maquinaria e na implementação de novos softwares de gestão nas várias unidades. GC – Um tema que continua a ser incontornável é o da sustentabilidade. O que é que a Brasmar tem feito nesta matéria? SR – Ao nível da sustentabilidade, seguimos os parâmetros mais exigentes de qualidade e respeitamos o ciclo de vida das nossas espécies, seguindo os critérios de uma pesca sustentável. Temos aumentado,
Sérgio Reis, CCO do Grupo Brasmar, analisa a dinâmica de crescimento da Brasmar, no ano em que a assinala o seu 18.º aniversário
significativamente, o número de espécies com as certificações MSC - Marine Stewardship Council e ASC - Aquaculture Stewardship Council, organizações independentes, internacionais e sem fins lucrativos, que promovem a sustentabilidade das pescas. Começámos em 2018 a comercialização de 18 referências MSC/ASC e, atualmente, contamos já com 45 referências. Nos próximos anos, vamos, seguramente, continuar a aumentar o nosso portfólio de produtos com certificação MSC e ASC. GC - Que expectativas têm para o futuro? SR – A Brasmar tem como objetivo continuar a acompanhar de perto as tendências de mercado, procurando desenvolver soluções eficazes de acordo com o perfil do consumidor. Temos equipas de I+D que trabalham, em permanência, o lançamento de novos produtos. Desta forma, contamos, num futuro próximo, apresentar propostas inovadoras que nos permitam ampliar a oferta e alargar a gama de produtos congelados e refrigerados. Pretendemos continuar a apostar na sustentabilidade, afinal, a nossa base de trabalho é o mar. Já as preocupações dos consumidores com a saúde refletem-se na nossa oferta de produtos identificados como escolha saudável. Por fim, não podemos deixar de destacar a forma como temos trabalhado a tendência para o consumo de alimentos de preparação rápida e de elevada qualidade. Com a aquisição das empresas em Espanha, a La Balinesa, especialista em produtos fumados, e a Foncasal, em produtos cozidos pasteurizados, pretendemos reforçar o nosso portfólio e aumentar a nossa quota de mercado na área de produtos de mar refrigerados em vários países, nomeadamente em Portugal.
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3 tendências no mundo da padaria, pastelaria e chocolate ALIMENTAR TEXTO Bárbara Sousa FOTOS Shutterstock
Para os consumidores de hoje, a alimentação é mais do que apenas nutrição. É uma forma de identidade e de relações sociais. Além de estarem mais conscientes sobre o que comem, os consumidores querem descobrir como a sua alimentação impacta as outras pessoas e o planeta. Uma tendência para o consumismo consciente que está presente em todas as faixas etárias, mas com mais ênfase na Geração Z, os menores de 25 anos, segundo uma pesquisa da Ipsos. E este cenário de consumo responsável inclui o universo de padaria, pastelaria e chocolate. Padaria com ingredientes naturais, pastelaria à base de plantas e maior teor de cacau no chocolate, assim como embalagens sustentáveis e desperdício zero são algumas das tendências que devem dar forma ao futuro desta indústria.
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om a pandemia a manter-nos isolados em casa durante grande parte de 2020, a demanda por compras online e serviços de entrega ao domicílio disparou. Uma mudança que começou por necessidade, mas que rapidamente se transformou numa expectativa contínua. As compras online de alimentos, realizadas, pelo menos, uma vez por semana, duplicaram no espaço de um ano, crescendo de 6% (2018) para 12% (2021), diz uma análise da Ipsos, indicando uma correlação óbvia com a pandemia. Na região da Ásia-Pacífico e Médio Oriente e África, um em cada cinco consumidores compra alimentos online, pelo menos, uma vez por semana, muitos deles diariamente. Índia, China e Vietname lideram a lista de países na Ásia-Pacífico, quando se trata de compras online de alimentos. “E aqueles clientes que estavam com saudades das especialidades favoritas em restaurantes enquanto estavam em casa?”, questionou Rollo McIntyre, Global Head of Innovation da Ipsos, durante a edição de 2021 do evento Taste Tomorrow, um grande estudo realizado pela Puratos, a nível mundial, para entender o consumidor nas áreas de padaria, pastelaria e chocolate, através da informação detalhada sobre o seu comportamento, atitudes e escolhas. “Descobrimos que quase metade dos consumidores em todo o mundo encomendou comida online, com um em cinco a realizar pedidos semanalmente. Na Ásia-Pacífico, no entanto, esse número subiu para 29% de todos os consumidores, com quase metade dos ‘foo-
dies’ chineses a pedir refeições online semanalmente”. Esta tendência estende-se a outras geografias. 57% dos consumidores globais considera que todas as lojas e restaurantes devem oferecer a possibilidade de entregar ao domicílio. Um valor 10% superior aos resultados de 2018. A maior proporção de consumidores a favorecer as entregas ao domicílio encontra-se no mercado sul-americano, onde 82% dos participantes disse ter essa expectativa. Mais ao norte, no México, as expectativas são semelhantes, com 74% dos consumidores a procurar as entregas ao domicílio em todas as lojas e restaurantes. Os números são mais baixos nos Estados Unidos da América com 43%, no Canadá com 54% e na Europa, onde há uma procura média de 55% por estes serviços. No que diz respeito à padaria, pastelaria e chocolate, observou-se um aumento significativo nos pedidos online e de entregas desde a edição de 2018 do Taste Tomorrow. As compras de chocolate estão no topo da lista, onde a penetração passou de 31% para 46%, com quase um em cada dois consumidores globais a comprar chocolate, pelo menos, uma vez por ano, com diferenças importantes entre as regiões: Ásia-Pacífico com 68%, Médio Oriente e África com 55%, América do Sul com 49%, América do Norte com 39% e Europa com 34%. Além disso, 29% está interessado em comprar chocolates online no futuro. Na pastelaria, houve um aumento acentuado em relação a 2018, com dois em cada cinco consumidores a fazerem pedidos online, pelo menos, uma vez por ano, e um número semelhante a expressar interesse em fazê-lo no futuro. Também um em cada três consumidores globais comprou, recentemente, pão através do canal online, com algumas diferenças importantes entre regiões: Ásia-Pacífico com 44%, Médio Oriente e África com 38% e América do Sul com 30%. 27% dos consumidores globais expressou interesse em comprar pão online num futuro próximo. Contudo, 42% dos compradores globais não compra pão online e não tem interesse em fazê-lo. Por produtos mais especializados, como bolos e confeitaria fina, há mais interesse. Apenas 32% disse que não optaria por este método de compra e 24% afirma que também não compraria chocolate dessa forma. “Dúvidas sobre a frescura são a barreira número um em relação ao pão e à pastelaria. Isso é algo que preocupa muitos consumidores, assim como a qualidade dos produtos. Houve menção frequente de preços mais altos e incerteza sobre os prazos de entrega como fatores que fazem os clientes pensar duas vezes antes de carregar
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no botão de compra”, afirma o porta-voz da Ipsos. “No entanto, quatro em cada 10 pessoas com quem falámos disseram que a preferência pelo contacto pessoal foi o que as fez escolher uma compra mais tradicional. Essa era uma preocupação número um ao comprar chocolate, por exemplo”.
Conveniência e automação
Máxima conveniência e abertura para um uso mais frequente de plataformas tecnológicas, mas manter a visita à loja. Os consumidores agora querem tudo. “Em vez de buscar um retorno retrógrado às compras como estas eram, procuram levar a tecnologia consigo e ter uma experiência de compra aumentada por esta, o que coloca muita pressão sobre os retalhistas”, explica Rollo McIntyre. 37% dos consumidores em todo o mundo gostaria que as lojas fossem mais automatizadas, com, por exemplo, preenchimento robótico das prateleiras, caixas com self-service ou mesmo a completa ausência de caixas de pagamento. Entre os menores de 25 anos, um em cada dois consumidores deseja este tipo de conveniência nas lojas físicas, um claro contraste com três em cada 10 consumidores com mais de 50 anos. Na Ásia-Pacífico, onde esta tendência já se consolidou, a expectativa é muito maior, com 58% dos consumidores a pedir lojas totalmente automatizadas. Em comparação com menos da metade dessa proporção na Europa (26%) e na América do Norte (28%), onde ainda é uma ideia nova. À medida que a confiança do consumidor na ciência alimentar cresce, o apoio nas soluções de
“Em vez de buscar um retorno retrógrado às compras como estas eram, OS CONSUMIDORES procuram levar a tecnologia consigo e ter uma experiência de compra aumentada por esta, o que coloca muita pressão sobre os retalhistas”
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inteligência artificial também se torna num fator no seu comportamento de compra. Na Ásia-Pacífico, novamente na vanguarda, 61% dos consumidores acredita que a inteligência artificial os ajudará a fazer melhores escolhas alimentares no futuro. A Indonésia com 71%, o Vietname com 76%, a China com 73% e a Índia com 72% estão entre os países na frente. “É claro que, à medida que os assistentes de inteligência artificial simplificam os comportamentos e preferências de compra dos indivíduos, os profissionais de marketing vão-se deparar com o desafio real de convencer estes assistentes a comprar os seus produtos, em vez de convencer os próprios consumidores”, realça Rollo McIntyre. “O crescimento da inteligência artificial e a agora crescente abertura do consumidor à mesma significam não só que esta síntese de digital e físico prescreverá o desenvolvimento de novos produtos, mas também que a automação da cadeia de fornecimento será inevitável se quisermos acompanhar a demanda das compras online. Portanto, investir em melhor recolha de dados, machine learning e outras ferramentas analíticas é agora uma obrigação. A inteligência de dados e o avanço da digitalização são essenciais. As empresas que irão prosperar e sobreviver serão aquelas capazes de se transformar rapidamente e alavancar o poder das tecnologias”.
Padaria saudável
As preocupações com a saúde, especialmente após a pandemia, são um fator cada vez mais determinante nas escolhas alimentares dos consumidores. Depois dos três princípios básicos - frescura, sabor e preço -, a saúde é a próxima preocupação principal na hora de comprar pão. Mesmo quando se trata de pastelaria, a salubridade do produto é uma consideração importante. Com mais informação disponível online, 24 horas por dia, sete dias por semana, a compreensão dos consumidores sobre nutrição está num nível sem precedentes e vai além das questões óbvias sobre o teor de açúcar e gordura. “Os consumidores definitivamente tornaram-se mais conscientes e preocupados com a nutrição em geral. Entendem que o papel principal da comida é fornecer energia para o dia. Estão, portanto, a tirar mais tempo para investigar o que compram. Alguns ingredientes em produtos de padaria agregam mais sabor e salubridade do que outros e alguns até agregam ambos os valores, aos quais chamaremos de ‘ingredientes poderosos’”, refere. Neste universo, mantém-se a busca por ingredientes alternativos, como farinhas e adoçantes. Os consumidores entendem que a saúde deve ser nutrida e que uma dieta saudável é essencial para prevenir doenças. Portanto, optam por alternativas melhores com muito mais frequência do que no passado e, na procura por um estilo de vida mais saudável, geralmente consideram uma de duas alternativas. 60% dos consumido-
res prefere uma receita original, mas para levar uma porção menor. Esta é a opção mais frequentemente escolhida no Canadá e Estados Unidos, ambos com 58%, e na Polónia com 76%. A outra metade dos entrevistados prefere escolher uma alternativa a comprometer a frequência com que come. Esse é o caso da Ásia-Pacífico e América do Sul, ambas com 69%, México com 72%, Quénia com 82% e Emirados Árabes Unidos com 76%. Como noutros universos, os ingredientes benéficos são adicionados e aqueles que podem ser prejudiciais, quando consumidos em excesso, são removidos com maior frequência. Da mesma forma, os consumidores estão agora mais conscientes e evitam a ingestão de muito açúcar ou ingredientes com muita gordura, com 70% a considerar que remover o açúcar ou a gordura contribuirá para melhorar a saúde. O teor de açúcar (45%), o número de calorias (47%) e a gordura (36%) são os três itens mais procurados na tabela nutricional constante nas embalagens, com um pouco mais de atenção ao teor de sal na América do Sul. Cada vez mais, os consumidores percebem os grãos e as sementes como “ingredientes poderosos” que agregam tanto em termos de sabor quanto de saúde. 79% dos consumidores globais classifica grãos e sementes como o principal contribuinte para o sabor e salubridade do pão. Em alguns países europeus, esta perceção dos grãos e sementes excede os nove em 10 consumidores, por exemplo, na Roménia com 96%, Portugal com 94%, Suíça com 94%, Espanha com 93% e Polónia com 93%. Grãos e farinhas integrais e, em menor medida, fibras também beneficiam de uma perceção sau-
dável, de acordo com oito em cada 10 consumidores. Mas pontuam um pouco mais baixo quando se trata do contributo para o sabor do pão. Por fim, a ideia do chocolate como saudável aumentou de 46% para 53%, desde 2018, com 66% a creditar o teor de cacau com os benefícios para a saúde. Assim, segundo a pesquisa da Ipsos, o cacau é um impulsionador do sabor, de acordo com 86% dos consumidores em todo o mundo, e tem propriedades nutricionais e saudáveis, de acordo com 64%. Já a presença de frutos de casca rija e superfrutas é muito menor, mas tem o potencial de elevar as propriedades saudáveis dos produtos de chocolate para 74% e 79% dos consumidores, respetivamente. “E como a saúde mental continua a ser uma prioridade para muitas pessoas, os consumidores percebem o chocolate como parte de um estilo de vida equilibrado e uma forma de lidar com a ansiedade ou o stress. Chocolate e outros produtos de padaria e pastelaria fornecem um impulso emocional de curto prazo”, declara Rollo McIntyre.
À base de plantas
O impacto da crise climática está a alimentar uma tendência geral para compras conscientes e éticas e isso abrange, inclusive, o universo da padaria, pastelaria e chocolate. “A comida de hoje é muito mais do que apenas nutrição. Está ligada à identidade e às relações sociais. Os consumidores querem fazer escolhas informadas com base na forma como os alimentos impactam não apenas a sua própria saúde, mas também a saúde do planeta, o bem-estar de outras pessoas e dos animais. A sustentabilidade tornou-se central para as decisões de compra dos consumidores, que procuram deixar um mundo melhor para esta e para as futuras gerações”, afiança o Global
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Taste Tomorrow O Taste Tomorrow oferece uma visão de futuro através da evolução e descoberta das tendências que vão impulsionar o mercado. Com o Taste Tomorrow, a Puratos monitoriza constantemente as tendências, combinando as tecnologias digitais mais avançadas e a inteligência artificial no campo da semântica. Também são realizadas entrevistas a mais de 17 mil consumidores de 40 países, 80 “foodies” das cidades mais “trendy”, especialistas e clientes da indústria alimentar. Este estudo é complementado por uma rede global de deteção de tendências, uma exaustiva investigação sensorial e uma colaboração com empresas, investigadores e universidades.
Head of Innovation da Ipsos. A crença de que uma alimentação à base de plantas é benéfica para o planeta e para a saúde duplicou, de 36% para 60%, em relação à última edição do Taste Tomorrow, tornando-se na maior tendência no mundo alimentar. Portanto, um em três consumidores compra alimentos à base de plantas semanalmente. A América do Sul está no topo com 37%, seguida pela Ásia-Pacífico com 32%, Europa com 35% e Médio Oriente e África com 24%. Na América do Norte, a tendência é consideravelmente menor, de apenas 22% a cada duas semanas. No Médio Oriente e África,
“É de realçar que o consumo alimentar consciente é abrangente. Uma reivindicação de ética não é necessariamente suficiente para uma venda. Os consumidores querem saber como os ingredientes foram cultivados, por que processos passaram, em que tipo de embalagem vêm e o que acontece com as sobras quando terminam de comer”
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no entanto, há mais atenção dada aos produtos biológicos, com 42% a comprar semanalmente, em comparação com a média global de 26%. O interesse em produtos à base de plantas é semelhante em todas as faixas etárias, com a Geração Z com uma compra mais consistente e, às vezes, diariamente. O consumidor de hoje quer saber mais sobre a empresa antes de comprar. Isto é especialmente percetível na demografia mais jovem, com menos de 25 anos, que está mais interessada na história e em todo o processo por detrás, e presta atenção especial à sustentabilidade do produto, do que os consumidores com mais de 35 anos. 66% dos consumidores quer saber de onde vêm os alimentos e como são preparados. Esse sentimento é mais forte no Médio Oriente e África com 80% e América do Sul com 78%, mas observa-se menos nos Estados Unidos com 46% e no Canadá com 56%. 90% dos consumidores lê as informações na embalagem para conhecer os ingredientes utilizados, o valor nutricional e a origem do produto ou dos ingredientes. A Ipsos observa esta demanda por informações em todos os mercados e em todas as gerações. Cada vez mais, os consumidores também procuram informações sobre aditivos, como conservantes, e esperam encontrar sabores e cores não artificiais. 66% compraria mais em padarias que utilizam apenas ingredientes naturais e 54% não abriria mão da naturalidade para ter um produto alimentar que se adeque às suas necessidades dietéticas. 64% acredita que os produtos orgânicos são melhores para a saúde e 21% dos consumidores procura uma declaração de orgânico na embalagem, com 35% no Médio Oriente e África. “Em geral, encontramos uma tendência global clara de afastamento de ingredientes altamente processados, em direção a ingredientes de fontes naturais. Estes são altamente valorizados por serem considerados mais saudáveis e permitem que as pessoas sintam orgulho em fazer uma compra ética. É de realçar que o consumo alimentar consciente é abrangente. Uma reivindicação de ética não é necessariamente suficiente para uma venda. Os consumidores querem saber como os ingredientes foram cultivados, por que processos passaram, em que tipo de embalagem vêm e o que acontece com as sobras quando terminam de comer”, conclui.
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“O ultracongelado é o novo fresco” A Panidor, produtora de padaria e pastelaria ultracongelada, chegou aos supermercados Minipreço com produtos ultracongelados, vendidos em arcas frigoríficas próprias, para que seja mais fácil a identificação dos seus produtos por parte dos clientes. Nas arcas Panidor constam alguns dos produtos icónicos da marca, como o croissant de chocolate, o pão com chouriço ou a carcaça cozida em forno de pedra. Cada vez mais, a conveniência é um aspeto importante na vida dos portugueses, que valorizam produtos fáceis e rápidos de preparar, sem terem de se deslocar. Além da conveniência, esta aposta contribui para a eliminação do desperdício, pois o consumidor coze apenas o que precisa, quando precisa. A Panidor acredita que o pão ultracongelado é o pão do futuro, sublinha Marta Casimiro, administradora da empresa.
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rande Consumo - A Panidor chegou aos supermercados Minipreço com produtos ultracongelados vendidos em arcas frigoríficas próprias. Com que objetivos aposta a empresa na venda direta ao consumidor? Marta Casimiro - A Panidor está atenta às alterações nos hábitos de consumo provocadas pela pandemia, que levaram as pessoas menos vezes ao supermercado e a dedicarem mais tempo à confeção das refeições. Num ponto de equilíbrio entre estas realidades, a Panidor começou a vender pão e pastelaria ultracongelada nos supermercados, com a sua própria marca, oferecendo uma forma prática de consumo. Os produtos de padaria estão 70% cozidos, pelo que os restantes 30% num forno doméstico são o suficiente para ter pão acabado de cozer, sem sair para o comprar diariamente. Sob o mote de que o ultracongelado é o novo fresco, esta é ainda uma solução sustentável, baseada num consumo mais calculado, onde os consumidores podem cozer apenas as unidades de pão ou pastelaria que pretendem comer nesse momento. GC - Porquê o “timing” deste lançamento? O facto da pandemia ter disparado a venda de produtos congelados teve algo a ver com isso? MC - De facto, só em 2020, o mercado do ultracongelado cresceu cerca de 149% em Espanha, tendência que acabou por chegar a Portugal.
Marta Casimiro, administradora da Panidor, aborda a aposta da empresa de padaria e pastelaria ultracongelada na venda direta ao consumidor
GC - Cada vez mais, a conveniência é um aspeto importante na vida dos portugueses, que valorizam produtos fáceis e rápidos de preparar. Consideram que esta prioridade se irá manter, mesmo com o regresso à normalidade e a retoma dos consumos fora do lar? MC - Se existem hábitos de consumo alterados pela pandemia que vieram para ficar, cremos que este é um deles. As pessoas perceberam que podem ter sempre pão acabado de fazer em casa, sem terem de sair para o comprar diariamente ou comprar em grandes quantidades. GC - Além da conveniência, o que é que este lançamento irá permitir? É uma forma de abordar também a questão do desperdício alimentar? MC - Estes novos hábitos de consumo, ao comprar o produto ultracongelado, reduzem invariavelmente o desperdício. A conveniência de um processo fácil, rápido e sem desperdício dos produtos ultracongelados é imbatível. GC - Porque é que a Panidor acredita que o pão ultracongelado é o pão do futuro? MC - O processo de ultracongelação preserva toda a frescura do pão, não havendo formação de microcristais de gelo no interior da massa. Ao descongelarmos estes produtos e ao terminarmos o processo de cozedura em casa, estamos a consumir um pão fresco, na comodidade da casa de cada um, e sem desperdício.
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o primeiro impacto, compensado de forma natural ao longo do resto do ano. GC - Esta nova aposta na venda direta ao consumidor é também uma forma de diminuir essa exposição? MC - A nossa estratégia passa por oferecer ao mercado aquilo que procura, antecipando, na medida do possível, os hábitos de consumo do futuro. Estes passos que damos na venda do produto ultracongelado vêm neste sentido, pois sabemos, por outros mercados, como o brasileiro, que se trata de um hábito de consumo com enorme potencial.
GC - Tendo em conta que todos os produtos da marca são ultracongelados, houve alguma necessidade de ajuste na cadeia de frio ou de armazenamento para este novo modelo de negócio? MC - A Panidor é líder no mercado de padaria e pastelaria ultracongelada, habitualmente vendida para ser terminada no ponto de venda pelas insígnias. O ponto frio é um conceito pensado para oferecer conveniência, ao comercializar produtos congelados, a serem terminados em casa pelo consumidor. Sendo que todos os produtos da marca são ultracongelados, este novo modelo de negócio não requereu qualquer alteração nem ajuste na cadeia de frio ou armazenamento, apesar de ser a primeira vez que a Panidor tem pontos de venda com marca própria nos lineares de frio negativo dos seus clientes. GC - Para além do Minipreço, estas arcas poderão vir a estar disponíveis noutras insígnias? MC - Desde agosto que temos estes espaços com a venda direta dos nossos produtos, como o croissant de chocolate, o pão com chouriço ou a carcaça cozida em forno de pedra. Cada vez mais, a conveniência é um aspeto importante na vida dos portugueses, que valorizam produtos fáceis e rápidos de preparar, sem terem de se deslocar. A Panidor pretende estar ao seu lado nesses momentos. GC - Como evoluiu o negócio da Panidor em 2020? Tendo em conta a vossa exposição ao canal Horeca, a corrida aos supermercados foi compensadora? MC - Houve um primeiro impacto contrário a essa corrida, no sentido em que as pessoas se deslocaram menos vezes ao supermercado, optando por produtos de pão de longa duração. Mas foi apenas
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GC - A aposta na inovação por parte da Panidor materializou-se também nas vendas online e na abertura de lojas. Foi uma aposta ganha? MC - Percebemos que a aposta teria de ser cada vez mais a venda ao consumidor final e acreditamos que essa tendência se manterá no futuro, pelas diversas razões também já referidas. GC - Consideram que é necessária uma evolução dos pontos quentes dos supermercados, à luz das novas tendências de consumo trazidas pela pandemia? MC - O ponto quente terá sempre o seu lugar nos hábitos de consumo, até porque o consumidor não vai ao supermercado apenas para fazer compras para casa. Há compras de ocasião e, até, para consumo imediato, pelo que a evolução do ponto quente poderá passar mais pelo tipo de produtos em oferta. GC - Quais os objetivos da Panidor para 2021? MC - O ano de 2021 está já a terminar e passou pelo reforço deste nosso posicionamento na venda de produtos ultracongelados, mas muito também pela inovação na criação de novos produtos, como na área de pastelaria, com as novas bolas de Berlim, mas também na área da panificação. Por fim, 2021 é um ano marcado pela internacionalização, com a expansão do leque de mercados para onde exportamos e, invariavelmente, pela presença da Panidor na Expo Dubai 2020, onde estamos presentes até março de 2022, levando produtos bandeira da Panidor e bandeira do nosso país, como o pastel de nata.
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O QUE PODE FAZER POR SI HOJE?
Conveniência e nutrição alavancam os mercados de arroz e massas MERCADO TEXTO Bárbara Sousa FOTOS Shutterstock
Com a abertura de bares e de restaurantes e com a medidas de teletrabalho a serem, cada vez mais, uma realidade do passado, os consumidores deixaram de consumir tanto dentro de casa. Assim, o universo do arroz, que conta com uma forte presença nos lares portugueses, inverteu a tendência verificada em 2020, ficando marcado por um decréscimo nas vendas em valor e em volume, segundo os dados da Nielsen IQ. As variedades de valor acrescentado e as consideradas saudáveis, assim como as ofertas mais ligadas à conveniência, continuam a liderar as vendas de arroz, assim como as de massas, outra das categorias com forte presença nos lares portugueses que, fruto das novas dinâmicas de consumo, regista também tendência negativa. Não obstante este panorama global, as variedades de massas integrais, bio e “gluten free” apresentam-se mais dinâmicas.
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realidade, que forçou o aumento marcado das refeições em casa, do qual beneficiaram produtos básicos como o arroz e as massas, está, lentamente, a dissipar-se. Os consumidores estão a consumir menos no lar e, consequentemente, a diminuir o tamanho da sua cesta. Os resultados registados pelo Market Track da Nielsen, para o ano móvel findo à semana 36 de 2021, demonstram um menor peso das vendas da categoria de arroz, patente pelo registo de um decréscimo em volume e em valor. Em concreto, registou-se uma descida de 0,9% nas vendas em valor, com a categoria a ser responsável por 81,3 milhões de euros, e de 2,5% em volume, para os 77,8 milhões de quilogramas. “O mercado de arroz branqueado é maduro e muito competitivo e, progressivamente, tem vindo a delapidar valor nos segmentos tradicionais ou menos diferenciadores. Dado o elevado consumo de arroz em Portugal, o mais alto da Europa, e sendo considerado um produto-âncora, é um mercado onde as guerras de preços são frequentes e bastante aguerridas, de modo a atrair o consumidor à loja, principalmente no contexto atual de queda de vendas”, refere Carolina Morgado Preve, diretora de marketing e de comunicação da Ernesto Morgado. Apesar de ser um país com forte cultura gastronómica de arroz, há em Portugal consumidores que, não sendo capazes de distinguir as diferentes variedades ou níveis de qualidade, optam pelo produto mais barato. “Porém, cada vez mais, a promoção pela redução de preço não alcança o resultado pretendido e tem vindo a verificar-se uma crescente apetência por tipos mais inovadores, em alternativa aos tradicionais (Carolino e Agulha), especialmente dos segmentos étnicos, em que o consumidor está disposto a pagar mais pelo valor de diferenciação. Atualmente, no mercado nacional, o Basmati representa 13,5% em volume e 21,4% em valor do total das vendas de arroz e o Jasmim e o Risoto têm apresentado taxas de crescimento interessantes”.
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Valor acrescentado
Segundo a Ernesto Morgado, que é a mais antiga indústria de arroz em Portugal, a categoria acompanha a tendência global do mercado, nos dois últimos anos, de procura por produtos de valor acrescentado, que se posicionam nos segmentos de conveniência ou de nutrição. O mercado de arroz pronto (acompanhamentos) cresceu 13,2% em quantidade e 8,4% em valor e, atualmente, vale cerca de 1,2 milhões de euros. Contrariamente, o mercado das refeições prontas à base de arroz está em decréscimo, mas ligeiramente
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acima dos valores de 2019, e tem vindo a ressentir-se da pandemia, inicialmente com a queda do segmento de vending, durante os confinamentos, e, atualmente, com o crescimento do take-away e serviços de entrega em casa. O consumidor parece procurar por atributos diferenciadores, sejam eles de conveniência, saúde ou a perceção de qualidade premium. E, dado o sucesso do arroz pronto-a-comer nos mercados internacionais, a Ernesto Morgado acredita que é um segmento com elevado potencial de crescimento, daí a sua forte aposta em inovação. “Desenvolvemos tecnologia própria para produzir arroz pronto e refeições prontas em um a dois minutos, naturais e saborosas como uma refeição caseira, com o intuito de diferenciar a marca Pato Real e valorizar um recurso nacional e local, o arroz Carolino, cujo consumo tem vindo progressivamente a diminuir. Com o Carolino, temos uma vantagem competitiva face aos grandes grupos internacionais, não só na facilidade de acesso à matéria-prima, devido a relações de longa data com os produtores orizícolas nacionais, mas também pelas características do produto em si que, pela sua capacidade de absorção, permite obter produtos mais saborosos”, refere Carolina Morgado Preve.
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Ainda assim, os consumidores, tendo em conta o seu crescente nível de exigência, estão dispostos a pagar mais por aquilo que satisfaça as suas necessidades. A marca e as origens dos produtos pesam nas vendas de arroz, sendo algo a que o consumidor continua a estar atento, assim como aos temas da certificação. “As marcas próprias são benéficas no sentido de ajudarem a promover o consumo de arroz. No caso do Basmati, permitiram aumentar a penetração e o valor médio de compra e julgamos que todas as marcas beneficiam com esse alargamento da categoria”, continua. “A qualidade e o sabor são fatores decisivos na escolha e isso aumentou com a Covid-19. Há uma crescente preocupação do consumidor com a qualidade e transparência nos processos de produção, em especial nos produtos alimentares. A Novarroz tem a certificação IFS (International Food Standards) e BRCGS (Food Safety Standard)”. Também para a Ernesto Morgado, a marca continua a ser um fator importante “porque é a única garantia de qualidade para o consumidor, não só em termos da qualidade e segurança alimentar dos produtos que oferece, mas também no modo de operar, de criar valor e de relacionar-se com todos os stakeholders, contribuindo, ao mesmo tempo, para questões ambientais e sociais, cruciais atualmente”. É assim que a empresa procura orientar a estratégia, desde a sua fundação, há mais de 100 anos, e que pretende diferenciar a marca Pato Real.
Existem várias formas de continuar a desenvolver a intenção de compra e a recrutar consumidores num produto tão presente nos lares nacionais como é o arroz. “Em especial, as novas variedades com benefícios de saúde, como, por exemplo, o integral, a divulgação de novas variedades e aromas e também diversos momentos de consumo, onde o arroz começa a Estabilidade nas massas ter presença mais regular. Em saladas, misturas As tendências não são muito distintas no universo para pequeno-almoço e lanche, entre outras. das massas, que denotou uma evolução negativa, O arroz é um alimento muito saudável e que tanto em termos de volume como de valor. No mestem muito espaço para crescer”, explica João moem período, foram comercializados 71,7 milhões de Machado, marketing director da Novarroz. Vendas Vendas em Valor Volume euros, o que corresponde a uma descida de 2,1%. Já A venda em promoção continua a ser outro (% vs homólogo) (% vs homólogo) Valor Quantidade quanto ao volume, também se observou uma queda “driver” da categoria e é ainda um importan62 646 861 para os 4 057 007 de quilogramas. 7,7 8,0 Mistura (Kg) (-3,4%), 50 milhões teCafé fatorede decisãoSolúveis para os consumidores. 382 276 445 das 15cestas 023 060 11,9 Café e Mistura Torrados (Kg) A redução de compras,18,9 transversal aos Segundo João Machado, “o consumidor bens de grande consumo, está a afetar a categoportuguês continua muito sensível à promoção 7 373 164 162 907 -6,0 -4,8 Chás (Kg) ria. “Contudo, os bens alimentares ‘básicos’, como e o arroz não é exceção. Temos dados que as 18 580 448 381 923 6,5 9,9 Infusões (Kg) as massas, são sempre privilegiados no carrinho de vendas em promoção voltaram a subir após Market (AnoConsumer Móvel findo a semana 36 compras de 2021) dos portugueses, não só pelo preço, mas pandemia. Em FastTrack Moving Goods, também porque são ricos em nutrientes e permitem este indicador subiu para próximo de 46%”.
Arroz (Kg) Massas (Kg)
Vendas em
Vendas em
Valor
Volume
Valor
Quantidade
(% vs homólogo)
(% vs homólogo)
81 356 698 71 692 038
77 786 936 50 082 104
-0,9 -2,1
-2,5 -3,4
Market Track (Ano Móvel findo a semana 36 de 2021)
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preparar variadíssimos pratos de forma rápida. Poderá, eventualmente, vir a existir uma transição de consumo de marcas de fabricante para marcas próprias, ainda que estas também terão um incremento substancial de preços, mas menor naturalmente”, refere Daniel Filipe Brissos, Managing Partner da Ponte Vertical. Para a empresa que assegura a distribuição de várias marcas italianas de massas secas, as marcas devem ter em atenção a tendência da procura por produtos de maior valor acrescentado e procurar adaptar e alargar a sua oferta, no sentido de criar gamas “wellness”, dando resposta às diferentes necessidades nutricionais ou preferências alimentares. “Embora a massa, por si só, já seja um benefício: é uma fonte privilegiada de hidratos de carbono com uma rica oferta de nutrientes - vitaminas B1, B2, B6, PP e E, ácido fólico, fosfato, cálcio, ferro, cobre, magnésio, sódio e potássio. É de fácil digestão e a absorção das massas é outra das suas inúmeras vantagens, fazendo com que mantenhamos os níveis sanguíneos de glicose estáveis durante mais tempo, o que assume um papel fundamental na preservação muscular e previne diversas doenças, segundo a Fundação Portuguesa de Cardiologia”, assegura, por sua vez, Paulo Morais Rosa, Managing Partner da Ponte Vertical. Assim, não é de estranhar que a Ponte Vertical indique como os mais dinâmicos os segmentos das massas integrais, biológicas e “gluten free”.
Promoções
Paralelamente a este tipo de considerações, mantém-se ainda a promoção a assumir um papel de destaque na decisão de compra. “O preço e a promoção são sempre os vetores que mais movem o consumidor, no momento da decisão de compra, mesmo quando canaliza a sua escolha para algo mais inovador ou saudável. No entanto, o fator ‘marca’ e a qualidade inerente à mesma está cada vez mais a ser trabalhado, para que seja este um dos sustentáculos principais desses mesmos eixos de decisão e de crescimento”, afirma Daniel Filipe Brissos. “Sabemos que existe uma sensibilidade particular à promoção e não deixaremos de acompanhar essa tendência. Contudo, verifica-se que, dependendo do momento da compra, o consumidor escolhe diferentes tipos de massa com atributos que se adaptem mais aos seus gostos pessoais, necessidades ou receitas
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"Em Portugal, a promoção é importante, por estar implantada na mente dos consumidores, mas não é determinante. Há uma disposição para pagar mais pelo produto de maior qualidade, desde que essa diferença não seja demasiado grande"
específicas que queira preparar”. Para o responsável da Ponte Vertical, a origem das massas é determinante no momento da escolha do consumidor mais exigente. A marca pesa nas vendas de massa porque transmite segurança, tradição e qualidade. “Reconhecida mundialmente, a qualidade da massa produzida em Itália é sinónimo de know-how e de elevada qualidade e segurança, pelos métodos de produção com receitas ancestrais, como é o caso da Delverde”. Paulo Morais Rosa acrescenta ainda que a intenção de compra está intrinsecamente ligada a várias sinergias: qualidade e reconhecimento da marca, preço, atributos e tendências mais atuais. “Cabe às marcas acompanhar e desenvolver a produção de massas com a melhor matéria-prima possível e a melhor relação qualidade/preço, o que se torna atualmente mais difícil, com a subida de preços que afetou o sector, precisamente, pelo aumento do custo da matéria-prima, problema transversal a toda a economia mundial, em todos os sectores, não só no agroalimentar”. A Ponte Vertical espera fechar 2021 com um crescimento muito sustentado em todas as marcas de massas que representa no mercado nacional, “seguramente dentro dos dois dígitos”, e continuar a desenvolver intenção de compra e a recrutar consumidores para um produto tão presente nos lares.
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CRÓNICA
FERNANDO MELO Crítico de vinhos e comida
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KETCHUP, MAIONESE E OUTRAS FRASQUICES Não há substituto possível para o ketchup quando chega o momento de deglutir um hambúrguer, mergulhar batatas fritas ou acompanhar panadinhos diversos de comer à mão. Quando o provámos pela primeira vez, já era de tomate, mas nem sempre foi assim. E, além disso, é simples de fazer em casa, a nosso gosto. Mas do que gostamos mesmo é de ter os frascos e as bisnagas do nosso contentamento à mão. É um dos grandes triunfos do marketing na sua acepção mais pura, a arte de saber o que as pessoas querem comprar. Não sabíamos que queríamos e, quando apareceu, configurou milagre. O mundo antigo - leia-se sul da China - já conhece e utiliza pastas alimentícias fermentadas desde 300 a.C., inicialmente chamadas “cotsu”. Ainda nem tomate havia que não fosse na América do Sul e que, bem mais tarde, se viria a descobrir e difundir pelo resto do mundo, já o tempero original era utilizado para melhorar a qualidade dos cozinhados e pratos prontos. Era, então, composto de vísceras de peixe, sucedâneos de carne e soja. Era bastante popular em Guangzu, a província chinesa mais a sul, pela resistência a viagens marítimas longas. Foi só depois dos Descobrimentos, no século XVI, que o tomate invadiu o mundo, o antepassado do ketchup, tal como o conhecemos, ainda tinha muito que medrar. Filipinas e Indonésia foram os territórios imediatos e próximos que, prontamente, adoptaram o condimento salgado e intenso, extravasando no tempo e no espaço depois para as rotas comerciais. No século XVIII, os ingleses adaptaram a receita, não sem algum aviltamento, como sempre acontece e, de repente, havia ketchups de tudo, desde ostras - maravilha, refira-se, com mais de cem ostras, vinho branco, raspas de limão e cravinho -, cogumelos, limão, funcho, pêssego, etc., até que, finalmente, surgiu o ketchup de tomate, já quase no século XIX. Enquanto todos os outros eram quimicamente instáveis e apodreciam, o de tomate apresentava uma invejável estabilidade, mantendo-se firme e vibrante para lá de um ano. A imparável epopeia do ketchup de tomate começa no laboratório de um cientista de Filadélfia, James Mease, em 1812. A poderosa Heinz investe forte num produto engarrafado em garrafa de vidro transparente, para mostrar que não havia segredo para lá dos 57 ingredientes que o produto pioneiro dizia conter. Na verdade, eram mais de 60 os ingredientes da mistela que viria a conquistar o mundo, mas a mulher do Sr. Heinz tinha especial fixação nos números 5 e 7 e, assim, se estabeleceu
e difundiu a fórmula. O nascimento oficial do ketchup de tomate Heinz dá-se em 1876 e era basicamente composto de vinagre destilado, açúcar mascavado (bastante), sal (muito) e uma imensidão de especiarias. Sabor único, incrivelmente consensual, é ainda hoje indispensável para miúdos e graúdos. Considero-o demasiado doce para o meu gosto, mas reverencio-o pela solução culinária que consegue ser. Como é evidente, as marcas presentes nos lineares dos supermercados continuam a crescer em número e peso. Sim, as embalagens ficaram mais pesadas, como que para acompanhar com mais eficácia a quantidade de que cada um se serve. A maionese não fica atrás do ketchup no cenário das gulodices globalizadas. Não sei qual delas tem mais mercado que a outra, mas atrevo-me a dizer que é o ketchup. Os fabricantes industriais de maionese têm sido generosos e têm colocado a variante light com êxito no mercado. Talvez nem tudo esteja perdido, afinal, com o volume acrescido cresce também a responsabilidade. E não é com produtos de elevado teor de gorduras, colesterol, sal e aditivos diversos que se seduz a comunidade saudável; o designativo light é muito mais atraente. Há mais de 20 anos, numa das idas ao maravilhoso Club del Gourmet do El Corte Inglés da Calle Serrano, em Madrid, o bom amigo Cristóbal mostrou-me uma embalagem Tetra Pak com a cara sorridente do chef Martín Berasategui de… maionese. Confesso que, primeiro, falou o preconceito, disse que nem queria provar, mas, perante a insistência de profissional conhecedor, aceitei provar. Lembro-me como se fosse hoje o impacte que teve em mim a excelsa qualidade daquela maionese, acabei por trazer meia dúzia para Portugal. Estava ao nível das melhores, incluindo aquelas que são feitas no momento nas cervejarias da minha preferência para acompanhar marisco. Outro aspecto notável foi o longo período de tempo que durou no frigorífico, mesmo depois de aberta. Os grandes chefs mundiais são prodigiosos no conhecimento que utilizam para sintetizar as soluções culinárias mais simples. Não há como puxar a nossa própria maionese na cozinha, mas francamente, depois de provar a do chef basco, comecei a provar as referências existentes no mercado. Fiquei mais sossegado quando percebi que teria havido uma ou duas que se lhe comparavam, mas nenhuma foi me-
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lhor que aquela. Quando dei por mim, tinha mais de uma dúzia de amostras a uso, que experimentei até à exaustão! Em todas, sem excepção, reconheci virtudes, nenhuma foi horrível a ponto de a rejeitar. Curiosos e prodigiosos os tempos modernos, sem dúvida! O outro grande produto que utilizamos todos muito é a mostarda. Neste delicadíssimo departamento, quem não conhece o slogan “com Savora tudo melhora”? Foi pensada e criada para servir o gosto petisqueiro dos portugueses e, hoje, faz parte do grupo de grandes referências históricas da alimentação nacional, um pouco da explicação das nossas raízes e totens de sabor. Passou a portuguesa quando a F. Lima a comprou, no início do século XX, e soube impor-se sem nunca se arrogar a ser a melhor, nem tão-pouco a precisar de ser a melhor. Transformou-se no esguicho indispensável para colocar em cachorros-quentes, bifanas, pregos e quejandos, incrustando-se no imaginário do gosto português. Conteúdo baixo em gorduras, médio em açúcares e elevado em sal, tem as suas nuances e a resiliência histórica é tal que se pode considerar o padrão pelo qual as outras são avaliadas. Não é, nunca foi e nunca pretendeu ser a melhor mostarda, antes, quis seduzir o cliente português, o que conseguiu com êxito retumbante. Impossível não evocar os fantásticos croquetes do Gambrinus, em Lisboa, assim como é também impossível conceber petiscá-los sem a mostarda ao lado, para ir passando a cada dentada. Apesar de preferir sempre vinho, reconheço que a dupla croquete e mostarda é grande amiga da cerveja. Para quem adora a mostarda Savora, a de Dijon é geralmente mais agressiva, picante e ácida. Há quem sugira a decomposição da palavra mostarda como “mustum+ardens”, ou mosto que arde. Um preparado que fermenta e dá origem a um condimento forte e picante. Esta abordagem está em total consonância com as impressões geralmente colhidas de quem prova as mostardas francesas e americanas. E que, ao fim e ao cabo, se distanciam claramente da “docinha” e muito nossa Savora. Viagem breve por sabores que não dispensamos e que exigimos ter à mão prontos a consumir e na despensa em quantidades apreciáveis, para que nunca nos falte. A vida fica bem melhor quando a abrilhantamos com estas pequenas-grandes delícias. O autor escreve ao abrigo da grafia pré-Acordo Ortográfico
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Cafés em alta, chás em decréscimo no pós-pandemia
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TEXTO Bárbara Sousa FOTOS Shutterstock
Os universos dos cafés e dos chás foram atravessados por tendências distintas. De acordo com os dados da Nielsen, existiu uma evidente evolução positiva em café, com crescimento nas vendas em volume e em valor, destacando-se a categoria de cafés e misturas torrados, ao apresentar um acréscimo de dois dígitos. Por outro lado, o Market Track reporta decréscimos acentuados, em valor e em volume, na categoria dos chás, ao longo do período analisado.
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inegável, os cafés continuam a demonstrar ser uma das mais importantes categorias dos bens de grande consumo e a estar muito presentes nos lares dos consumidores portugueses. Segundo reporta o Market Track da Nielsen, os portugueses consumiram 15 milhões de quilogramas de cafés e misturas torrados, no ano móvel findo à semana 36 de 2021. Um volume de vendas que representa um aumento de 11,9% em relação ao período anterior. O desempenho em valor deste segmento no mercado nacional foi ainda mais significativo, ao atingir os 382,2 milhões de euros, num aumento de 18,9%. Por sua vez, a categoria de café e misturas solúveis apresentou uma evolução positiva mais ligeira, em
ambas as vertentes. Ao longo do exercício analisado, a categoria foi responsável pela comercialização de quatro milhões de quilogramas, o que representa um crescimento de 8%, enquanto as vendas em valor subiram 7,7%, para os 62,6 milhões de euros. “O canal alimentar tem estado mais dinâmico. Na Nestlé, a categoria de cafés tem sido alavancada por todas as marcas em todas as unidades: Nescafé, Nespresso e Nestlé Professional. Café em cápsula tem estado a ganhar uma tração massiva com as nossas mais recentes inovações em Nescafé Dolce Gusto e em Buondi e Nestlé Professional, com todas as ofertas que temos para o canal ‘out of home’ – Buondi, Sical, Tofa, Christina e Nescafé – continua a registar uma fantástica recuperação, estando já a começar a atingir resultados perto do pré-pandemia”, explica João Graça, Nestlé Professional Marketing Manager. Os consumidores já voltaram aos seus hábitos de consumo no canal fora do lar e isso nota-se na sua dinâmica de recuperação. Com o aumento da
confiança na vacinação e com o alívio das restrições, que permitiu o acesso menos condicionado à restauração e hotelaria, assim como o incremento do turismo nos meses de verão, o regresso ao local de trabalho e a abertura de novos espaços, como discotecas e bares, está-se a assistir a uma recuperação. Em contrapartida, a categoria do chá apresenta uma evolução negativa no período analisado pela Nielsen, com vendas em valor de 7,3 milhões de euros, num decréscimo de 6%, no ano móvel findo à semana 36 de 2021. 162,9 mil quilogramas traduziram-se numa descida de 4,8% em volume. José Sequeira, diretor da unidade de negócio Mais Marcas do Grupo Nabeiro, nota que os hábitos dos portugueses sofreram alterações. O canal alimentar apresentou, no último ano, maior dinamismo, fruto da pandemia. “Existem consumidores para quem o preço é um fator decisivo, quem valoriza a oferta e não a marca, que são mais sensíveis às promoções, mas também consumidores que mantém a sua relação de fidelização à marca e que preferem
pagar para ter qualidade, diferenciação e um produto que satisfaça as suas necessidades”, defende.
Origens
A questão das origens é algo a que o consumidor continua a estar atento, assim como aos temas da certificação. Segundo José Sequeira, os consumidores estão cada vez mais exigentes e dispostos a pagar mais por produtos certificados. Esta preocupação reflete-se no comportamento de compra, que é agora mais informado e seletivo. “A Tetley é membro ativo da Ethical Tea Partnership, associação formada por mais de 20 produtores internacionais de chá que partilham uma visão que seja socialmente justa e ambientalmente sustentável. Temos ainda a certificação Rainforest Alliance, onde nos comprometemos que 100% do nosso chá seja proveniente de plantações também elas certificadas.
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Café e Mistura Solúveis (Kg) Café e Mistura Torrados (Kg) Chás (Kg) Infusões (Kg)
Vendas em
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Valor
Volume
Valor
Quantidade
(% vs homólogo)
(% vs homólogo)
62 646 861 382 276 445 7 373 164 18 580 448
4 057 007 15 023 060 162 907 381 923
7,7 18,9 -6,0 6,5
8,0 11,9 -4,8 9,9
Market Track (Ano Móvel findo a semana 36 de 2021)
Também é de destacar a procura de produtos que acresVendas em E, centem algo mais do que o simples propósito do produto. Valor Tea, nesse sentido, temos verificado que os chás Tetley Super além da qualidade do próprio chá ou erva já reconhecida à 81 356 698 Arroz (Kg) marca, têm a adição de vitaminas e minerais que atribuem 692 Massas (Kg) um benefício funcional específico por produto 71 e que têm038 registado uma procura muito interessante”, explica. Market Track (Ano Móvel findo a semana 36 de 2021) Também a Nestlé acredita que é importante para o consumidor conhecer a autenticidade e genuinidade das origens do café, e que este presta cada vez mais atenção a todas as etapas de produção, desde a seleção dos grãos de café até à chegada à sua chávena. “Também por isso, este ano, a marca Sical apresentou uma nova e renovada imagem para as embalagens de café torrado moído e café em grão no retalho. As embalagens permitem agora um maior conhecimento sobre os vários tipos de café, as diferentes origens e métodos de preparação e contêm um selo informativo, presente na frente e no verso, onde é possível ler toda a informação sobre a composição de cada blend, algo nunca feito noutras embalagens”, explica Teresa Roseta, NDG & Soluble Marketing Group Manager. “Relativamente à certificação, as marcas de café da Nestlé têm vindo a desenvolver parcerias com diferentes associações, com as quais definem e validam os critérios que asseguram a sua classificação enquanto café proveniente de cultivo sustentável, nomeadamente a 4C Services e a Rainforest Alliance. Atualmente, garantimos mais de 85% da produção do café das nossas marcas através de cultivo sustentável e comprometemo-nos a alcançar uma produção com cultivo 100% proveniente de origens responsáveis, até 2025. Já em 2020, Nescafé e Nescafé Dolce Gusto asseguraram 85% e 90%, respetivamente, da produção de café proveniente de cultivo sustentável e Buondi, Sical, Tofa e Cafés Christina, as marcas locais da fábrica do Porto, obtiveram 89% do café proveniente de cultivo sustentável e têm como objetivo alcançar os 100% no próximo ano”.
Inovação
A inovação, associada à conveniência com um toque de premiumização, tem sido a receita para o sucesso do universo das bebidas quentes. “O mercado dos chás, assim como os restantes mercados, prima pela inovação e geração de valor acrescentado, bem como pelo fator preço. A aposta da Tetley em inovação
70 Grande Consumo
continua a ser um dos pilares da marca, no que diz Vendasao emlançamentoValor respeito de novidades Volume para diferen(% vs homólogo) homólogo) tes Quantidade momentos de consumo, o que (% sevstraduz no seu crescimento. É preciso ser diferente, inovar e criar 77 786 936 -0,9 -2,5 tendências, acrescentando valor e proporcionando 50 082 104 -2,1 aos consumidores”, -3,4 experiências diferenciadoras sublinha José Sequeira. “Estamos a desenvolver a nossa estratégia de futuro e iremos continuar a surpreender os nossos consumidores através da nossa forte aposta em inovação. O e-commerce revelou-se um canal prioritário durante a pandemia e mantém-se um interessante nos dias que correm. Os consumidores portugueses foram obrigados a acelerar o seu conhecimento deste tipo de plataformas e o chá não fugiu às restantes categorias. Ativámos o canal próprio do grupo através do site mydeltaQ, disponibilizando os chás Tetley de forma conveniente, simples e rápida”. O aparecimento das cápsulas alterou a forma como se consomem bebidas quentes, particularmente o café, e é um dos principais “drivers” a acrescentar valor à categoria, continuando a ser um formato atrativo para os consumidores no pós-pandemia. É expectável que as cápsulas continuem a crescer, à medida que novas marcas continuam a entrar no mercado e que o produto entra em mais lares portugueses. Contudo, preocupações relacionadas com a sustentabilidade e, mais concretamente, com a reciclagem podem abrandar este segmento. De acordo com Teresa Roseta, o principal fator que tem permitido imprimir crescimento à categoria é a crescente oferta de produtos apoiados por muita inovação. “Em 2020, assistimos a uma migração massiva para o canal alimentar, em virtude do total encerramento do canal fora do lar, devido à crise pandémica, que cujos efeitos todos conhecemos. Esta situação levou a que os consumidores reduzissem as idas às lojas, levando a um consequente incremento das cestas. Este, que era já um canal forte e uma alternativa ao consumo de café no canal Horeca, reforçou-se durante este período e, devido a esse infeliz fator, a regularidade de compra de café no canal ‘in home’ subiu claramente. Neste contexto, em que os consumidores se habituaram a consumir mais café em casa, a inovação constante na oferta das diversas marcas da Nestlé – Nescafé, Nespresso Nescafé Dolce Gusto e nas marcas de café torrado que têm oferta para o lar – tem desempenhado um importante papel no crescimento da categoria”.
Consumo
Frequência de Consumo
46,4%
& INFUSÕES
29,3%
Local de consumo mais regular
Notoriedade Assistida
EM CASA 57,1%
Marcas Próprias
82,1%
2 VEZES POR DIA
Principal motivo de consumo
37,5%
57,1%
GOSTO 50,0% EFEITO DESPERTADOR 29,9%
Marca Preferida
HÁBITO 14,1%
Marcas Próprias
53,6%
10,7%
12,5%
Marcas mais consumidas fora de casa
Tipo de Chá Preferido Digestivos
22,5%
Calmantes e relaxantes
56,5%
39,9%
39,8%
29,8%
14,3%
33,8%
Medicinais
13,4%
Prefere chá em…
Marcas mais consumidas em casa
Saquetas 78,6%
21,8%
Ocasiões de Consumo
13,2%
12,9%
Marcas Próprias
DURANTE O DIA 41,1% AO DEITAR 41,1%
10,8%
Tipo de café mais consumido em casa
NOTA
9,6%
Marca da máquina de café caseira
VARIAÇÕES DE RESULTADOS EM RELAÇÃO AO ESTUDO REALIZADO ANTERIORMENTE EM SET/OUT 2020 SUBIDA
DESCIDA
VALOR IGUAL
FICHA TÉCNICA: Estudo efectuado online entre os dias 11 de Setembro a 11 de Outubro de 2021 a utilizadores registados em multidados.com, maiores de 18 anos, ambos os géneros, residentes em Portugal Continental e Ilhas.
EXPRESSO
SOLÚVEL
DESCAFEINADO
www.multidados.com
26,1%
18,3%
17,4%
71 Grande Consumo
Como manter quente o prazer do Café?
ANÁLISE
TEXTO Eduardo Serra, Client Manager Kantar Worldpanel Division
Quando, em 2019, começámos a projetar aquilo que seriam os novos anos 20 do século XXI, ainda estava longe da mente da esmagadora maioria imaginar o início tão atribulado, e com efeitos tão profundos para o comportamento do consumidor, que a pandemia iria trazer a esta nova década. Algumas mudanças irão moldar em definitivo as rotinas de muitos milhões de manter quente prazer do Café? pessoas, um pouco por todo Como o mundo, e algumas delasonão se fizeram esperar. Acima de tudo, o que provoca um maior incómodo a quem tem como objetivo gerir um negócio e aportar valor às marcas e à Quando sociedade é a começámos imprevisibilidade a queque estamos em 2019 a projetar aquilo seriam oscada novosvez anosmais 20 dosujeitos. século XXI,Quedas ainda estava longe da mente da esmagadora maioria imaginarimpensáveis o início tão atribulado e com efeitosque tão se inesperadas em mercados em ascensão ou crescimentos em categorias profundos para o comportamento do consumidor, que a pandemia iria trazer a esta nova década. encontravam mais estáveis, de tudo um pouco a pandemia trouxe. Algumas mudanças irão moldar em definitivo as rotinas de muitos milhões de pessoas, um pouco por todo o Mundo e algumas delas não se fizeram esperar. Acima de tudo, o que provoca um maior incómodo a quem tem como objetivo gerir um negócio e aportar valor às marcas e à em terreno no final Quedas do segundo confinamento, sociedade, é a imprevisibilidade a que estamos cada vezpositivo, mais sujeitos. inesperadas em a desaceleração foi maior, tendo trazido consigo os primercados em ascensão ou crescimentos impensáveis em categorias que se encontravam mais meiros meses com perdas desde o início da pandemia, estáveis, de tudo um pouco a pandemia trouxe.
N
que se prolongaram entre abril e julho, principalmente
associadas ao menor número de compradores durante No caso dos Cafés, falamos de uma das categorias cuja compra para consumo dentro do lar mais o caso dos cafés, falamos de uma No das pico cate-dos dois esteconfinamentos, período. Os meses de 2020 agostoe eFevereiro setembro2021) voltaram beneficiou com a pandemia. (Maio a gorias cuja compra para consumo dentro do a trazer mais algum otimismo para cafés dentro lar, categoria chegou a atingir 50% de crescimento em valor face aos homólogos, dentro dos do lares lar mais beneficiou com a pandemia. No pico categoriaconfinamento, em equilíbrio com valora que havia portugueses. Mas, contrariamente ao finalcom do aprimeiro em oque categoria, dos dois confinamentos (maio de 2020 e fegerado em iguais períodos do ano passado. apesar de ter desacelerado o seu crescimento, se manteve em terreno positivo, no final do vereiro de 2021), a categoria chegou a atingir A diferença entre o ano de 2020 e o de 2021 prendesegundo confinamento a desaceleração tendo trazido consigo os primeiros meses com 50% de crescimento, em valor, face aos ho- foi maior, -se com a reação distinta dos compradores ao final de perdas desde o início da pandemia, que se prolongaram entre Abril e Julho, principalmente mólogos, dentro dos lares portugueses. Mas, cada confinamento. Em 2021, o fenómeno de “revenge associadas ao compradores durante este eperíodo. Os meses Agosto contrariamente ao menor final do número primeiro de confispending” foi claro não se ficou apenasde pelos bense Setembro voltaram a trazer maisde algum para Cafés dentro do lar, com a categoria em namento, em que a categoria, apesar ter otimismo materiais de maior duração. As experiências e o regresso desacelerado o seuocrescimento, se manteve equilíbrio com valor que havia gerado em iguais períodos do ano passado. ao consumo fora de casa também fizeram parte da
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A diferença entre o ano de 2020 e 2021 prende-se com a reação distinta dos compradores ao final de cada confinamento. Em 2021, o fenómeno de “revenge spending” foi claro e não se ficou Grande Consumo apenas pelos bens materiais de maior duração. As experiências e o regresso ao consumo fora de casa também fizeram parte da “vingança” dos portugueses em relação aos meses de
“vingança” dos portugueses, em relação aos meses de confinamento. O consumo de café fora de casa voltou a crescer face aos homólogos, pela primeira vez desde o início da pandemia, precisamente, no mesmo mês em que se deram as primeiras perdas da categoria dentro do lar. Mas esta recuperação teve todas as características de um consumo por “vingança”, começando por crescer a três dígitos, logo nas primeiras semanas de desconfinamento, e mantendo uma performance positiva, ao longo de todo o segundo trimestre do ano, mas voltando a registar um forte abrandamento, logo à entrada do terceiro trimestre. Por outro lado, esteve totalmente associada à vontade dos consumidores se recompensarem, com incrementos intimamente ligados ao lazer, em restaurantes, cafés, bares ou quiosques, e menos ligada ao contexto laboral. De facto, o consumo de café no local de trabalho apresentou uma tendência similar à do homólogo até ao final de setembro de 2021. E se, em 2020, as vending machines foram um porto de abrigo para a categoria, especialmente no âmbito profissional, permitindo o seu consumo em segurança e, muitas vezes, sendo mesmo a única opção disponível, este canal passou de ser o menos penalizado na categoria, como aconteceu em 2020, para passar a ser dos que menos beneficiou nos crescimentos de 2021. Assim, o desafio que se coloca à categoria, para os próximos meses, passa por encontrar o equilíbrio entre a recuperação do consumo fora de casa e as suas aliciantes margens, fundamentais para a criação de valor e a manutenção da compra efetuada para o lar, responsável por gerar momentos de consumo adicionais. Num autêntico exercício de equilibrismo, o lado da balança ligado ao consumo "in home" deverá ser o mais complexo de manter. Desde o final do segundo confinamento, todos os segmentos de café, desde as cápsulas até aos solúveis, passando pelo moído, grão e bebidas de cereais, passaram por períodos com perdas de compradores face a 2020. As cápsulas continuam a ter um primeiro lugar muito bem seguro na escolha dos portugueses, no entanto, o café moído foi claramente menos afetado pelo abandono do shopper do que os restantes segmentos, o que demonstra o poder do ritual do café quando passa a ser incorporado no estilo de vida de cada consumidor. Apesar de menos associado ao fator de conveniência característico das cápsulas, a premissa de um café preparado de forma mais tradicional e consumido com mais tempo levou a que, no último ano, o café moído tenha conseguido conquistar novos momentos de consumo, especialmente
nos momentos de snacking da tarde, historicamente muito fortes para algumas categorias concorrentes, como os chás e infusões e que viram as opções de “slow coffee” roubarem-lhes quota de estômago nesta ocasião do dia. E as “vítimas” não se ficaram por aqui: os iogurtes, as águas e as bebidas alcoólicas também perderam espaço para o café moído à hora do lanche e categorias como o leite, refrigerantes ou sumos também não conseguiram acompanhar o seu ritmo de crescimento. Para os próximos meses, fica ainda uma questão em aberto que as marcas deverão acompanhar: o novo ritual dos cafés moídos conseguirá ultrapassar o regresso a uma vida mais próxima do normal, com menos tempo passado pelos portugueses dentro do lar, ou este prazer não é compatível com uma vida mais exigente em termos de horários e presença em locais mais diversos? Outro ponto de extremo interesse a observar de perto continuará a ser a dinâmica entre marcas de fabricante (MDF) e marcas próprias (MDD), especialmente relevante em períodos de maior incerteza económica. Olhando, neste caso, para o segmento mais relevante do mercado, as cápsulas de café, desde o final do segundo confinamento até ao mês de setembro, apenas as MDD se mantiveram sem perdas em cada período face ao conquistado no homólogo. No entanto, nem todas as MDD conseguiram aportar uma performance suficientemente positiva para que o sucesso dos respetivos retalhistas as acompanhasse. Esta dinâmica virá cada vez mais reforçar a importância de cada loja diversificar o seu portfólio de marcas, no sentido de se continuar a manter atrativa à luz das necessidades dos compradores, segurar aquilo que de positivo se pôde colher da pandemia e minimizar as incertezas por ela causadas.
73 Grande Consumo
Sage quer afirmar a terceira geração do café nos lares dos portugueses TECNOLOGIA TEXTO Carina Rodrigues FOTOS D.R.
A primeira geração do café iniciou-se nos anos 60, onde o seu consumo, ao tornar-se acessível a todos, com o café solúvel, registou um crescimento exponencial. A segunda veio, de certo modo, colocá-lo num outro patamar, o de produto de luxo, com as empresas a verem as cafeterias como um negócio rentável, que permitia desfrutar do café fora de casa ou do escritório. E eis que chegamos à terceira geração, em que os processos de preparação são inovadores, resultando num café de alta qualidade e, acima de tudo, que conta a história por detrás de todo o processo. Se antigamente consumíamos café sem questionar a sua origem, hoje em dia, procura-se conhecê-la, assim como os perfis de torra e as notas sensoriais, valorizando a compra. E é este o grande objetivo da Sage Appliances, marca global de eletrodomésticos premium recém-entrada no mercado nacional: trazer a terceira geração do café para o lar dos portugueses. Com um posicionamento claramente distinto do que é habitual encontrar em pequenos eletrodomésticos, as expectativas da marca são positivas, como nos conta Rui Neves, Business Development Manager do Sul da Europa na Sage Appliances.
74 Grande Consumo
C
hegou a Portugal neste ano de 2021, mas há já 80 anos que tem vindo a desenvolver o seu negócio, tornando-se numa empresa global, com presença em mais de 70 países. Filial europeia do Australian Breville Group, tem como missão inspirar e motivar o consumidor a fazer de cada momento culinário uma ocasião especial. E para isso serve-se de toda a sua capacidade de inovação, expressa em 817 patentes ativas. A chegada a Portugal acontece no seguimento de um plano de expansão europeu iniciado em 2013, com a entrada no Reino Unido, passando por mercados como a Alemanha e, mais recentemente, em 2019, em França, iniciando-se, assim, a expansão nos mercados denominados do sul da Europa. O plano passava por integrar Portugal, Espanha e Itália em 2020, no entanto, o impacto da pandemia obrigou a colocar em pausa, mantendo o mercado espanhol, mas adiando Itália para janeiro de 2021 e Portugal para junho. “O mercado português sempre foi apetecível, devido às características do consumidor, além de que o café é algo que faz parte de nós e que passou a ser mais relevante, durante o período da pandemia, com o aumento do consumo de café em casa, ingredientes mais do que suficientes para a Sage abraçar esta oportunidade pós-Covid”, introduz Rui Neves, Business Development Manager do Sul da Europa na Sage Appliances. Efetivamente, o consumo de café é um dos pequenos prazeres enraizados na cultura portuguesa, de tal forma que o consumo médio ronda os 5,5 quilos por pessoa por ano, bem acima dos 1,3 quilos da média global. Assim se justifica a aposta em Portugal da Sage, cuja proposta de valor passa por oferecer aos consumidores uma
Rui Neves, Business Development Manager do Sul da Europa na Sage Appliances, aborda os objetivos da entrada da marca em Portugal, mercado que considera muito apetecível dada a ligação dos consumidores com o café
nova forma de vivenciar aquilo que denomina da terceira geração do café, no conforto das suas casas. “Deste modo, serão mais relevantes para nós os objetivos qualitativos, pois abrangem mais a implementação da marca e o modo como a mesma será enquadrada na terceira geração do café de especialidade”, acrescenta Rui Neves. Ao que se junta a partilha com o consumidor português de uma experiência única. Como tal, defende o gestor, o “target” de clientes poderá ser muito vasto, pois a marca pretende ser uma referência para o consumidor que procura e valoriza uma boa experiência gastronómica. Com um posicionamento de preço diferente do que estamos normalmente habituados a encontrar em pequenos eletrodomésticos, a Sage defende que o resultado final é traduzido, precisamente, nessa experiência única em que os consumidores se transformam em baristas. “A Sage Appliances é uma marca de eletrodomésticos premiada e desenhada para inspirar as pessoas a confecionar pratos e bebidas com resultados perfeitos nas suas próprias casas com facilidade. Desde as máquinas expresso aos processadores de comida, a inovação em cada eletrodoméstico resulta num produto que não só encanta o consumidor, como supera aqueles que se considerariam, à partida, nossos concorrentes no mercado. Podemos identificar que a Sage é uma marca especialista de boutique”, prossegue Rui Neves.
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4 elementos do café de especialidade
Com o crescimento do consumo, tem existido uma procura por equipamentos que possam, de certo modo, estar alinhados com a exigência e a cultura de um purista do café. E é aqui que os equipamentos da Sage se distinguem, ao interpretar os quatro elementos-chave de um café de especialidade. O primeiro destes elementos, descreve Rui Neves, passa por utiliza a dose ideal de café - entre 18 e 22 gramas - para obtermos um sabor rico e encorpado. O segundo elemento passa por obter um sabor perfeitamente equilibrado, através do controlo digital de precisão da temperatura da água a 93 graus. O outro elemento será obter um corpo “irresistível”, através de um expresso opulento, cremoso, com uma cor tipo caramelo, iniciando uma pré-infusão de baixa pressão de nove bares, seguida de um processo de extração de alta pressão. Por fim, e de modo a garantir um sabor cremoso e aveludado, obtém-se uma verdadeira micro espuma de leite, criada com uma pressão de vapor poderosa de 130 graus. “Um bom resultado final engloba a utilização de um café de qualidade, alinhado a um equipamento também de qualidade, de modo a criar a experiência perfeita para o consumidor que cada vez é mais exigente”, defende.
Café de especialidade Três pontos caracterizam o café de especialidade: sustentabilidade e comércio justo, rastreabilidade e sabor e qualidade superiores. O café de especialidade utiliza recursos renováveis próprios da região onde é produzido, respeitando, assim, o meio ambiente. As explorações de café de especialidade são habitualmente propriedade de pequenos produtores, que recebem um valor justo por um produto de elevada qualidade, favorecendo, assim, um comércio equitativo. Ou seja, o café de especialidade tem em conta os negócios locais e valoriza o capital humano que o viabiliza. Desta forma, cada café é diferente, assim como a chávena de café tem uma identidade própria. Atualmente, a rastreabilidade é a marca de identidade de um café produzido com método, consciência e a preocupação que, muitas vezes, o café destinado a um mercado de massas não tem. A rastreabilidade estimula os produtores a planear a sua produção com base nas condições da terra, do clima, da altitude e das variedades de café, monitorizando os processos de produção para conseguirem um perfil aromático particular, único para cada produção. E, mais importante ainda, permite estabelecer uma relação entre o consumidor e o próprio produtor. A rastreabilidade permite também aos consumidores eleger um café com base num rótulo que descreve, de forma clara, o que estão a comprar, com base nas suas próprias preferências. O grão deve ser colhido no ponto ideal de maturação, manualmente, escolhendo-se unicamente as cerejas maduras, e seco com processos tradicionais, sem pressas. Cada café é torrado de acordo com o perfil que permita extrair as suas notas. Para que tal se verifique, a torra é menos intensa que a comercial. Nesta linha, a Associação do Café de Especialidade definiu o café de especialidade como café 100% Arábica, produzido na sua totalidade de forma artesanal e com uma pontuação de sabor superior aos 80 pontos em 100, realizada por um “Q grader” ou provador certificado pela SCA.
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3.ª geração do café
A terceira geração do café está direcionada para a sustentabilidade, engloba toda a cadeia de fornecimento, desde a produção até ao produto final, “que é de altíssima qualidade”, o que faz com que o consumidor esteja disposto a pagar mais por um produto diferenciador. “Pretendemos criar o ecossistema perfeito e, para tal, apenas poderemos estabelecer parcerias com canais de especialidade, como, por exemplo, os 'coffee roasters'. Alguns destes parceiros são identificados como canal Horeca, mas relembro que a Sage é uma marca direcionada para o consumidor doméstico, permitindo uma experiência e um resultado mais profissionais em casa”, detalha o responsável da marca. A forte penetração do café em cápsulas, em Portugal, não é, no seu entender, um obstáculo à implementação desta terceira geração do café e deste tipo de equipamentos diferenciadores. “Até me atrevo a dizer que é um incentivo, pois a base existe, o consumidor português, na sua maioria, adora café, no entanto, estamos habituados a consumir o denominado café expresso, que muitos apelidam de ‘bica’. O nosso objetivo é proporcionar uma experiência única junto dos nossos consumidores, sejam utilizadores de modelos de cápsulas ou os mais puristas que apreciam o café moído no momento. O nosso portfólio, a nível europeu, engloba uma gama que é compatível com as cápsulas de uma marca de renome no mercado, gama que atualmente apenas é comercializada em alguns países. Portugal, certamente, estará, em breve, no horizonte para comercialização da gama”, contrapõe.
Futuro
O café de especialidade é, cada vez mais, uma realidade no país, uma vez que quatro milhões de portugueses bebem mais do que um só café em casa e que 1,5 milhões bebem mais do que dois. No ano passado, o número diário de cafés bebidos em casa aumentou em relação ao anterior. Segundo um estudo de TGI da Marktest, três em cada quatro portugueses bebem diariamente
E se plantássemos café onde nunca foi plantado? Na Delta andamos há 60 anos a fazer o que nunca foi feito. Por isso, decidimos apoiar ativamente os cafeicultores em todo o arquipélago dos Açores. Juntos vamos criar o primeiro café cultivado em território europeu. Saiba mais sobre o café dos Açores e outros projetos pioneiros da Delta em delta60anos.com
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“O nosso objetivo é proporcionar uma experiência única junto dos nossos consumidores, sejam utilizadores de modelos de cápsulas ou os mais puristas que apreciam o café moído no momento. O nosso portfólio, a nível europeu, engloba uma gama que é compatível com as cápsulas de uma marca de renome no mercado, gama que atualmente apenas é comercializada em alguns países. Portugal, certamente, estará, em breve, no horizonte para comercialização da gama”
café em casa e no ano de 2020 o número diário de cafés bebidos em casa aumentou em 1,9%. “Mesmo sem recorrermos a estudos de mercado, o simples feedback transmitido pelos nossos parceiros ‘coffee roasters’ prova que o consumo de café em grão, através da plataforma online, cresceu vários dígitos durante o período da pandemia. O simples facto dos consumidores serem sujeitos a novas regras originadas pelo confinamento, assim como as novas tendências de trabalho remoto serviram, de certo modo, como catalisador para que a evolução das vendas de pequenos domésticos fossem expressivas, com crescimentos acima dos dois dígitos em várias categorias. Poderei destacar algumas, como, por exemplo, o aspiradores e acessórios de limpeza, com a dinâmica criada pela moda dos equipamentos robotizados. Outra categoria que saliento são os equipamentos de bebidas, em que se inserem as máquinas de café. Estando os cafés fechados, o denominado plano B de consumo de conveniência de café passou a ser uma prioridade”, analisa Rui Neves. Os portugueses interessam-se cada vez mais pelo café de especialidade e pela sua versatilidade como produto culinário, tanto dentro como fora de casa.
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O mercado do café está a passar por uma transformação e evolução, onde o consumidor procura mais conhecimento sobre a bebida e permite-se a experimentar novos métodos de extração. Nos últimos anos, o crescimento do sector tem sido mais abrangente e não concentrado em grandes centros urbanos, como Lisboa e Porto. Acessibilidade dos consumidores, rastreabilidade e sustentabilidade da cadeia de valor são os aspetos-chave que marcarão o futuro do café de especialidade, numa altura em que o sector do café está a ir em direção às experiências sensoriais. Atualmente, falar da terceira geração do café é falar da importância da elaboração e da qualidade do produto, em que a rastreabilidade e a sustentabilidade do grão permitem obter algo que cada vez mais se desfruta como uma verdadeira experiência culinária. Com a educação dos profissionais e do consumidor final, o nível padrão de qualidade do café no país será, necessariamente, mais elevado. “A nossa prioridade passa, essencialmente, por estabelecer parcerias com os ‘coffee roasters’, assim como as insígnias de referência no mercado retalhista. Desta forma, podemos dar a conhecer outro modo de apreciar o café, de comunicar o quanto a marca Sage é determinante para obter um café de especialidade da terceira geração em casa. Pretendemos cimentar essa posição para que possamos dar a conhecer cada vez mais aos consumidores uma experiência única”, sublinha Rui Neves. “Também pretendemos focar-nos na nossa iniciativa cultural intitulada de Food Thinking. Para tal, será determinante a colaboração com chefs e consumidores portugueses, de forma a desenvolver uma visão e abordagem integradas para o desenvolvimento de produtos, dando relevância ao conhecimento mais aprofundado dos alimentos, pontos de fricção e desafios que os consumidores muitas vezes enfrentam. Estamos num bom caminho para podermos afirmar que 2021 será positivo em Portugal”, conclui.
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“SOMOS EXATAMENTE AQUILO QUE SÃO AS NOSSAS RELAÇÕES” Ao fim de 47 anos ao serviço da Sociedade Central de Cervejas e Bebidas, Nuno Pinto de Magalhães foi eleito presidente do conselho de administração da cervejeira nacional detida pelo Grupo Heineken. Um reconhecimento pela longa carreira ao serviço da empresa de Vialonga, no decorrer da qual desempenhou um conjunto alargado e diversificado de funções. Assume-me como um homem de “fazer pontes”, diz que a “concorrência é de salutar”, que as novas cervejeiras entretanto criadas “vieram contribuir para a promoção da categoria” e que somos “exatamente aquilo que são as nossas relações”. Afinal, ganha-se sempre, no seu entender, algo de novo a cada conversa. Uma carreira em análise, pela voz de Nuno Pinto de Magalhães.
G
rande Consumo - Em julho deste ano, foi nomeado chairman da Sociedade Central de Cervejas, ao cabo de 47 anos ao serviço da companhia. Que sentimento lhe despertou a nomeação? Como é que a acolheu? Nuno Pinto de Magalhães – Em julho foi, de facto, formalizado o convite para assumir a presidência do conselho de administração da Sociedade Central de Cervejas, que é uma função não executiva. Trata-se de um novo desafio que é, essencialmente, o reconhecimento de uma carreira longa, de 47 anos, em que trabalhei com seis acionistas e 18 CEOs diferentes. Certamente, ao me fazer este convite, o grupo considera que o meu conhecimento da companhia e do contexto do negócio ainda poderá ser relevante. Portanto, estou cá para ser útil, como sempre estive até aqui. Sou muito agradecido e reconhecido por este grupo internacional ter desafiado um português para esta função.
ENTREVISTA TEXTO Bruno Farias FOTOS Sara Matos
GC - Alguma vez lhe passou pela cabeça ser nomeado para esta posição? Crê que é um justo reconhecimento para a dedicação demonstrada? Ou não era isso que o mobilizava? NMP – Sinceramente, nunca me passou pela cabeça ser nomeado para esta posição. Ao longo destes 47 anos, tive muitas funções na empresa. E se me perguntasse se, alguma vez, me passou pela cabeça ser nomeado para qualquer uma delas a resposta é também negativa. Fui assumindo as funções que quem decidia considerava que o meu contributo era necessário. Sempre abracei com paixão e com sentido de serviço tudo o que me foi proposto e sempre gostei de fazer tudo o que me foi pedido, de uma forma completamente desabrida. A cada mudança de cargo era como se entrasse numa empresa nova. Ao longo destes anos todos, tive desafios para sair da companhia, mas a paixão pelo negócio e pelas pessoas com quem me cruzei é de tal forma grande que nunca os aceitei. Nós somos também as relações que estabelecemos e, de facto, ao longo destes 47 anos, as pessoas com quem me relacionei e o que aprendi com elas – o que se deve e o que não se deve fazer – foram, de facto,
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“Estou cá para ser útil, como sempre estive até aqui. Sou muito agradecido e reconhecido por este grupo internacional ter desafiado um português para esta função”
Carreira revisitada Nuno Pinto de Magalhães entrou para a Sociedade Central de Cervejas em outubro de 1974, como contratado, para fazer um estágio, após ter terminado o 7.º ano (12.º ano) e ter que esperar um ano – Serviço Cívico - para poder entrar na Faculdade de Direito. O seu estágio seria como indiferenciado, na, então, sede na Almirante Reis, na contabilidade, como apoio na inventariação do património. Em janeiro de 1975, passou ao quadro, como escriturário, da Central de Cervejas, empresa onde se mantém até hoje. Em 1976, ingressou a Faculdade a Direito, como trabalhador-estudante, tendo mais tarde tirado um PAGE na Universidade Católica. Durante estes cerca 47 anos na SCC, desempenhou diversas funções como, entre outras, chefe dos serviços de pessoal da ex-fábrica do Catujal (refrigerantes) e do ex-entreposto do Prior Velho, distribuição, adjunto do diretor dos serviços de pessoal, diretor de compras, diretor de organização e métodos, diretor administrativo, diretor de logística, diretor de distribuição, gestor comercial adjunto, com o marketing e vendas, e diretor de exportação. É diretor de comunicação e de relações institucionais há mais de 20 anos. Lançou o Serviço de Apoio ao Cliente e, nos anos 90, a pré-venda no Porto, tendo para o efeito estagiado, previamente, como pré-vendedor na Budweiser, em Los Angeles, nos Estados Unidos da América, e na Bavaria, em Medellín, na Colômbia. Chegou a ser o diretor mais novo de idade e o mais antigo na companhia. Durante estes 47 anos, trabalhou com seis acionistas diferentes e com 18 presidentes/CEOs, nacionais e estrangeiros. Foi delegado sindical, pelo Sindicato dos Escritórios, e membro da Comissão de Trabalhadores da Sede, na década de 80, foi presidente do Grupo Desportivo da SCC e coordenador da Comissão Paritária da Qualificação de Funções da Companhia, que integrava representantes dos sindicatos e da empresa. Fora da SCC foi, entre outras, Grão-Mestre da Confraria da Cerveja, que engloba todo o sector cervejeiro, presidente da Associação das Águas e vice-presidente da Associação dos Anunciantes Portugueses. É, entre outras, presidente da Câmara de Comércio Portugal-Holanda, da Autorregulação Publicitária, como representante dos anunciantes, da Fundação Luso e administrador da Sociedade Ponto Verde. Em 2018, foi-lhe atribuído o Prémio Carreira pela revista Marketeer.
82 Grande Consumo
o grande ensinamento da minha vida. Contribuíram para a minha formação como gestor e como pessoa. As únicas duas coisas que incorporam o meu ADN são pessoais e difíceis de substituir: o network pessoal e a vivência histórica de 47 anos na mesma empresa. São dois aspetos intrínsecos à minha vivência. GC - São cada vez mais raros os casos de dedicação a uma única empresa, ao longo de toda uma carreira. Como se explica esta “longevidade” e dedicação à Central de Cervejas? Afinal, o Nuno foi um dos poucos nomes que continuou apesar das diversas mudanças de administrações (18) e acionistas (seis). Como se lida com gente tão distinta, de nacionalidades tão diversas? NPM – Lida-se com uma grande capacidade de adaptação, uma grande lealdade ao negócio e à companhia, sem abdicar daquilo que são os nossos valores intrínsecos. Adaptando, evoluindo, aprendendo, trocando experiências, nunca rejeitando conversas, sabendo cumprir, depois de alguém decidir, dando a nossa opinião. É uma postura de vida. É este conjunto de situações, juntamente com a oportunidade que foi dada, que explica tudo isso. O meu perfil é sempre de consensualização. Sou uma pessoa de fazer pontes. Não gosto de ruturas. Tento sempre arranjar plataformas de encontro. Prefiro abdicar para ganhar, de modo que seja “win-win” para as diferentes partes. Tudo isto me levou a estar como responsável da área das compras, a ter responsabilidade pela negociação coletiva do trabalho na área dos recursos humanos, a estar na área da comunicação, a gerir stakeholders. Tudo isso são responsabilidades que pedem muita negociação, mas que me desafiam e têm muito a ver com a minha maneira de ser. Entrei na companhia num período de interregno na minha vida, antes de ingressar na universidade. O que estava talhado era estudar Direito e seguir a carreira diplomática. Fiz a diplomacia de empresas. Mas a diplomacia faz-se com pessoas e, de facto, do que gosto é de pessoas. Aprendi com o Alberto da Ponte algo que repito sempre: “nunca rejeites uma conversa. Dessa conversa ganhas sempre qualquer coisa”. GC - Que cargos desempenhou ao longo destes 47 anos ao serviço da companhia? O que não fez, afinal? NPM – Percorri as áreas todas da companhia, salvo talvez a área financeira, onde nunca estive propriamente, e a da produção. Passei por todas as outras: recursos humanos, procurement, IT, comunicação, supply chain, logística, marketing, vendas... GC - Qual o momento que mais o marcou ao longo desse percurso? NPM – Mais do que momentos, foram pessoas. Mas houve imensos momentos. Momentos de crise, difíceis. Se me perguntar qual foi a crise atravessada, ao longo destes anos, que foi mais dolorosa, claramente que lhe respondo que foi a da legionella. Houve muita gente da
Chegou a ser o diretor mais novo de idade e o mais antigo na SCC. O percurso de 47 anos analisado por Nuno Pinto de Magalhães, recém-nomeado chairman da cervejeira portuguesa nesta entrevista realizada no Museu da Cerveja, em Lisboa
nossa comunidade que morreu. E fomos a priori suspeitos de uma coisa que se veio a confirmar que não éramos culpados, mas que, durante um período, nos obrigou a gerir. GC – As mudanças de acionista foram pacíficas? NPM – Desde 2008 que estamos integrados no Grupo Heineken, mas temos uma cultura que foi formada pelos diversos acionistas que passaram pela Central de Cervejas. Todos deixaram as suas marcas. A nossa cultura empresarial é um misto de todas essas culturas, mas sempre assumindo, apesar de tudo isto, o nosso ADN de portugalidade. Sagres e Luso são bandeira dessa portugalidade, integradas num grupo internacional que sabe reconhecer, aceitar e aproveitar essa fortaleza. GC - O mercado nacional cervejeiro é, hoje, necessariamente diferente face ao passado. Na essência, o que mudou? A competição entre as duas principais cervejeiras nacionais continua a ser “aguerrida”?
NPM – A concorrência é muito salutar. É bom termos concorrência. Obriga-nos a melhorar, a estar atentos, a crescer, a inovar, a ter melhor serviço, a ser diferenciadores. O mercado mudou muito, é certo. Apareceu uma quantidade de marcas e de cervejeiros artesanais que não existia, produtos diferentes, na área do portfólio cervejeiro, como as sidras, as selzers, este ano, ou os produtos zero álcool. As empresas foram-se posicionando, clarificando os seus caminhos, mas sempre olhando para a concorrência. Ainda bem que esta existe – e é aguerrida – porque constitui um estímulo.
“Se me perguntar qual foi a crise atravessada, ao longo destes anos, que foi mais dolorosa, claramente que lhe respondo que foi a da legionella. Houve muita gente da nossa comunidade que morreu. E fomos a priori suspeitos de uma coisa que se veio a confirmar que não éramos culpados, mas que, durante um período, nos obrigou a gerir”
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Apesar do mercado continuar muito concentrado nas duas grandes cervejeiras, as novas empresas que, entretanto, surgiram também nos ensinam. E vieram contribuir para a promoção da categoria, ao oferecer ao consumidor cervejas diferentes. A riqueza da categoria acresceu e todos têm a ganhar com isso, sobretudo o consumidor, que tem mais por onde escolher, nomeadamente, consoante a ocasião de consumo. GC - As principais marcas cervejeiras nacionais têm condições para serem competitivas nos mercados de exportação? NPM – Estamos inseridos num grupo internacional. Portanto, quando falamos de internacionalização das marcas, estamos enquadrados numa política internacional do grupo. Agora, a nossa prioridade é o mercado interno, sem deixar de continuar a exportar a Sagres para qualquer parte do mundo onde exista um português ou alguém que queira beber a nossa cerveja. Claro que outros mercados pressupõem uma ponderação da rede e da distribuição, mas ganhamos muito das sinergias de estarmos ligados a um grande grupo internacional. Ao nível logístico, por exemplo, permitindo-nos entrar de uma outra forma naqueles mercados onde, realmente, se justifica. GC - A marca Sagres é uma digna embaixadora da alma portuguesa? Quais são, afinal, os valores da marca? NPM – Quando se fala de cervejas e de portugalidade ninguém tem dúvidas quanto à Sagres. A grande diferença entre a Sagres e a nossa concorrente é a portugalidade. O nome, a iconografia, os valores, as cores, o apoio à Seleção Nacional, a cultura portuguesa é isso que nos define. Sagres não tem tradução em nenhuma língua estrangeira. Sagres é de onde os portugueses partiram para o mundo. Aquilo que, essencialmente, diferencia a Sagres é a portugalidade. GC - O patrocínio ao futebol nacional tem contribuído também para uma globalidade? NPM – Patrocinamos a Seleção Nacional desde 1993. Temo-la apoiado em todos os seus momentos: nos bons e nos menos bons. Tivemos a cereja em cima do bolo quando fomos campeões europeus. O futebol português está no seu topo e é muito bom ter a marca Sagres associada a vencedores, sem esquecer o longo período em que não vencemos. O nosso apoio é consistente.
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GC - Alberto da Ponte deixou uma marca incontornável ao longo dos oito anos ao leme da companhia? NPM – Todos os nossos CEOs, uns mais do que outros, deixaram a sua marca. Claro que o Alberto da Ponte teve um peso determinante. Desde logo, foi quem mais tempo esteve como CEO da companhia. Depois, foi com ele que a Sagres ganhou um novo posicionamento. Atreveu-se a fazer um anúncio na televisão, brindando com os portugueses à liderança. Com a estabilidade dos oito anos que esteve ao leme da companhia, foi possível fazer a mudança de paradigma de uma empresa industrial para uma empresa centrada no consumidor. GC - Se pudesse voltar a outubro de 1974, faria alguma coisa de forma diferente? NPM – Olhando em retrospetiva, certamente que cometi erros. Se soubesse o que sei hoje, alguns não teria cometido. Se me perguntar, se olhasse para trás, ficaria 48 anos no mesmo negócio, tenho a certeza que sim. Tudo o resto, no dia-a-dia, certamente que faria muitas coisas de modo diferente. Hoje, disponho de informação que não tinha na altura. Mas aprendi com os erros e assumo-o com humildade. Agora, a minha paixão pelo negócio, pela empresa, pelas pessoas com quem me cruzei, essa mantive. GC - Assenta-lhe bem o “estatuto” de diplomata? Ou é um “carimbo” que rejeita? NPM – Se diplomata significa uma pessoa aberta a relações, que gosta de socializar, que gosta de ter sempre uma conversa, que tem escuta ativa em relação aos outros, que se preocupa com as suas equipas, que pretende ser correta, que tem valores, sim, assenta bem. GC - “Somos o espelho das nossas relações”. A frase é sua. É uma mensagem que encerra tudo aquilo, ou pelo menos uma boa parte, do que aprendeu ao longo da sua vida profissional? NPM – É. Somos exatamente aquilo que são as nossas relações: preocuparmo-nos com os outros, não estarmos só concentrados no nosso mundo, sermos abertos, evoluirmos, reconhecermos erros, termos flexibilidade, adaptarmo-nos.
“Ao longo destes anos todos, tive desafios para sair da companhia, mas a paixão pelo negócio e pelas pessoas com quem me cruzei é de tal forma grande que nunca os aceitei. Nós somos também as relações que estabelecemos”
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PUBLIREPORTAGEM
SUGESTÃO GARRAFEIRA PARA ESTE INVERNO / NATAL
CASA ERMELINDA FREITAS A Casa Ermelinda Freitas dedica-se à produção de vinho desde 1920, os 550 hectares de vinhas estão situados em Fernando Pó, uma zona privilegiada na região de Palmela. O solo destas vinhas, que se localizam na zona sul de Portugal, é composto por areias muito semelhantes às areias de praia e muito rico em água, desempenhando um papel importante na maturação das uvas. A brisa envolvente dos rios refresca as vinhas durante os verões secos, atribuindo suavidade e elegância aos vinhos. É nestes solos arenosos que prospera o Castelão. No total, são mais de 30 castas plantadas por uma área do tamanho de 550 hectares e 21 milhões de litros de vinho produzidos por ano. Desde 1999, os vinhos da Casa Ermelinda Freitas angariaram mais de 1.500 prémios nacionais e internacionais.
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DONA ERMELINDA BRANCO RESERVA
CASA ERMELINDA FREITAS SYRAH RESERVA
NOTA DE PROVA – Vinho com cor amarelo-esverdeada, aroma com notas de frutos doces e algum citrino, bem integrado com a madeira onde estagiou. Na boca apresenta-se cheio e cremoso com final elegante e persistente.
O icónico Syrah da Casa Ermelinda Freitas, que com a colheita de 2005 foi reconhecido, em 2008, como o melhor vinho tinto do mundo, deve ser uma presença obrigatória nas garrafeiras de Portugal. NOTA DE PROVA – Vinho de cor granada, concentrado. Aroma confitado a lembrar fruta preta muito madura, alguma especiaria, com toque balsâmico da casta. Na boca é muito cheio, aveludado com taninos presentes muito bem integrados. Final longo e persistente.
TEMPERATURA DE CONSUMO – 12.ºC - 14.ºC PRATOS RECOMENDADOS – Excelente para pratos de peixe, saladas, massas e carnes brancas.
TEMPERATURA DE CONSUMO – 16.ºC a 18.ºC.
DONA ERMELINDA RESERVA TINTO
PRATOS RECOMENDADOS – Ideal com pratos de carne vermelha, caça, assados no forno, queijos fortes e foie gras.
NOTA DE PROVA – Vinho com cor granada quase opaco, com aromas a lembrar frutos pretos, especiarias e fumo, com alguma compota devido à grande maturação atingida. Na boca é um vinho denso, cheio, com grande estrutura, taninos presentes, mas integrados e macios. Final longo persistente e muito agradável.
CASA ERMELINDA FREITAS ESPUMANTE BRUTO NOTA DE PROVA – Vinho de cor amarelo brilhante, frutado, a lembrar citrinos e frutos tropicais. Boa estrutura e boa acidez que lhe dá frescura e longevidade. Final de boca a lembrar o fruto, fresco e agradável.
TEMPERATURA DE CONSUMO – 16.ºC a 18.ºC. PRATOS RECOMENDADOS – Carnes, carnes vermelhas, pratos de caça, queijos, queijos de pasta mole, queijos fortes.
TEMPERATURA DE CONSUMO – 8.ºC a 10.ºC. PRATOS RECOMENDADOS – Ideal como aperitivo ou a acompanhar carnes gordas.
QUINTA DE CANIVÃES DOURO SUPERIOR
CASA ERMELINDA FREITAS MOSCATEL DE SETÚBAL
Em 2018, com a aquisição da Quinta de Canivães, Leonor Freitas concretizou um sonho de longa data, ter uma quinta no Douro. Esta antiga quinta localiza-se na margem esquerda do Douro, perto de Vila Nova de Foz Côa, sendo conhecida antigamente como Quinta do Porto Velho, pois possui um pequeno porto onde as pequenas embarcações atracavam. Com a dimensão de 50 hectares, possui 20 hectares de vinha de diversas idades, composta pelas mais nobres castas tintas, e 4,5 hectares de olival de onde se obtém azeite de elevadíssima qualidade Este projeto é uma continuidade da grande parceria entre Leonor Freitas e o enólogo Jaime Quendera.
Novidade: Quinta de Canivães Azeite Vigem Extra, ideal para temperar todas as iguarias de inverno, dando o último toque especial. Um azeite extra virgem com acidez 0.
NOTA DE PROVA – Vinho de cor dourada, rico e complexo, com aromas a lembrar mel e casca de laranja bem típica da região. Na boca é cheio e doce, revelando boa acidez que lhe confere frescura. Fim de boca persistente e muito prolongado. TEMPERATURA DE CONSUMO – 14.ºC -16.ºC. PRATOS RECOMENDADOS – Acompanha bem pastelaria fina, doçaria árabe, assim como pode servir de aperitivo.
DONA ERMELINDA RESERVA TINTO É O VINHO PERFEITO PARA A CEIA DE NATAL! Um clássico vinho de Portugal, macio, encorpado e aveludado, que faz lembrar os sabores de antigamente. Este é o companheiro ideal para a ceia de Natal e que vai muito bem com o típico bacalhau, servido nesta quadra natalícia.
“Todas estas sugestões pretendem dar a todos os nossos consumidores a melhor experiência de qualidade, sempre ao melhor preço”. Leonor Freitas
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CONSUMO DE VINHO FORA DAS REFEIÇÕES
CONSUMO DE VINHO ÀS REFEIÇÕES
ESPORADICAMENTE
ESPORADICAMENTE
50,3%
28,1%
2/3 REFEIÇÕES POR SEMANA 17,4% SÓ EM OCASIÕES ESPECIAIS 16,8%
17,4% 2/3 REFEIÇÕES POR SEMANA 6,0% SÓ EM OCASIÕES ESPECIAIS
VINHO CONSUMIDOR E COMPRADOR
www.multidados.com
88,4%
TIPO DE VINHO PREFERIDO ROSÉ 16,9%
TINTO 56,6% BRANCO 26,5%
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REGIÃO VINÍCOLA PORTUGUESA PREFERIDA
COMPRA DE VINHO
DOURO 36,0% ALENTEJO 34,8%
91,0% GARRAFA
GASTO MÉDIO POR GARRAFA (0.75CL) Entre 2€ e 5€ 59,8% LOCAL DE COMPRA HABITUAL
Lojas Especialistas 51,9%
23,3%
6,9%
MARCAS PREFERIDAS PÊRA DOCE
TINTO
11,5%
BRANCO
10,3%
8,7%
4,3%
4,3%
9,3%
7,7%
5,4%
5,1%
3,8%
18,9%
11,7%
3,2%
2,8%
2,5%
PLANALTO
ROSÉ
FATORES DA ESCOLHA DE VINHO RELAÇÃO QUALIDADE/PREÇO
QUALIDADE
SABOR
REGIÃO PROVENIENTE
22,4%
14,5%
14,1%
14,1%
JÁ REALIZOU ALGUMA EXPERIÊNCIA DE ENOTURISMO
JÁ PARTICIPOU EM ALGUMA DEGUSTAÇÃO DE VINHOS
16,4%
31,8%
HÁBITO DE OFERECER VINHO COMO PRESENTE A AMIGOS/FAMILIARES
69,8%
FICHA TÉCNICA: Estudo efectuado online entre os dias 11 de Setembro e 11 de Outubro de 2021 a utilizadores registados em multidados.com, maiores de 18 anos, ambos os géneros, residentes em Portugal Continental e Ilhas.
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“AdegaMãe é uma marca sólida, uma marca do povo, generalista, mas com muito conceito e identidade” Nova imagem, novos rótulos e novos vinhos na AdegaMãe, projeto de vinhos da família fundadora do Grupo Riberalves que celebra a primeira década da sua inauguração oficial e do lançamento do primeiro vinho no mercado. Bernardo Alves não esconde o orgulho do trajeto feito, pautado pela criação de marca, conceito, equipa, distribuidores e parceiros de negócio. Traçando, em retrospetiva, estes 10 anos, recorda como tudo começou do zero, com meia dúzia de pessoas, equipa que tem vindo em constante crescimento, quer em número, quer em conhecimento. Mas não esconde a ambição, insatisfeito que é, por natureza. Com a marca consolidada, chegou a altura da renovação, de modo a valorizar, ainda mais, os seus vinhos e, acima de tudo, a sua identidade. No horizonte futuro, estudamse adições a um portfólio que caracteriza de bastante interessante, mas onde há espaço ainda para propostas diferenciadoras, como um possível licoroso ou uma possível aguardente da Lourinhã.
VINHOS TEXTO Bárbara Sousa FOTOS Sara Matos
90
Grande Consumo
O
s primeiros cinco anos foram de criação e de consolidação do que é a marca AdegaMãe, descreve Bernardo Alves. “Penso que nos assumimos, claramente, como uma oferta de vinhos com uma gama de A a Z, a nível de cliente final. Temos vinhos topo de gama, que estão entre os melhores vinhos nacionais, mas também temos gamas que são de entrada e mais para consumo diário, como também temos coisas muito especiais e muito diferentes no nosso portfólio. Portanto, a AdegaMãe, hoje, é uma marca sólida, uma marca do povo, generalista, mas com muito conceito e identidade”.
Canais de venda O Horeca é um canal privilegiado para a criação de marcas e de conceitos e é onde, na opinião de Bernardo Alves, CEO da AdegaMãe, se podem encontrar as melhores experiências com os vinhos, através de harmonização com as refeições. Contudo, adverte que não se pode esquecer ou descurar o papel do retalho na dinamização deste produto. “É importante que a restauração trate bem os vinhos, faça harmonizações e que dê oportunidade de experiências mais exclusivas com o vinho. Mas também é verdade que o retalho permite uma distribuição desse mesmo vinho sobre o território. Uma distribuição que permite às pessoas do território nacional terem acesso ao vinho, quer seja em Trás-os-Montes, em Lisboa, em Viana do Castelo ou no Algarve. Essa distribuição é muito importante. Assim como é importante existir um equilíbrio e uma proteção de preços, tanto para o Horeca quanto para o retalho”. Hoje em dia, o cliente sabe perfeitamente que pode beber um vinho que está numa grande superfície a um certo preço e, depois, paga um pouco mais na restauração, porque está a pagar um serviço. No entender de Bernardo Alves, existe essa harmonização e o mercado, mais do que nunca, aceita essa polivalência. Já quanto à venda online, o CEO da AdegaMãe considera inegável o peso deste canal. “Com a pandemia acentuou-se. Pode ter os seus altos e baixos, mas, hoje em dia, as lojas online e a comunicação digital são fundamentais. Daí também a AdegaMãe estar presente nestes mesmos canais”. Nomeadamente, através de um vinho Experimental e um Castelão monocasta, que é exclusivo da loja online e da loja física da empresa.
“Hoje, o portfólio da AdegaMãe é muito interessante, mas há espaço para umas ‘coisinhas’ novas, futuramente. Se calhar, para um fortificado Carcavelos. Há espaço para a AdegaMãe fazer uma aguardente da Lourinhã, já que estamos muito perto da região demarcada da Lourinhã. Ainda poderá haver lugar para um licoroso”
Rebranding
A empresa sediada em Torres Vedras aproveitou a ocasião do seu 10.º aniversário para apresentar a total renovação da sua imagem, com o objetivo de valorizar a identidade atlântica, a mesma que define e inspira todo o projeto. Trata-se de um rebranding global, apresentando uma nova logomarca e novos rótulos, desvendando também novos vinhos e a reorganização da gama. “O rebranding é o culminar de um processo”, explica o CEO da AdegaMãe, salientando que foi mais do que um “upgrade” à imagem da marca. “Quando começámos a criar marcas, ideias e referências, obviamente, procurámos sempre ser muito consistentes, ao longo dos anos, para que tudo faça muito sentido. Orgulhamo-nos muito das marcas e das referências que fomos criando, mas é verdade que há também um momento de maturidade do projeto, dos mercados, dos clientes e do volume de produção. Este rebranding está associado a um momento em que nós, realmente, precisávamos de ‘limpar a casa’, de consolidação a nível das gamas”. Assim, com a nova imagem AdegaMãe, surge uma reorganização da gama, fruto desta maturidade alcançada, que vem reforçar o posicionamento dos vinhos Reserva, agora designados com a marca AdegaMãe Reserva. Uma valorização dos vinhos que são submetidos aos melhores processos de vinificação e
91 Grande Consumo
Reorganização de gama A AdegaMãe nasceu no seio na família fundadora do Grupo Riberalves e a principal marca – Dory – surgiu como um tributo à herança portuguesa da pesca do bacalhau. Por isso mesmo, nesta renovação de imagem, os vinhos Dory assumem um protagonismo especial, com um trabalho desenvolvido em torno de um rótulo icónico. Para além da marca Dory, a gama traz à imagem, também, fortes referências à inspiração do oceano, num trabalho com assinatura M&A Creative Agency. “Este é um momento muito especial para nós, que acaba por traduzir toda a dinâmica e exigência associada ao projeto. Alcançámos muito em 10 anos, mas procuramos continuar a contribuir, da melhor forma, para a afirmação da Região de Vinhos de Lisboa, enquanto região diferenciadora, de qualidade e excelência. Os nossos vinhos atlânticos são cada vez mais procurados pelo mercado e todo o trabalho desenvolvido, ao nível do produto, da imagem e comunicação só pode ser bem-vindo”, afirma o CEO da AdegaMãe, Bernardo Alves. A nova imagem AdegaMãe é acompanhada, também, pelo surgimento de novas referências. Fruto da maturidade alcançada e do percurso de experimentação desenvolvido pela viticultura e enologia, a AdegaMãe estreia uma nova gama de Vinhos de Parcela. Esta categoria vem agrupar expressões muito particulares do seu terroir, desde logo, o AdegaMãe Vinhas Velhas (100% Vital, de uma encosta em plena Serra de Montejunto, já no mercado). Em breve, serão lançados um Viosinho e um Pinot Noir de parcelas também especiais. A reorganização da gama vem, ao mesmo tempo, reforçar o posicionamento dos vinhos Reserva, agora designados com a marca AdegaMãe Reserva, em clara valorização dos vinhos que são submetidas aos melhores processos de vinificação e estágio. Entre as novidades, surgem ainda dois vinhos para distribuição exclusiva nas lojas online e física da AdegaMãe (AdegaMãe Castelão e AdegaMãe Vinha Experimental), potenciando canais de venda próprios. A marca entrada de gama, Pinta Negra, é também totalmente renovada, crescendo ainda para novas referências (Reserva, Espumante e latas).
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estágio. “Caindo o emblema Dory Reserva, estes passaram a ser AdegaMãe Reserva. Hoje, temos o AdegaMãe Reserva Branco e Tinto, que estão no mercado há poucos meses, mas que sentimos também ter sido uma boa aposta e a recetividade tem sido muito boa”, descreve Bernardo Alves. Por sua vez, a marca de entrada de gama foi totalmente renovada, acrescendo-se novos produtos com o objetivo de enriquecer a gama Pinta Negra, que cresceu para novas referências, nomeadamente Reserva (branco e tinto), Espumante e o formato em lata. “Hoje, o portfólio da AdegaMãe é muito interessante, mas há espaço para umas ‘coisinhas’ novas, futuramente. Se calhar, para um fortificado Carcavelos. Há espaço para a AdegaMãe fazer uma aguardente da Lourinhã, já que estamos muito perto da região demarcada da Lourinhã. Ainda poderá haver lugar para um licoroso”, relata. “Temos um projeto de vinhos também em Colares, para os próximos anos. Tudo isso demora, não são coisas que se façam num ano ou dois, e muitas delas vão aparecer daqui a sete, oito ou nove anos. Mas haverá espaço para algumas coisas diferenciadoras, não tenho dúvida”.
Enoturismo
O enoturismo sempre foi uma aposta desde o dia zero, sendo um importante complemento à atividade vinícola da AdegaMãe, que investiu na abertura do seu próprio restaurante, em 2020. “Praticamente ninguém conhecia a AdegaMãe e tínhamos meses em que vendíamos 300 euros na loja de vinhos. Hoje, em média, a loja vende 20 mil euros, por mês. Mais as visitas e o restaurante. Obviamente que houve um trajeto, houve muita persistência, um grande querer que o enoturismo fosse uma realidade”. A inauguração do restaurante Sal na Adega vem no seguimento dessa aposta e do desejo de que, ao fim de nove anos, a gastronomia fosse uma parte da oferta. Para o negócio do Grupo Riberalves, esta é a melhor forma de homenagear tantos os seus vinhos como a origem do grupo: o bacalhau. “É uma oferta diferente também da própria região. Acreditamos, mais uma vez, que estamos a dar valor não só à AdegaMãe, como à própria região através da nossa oferta enogastronómica. É um projeto que tem tudo para continuar e no qual iremos sempre a apostar”, garante. 2020 foi, contudo, um ano difícil para o cenário turístico nacional. Afinal, segundo o CEO, cerca de 60% das pessoas que visitaram a adega antes da pandemia era de nacionalidade estrangeira. “Também temos muitos portugueses que vêm de diferentes partes do país e que já ouviram falar da AdegaMãe. Mas, claramente, os turistas estrangeiros, que vêm visitar o nosso país, são uma fatia muito importante. Não esquecendo e não menosprezando o mercado de turismo nacional obviamente, o potencial maior está ali, porque, na verdade, estamos a 50 quilómetros de Lisboa”, reflete.
A AdegaMãe adaptou-se de forma positiva às condicionantes da pandemia, conseguindo fazer crescer as vendas em comparação com 2019, o que está, principalmente, relacionado com a forte aposta na exportação. Durante a pandemia, 85% da produção foi escoada para diversos mercados externos. Bernardo Alves gostaria que o valor se fixasse em redor dos 70% da produção a sair de Portugal. “Foi uma boa aposta. Foi um ano
em que a AdegaMãe cresceu pouquinho, mas cresceu. Não quebrou vendas, o que, por si só, é positivo, porque, infelizmente, houve empresas que perderam muitas vendas. Queremos crescer no mercado nacional, mas também, obviamente, queremos crescer bastante no mercado internacional. Portanto, a proporção de 70/30 parece-me equilibrada”. Com uma faturação que estima fixar-se nos 4,5 milhões de euros, em 2021 - com a ambição de chegar aos sete milhões de euros nos próximos anos -, e um portfólio já bastante diversificado, com propostas para todos os gostos e todas as carteiras, a AdegaMãe não estabelece metas a longo prazo. “É um passo de cada vez e ir avaliando. Não queremos só produzir e criar volume. A questão é criar e associar à qualidade e à credibilidade da marca. Acima de tudo, o grande objetivo, a médio prazo, da AdegaMãe é ser uma referência de vinhos muito credível, seja no mercado nacional, seja internacional. Depois, onde é que nos vão colocar? Se nos vão colocar a meio da tabela, mais acima ou mais abaixo, isso para nós também não é o principal”, conclui.
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OPINIÃO
MARIA JOÃO DE ALMEIDA Jornalista e crítica de vinhos
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A IMPORTÂNCIA DO ENOTURISMO PARA A PROMOÇÃO DO VINHO O vinho tem vindo a evoluir qualitativamente ao longo do tempo, graças ao progresso e desenvolvimento de conhecimentos e das técnicas na sua produção. O próprio consumidor reagiu a esta melhoria, procurando novos saberes e vontade de realizar actividades relacionadas com o vinho. O “boom enoturístico” surgiu, assim, nesta realidade. Depois de anos conotado com a produção de vinho de má qualidade, vendido a granel nas tascas e tabernas que lhe davam ainda pior reputação, Portugal teve de reagir. Fora o vinho do Porto com fama que já vinha de longe - ou os poucos e bons vinhos do Dão e da Bairrada - que eram vendidos engarrafados - o que então se produzia só nos envergonhava. O que realmente interessava era a quantidade e não a qualidade. Mas a entrada de Portugal para a Comunidade Europeia, em 1986, e a existência de novas regras vieram alterar por completo o panorama vitivinícola português. A década de 90 viria a tornar mais visível o resultado dessas alterações e, a pouco e pouco, o enoturismo começou também a ganhar mais força. O mundo do vinho deu uma verdadeira reviravolta. A produção de vinho passou a apostar na qualidade. Passou a ser engarrafado e a venderse em todo o lado: nas garrafeiras, super e hipermercados e no canal Horeca (restauração). Falar e saber de vinho passou a ser sinónimo de status. Começaram a surgir novos produtores e novas marcas de vinho. As técnicas de viticultura evoluíram e as adegas modernizaram-se, trazendo outra qualidade ao vinho. Os enólogos, que se formaram em engenharia agrícola, especializaramse em enologia e estágios noutros países, regressando a Portugal com novos e aprofundados conhecimentos. Tal como acontece na área da gastronomia com os chefes de cozinha, os enólogos viraram “estrelas”. Em importantes feiras nacionais e internacionais era exigida a sua presença, assim como a dos produtores, de forma a terem um contacto mais directo com o consumidor. A ligação vinho comida começa a ganhar cada vez maior importância, especialmente através dos menus de degustação com vários pratos para harmonizar com os vinhos, elaborados por conhecidos chefes de cozinha. O vinho começa a surgir cada vez com mais força nos meios de comunicação social, a nível nacional e internacional. Surgem também programas de televisão, filmes e documentários relacionados com o tema. São realizados vários concursos de vinhos cá e lá fora. Produtores portugueses ganham muitas medalhas e prémios. Os cursos de vinho são, cada vez
mais, procurados e os consumidores tornam-se mais atentos ao tema do vinho, tornando-se mais exigentes. Começaram, então, a existir boas razões para o produtor investir em enoturismo. Produtores, mas também operadores turísticos, que começaram a criar foco em actividades relacionadas com vinho. Enoturismo, um motor de venda A par dos restaurantes, supermercados, garrafeiras, wine bars e outros pontos de venda, as adegas e outras empresas dedicadas a actividades de enoturismo tornaram-se também num bom veículo para servir e vender vinho. Com a vantagem de ser um acto de venda mais personalizado. Os enoturistas têm como motivação geral conhecer o vinho in loco (a história da propriedade, o produtor, as vinhas, a adega, as pessoas que lá trabalham); conhecer aspectos ambientais e ecológicos da produção de vinho agora muito em voga; aprender sobre o vinho e sua ligação à comida; conhecer o espaço rural (a paisagem, os habitantes, as práticas agrícolas, a região); praticar actividades lúdicas (vindimar, visitar a adega, provar vinhos); apreciar o património, a cultura, a arquitectura e a arte e desfrutar de "lifestyle", da elegância e do bem-estar. Estes tipos de visitantes são, geralmente, consumidores de vinho que, aproveitando a sua viagem a um determinado local, aproveitam a oportunidade para conhecer melhor os vinhos, as castas, as adegas. Que melhor oportunidade existe senão tê-los ali à mão e mostrar-lhes a origem de tudo? Por essa razão, é importante as adegas e empresas estarem preparadas para receber os visitantes, serem conhecedoras da história e da cultura do vinho. E saber transmiti-las através de "storytelling" apelativo que faça os enoturistas comprar vinho e levar consigo parte da história daquele produtor no regresso a casa. Quanto mais completos forem os serviços das empresas e a formação dos recursos humanos, melhor se comunica e obtém visibilidade. As adegas devem trabalhar para criar condições ideais e corresponder às expectativas dos seus visitantes. Por último, o enoturismo tem de ser bem trabalhado, nomeadamente pelos organismos do turismo, que têm o poder de fazer diferente, mas continuam a não perceber como comunicar o sector. Que deveriam ouvir e perceber melhor o mundo do vinho para serem mais assertivos na sua estratégia. De nada serve fazermos barulho ao redor do enoturismo com campanhas que fazem encher o olho, mas que de nada servem se não soubermos trabalhá-lo posteriormente. Para nos tornarmos uma referência mundial no enoturismo e vendermos ainda mais vinho. A autora escreve ao abrigo da grafia pré-Acordo Ortográfico
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ENTREVISTA TEXTO Bruno Farias FOTOS D.R.
“Atualmente, uma marca de vinho pode ser perfeitamente construída no retalho” Sergio Marly Caminal, CEO da Sogevinus, analisa os motivos que levaram ao lançamento da marca São Luiz, a mais recente aposta do grupo vínico, que visa associar os vinhos produzidos ao seu terroir. Uma nova marca, com uma nova gama, que reúne em si os vinhos DOC Douro da casa Kopke, que continuará a ter sob a sua umbrela alguns os mais requintados vinhos do Porto de Portugal. O presente e futuro da Sogevinus, que, já em julho de 2020, havia comprado a Quinta da Boavista e que quer continuar a reforçar o seu papel enquanto "player" dinâmico do mercado vinícola nacional.
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rande Consumo - Três anos após a sua nomeação para CEO da Sogevinus, que balanço pode fazer deste período? Atendendo ao seu percurso profissional, podemos considerar que vender vinhos é bastante distinto de vender bebidas espirituosas? Sergio Marly Caminal – Estive desde 2009 a 2014 na Pernod Ricard Argentina e os vinhos faziam parte da oferta. O mundo dos vinhos não me é, então, desconhecido. Nos últimos três anos e meio, a Sogevinus mudou bastante. Temos tido um desempenho melhor que o do próprio mercado. Há três anos, detínhamos a segunda posição e estávamos a quatro pontos do primeiro. Atualmente, somos o primeiro, a quatro pontos do segundo. Ganhámos oito pontos não com uma estratégia de baixa de preço, mas de investimento publicitário, em promoções, na criação de valor para a marca, particularmente, Velhotes. Lançámos também novas referências. Estamos a fazer coisas para potenciar as marcas de Sogevinus. DOC continua a ser a assinatura desta companhia. Creio que vamos na direção certa para associar os vinhos ao seu terroir. Para os nossos distribuidores, é também mais fácil dizerem que têm uma marca de vinho do Porto, que se chama Kopke, e outra de vinho DOC, que se chama São Luiz. A prova de que temos interesse em desenvolver os vinhos é a compra da Quinta da Boavista, concretizada em julho de 2020, em pleno confinamento. Temos aqui uma série de valores e de ativos, os quais temos evidentemente que desenvolver o seu potencial.
GC - Os ativos detidos e respetivas marcas são suficientes para a estratégia definida pelo grupo? A que aponta, afinal, o Grupo Sogevinus, agora que conquistou a liderança? SMC – Agora, pretendemos mantê-la e aumentar a diferença face à concorrência. Mas trata-se, sobretudo, de uma estratégia de encontrar novos mercados. Sabemos que, para o vinho do Porto, falta-nos dimensão em alguns países, como o Reino Unido. Neste mercado, as marcas inglesas e as marcas próprias dominam cerca de 90%. Penso que podemos aumentar a nossa participação com uma marca como a Kopke. Nos vinhos do Porto, temos muito ainda para desenvolver, não só a Sogevinus, mas toda a indústria, no sentido de captar novos consumidores e novos momentos de consumo. O mundo do Porto está circunscrito à sobremesa e ao aperitivo. Há que expandir os momentos de consumo, porque ao fazê-lo estamos a atrair novos consumidores. Veja-se o exemplo do Porto Tonic, lançado pela concorrência, pode ser uma ideia. Um Porto Mix pode ser outra ideia a desenvolver. GC – E a lata, que está tão em voga? Faz parte dos objetivos? SMC –Não temos ainda nada previsto. Queremos ver um pouco mais como evolui o Porto Tonic em lata. Parece, de facto, uma boa ideia para tentar recrutar novos consumidores para a categoria, visto
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"Esta decisão foi o culminar de uma reflexão, muito anterior à pandemia, de que para os consumidores, sobretudo os de fora de Portugal, era muito difícil entender que um Porto e um vinho de mesa eram da mesma marca" ser muito fácil de consumir, com uma relação alcoólica moderada. Vamos a ver como evolui. Também é verdade que, para nós, tem uma certa complexidade logística, visto que não produzimos latas, nem produtos com gás. GC - O vinho ainda é um negócio/atividade que vive muito do contacto humano. O que se pode extrair como aprendizagem da pandemia? Vender vinho online é desvirtuar essa génese? Olham para o online como um possível canal de comercialização futuro? SMC – Em novembro de 2019, começámos com a Uva Wine Shop a vender online. É um canal que temos vindo a desenvolver. É certo que, à medida que as restrições associadas à Covid-19 foram sendo suavizadas, o crescimento do online estabilizou, porque as pessoas querem consumir novamente fora de casa. Mas o online manter-se-á e permite, por exemplo, que um turista da Bielorrússia, que prove um Cálem de 10 anos na sua vinda a Portugal, o possa a adquirir quando estiver em casa. Temos de fazer mais do que atualmente fazemos no e-commerce, isso é claro para nós. Somos ainda muito
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jovens neste canal, mas estamos a investir e a entrar em mais plataformas para permitir que os nossos produtos cheguem a cada vez mais consumidores. GC - Qual foi o impacto da pandemia na vossa operação? As vendas acusaram o fecho da restauração? Também para o enoturismo não terá sido um período fácil... SMC – Se considerarmos o pré-Covid, a nossa faturação baixou 20% face a 2019. Ficou acima dos 30 milhões de euros, quando estávamos em torno dos 40 milhões. A pandemia impactou, a nível de grupo, o sector do enoturismo, que baixou 74% convém não esquecer que, entre Cálem e Burmester, recebemos mais de 400 mil pessoas. Mesmo assim, e embora a anos-luz do que fazíamos em 2019, em 2020, Cálem foi a cave mais visitada. Relacionado com isto, a pandemia impactou também fortemente, e de um modo particular, o mercado português, que está
Todas estas circunstâncias adicionaram-se ao investimento feito em São Luiz, nomeadamente na área do enoturismo. A associação ao vinho é natural. No início, esta mudança era para ter acontecido mais paulatinamente. Mas acabámos por optar não por uma evolução, mas por uma revolução. Não queremos perder o legado de Kopke e, por isso, nas garrafas e nas etiquetas, colocamos as credenciais da marca de 1638 e também não queremos perder os nossos consumidores atuais, e como tal, fazemos uma comunicação específica nas garrafas, comunicando a mudança de Kopke para São Luiz. GC - É estratégico para as vossas ambições ter uma marca forte de vinhos DOC no retalho? É isso que a Quinta de São Luiz quer ser? SMC – Claramente. Não só vendemos Vinhas Velhas e Reserva, como também os São Luiz Colheita. Sobretudo, quando falamos de mercados fora de Portugal, 80% a 85% das vendas de vinho DOC é feito nas lojas de retalho. muito dependente do turismo. Os turistas que consomem nos restaurantes e compram nas lojas e, até, os portugueses que vivem fora de Portugal e passam cá as férias, e que no regresso levam sempre Velhotes, vieram menos. Na exportação, crescemos 5%. Somos a empresa que mais cresceu na exportação nos últimos dois anos. Estamos a crescer não só no mercado português, como também no total mercado, porque crescemos mais do que o mercado. GC – Qual é o peso da exportação? Quais os principais mercados trabalhados? SMC - No ano passado, a exportação representou, aproximadamente, 50% das vendas. Em 2019, era 40%. Encontrámos um novo distribuidor para a Kopke, desenvolvemos os nossos produtos na Holanda, chegámos à Coreia do Sul, que é atualmente um mercado emergente para o vinho do Porto, onde temos uma quota de mais de 50%, evoluímos na Rússia. Portanto, apostámos e desenvolvemos mercados não tão tradicionais, mas que nos permitiram compensar a queda em mercados mais maduros, como o inglês, o francês e o português. GC - Recentemente, a Kopke deixou de ter vinhos de mesa para passarem a ser Quinta de São Luiz. O que motivou esta decisão? Este rebranding era algo que já estava pensado antes da pandemia? SMC – Esta decisão foi o culminar de uma reflexão, muito anterior à pandemia, de que para os consumidores, sobretudo os de fora de Portugal, era muito difícil entender que um Porto e um vinho de mesa eram da mesma marca. Aliás, tínhamos distribuidores na Holanda para a Kopke que não eram capazes de vender uma única garrafa de vinho de mesa. Nos Estados Unidos da América, deparámo-nos com o problema de um distribuidor poder estar interessado no vinho do Porto, para um determinado estado, mas não querer o vinho de mesa.
GC - As marcas de vinhos fazem-se no retalho ou na restauração e nos canais especializados? SMC – Se me fizesse essa pergunta há 10 anos, diria que se faziam nas garrafeiras e restaurantes. Sobretudo, vindo eu do mundo das espirituosas. O mundo mudou e continua a mudar. Atualmente, uma marca de vinho pode ser perfeitamente construída no retalho. Podem criar-se marcas de vinhos no retalho sem que tenham de estar na restauração. GC - Quais são, no seu entender, os grandes desafios do sector do vinho do Porto? É possível viabilizar a sua crescente valorização no mercado interno ou é algo apenas alcançável nos mercados externos? SMC – Penso que, do mesmo modo que se passa em Espanha com o Jerez, o português mais jovem desconhece o vinho do Porto. Como indústria,
"O nosso objetivo, para 2022, é crescer cerca de 30% nos vinhos DOC e 10% nos vinhos do Porto. Está claro para nós que onde temos mais margem para crescer é em DOC, sobretudo na exportação. Este ano, já vendemos mais 45% do que no ano passado, em termos de DOC na exportação"
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deveríamos todos tentar encontrar os jovens com novos locais e momentos de consumo. O champanhe conseguiu fazê-lo. Era um produto de celebrações e, hoje, é servido às refeições. O consumidor estrangeiro, dependendo dos países, valoriza o vinho do Porto. França, por exemplo, é um mercado de marcas próprias e de produtos de menor valor acrescentado, em oposição à Dinamarca e aos Estados Unidos, que preferem produtos mais premium. O grande desafio do sector, como um todo, é expandir o mundo do Porto, em vez de travar pequenas batalhas por quota. Considero que as normas também são antiquadas, o que não ajuda a indústria. É certo que tem de haver regras, mas não me parece normal ter de passar pelo IVDP para tudo e mais alguma coisa, até para aprovar uma etiqueta. Se quero colocar um pássaro em vez de um urso, porque tenho de ter a aprovação do IVDP? O Governo português deveria também investir no desen-
GC - Os vinhos fortificados da Sogevinus são um bom cartão de visita em qualquer mercado? SMC – Ter marcas como Velhotes, que é a marca mais vendida em Portugal, como Kopke, que é a mais antiga de vinho do Porto, data de 1638, com uma garrafa que é característica, os Cálem com as caves mais visitadas, tudo isso abre portas. No momento, somos uma empresa em que 88% da faturação é Porto e 12% DOC. A nossa possibilidade de desenvolvimento está sobretudo nos DOC. GC - Já falámos da Quinta de São Luiz. É este o grande lançamento da Sogevinus para este ano? SMC – Claramente, é o grande lançamento da Sogevinus para este ano no mundo dos DOC. É a marca número um e prioritária nos DOC. Boavista será uma marca mais premium. GC - É pela premiumização da sua oferta que Sogevinus também quer ser conhecida? SMC – A Quinta da Boavista é magnífica e com um potencial tremendo para o enoturismo. A vinha do Oratório é uma das mais bonitas que existem. Acreditamos que os vinhos da Quinta da Boavista têm um elevado valor acrescentado e que a marca nos confere prestígio. Pode ajudar-nos, em certos estabelecimentos, a introduzir os nossos produtos.
volvimento do consumo de Porto. Só vamos conseguir atrair novos consumidores se criarmos novos momentos de consumo. Se continuarmos a fazer vinho do Porto para acompanhar a sobremesa, então, nada feito. GC - Atendendo às diversas marcas de vinho do Porto detidas e comercializadas, com que expectativas é que olha para a possibilidade de o IVDP criar uma nova categoria de Portos de 50 anos? SMC – Não consigo entender por que razão, se os produtores estão de acordo para lançar um produto com 50 anos e se está tudo aprovado, tenhamos que esperar pelo regulamento. Vamos perder a campanha de Natal, o que é dramático para um sector que não está na sua melhor forma. Dois meses e meio para publicar um regulamento que vai beneficiar todo o sector é demasiado tempo. Se a categoria for lançada, valoriza todas as outras.
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GC - Com que expectativas encara o ano que vem, quer para o sector do vinho do Porto como para os vinhos do Douro? SMC – O nosso objetivo, para 2022, é crescer cerca de 30% nos vinhos DOC e 10% nos vinhos do Porto. Está claro para nós que onde temos mais margem para crescer é em DOC, sobretudo na exportação. Este ano, já vendemos mais 45% do que no ano passado, em termos de DOC na exportação. Creio que São Luiz pode ajudar-nos bastante. No mínimo, queremos duplicar a faturação atual de DOC nos próximos quatro anos. GC - 2022 poderá ser um bom ano no que diz respeito ao enoturismo, com a esperada retoma definitiva da economia e, com ela, da atividade turística em Portugal? SMC – Este ano, ao final de setembro, já estávamos 10% acima de 2020. Esperamos que, à medida que as restrições forem aliviando, o enoturismo cresça. Em 2022, não esperamos chegar ainda aos números de 2019, mas perspetivamos duplicar os de 2021.
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OPINIÃO
PEDRO LOPES Business Development Director da L'Oréal Portugal
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O QUE SE PASSOU COM O “LIPSTICK EFFECT” E O FUTURO DA BELEZA Durante os últimos dois anos, um dos mais conhecidos efeitos económicos em tempos de crise tem sido posto em causa. Trata-se do “lipstick effect”. Esta teoria defende que, em ambiente de crise económica, os consumidores tendem a substituir o consumo de bens de luxo mais caros por “pequenos luxos”, como o uso de baton. Acresce, ainda, que o uso de cosméticos, nomeadamente de maquilhagem, tem, genericamente, um impacto positivo na autoestima e em dar a quem os usa uma sensação de controlo e poder. Se estamos bem arranjados e bem vestidos, sentimo-nos melhor e prontos para atacar as dificuldades do mundo. Este é um dos princípios na base da conclusão unânime que advoga que a indústria de cosmética é resiliente a crises de várias naturezas. Contudo, o contexto de crise pandémica dos últimos quase dois anos contrariou a aplicação deste efeito. O mercado da beleza sofreu impactos negativos acima do patamar dos dois dígitos no total dos canais, sendo também negativo, mas bem abaixo dos dois dígitos, no contexto de hipers e supermercados, que se mantiveram abertos (embora com limitações de horários e número de shoppers simultâneos). As indicações de como atuar neste contexto único que fomos recebendo estiveram na origem destes resultados. Primeiro, “fiquem em casa”. Se ficamos em casa, não nos arranjamos, não saímos à noite, não temos almoços e jantares com pessoas perante as quais temos de parecer bem. Categorias como maquilhagem, onde se inserem os tais batons do “lipstick effect”, sofreram logo o primeiro impacto, assim como a categoria de perfumes ou de “styling”. Curiosamente, algumas categorias de cosmética beneficiaram deste contexto, como coloração em casa e vernizes de unhas, que cresceram vendas dado que cabeleireiros e esteticistas tiveram de fechar, mas longe de conseguirem compensar as perdas das primeiras. Segundo, “usem máscaras”, ou seja, tapem grande parte do rosto. Segundo golpe na maquilhagem, e em concreto nos batons, levando a categoria de cremes de rosto atrás. Curiosamente, também aqui alguns segmentos beneficiaram do contexto, como máscaras de hidratação de tecido, que passaram a ser integradas mais frequentemente numa rotina de beleza de consumidoras com tempo a mais
em casa. Efeito que, também aqui, não compensou de todo a perda de vendas global da categoria. Mas um outro efeito impediu o funcionamento do “lipstick effect”: a proteção dada pelo Governo aos empregos, levando a que mantenhamos, ao dia de hoje, uma taxa de desemprego abaixo dos 7%, longe dos 16% do período de crise económica de 2013. Ou seja, o sentimento de escassez económica ainda não se viveu ao nível do vivenciado nas crises do século passado, em que o famoso efeito teve origem. Impõe-se, então, perceber quando é que beleza vai regressar. Podemos elencar três grupos de pistas. Olhando para os fatores que a originaram, temos as primeiras: já acabou o “fique em casa” há muito e esperamos que não volte. Já é possível ir a restaurantes e discotecas. Já começa a deixar de ser obrigatório usar máscara em muitas situações. E, infelizmente, começamos a ver sinais de crise económica à vista, nomeadamente reforçada pelos aumentos dos preços, em concreto dos combustíveis, a que se seguirão outros. Por outro lado, surge um desejo de vingança. Multidões de jovens que não saíram à noite no último ano e meio, casamentos adiados ou em versões reduzidas, festas de 18 anos, todos os tipos de celebrações foram adiados. Exige-se vingança e espera-se o fenómeno de “revenge buying”. Um fenómeno em que todos nós sentimos que merecemos uma compensação... e traduzimos esta emoção em compras, sempre que podemos. Juntam-se, ainda, várias tendências com futuro impacto positivo no crescimento das categorias de beleza. A conveniência do e-commerce, que aprendemos a conhecer ainda melhor no último ano e meio, que trará mais facilidade em comprar cosmética, normalmente pouco acessível neste país de supermercados; a “all inclusive trend”, a tendência que traz soluções para todos os consumidores, nomeadamente as gerações mais velhas ávidas por produtos que as façam sentir-se bem; a importância crescente da saúde e a sua aplicação em produtos de beleza que nos façam sentir mais saudáveis e tragam novos consumidores para as categorias. E muitas outras. Parece poder concluir-se, assim, que o mercado da beleza mantém as condições que o transformam num mercado que cresce sustentadamente acima da média da indústria nas últimas décadas. Está saudável e pujante. As tendências que o sustentavam foram exponenciadas por estes dois últimos anos e parece que podemos antever que … vêm aí uns novos “loucos anos 20”!
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“A nossa grande missão é revolucionar o sector da cosmética”
A Freshly Cosmetics nasceu em fevereiro de 2016, fundada por Miquel, Mireia e Joan, três jovens engenheiros químicos que decidiram criar a sua própria marca. A inspiração foi Mercè, a mãe de Miquel, que já fazia sabonetes naturais, e a premissa era clara: criar uma cosmética natural e eficaz, que passasse por um negócio digital, com vendas online e diretas. O primeiro passo foi dado, precisamente, no digital, comercializando para vários mercados europeus, mas a empresa já abriu várias lojas físicas em Espanha. Em finais de 2020, deu mais um passo na sua estratégia de internacionalização e chegou ao mercado nacional com uma estratégia 100% digital e expectativas muito positivas. “Até agora, temos crescido todos os meses e vamos continuar a trabalhar para que seja sempre assim”, garante Inês Reis, Marketing Specialist para o mercado português da Freshly Cosmetics. A empresa fechou o ano de 2020 com uma faturação total de 33 milhões de euros, sendo que 30% veio dos mercados internacionais. A expectativa é quase duplicar esse valor em 2021.
NÃO ALIMENTAR TEXTO Bárbara Sousa FOTOS D.R.
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Portfólio
A
Freshly Cosmetics surgiu com uma ideia clara: oferecer produtos 99% naturais de alta qualidade, com concentrações excecionais de ativos naturais e ecológicos inovadores. “O mais importante, e a nossa grande missão, é revolucionar o sector da cosmética e acelerar a transição para uma cosmética natural, eficaz, saudável e sustentável. Não acreditamos que seja efetivamente uma tendência, mas, sim, uma necessidade urgente, queremos minimizar o impacto que a indústria cosmética tem no ambiente e temos desenvolvido vários projetos nesse sentido”, explica Inês Reis, Marketing Specialist para o mercado português da Freshly Cosmetics. Minimizar o impacto ambiental que advém da produção é uma das prioridades da Freshly Cosmetics. Um caminho que se faz desde a formulação, escolhendo ingredientes e ativos naturais, seguindo-se das embalagens, que são em vidro e em cartão. Além disso, recentemente, foram lançadas as amostras sustentáveis, para que os clientes possam experimentar os produtos, comprovarem a sua eficácia e, depois, comprarem a versão em tamanho original. “Queremos continuar a crescer e a desenvolver mais produtos para satisfazer as necessidade e gostos dos nossos clientes, daí ser tão importante o feedback que nos é transmitido”. A Marketing Specialist descreve este “social proof” como o principal motor da Freshly Cosmetics. “Movemo-nos a partir das opiniões e feedback dos nossos clientes. É a partir daí que melhoramos fórmulas, pensamos em novos lançamentos, seguindo o que nos pedem. Contamos com uma equipa de Costumer Love composta por 30 membros, que trabalham, todos os dias, para prestar o melhor apoio possível a todas as pessoas que nos contactam. Queremos ouvir as suas necessidades e gostos e transmiti-los para a restante equipa. Na Freshly, temos por hábito dizer ‘as pessoas estão no centro’ porque, de facto, os nossos clientes são a nossa base, a todos os níveis”, defende.
A Freshly Cosmetics chegou a Portugal com todo o catálogo disponível. A empresa conta com um portfólio de mais de 70 referências dentro das gamas de produtos para o corpo, faciais e capilares, a linha de maquilhagem natural e vegan e produtos para crianças e para animais. Os próximos meses serão de novidades. O Hair Growth foi um produto bastante pedido pelos consumidores da marca. Trata-se de um sérum anti queda 99,9% natural, que ajuda a intensificar o crescimento e melhora a espessura e saúde do cabelo. Vem reforçar o portfólio de capilares e é uma das grandes apostas deste ano, uma vez que ajuda a combater um problema que afeta milhares de pessoas, em todo o mundo, e que, com a chegada do outono, tende a agravar. “Para novembro, teremos a grande novidade deste ano e um lançamento que é um enorme orgulho, totalmente diferente do que temos vindo a produzir até então. É o culminar de todas as nossas bases - sustentabilidade, minimizar o efeito da cosmética no ambiente, ingredientes naturais e vegan sempre com a maior eficácia. Esta linha será a mais amiga do ambiente de todas as que temos vindo a produzir, tem a principal preocupação em desperdício zero, mais amiga do ambiente e menos poluente”, revela Inês Reis, Marketing Specialist para o mercado português da Freshly Cosmetics.
Clean label
Numa vertente ambiental, o maior benefício da cosmética natural é o equilíbrio que traz tanto para os consumidores que a usam, como para o ambiente. “Ao usar os produtos Freshly, estarão a utilizar 99,9% de ingredientes naturais e de origem vegetal, que apresentam resultados eficazes e comprovados, e o feedback dos nossos clientes é a prova disso”. Além disso, garante a responsável, o consumidor estará a comprar produtos com embalagens mais sustentáveis, feitas em vidro, madeira, alumínio e papel kraft, sem utilização de químicos ou microplásticos que prejudicam o ambiente. O objetivo da marca, que recorre a energias limpas e a ingredientes vegan durante todo o processo, é oferecer produtos que, além de terem
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“Em 2020, fechámos o ano com uma faturação total de 33 milhões de euros, sendo que 30% provém dos mercados internacionais. O objetivo é, sempre, crescer, não só a nível de faturação, como de clientes fixos”
Vendas online Como marca que se lançou, em primeiro lugar, no mundo digital, todos os produtos Freshly podem ser comprados através do site oficial. Em Espanha, já tem três lojas físicas e esse é um objetivo que quer alargar a todos os outros mercados, incluindo Portugal. A empresa tem consciência que o contacto presencial e físico é um fator-chave, sendo este um objetivo planeado para o futuro. A marca chegou a Portugal há quase um ano, com uma estratégia 100% digital e, segundo Inês Reis, Marketing Specialist para o mercado português da Freshly Cosmetics, a evolução tem sido muito positiva, com uma percentagem de clientes novos mensais altamente significativa. “Ao ser uma marca 100% digital, a pandemia não representou um entrave à expansão, até pelo contrário, levou a que os consumidores se tivessem que adaptar a um método de compra inevitável, o e-commerce, e, por outro lado, que tomassem mais consciência do tipo de consumo que fazem, tendo mais tempo para se instruir e procurar realmente as melhores soluções para a sua pele e para o planeta. Por outro lado, também começámos a construir uma equipa nativa que conhece a realidade do mercado português e o comportamento dos consumidores, o que permitiu começar a posicionar-nos melhor no mercado”, explica.
resultados comprovados para quem os utiliza, têm, também, um impacto positivo no ambiente. “Procuramos revolucionar o mercado da cosmética, mostrando que é possível criar produtos eficazes, naturais e respeitadores do ambiente e dos animais”, afirma Inês Reis. Em Portugal, é visível uma crescente procura dos consumidores por produtos mais sustentáveis e naturais. De acordo com o estudo sobre Transição Ecológica realizado pelo Cetelem - BNP Paribas Personal Finance em parceria com o
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CCEF, nove em cada 10 inquiridos confirmam valorizar produtos, empresas e marcas sustentáveis. O mesmo estudo indica que 49% dos consumidores de cosmética e maquilhagem valoriza a sustentabilidade das marcas. Os dados do inquérito mostram, ainda, um aumento do nível de consciência, com metade (51%) a afirmar estar mais preocupado com as alterações climáticas do que há cinco anos. Esta consciência ambiental é mais evidente nos jovens, entre os 18 e os 34 anos, que se revelam também mais preocupados com o impacto destas alterações no presente. “Tanto em Portugal como noutros países, a preocupação dos consumidores em saber o que utilizam, entender a lista de ingredientes e saber que estão a consumir ingredientes seguros é cada vez maior. Por isso, a procura destes produtos aumenta de dia para dia, bem como a vontade e a inevitabilidade de ter um tipo de consumo mais consciente, que possibilita uma menor utilização dos recursos do planeta”, diz Inês Reis.
Futuro
O projeto de expansão da marca Freshly Cosmetics tem sido “um verdadeiro sucesso”, permitindo que seja possível chegar a mais países neste curto espaço de tempo. Neste momento, a marca está presente em Espanha, através também de lojas físicas, França, Itália e Portugal. Desde janeiro que já está presente no mercado chinês e, mais recentemente, em maio, entrou no Reino Unido. “Em 2020, fechámos o ano com uma faturação total de 33 milhões de euros, sendo que 30% provém dos mercados internacionais. O objetivo é, sempre, crescer, não só a nível de faturação, como de clientes fixos”, explica. Para o futuro, a marca de cosméticos naturais espanhola procura, além de continuar a revolucionar a forma como os consumidores encaram a cosmética, quase que duplicar a faturação. O objetivo é atingir os 55 milhões de euros em vendas totais de todos os mercados, em 2021, um marco que a Freshly Cosmetics acredita que será cumprido. Em Portugal, as expectativas são muito positivas. “Até agora, temos crescido todos os meses e vamos continuar a trabalhar para que seja sempre assim. O objetivo é dar a conhecer a Freshly ao maior número de portugueses, que experimentem os nossos produtos e que nos deem a sua opinião sincera, bastante importante para conseguirmos dar resposta às necessidades e desejos dos nossos consumidores”.
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ENTREVISTA TEXTO Carina Rodrigues FOTOS Sara Matos
“A GLOBALIZAÇÃO ESTÁ MAIS AMEAÇADA PELA SUSTENTABILIDADE DO QUE PELA RENTABILIDADE DAS OPERAÇÕES” 108 Grande Consumo
As tendências aceleradas pela pandemia, as tensões nas cadeias de abastecimento, a crise dos contentores, a globalização, a digitalização, a sustentabilidade. Foram muitos os temas abordados por Raul Magalhães, presidente da Associação Portuguesa de Logística (APLOG), numa conversa sobre os desafios e as oportunidades que se apresentam ao país, numa altura em que tanto se fala da necessidade de repensar a globalização. À potencial desvantagem estratégica trazida pela localização mais periférica contrapõe-se a capacidade de gerar valor, a mesma que, por exemplo, há 20 anos, motivou a instalação da AutoEuropa em Palmela. Se existem dificuldades estruturais na atração de investimento, estas não são inultrapassáveis se Portugal, e o sector logístico em particular, souber fazer valer os seus ativos. Onde a mesma localização geográfica e sua imensa costa costeira podem até jogar a favor, assim como a aposta firme na tecnologia e no “reskilling” dos recursos humanos.
G
rande Consumo - Passámos, nos últimos anos, por uma crise financeira grave, que veio testar a resiliência do sector financeiro, de um modo particular, e por uma pandemia, que testou a capacidade de resiliência do sector logístico. Tendo em conta estes cenários, entre outros, que grandes mudanças se puderam observar no sector logístico, nos últimos 10 anos? O sector ganhou relevância no seio da economia nacional? Raul Magalhães – Hoje, assistimos a um conjunto de intervenções que, direta ou indiretamente, abordam o papel que a logística e as cadeias de abastecimento tiveram neste passado recente, e que continuam a ter, enquanto temas desafiantes para o presente e para o futuro. A logística tem-se alterado muitíssimo, em primeiro lugar, pelo esforço de globalização dos últimos 20 anos, em que, a par de uma deslocalização múltipla de atividades, acrescentaria a concentração de operações. Não foi em vão que assistimos, no contexto ibérico, a uma concentração das grandes multinacionais ou a uma externalização das operações logísticas e o início da criação das cadeias longas, que estamos agora a colocar um pouco em causa, fruto da pandemia e destes últimos desenvolvimentos menos positivos. A imagem que me suscita é a do harmónio. Alargámos o âmbito da logística, nos últimos anos, e percebemos, claramente, a sua importância e relevância no contexto do confinamento gerado pela crise pandémica, em que, para nosso grande orgulho, no caso português, as operações não pararam, os supermercados continuaram a ter produtos e as comunicações continuaram a ser utilizadas. As três áreas a que a crise pandémica deu uma visibilidade, por bons motivos, foram a logística, as comu-
nicações e a saúde. No caso da logística, e no caso concreto português, foram feitos autênticos milagres. Os entrepostos, quer na produção, quer na distribuição, estavam fechados. Quem, naquela altura, circulava foram pequenos grandes heróis. A logística alterou-se muito. Já vinha numa tendência de expansão, teve este choque ao qual teve de dar resposta e implementar planos de contingência que não estavam nos seus horizontes. Agora, tem um conjunto de desafios enormes pela frente, fruto das ondas de choque provocadas pela crise pandémica, quer nacional, quer internacionalmente.
"Por muito espaço e postos de trabalho que houvesse nas diferentes insígnias para preparar o e-commerce, não estamos a falar de um crescimento de 20% ou 40%, mas, sim, de 300% ou 400%. Há limites físicos. Isto fez com que a logística, atualmente, não esteja tão preocupada em crescer mais 20%, mas Em criar novos processos para dar resposta a realidades como esta”
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"Hoje, as empresas digladiam-se em rapidez, em trabalhar sete dias por semana, as 24 horas do dia, em slots ou tempos de resposta de meia hora, uma hora e duas horas. Isto é feito unidade a unidade. Não há otimização. Estamos a multiplicar o acesso às zonas residenciais para entregar uma refeição, um livro ou uma peça de roupa" GC - A pandemia veio acelerar algumas tendências a que já se vinha a assistir, nomeadamente, ao nível dos hábitos de consumo e dos locais de abastecimento das populações, assinalando-se, por exemplo, um crescimento sem precedentes das plataformas de comércio eletrónico. O sector logístico nacional encontrava-se preparado para estas disrupções potenciadas pela pandemia? RM – Se lhe dissesse que estava preparado exageraria. Ninguém poderia prever tamanha intensidade. Abordando o caso do e-commerce, posso dizer que, profissionalmente, estou ligado a uma empresa que recorre a vários prestadores de serviços nessa área, que se debateram com questões tão simples como nem sequer disporem de motoristas. Os próprios motoristas disponíveis tinham uma produtividade muito mais baixa, porque é completamente diferente distribuirmos 10 encomendas numa ou duas ruas e, em muitos casos, os destinatários nem sequer abrirem a porta, do que chegar a um centro comercial e entregar 10 encomendas, que serão recolhidas pelos clientes no seu percurso normal de compras. Quer a produtividade, quer a escassez de recursos provocaram muita pressão na parte do e-commerce. Quando falo em distribuição, refiro-me também à área da preparação. Por muito espaço e postos de trabalho que houvesse nas diferentes insígnias para preparar o e-commerce, não
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estamos a falar de um crescimento de 20% ou 40%, mas, sim, de 300% ou 400%. Há limites físicos. Isto fez com que a logística, atualmente, não esteja tão preocupada em crescer mais 20%, mas em criar novos processos para dar resposta a realidades como esta. O e-commerce cresceu, teve uma pequena regressão face ao pico registado em 2020, mas vai ser uma realidade nos próximos anos. Com as infraestruturas, os processos e os modelos de trabalho que tínhamos no passado, não vamos conseguir dar resposta. GC – É, então, necessário repensar as cadeias de abastecimento neste âmbito? Que dinâmicas poderemos continuar a sentir nos próximos anos? RM – No caso da logística nacional, em que destacaria a questão da logística mais urbana e da distribuição alimentar, há dois efeitos que vão obrigar não só a grandes investimentos por parte dos privados, mas também, e fundamentalmente, a uma atenção redobrada dos poderes públicos. Trata-se de acompanhar a concentração demográfica - hoje, Porto e Lisboa apresentam uma tendência crescente – e, a par disto, uma disseminação dos aparelhos de venda. Nunca tivemos tantos supermercados e tantas lojas no tecido urbano, com todas as inerentes necessidades de abastecimento e tantas exigências do ponto de vista da logística inversa e da sustentabilidade. Hoje em dia, não podemos utilizar os serviços públicos para muitos dos subprodutos resultantes do negócio alimentar e não alimentar. Se usamos paletes ou caixas, estas têm de ter um circuito de recolha que não é coincidente com o circuito de entrega, o que significa que, potencialmente, estamos a gerar mais tráfego nas cidades. E, em cima de tudo isto, temos a questão do e-commerce. Hoje, as empresas digladiam-se em rapidez, em trabalhar sete dias por semana, as 24 horas do dia, em slots ou tempos de resposta de meia hora, uma hora e duas horas. Isto é feito unidade a unidade. Não há otimização. Estamos a multiplicar o acesso às zonas residenciais para entregar uma refeição, um livro ou uma peça de roupa. O paradoxo é que as mesmas pessoas que ficam satisfeitas por ter o supermercado a 10 metros de casa e por poderem encomendar, através do seu smartphone, uma refeição ou um livro, e tê-los entregues no prazo máximo de duas horas, gostariam que, à noite, não houvesse circulação de veículos, nem barulho nos acessos aos supermercados e que houvesse ruas completamente fechadas ao trânsito. A gestão desta contradição, que é bem real, é um desafio.
GC - Com o e-commerce a crescer, por um lado, e as pessoas a comprarem mais junto das suas casas, num comércio mais local, por outro, como consegue o sector da logística responder ao desafio de estar mais próximo dos centros das cidades? RM – Nunca o poderá fazer sozinho. Neste momento, as cidades portuguesas estão a desenvolver os chamados planos de logística urbana sustentável. Enquanto responsável da APLOG, tenho acompanhado dois deles: um já concluído no Porto e outro a ser desenvolvido na área metropolitana de Lisboa. Pretende-se com estes planos identificar os grandes fluxos de mercadoria, de onde vêm e onde vão ser consumidos. E, no meio disto tudo, há soluções inteligentes que temos de ter a capacidade de adaptar à nossa realidade e que passam pela existência de pequenas plataformas urbanas. Dou como exemplo o Porto. A autarquia possui uma série de edifícios que, por uma necessidade de concentração, já não são utilizados. O que tem vindo a ser feito é o mapeamento destes edifícios, alguns deles até com logradouro, para permitir que possam funcionar como micro plataformas de abastecimento urbano. Claro que faltam algumas peças no puzzle. Em primeiro lugar, tem de haver essa vontade política de criar condições, em segundo, haver gestão e, depois, esse modelo de gestão tem de ser alargado a todos os utilizadores. Entrando na área da sustentabilidade, vamos ter que ter a capacidade das entidades conseguirem cooperar umas com as outras, seja a nível dos operadores logísticos, seja dos transportadores. Não pode haver um veículo da empresa A que só transporta para essa empresa e ao lado dele estar um da empresa B que veio entregar no vizinho do lado. Tem que haver uma abordagem colaborativa e, a este respeito, a tecnologia é muito importante, porque tudo
isto pressupõe que existe uma plataforma de colaboração onde todas as entidades se inscrevem, por forma a poderem maximizar os serviços prestados do ponto de vista de distribuição e reduzir, ou pelo menos não impactar, nos custos. GC - Como é que Portugal se está a reorganizar, em termos logísticos? Temos ainda uma logística muito virada para o grande abastecimento e plataformas estruturadas a pensar em grandes stocks e entregas em grandes centros de distribuição ou uma rede cada vez mais capilar e numa lógica de maior proximidade? RM – Temos ambas as realidades. Mesmo no primeiro caso, naquilo que vulgarmente chamamos de grande distribuição, esta tendência que existe, por parte dos consumidores, de começarem a privilegiar, por exemplo, fornecedores locais obriga a uma capacidade de adaptação. Tem que se permitir que um pequeno produtor possa vir numa carrinha entregar apenas três ou quatro caixas de um qualquer produto que, para aquele hipermercado, é valorizado pelo consumidor. A lógica de, por um lado, gostarmos de produtos globais, porque são acessíveis ao mass market, têm preços mais convidativos e existem ao longo do ano, combina-se, depois, com o que é regional, autêntico e que é nosso. Esta conciliação é feita também, por estranho que possa parecer, a nível da grande distribuição. Mesmo nesta área, há uma conjugação dos grandes e dos pequenos volumes.
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A realidade capilar, por sua vez, está em crescimento, por várias razões. Desde logo, porque os pontos de venda têm aumentado de uma forma brutal. Todas as grandes cadeias europeias com dimensão global estão presentes em Portugal. Por outro lado, temos o fenómeno do e-commerce e, ainda, a demografia a funcionar. Hoje, temos vendas por metro quadrado, especialmente nas lojas dos centros das cidades, menores do que nos hipermercados há 15 anos. O que significa que a cadeia tem que funcionar diariamente, fazendo as mesmas viagens, mas transportando menos mercadoria. O esforço sobre a infraestrutura e as cidades aumenta, não porque cresçam os volumes transportados, mas porque as exigências dos consumidores assim obrigam. Fruto da Covid-19, o comportamento dos consumidores, ao longo e no pós-pandemia, ficou altamente aleatório. Isto coloca problemas enormes às cadeias de abastecimento, sejam elas alimentares ou não alimentares. De um momento para o outro, houve categorias de produto que começaram a disparar as vendas – saúde, bem-estar, papel higiénico, conservas – e outras com uma grande queda – beleza, higiene, perfumaria. O drama está do lado de quem faz planeamento para a produção. Hoje, as cadeias não têm curvas nem uma previsibilidade tão segura como no passado recente e isto faz com que haja mais possibilidades de auto stock e de “overstock”, o que reforça a importância da tecnologia. GC - A logística e as cadeias de abastecimento são barreiras ao investimento em Portugal? A nossa localização geográfica e a dimensão do país conferem-nos alguma vantagem ou desvantagem estratégica? Temos um problema de infraestruturas e ao nível da adoção da tecnologia? Como está a evoluir o movimento de digitalização da logística nacional? RM – A localização geográfica é a que é. Não estamos no centro da Europa, estamos num dos extremos. Devemos fazer um esforço de olhar não só para a Europa, mas
“A localização geográfica é a que é. Não estamos no centro da Europa, estamos num dos extremos. Devemos fazer um esforço de olhar não só para a Europa, mas também para o oceano e ver até que ponto podemos tirar partido da nossa localização”
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também para o oceano e ver até que ponto podemos tirar partido da nossa localização. Estou aqui a falar, claramente, das cadeias logísticas mais globais. Sobre infraestruturas, tenho uma opinião muito própria e é de que estamos muitíssimo bem. Estamos bem servidos em termos de portos. Um dos maiores portos de “transhipment” da Europa é Sines. Obviamente que nos faltam alguns elos subjacentes à aposta que vai ser feita na ferrovia, que tem uma componente de futuro, outra de sustentabilidade e uma visão a médio a longo prazo. Nessa perspetiva, no âmbito do investimento que irá ser feito, que demorará o seu tempo até que se alcancem alguns dos objetivos do ponto de vista da malha pretendida, irão aparecer necessidades pontuais ao nível das plataformas que vão permitir a mudança de meio. Hoje em dia, um dos maiores problemas da ferrovia é a intermodalidade. Portanto, os investimentos na infraestrutura deverão estar, do meu ponto de vista, muito focados nos “missing links”, que são aqueles cinco quilómetros que faltam para ligar a linha férrea ao porto de Leixões ou o desvio de Sines, versus as plataformas intermodais que vão resultar do desenvolvimento da ferrovia. Do ponto de vista da atração de investimento para o país, olhando para a nossa posição na Europa, existe uma dificuldade estrutural. Qualquer investimento que se faça do ponto de vista logístico, olhará para o chamado “hinterland”. Se tenho um potencial de 300 milhões de consumidores no Benelux, porque irei montar uma estrutura no extremo ocidental da Europa? Esta dificuldade estrutural não é, contudo, inultrapassável. Vejam-se os exemplos do têxtil, do calçado e da área automóvel onde, claramente, a valorização dos produtos e a componente de cadeia de valor do país justificam perfeitamente que, depois, se faça a movimentação dessa mercadoria para os mercados de destino. Operações meramente de stockagem e de preparação terão dificuldade de sair do contexto ibérico, salvo numa situação e Sines está particularmente bem posicionado para isso, que é a existência de uma zona franca. A Europa tem cerca de 20 zonas francas, fundamentalmente da área industrial e logística, que constituem perímetros isolados onde existe a importação de matérias-primas e componentes, a sua assemblagem, a criação de valor e a sua saída. São quase como que entrepostos aduaneiros, sem pagamento de encargos fiscais, que permitem acrescentar valor e a criação de um conjunto de empresas subsidiárias. Essa
possibilidade caía que nem uma luva em contextos como o de Sines, onde existe espaço, um porto de águas profundas e de “transhipment”, por onde passam navios para todo o mundo, e ligação à Europa, ou Leixões, onde existe um terminal ferroviário, um aeroporto e um porto num raio de cinco quilómetros. Onde entra a digitalização nisto tudo? A digitalização tem vários objetivos: simplificar e agilizar processos, criar uma redundância relativamente ao processo físico e facilitar a reengenharia de processos. Obviamente que também tem vantagens ambientais e de sustentabilidade. A janela única logística é um bom exemplo de uma inovação que nos colocou na linha da frente, a nível europeu. À chegada de um navio a um porto, quer o cliente final, quer todos os intervenientes da cadeia têm acesso, de uma forma desmaterializada e com antecipação, à mercadoria e fazem os seus procedimentos, mudam de modo de transporte sem recurso a papel e tudo isto com o controlo das autoridades competentes, sejam aduaneiras ou de saúde. Se os nossos portos têm esta solução, e se Espanha se atrasa na sua implementação, trata-se de uma vantagem competitiva. A conjugação de todos estes fatores pode tornar o país um pouco mais interessante do ponto de vista de investimentos. Não podemos, de maneira alguma, fugir da nossa faixa costeira, que é um ativo que devemos preservar e utilizar para efeitos de captação de investimentos, a pensar em África, na América do Sul ou do Norte. GC - No Porto de Barcelona, a Vodafone fez uma parceria com a IBM e a Mobile World Capital Barcelona para o projeto-piloto 5G Maritime, cujo objetivo é gerir o fluxo de navios que ali atracam diariamente. Este é um exemplo de como o 5G está a ser testado para concretizar a visão de uma cadeia de abastecimento e logística digitalizada. Na sua análise, como é que o 5G vai modelar o futuro da cadeia de abastecimento? O que é que pode oferecer ao sector da logística? E como está o processo de adoção desta tecnologia em Portugal? RM – Neste momento, a maior dificuldade é política. Digo com toda a frontalidade que as autoridades arranjaram um modo de leiloar o 5G em que privilegiaram, claramente, os euros em detrimento do benefício que pudesse trazer às empresas, ao país e aos cidadãos. É uma pena, até porque os valores, comparando com a primeira e segunda geração, são particularmente insignificantes. Por isso, somos o penúltimo país na Europa a introduzir esta tecnologia. O 5G é revolucionário, no sentido em que as suas próprias implicações ainda são muito desconhecidas por parte dos utilizadores atuais ou futuros. Temos alguma noção e alguns exemplos. O exemplo referido na questão, que tem um projeto similar em Sines com a Nokia, é claramente um dos a destacar. Trata-se de uma automação de processos e de uma visibilidade sobre os intervenientes e sobre todos os produtos e toda a cadeia que, no passado, a ser possível, implicariam vários sistemas: o do armador, mais o do transportador, mais o da área aduaneira pública, mais o do despachante privado. O 5G permite ter, no mesmo repositório, a informação oriunda das mais diferentes fontes e, inclusivamente, quando entramos na área do produto, saber as suas características, quantidades, prazos de validade ou certificados. A visibilidade e a transparência de todos os processos aumentam de uma forma exponencial e todos ganhamos com isso em agilidade,
confiança e na própria produtividade. Há uma imensidão de possibilidades para o 5G, que vão desde a nossa utilização comum em casa, a nível da domótica, à automação numa empresa, à visibilidade, ao acréscimo de segurança, porque remotamente podemos controlar a gestão de uma instalação, por exemplo. O principal trabalho, nos próximos anos, é desenvolvermos as aplicações que o 5G pode permitir. GC - Face a este movimento de adoção tecnológica e de digitalização crescente, que importância têm as pessoas? Temos recursos humanos bem preparados no sector logístico nacional ou, também aqui, há desafios a superar? RM – As pessoas continuam a ser fundamentais. Podemos ter os melhores camiões, entrepostos e sistemas do mundo, faltando as pessoas, ou estas não tendo competências adequadas para desenvolver a sua atividade, nada feito. Olhando em retrospetiva, constatamos como foram muito determinantes da capacidade que tivemos para ultrapassar as dificuldades que a pandemia e o confinamento nos reservaram. Agora, também é verdade que as áreas da logística não têm a devida capacidade de atração de profissionais. Existem hoje outras áreas mais apetecíveis para as
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camadas mais jovens. Há aqui um esforço a ter de ser feito pela logística. Penso que o recurso às novas tecnologias pode dar também uma imagem do sector mais apetecível para a captação de novos colaboradores. Há dois desafios subjacentes. Um dos quais sobre o trabalho repetitivo. A logística, nomeadamente as operações de entreposto, estão muito associadas a esforço físico, o que já não corresponde à realidade. Operações pesadas, repetitivas e que sejam feitas numa ótica de produtividade, que podendo ser feitas as 24 horas do dia tanto melhor, só poderão ser sustentáveis no futuro se tiverem automação. Os recursos sociais e humanos já estão quase no limite e dificilmente aparecerão pessoas, com as dificulda-
“Digo com toda a frontalidade que as autoridades arranjaram um modo de leiloar o 5G em que privilegiaram, claramente, os euros em detrimento do benefício que pudesse trazer às empresas, ao país e aos cidadãos. É uma pena, até porque os valores, comparando com a primeira e segunda geração, são particularmente insignificantes. Por isso, somos o penúltimo país na Europa a introduzir esta tecnologia” des de recrutamento que temos a nível geral, para essas áreas específicas. Por outro lado, existe uma componente mais digital. Todas as áreas da logística, e do retalho em particular, estão em busca de uma reformulação de processos, fazendo a sua digitalização. No meio disto tudo, as pessoas podem não estar preparadas para este salto. Há aqui um esforço muito grande que todos temos de fazer de “reskilling”. Temos de ter capacidade para passar novas competências às pessoas que vão trabalhar com uma plataforma digital ou com um modelo de controlo dos sensores de 5G numa infraestrutura industrial. O que está previsto é que esse esforço de formação esteja rapidamente implementado, muito suportado também nas verbas que o Plano de Recuperação e Resiliência prevê.
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As pessoas, e as empresas em particular, vão ter de criar as condições para não só tornar mais apetecíveis as condições de trabalho neste sector, dignificando-o até do ponto de vista social, e ao mesmo tempo, entrando numa área de sofisticação, ter a capacidade de “reskilling” dos intervenientes. GC - O mundo mudou, as cadeias de valor também, o comércio livre e aberto é o dínamo da globalização, mas, atualmente, encontra-se a passar por um dos seus momentos mais complicados, com fluxos tensos na cadeia de abastecimento e problemas nos portos asiáticos para fazer escoar mercadorias. A atual crise dos chips é paradigmática. Quais as consequências que poderemos esperar destas tensões, ao nível do sector logístico? RM – Já as estamos a sentir no dia-a-dia. Hoje é diferente do que foi ontem e seguramente diferente do que será amanhã. O número de fatores que controlamos é diminuto. Um país com a nossa dimensão não tem capacidade para os poder gerir. Dou-lhe alguns exemplos. Hoje em dia, os transportes internacionais são feitos por empresas globais. Se um dia decidem escalar em Sines, Lisboa ou Leixões, muito bem, mas se, na semana seguinte, decidem ir diretamente para Roterdão podem fazê-lo e nós não somos ouvidos nem achados. O impacto que isso tem nas operações do país, que sofreu mais sete ou oito dias de atraso, pode ser considerável. A crise que está a atravessar as cadeias logísticas, pela pandemia e pelas capacidades de reação distintas dos diferentes países – veja-se a lógica chinesa de “zero Covid”, que faz com que se um operador de uma grua, no porto de Xangai, testar positivo todo o porto encerra durante dois dias, com um impacto brutal -, associa-se ao facto dos armadores tentarem, nos últimos dois anos, ganhar o dinheiro que não conseguiram nos últimos 10, tornando-se inflexíveis, reduzindo capacidade ou colocando opções de reserva de espaço também brutais (já existem movimentos, a nível da União Europeia, para pressionar os armadores a terem um pouco mais de moderação nesta sua forma de querer recuperar rentabilidades que não tiveram). E tudo isto se combina com toda a desregulação que existe nas diferentes cadeias. Que irá durar mais um ou dois trimestres já o escuto há ano e meio. Sinceramente, é difícil de prever. O conselho que daria a todas as entidades envolvidas neste sector é que comecem a procurar, com afinco e rapidez, planos de contingência e alternativas de sourcing. As cadeias longas e complexas, salvo em pouquíssimas situações, não vão ter futuro, porque isso implica, como já acontece hoje, a existência de stocks intermédios, o que nos traz custos de capital. Com a inflação, o custo do dinheiro vai ser ainda mais caro e entra-se numa espiral negativa que vai obrigar muitos sectores de atividade a repensar as suas fontes de abasteci-
bem-vindo a uma cadeia de abastecimento verdadeiramente ecológica
Reduza a sua pegada de carbono de forma circular, usando as nossas paletes com certificação PEFC e serviços de logística que maximizam a eficiência dos seus transportes. together towards a sustainable future
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mento. Não se trata do fim da globalização, mas de algumas cadeias demasiado complexas que não suportam fatores de risco como aqueles que estamos a viver. GC – Poderemos equacionar um movimento de “desglobalização”? Isso seria benéfico para as economias europeias e, em particular, a portuguesa? RM- É difícil de responder, porque, na Europa, temos, por um lado, essa necessidade de relocalização, mas, por outro, não temos pessoas para trabalhar. Há sectores cuja transferência não se faz num estalar de dedos, implica um conjunto de competências e a formação de uma bolsa de pessoas. Veja-se o caso da AutoEuropa, que montou uma escola dois anos antes de se instalar em Palmela, escola esta que continua a existir. Todos os anos, “produz” um conjunto de profissionais aptos para trabalhar quer na AutoEuropa, quer nas suas associadas. Agora, podemos, nalguns sectores de atividade, recuperar algum grau de autonomia. O exemplo do têxtil é paradigmático. Devemos fazer um reforço nas potencialidades
“Dificilmente, as empresas de retalho fugirão à necessidade de passar uma parte do custo para os clientes. A inflação vem ligar ainda mais o ‘complicómetro’ deste tema” que o país tem relativamente à produção têxtil. A Zara faz compras em Portugal. Ao contrário do que as pessoas possam pensar, a globalização está mais ameaçada pela sustentabilidade do que pela rentabilidade das operações. Mesmo com estas dificuldades todas, continua-se a comprar na Ásia. Mas, quando se começar a colocar a questão da pegada carbónica – veja-se os exemplos das maçãs que vêm do Chile e dos alhos que vêm da China – e se fizer essas contas, ficaremos aterrorizados. Esse esforço de globalização vai deixar de compensar para algum tipo de produtos.
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Compensará sempre para os que têm valor acrescentado, que justifique a sua dispersão em quatro ou cinco países. Existe uma oportunidade de relocalização se pensarmos além da realidade nacional ou, até mesmo, ibérica e alargarmos à bacia do Mediterrâneo. Resolve-se a questão da componente de pessoal e da falta de mão-de-obra especializada. Tradicionalmente, tínhamos uma cadeia vinda da China na casa dos 45 dias. Neste momento, temos 60 dias, quando calha. Podemos ter 70 ou até 80 se a dimensão da encomenda não for muito grande. No Mediterrâneo, falamos em períodos de 24 horas ou no máximo cinco ou seis dias, se vier da Turquia. Estamos a falar em dimensões cujo impacto, do ponto de vista dos stocks e do capital, não são comparáveis. Não é panaceia para todos os problemas, mas, pelo menos, não caímos na tentação de, à mínima necessidade de encomendar, só pensarmos numa dada região, até por uma questão de concentração de risco absolutamente desnecessária, que pode ser ainda mais penalizada por uma situação de pandemia como a que aconteceu. GC - Também muito se fala na falta de contentores, que vem provocando graves disrupções nas cadeias logísticas de todo o mundo. Atualmente, vive-se no comércio internacional uma “tempestade perfeita”? Esta crise de contentores está a pressionar as empresas portuguesas exportadoras? RM – Está claramente. Atrevo-me a dizer que pressiona mais as empresas exportadoras do que as importadoras. Imagine a empresa de retalho A que faz compras na China. Tem muito mais alternativas no tema dos contentores, do pagamento das taxas de urgência ou da mudança de modo de transporte do que a empresa B exportadora a partir de Portugal, que está limitada pelo número de contentores disponíveis. Um país pequeno como o nosso, que é completamente periférico do ponto de vista de transporte marítimo e stock de contentores, tem muito mais dificuldade em arranjá-los, desde logo, e garantir que os navios escalam religiosamente nos seus portos, como no passado. Hoje em dia, a expressão de “blanking”, que é saltar escalas, faz parte do dia-a-dia. Um navio toma a decisão de não escalar em Sines e paciência. O exportador tem uma dupla penalização, não só pelo custo e dificuldade acrescidos em arranjar os contentores, como está sujeito ao não cumprimento de prazos de entrega. E sabemos bem que, nos dias de hoje, que são difíceis para todos os exportadores, um contrato que não seja cumprido tem imediatamente a possibilidade de rescisão por parte do cliente. GC - Com o regresso ao chamado novo normal e o soar das campainhas para um possível aumento da inflação, considerando a subida que se tem registado ao nível dos preços dos contentores, fruto da sua escassez, que cenários podemos antecipar? RM – O mercado, mais cedo ou mais tarde, terá alguma capacidade de regulação. Estou convencido que haverá alguma estabilidade, quanto mais não seja pela conjugação de fatores adversos. Quando os valores dos fretes marítimos começam a ficar demasiado altos, surgem alternativas que não nos passariam pela cabeça há quatro ou cinco anos. Já há empresas
a assegurar transporte rodoviário a partir da China. O recuo da procura em algumas regiões, o aparecimento e o fortalecimento de alternativas e alguma deslocalização que possa vir a existir irão criar condições para retirar alguma pressão da cadeia, quer do ponto de vista dos contentores vazios, regularizando o mercado, quer das cotações dos contentores cheios. Quanto irá demorar esta regularização? Não posso dizer. Pelo caminho vai haver alguns mortos e bastantes feridos. GC - Face a todas estas tensões (disrupções na cadeia de abastecimento, crise dos contentores, aceleração da digitalização, etc.), que consequências podemos esperar para o tecido económico nacional, nomeadamente, ao nível das empresas de retalho, que se encontram já na parte final da cadeia? E para o consumidor, elo final da mesma? RM – Dificilmente, as empresas de retalho fugirão à necessidade de passar uma parte do custo para os clientes. A inflação vem ligar ainda mais o “complicómetro” deste tema. Em contexto de inflação, todos sabemos que há também especulação. Nestes períodos, fazem-se grandes fortunas. Para minimizar estes impactos, as empresas de retalho não só anteciparam compras, assumindo o sobrecusto de stocks, como procuraram soluções alternativas de transportes, com custos acrescidos, assim como outras fontes de sourcing. Não tenhamos dúvidas de que, com o acréscimo nos stocks e nos custos de transporte e alguma sobrestockagem que, nalguns casos, vai conduzir à degradação do produto e a uma perca que terá de ser compensada por outro tipo de venda e rentabilidade, uma quota-parte vai passar para o cliente. Acredito que haja um esforço bastante grande, por parte dos retalhistas, para tentarem, a montante e internamente, absorver estes acréscimos, mas há aspetos que são incontornáveis. O exemplo mais gritante, e que para mim tem um impacto brutal na rentabilidade e nos preços de venda ao público, é a questão da energia. Desde o início do ano, a gasolina aumentou já 25% ou 26% e o gasóleo 22%. Já para não falar da energia elétrica. É impossível que não haja reflexos nos preços de venda dos produtos, sejam eles para consumo interno, sejam para exportação. Esse impacto, enquanto consumidores, vamos seguramente senti-lo no curto prazo. GC - Ao longo desta conversa falámos constantemente de desafios, mas serão estes desafios também uma oportunidade? RM – Claro que também são oportunidades. Fala-se muito do desafio da digitalização, mas constitui também uma oportunidade e uma vantagem competitiva. Já abordámos os nossos portos e de que modo isso também se reflete na nossa capacidade de reexportação. Outro exemplo de oportunidade é conseguirmos conciliar um maior serviço ao cliente
"O que gerimos, enquanto consumidores, são as expectativas que nos são criadas. Se forem cumpridas, para nós, trata-se de uma entrega perfeita"
nos centros das cidades, sem colocarmos em causa a qualidade de vida e a sustentabilidade. O país tem espaço, a tecnologia está acessível e existem boas infraestruturas para que possa captar alguns investimentos da chamada reindustrialização ou de alguns “clusters”, como a possível zona franca junto de um grande porto que já referi. Trata-se de uma oportunidade de ouro, porque podemos captar investimentos de grandes empresas que possam fazer um pouco aquilo que fez a AutoEuropa, há quase 20 anos, em Palmela, com todo o ecossistema que criou. Temos desafios, sim, mas um conjunto muito interessante de oportunidades, não esquecendo o fator diferenciador que são as pessoas. A nossa capacidade de formar bons profissionais, que sejam reconhecidos a nível europeu, faz com que qualquer investimento tenha, à partida, a garantia de que, do ponto de vista dos recursos, está bem apetrechado. GC - É possível pensar numa entrega perfeita? É algo alcançável? RM – Penso que há muitas entregas perfeitas. São as que não vêm para trás... A entrega perfeita, mais do que o somatório de um conjunto de indicadores, é o cumprimento das expectativas do cliente. Quando fazemos uma encomenda, desconhecemos quais são os KPIs da empresa que produz, da que distribui, do call center, etc. O que gerimos, enquanto consumidores, são as expectativas que nos são criadas. Se forem cumpridas, para nós, trata-se de uma entrega perfeita. Do ponto de vista do consumidor, e é isso que deve mover as empresas logísticas, não os KPIs, tem de haver uma maior preocupação com as expectativas que são geradas no cliente. Se forem cumpridas, o produto entregue nas melhores condições e o último toque, que é humano, a entrega pessoal do produto, for feito nas melhores condições, essa entrega é perfeita.
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OPINIÃO
VENDER ONLINE, DE OPÇÃO A IMPERATIVO Durante os últimos 18 meses, temos assistido a uma grande revolução, tanto a nível individual, como social e também económico. Fechámos e reabrimos o mundo, em fases e ritmos diferentes, consoante a realidade dos diferentes países e cidades, enfrentando uma crise mundial sem precedentes. Tal como todas as revoluções, esta também trouxe mudanças. Algumas de curta duração, outras que impactarão as nossas vidas ao longo das próximas décadas.
e offline. Prevê-se que, em 2021, as vendas de e-commerce atinjam 17,5% do comércio a retalho, resultando no crescimento deste sector, sobretudo dentro da indústria da moda. De facto, estima- se que, até 2023, as vendas de moda online tenham ultrapassado os 2.080 milhões de euros, mais 75% do que em 2017. É notório que o canal de vendas online já não é uma opção, mas sim um imperativo para todas as empresas que se pretendam manter relevantes no mercado.
Uma dessas mudanças resulta do comércio eletrónico, que, embora já se tenha destacado como uma tendência de crescimento exponencial antes da pandemia, encontrou nesta o seu ponto de inflexão definitivo. Nunca assistimos a uma aceleração tão drástica das vendas online, em tão pouco tempo. Em Portugal, estima-se que as vendas de e-commerce tenham crescido cerca de 50%, em 2020, mais que o dobro da média mundial. E o que se prevê para 2021 é ainda mais interessante, com previsões de que, no final deste ano, mais de 60% da população portuguesa terá comprado algo pela Internet. É importante analisar o que mudou devido à pandemia e compreender os seus impactos a longo prazo. Nesse sentido, há que destacar três mudanças fundamentais.
Nos 15 anos que tenho enquanto especialista no sector da grande logística, nunca vi tanto interesse neste tema por parte das empresas que, agora, consideram-no absolutamente prioritário nas suas estratégias de negócios. E esta é a terceira das mudanças fundamentais a que me referia: a logística tornou-se sexy. Desde anedotas como a escassez de papel higiénico, farinha e leveduras nos supermercados, durante os momentos mais difíceis de confinamento, até à conversão, em tempo recorde, de aviões de passageiros numa frota de carga para poder transportar equipamentos de proteção para pessoal médico e de primeira linha a toda a velocidade, passando pelo enorme aparecimento de transações online a que nos referíamos ligadas ao mercado de e-commerce, as cadeias de abastecimento tiveram de se adaptar muito rapidamente a cenários de todos os tipos. Alguns extraordinariamente críticos, que ninguém tinha planeado. E conseguiram. A logística tornou-se num elemento de diferenciação para qualquer negócio que queira ser competitivo no novo normal.
NABIL MALOULI Vice-presidente de e-commerce da DHL Supply Chain
A primeira é que, em apenas 10 meses, o crescimento do e-commerce observado nos cinco anos anteriores foi igualado. Uma curva impressionante, mas que se estabilizará este ano. À medida que a “normalidade” for retomada, e embora o volume de compras online continue a crescer, espera-se uma desaceleração deste aumento. Em todo o caso, o que temos vivido, nos últimos largos meses, fez com que muitas organizações reforçassem significativamente as suas estratégias de venda online e repensassem as suas cadeias de abastecimento para colmatar as necessidades deste mercado. Muitos dos consumidores que ainda estavam reticentes perderam o medo e as compras digitais foram impulsionadas. Sem surpresas, grandes marcas como a Nike ou a Adidas estimam que mais de 50% das suas vendas será online nos próximos anos. Isto resulta na segunda mudança fundamental: a convergência definitiva entre os canais online
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Quais são os próximos passos e tendências? Muitos e variados. Mas destaco a tripla sustentabilidade, proximidade e digitalização. Falemos deles separadamente. Segundo o relatório “Who Cares, Who Does?” elaborado pela Kantar com dados de 2020, 59% dos consumidores está preocupado – moderadamente ou bastante – com o ambiente, sendo que era 51% no ano anterior. A pandemia aumentou a sensibilidade sobre o ambiente. A sustentabilidade da logística, em geral, e a cadeia de abastecimento, em particular, são fundamentais. Ainda para mais com os aumentos nas transações de comércio eletrónico que
estamos a observar, desenhando um cenário em que tudo conta, desde o tipo de veículo que é utilizado para a distribuição – e como é utilizado para otimizar a carga –, até ao tipo de embalagens de produtos e a sua reciclagem. Absolutamente todos os pontos de uma cadeia de abastecimento têm impacto na redução da pegada de carbono e as empresas precisam de investir na melhoria deste aspeto. Velocidade e proximidade são outros dois fatores a ter em conta. As expectativas dos consumidores quanto aos prazos de entrega estão a tornar-se cada vez mais exigentes. E a tendência vai continuar. As entregas “em algumas horas” tornaram-se um padrão em várias categorias de produto e estenderam-se a muitas cidades em todo o mundo. Desde o início deste ano, mais de dois mil milhões de dólares foram investidos em empresas de entregas imediatas na Europa. E nada disto seria possível manter sem a utilização da digitalização e da inovação tecnológica. De acordo com um estudo da
Fortune, 75% dos CEOs das 500 maiores empresas do mundo diz que a pandemia acelerou a sua transformação digital. No mundo da logística, esta tendência traduziuse num avanço exponencial da incorporação de tecnológicas de automação e robótica colaborativa em larga escala e na normalização do uso de Big Data, inteligência artificial, análise de dados ou IoT, apenas citando alguns exemplos. A utilização destas inovações deve ser “a norma” para manter a competitividade e temos de continuar a evoluir com a incorporação de outras novas tecnologias que, sem dúvida, irão aparecer a curto e médio prazo. Definitivamente, o e-commerce faz parte do nosso presente e será ainda mais comum no futuro. Um futuro em que o consumidor será cada vez mais exigente e em que os grandes retalhistas devem encontrar o equilíbrio perfeito entre a sustentabilidade, a tecnologia e a eficiência operacional. A logística, como dissemos, tornou-se sexy.
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“A IPP não é vista só como mais um operador de pooling, mas como uma alternativa” LOGÍSTICA TEXTO Carina Rodrigues FOTOS Sara Matos
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A expansão da IPP para Portugal foi o movimento lógico de uma empresa que ambiciona crescer, a nível europeu. Fazendo o mercado português parte do mercado ibérico, era inerente esta expansão. Até porque se percebeu também que era suficientemente aberto e competitivo para aceitar um terceiro operador de pooling. E não só aceitou como agradeceu, dizem-nos Ana Ferreira e Sergio Sanz, respetivamente diretora de vendas e de customer service e Country Director da IPP para Espanha e Portugal. De acordo com os gestores, a sua chegada trouxe novidade e uma oferta de serviços mais direcionada ao cliente. A IPP perspetivava ocupar um espaço de maior proximidade com o cliente e, garantem-nos, foi uma aposta ganha.
A
operação da IPP em Portugal arrancou há cerca de três anos, mas registou uma maior intensidade nos últimos dois. Uma expansão orgânica do operador de pooling que considerou que, para manter um negócio europeu, tinha de estar presente em Portugal. “Encontrámos o momento perfeito, num país com um sector do grande consumo consolidado e na vanguarda, e aproveitámo-lo. A nossa proposta de valor foi muito bem recebida, tivemos um efeito dinamizador, ao oferecer um perfil distinto, e isso fica patente nos crescimentos de dois dígitos, acima do que esperávamos”, introduz Sergio Sanz, Country Director da IPP para Espanha e Portugal. Um crescimento que a empresa quer agora consolidar, a par da sua posição como operador de pooling “capaz, confiante, que não falha e que responde quando solicitado”. Ana Ferreira, diretora de vendas e de customer service da IPP para Espanha e Portugal, considera que difícil, mesmo, foi conquistar os primeiros clientes. Depois, foi o passa-
-a-palavra a funcionar e a confiança a ser gerada. “Continuamos muito ambiciosos para o próximo ano, porque também sentimos que, se no início tínhamos que abrir muitas portas, continuaremos a ter que fazê-lo, mas muitas já estão hoje entreabertas. A IPP não é vista só como mais um operador de pooling, mas como uma alternativa. O modo como nos apresentamos e as propostas que fazemos permitem-nos esse posicionamento”, defende.
Posicionamento
Serviço, qualidade e preço são três pilares do negócio de pooling, mas a IPP considera que existe outro aspeto determinante. “Falo do cliente perceber que a nossa proposta não é fechada nem rígida, mas adequada às suas necessidades. O que é algo de diferenciador, porque num sistema de economia circular e de pooling, quando mais standard se for, melhor. É muito desafiante encontrar esse equilíbrio. O serviço é, sem dúvida, um aspeto importante, é, até, obrigatório, uma vez que sem este não estamos no mercado, assim como preço, senão ficamos fora do mercado. Mas o mais importante é essa flexibilidade e agilidade na resposta ao cliente, o que conseguimos apostando na digitalização”, explica Sergio Sanz. Até porque o sector logístico, e o negócio de pooling por consequência, enfrentam novos desafios que adicionam pressão às cadeias. Fruto da pandemia, se bem que eram tendências já em curso, o reforço dos volumes transacionados no e-commerce gerou uma enorme volatilidade em termos de pedidos, entregas e recolhas. “O maior constrangimento é a falta de previsibilidade. Durante os períodos mais difíceis da pandemia, chegámos a trabalhar com previsões à hora. Para quem tem que gerir stocks de
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Reduzir a pegada carbónica A IPP encontra-se a implementar ações para reduzir a sua pegada de carbono e o consumo de energias não renováveis. Este esforço traduz-se em várias iniciativas, como, por exemplo, a participação no programa Lean & Green ou a análise ao ciclo de vida das suas paletes. As emissões de CO2 de todas as paletes IPP que não puderem ser eliminadas são compensadas através de projetos certificados, como, por exemplo, o programa Clean CO2. Estes oferecem benefícios ambientais e sociais na geografia onde se desenvolvem e permitem a redução real e mensurável das emissões de carbono. Embora os princípios de reutilização, reparação e reciclagem sejam intrínsecos ao sistema de pooling, a empresa decidiu compensar as emissões de carbono associadas a todas as paletes na Península Ibérica, estendendo esse benefício a todos os seus parceiros, sem exceção. Ou seja, quando a IPP entrega uma palete a um utilizador, ela tem uma pegada carbónica zero. A ambição e expectativa da empresa é de aumentar os seus esforços para a redução progressiva das suas emissões de CO2. Estas iniciativas decorrem do compromisso, assumido pela IPP, de impulsionar o seu modelo de economia circular, acreditando que é a forma ideal de avançar rumo à sustentabilidade.
paletes, é muito complicado. Por outro lado, se pensarmos em algo que já se adivinhava, e que não tem tanto a ver com o e-commerce, mas com os efeitos do ‘last mile’, isso também tem vindo a forçar-nos a adaptar e a inovar”, salienta Ana Ferreira. Como tal, este é um negócio evolutivo e em constante transformação, de modo a oferecer cada vez mais soluções aos clientes. A IPP está a ampliar o seu portfólio, sobretudo, através de aquisições de empresas, tendo como premissa, a nível do grupo, que qualquer negócio que seja escalável e que seja circular é suscetível da sua atenção. “Vamo-nos adaptando sempre na resposta ao mercado, mas sem nos desfocarmos daquilo que é, de facto, importante. E isso é que os fabricantes tenham um serviço atento, a horas, de qualidade, no momento certo. Para tal, é preciso centrar-nos na palete de 120, que queiramos ou não, é o ‘core' do nosso negócio e o equipamento de movimentação de mercadorias que mais circula na Península Ibérica. Fazemos todos os outros formatos, mas este temos de fazer muito bem”, defende Ana Ferreira.
Colaboração
A IPP está a ampliar o seu portfólio, tendo como premissa, a nível do grupo, que qualquer negócio que seja escalável e que seja circular é suscetível da sua atenção
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Adaptar às necessidades dos clientes é crítico, mas não é tudo. Nos dias de hoje, esta capacidade de adaptação anda de mãos dadas com a eficiência das operações e dos processos e com a firme aposta em sustentabilidade. No universo do pooling, há muito que se discute que a madeira irá dar lugar ao plástico. “Está-se a investigar resinas artificiais para criar um formato com consistência, mas, atualmente, para responder aos standards de qualidade e de desempenho, seria preciso uma grande quantidade de plástico, o que não é o mais sustentável. A madeira é o material mais sustentável, sempre que seja certificada. O futuro não é claro e deveríamos de, em conjunto, ser capazes de criar novos standards”, considera Sergio Sanz. Aliás, a colaboração entre os vários intervenientes será, no entender do gestor, determinante a que, no futuro, a logística possa ser ainda mais eficiente. Na sua opinião, há que criar um verdadeiro ambiente de logística colaborativa, através da standardização de produtos e da partilha de informação. “Se há alguns anos se conseguiram acordar alguns standards, se calhar, temos de pensar noutras coisas. Toda a gente tem de se envolver nessa mudança de paradigma”, conclui.
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